O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 315

ram dar, a fira de interpretar a lei, não passam de subtilezas e sophismas, mais ou menos bem architectados.

Podem dar-lhe as interpretações que quizerem; a lei é clara, e tanto que, não a podendo sophismar, foi necessario apresentar um projecto para a dispensar.

Na opinião de s. exa. era desnecessario apresentar aqui um projecto, porque a lei previne o caso. Se assim é, para que veio então o projecto, para que o justificam, para que o discutem, e para que insistem tanto por elle?

O projecto veio, porque a lei é clara e sem elle não póde fazer-se esta excepção, que se pretende, em favor do sr. Avelino.

Eu não desejava entrar na apreciação das rasões porque o sr. Avelino não foi despachado; mas, visto que o sr. relator engrandece tanto esse facto, considerando-o como um louvavel e honroso melindre, eu direi então, que esse facto não revela senão o interesse de conservar o logar de ajudante de procurador geral1 da coroa, logar que perderia, se fosse promovido á 2.ª classe e tomasse posse. Se não querem que eu falle com esta clareza, não venham elogiar o que mereceria evidentemente censura.

Este é que é o facto.

Ponham portanto de parte as intenções, que, sendo do foro intimo, e portanto vedadas ao nosso espirito, não devem ser discutidas.

O sr. Mártens Ferrão sustentou tambem, que o projecto não importa dar á lei o effeito retroactivo.

Esperava, que s. exa. me explicasse essa asserção com a sua bella intelligencia e com todo o seu talento. Havendo direitos adquiridos, sob a protecção da lei, e sendo atacados por este projecto, o effeito da retroactividade é evidente e claro. Pois não existe uma lei, que determina. as condições, em que devem ser feitas as promoções, e o modo por que se deve contar o tempo de serviço?

Não compete, em virtude do artigo 5.° dessa lei, ao supremo tribunal de justiça fazer a proposta, para o ministro escolher os juizes, que chegarem á altura de ser promovidos? Em virtude, pois, de que principios, e em nome de que direitos se despacha por um acto do poder legislativo, um juiz, substituindo-se no caso sujeito o poder legislativo ao poder executivo e judicial? Permitta-me o meu illustre collega, que lhe diga, que a causa é tão má, que os absurdos seguem-se uns aos outros da doutrina que s. exa. tem sustentado, e que nem o seu elevadissimo talento e muito saber conseguiu defender a excepção odiosa de que se trata.

O projecto tem effeito retroactivo, como demonstrei á evidencia. Pergunto, pois, ao sr. relator, se o projecto tem effeito retroactivo, e se dispensa a consulta do supremo tribunal de justiça, invadindo-lhe assim attribuições, que são privativas d'aquelle tribunal; se isto é um ataque ou não á carta constitucional, que marca, como já disse, a independencia do poder judicial no artigo 118.° e no artigo 145.° § 2.°, determina que a lei não póde ter effeito retroactivo? Artigos ambos declarados constitucionaes pelo artigo 144.°

Sendo assim, como na realidade é, a camara não póde por forma alguma legislar sobre este ponto, e se legislar, os individuos estão no seu direito de não obdecerem á lei e os juizes de a não cumprirem. Isto é uma cousa clarissima, á face dos principios e das doutrinas de todos os publicistas. Se a liberdade civil consiste no direito de fazer o que a lei não prohibe, tudo o que não é prohibido é permittido. O que se tornaria, pois, a liberdade civil, se o individuo fosse coagido nos seus actos licitos, dentro da esphera de sua actividade, ou perturbado nos seus direitos adquiridos por uma lei posterior?

Admittida a retroactividade, desappareeeria toda a nossa legislação, não haveria nada seguro nem estavel. Estabelecer-se-ía, ou a anarchia ou o despotismo, a segurança social fugiria, e os direitos de cada um não seriam mais respeitados, nem garantidos.

Veja a camara a que conclusões nos póde levar um favor d'esta ordem, feito especialmente a um individuo.

Sr. presidente, disse ainda o sr. Mártens Ferrão, que não têem applicação os artigos do codigo civil, que citei. Eu não sei se têem, ou não têem; o que sei porém e peço á camara que o note, é que o codigo civil francez artigo 2.° e a legislação de todos os paizes cultos confirmam a doutrina dos artigos 8.° e 1:173.° do nosso codigo civil, que explica a retroactividade e os direitos adquiridos. Não é, pois, esta a nossa questão? Não tem forcejado o illustre relator por demonstrar, o que não. tem podido conseguir, que nem ha pelo projecto retroactividade, nem offensa a direitos adquiridos? Se a propriedade dos direitos adquiridos se manifesta pela posse, quem poderá contestar aos juizes, que tomaram posse na 2.ª classe, essa propriedade? Apesar da proposta do supremo tribunal foi despachado o sr. Avelino? Tomou posse? Teve exercido? Não; e não podia, pois, já que não tomou posse, como a tomaram os outros collegas de s. exa., que foram propostos, despachados e exerceram o logar, ter direito algum á sua antiguidade.

Aqui tem a camara como se conta o tempo para a antiguidade e de onde provem os direitos adquiridos. Portanto, por mais esforços que faça o sr. Mártens Ferrão, não é capaz de destruir o que é expresso e claro.

Sr. presidente, uma duvida que eu aqui tambem apresentei foi que, passando esta lei, e sendo por ella promovido o sr. Cardoso Avelino, sem haver logar vago, não sabia como lhe dariam collocação na respectiva classe, a não ser que por esta nova lei se criem juizes supranumerarios. Mas, n'este caso, pergunto ao nobre relator, como hão de elles funccionar?

Para passar qualquer juiz de classe para classe é necessario que haja vaga, e havendo-a, o supremo tribunal de justiça consulta sobre o merito e antiguidade, e só depois é que é preenchida essa vaga pelo despacho do ministro.

A isto respondeu o sr. Mártens Ferrão que passava ao quadro da magistratura, o que equivale a dizer que se faz uma lei de favor para o sr. Cardoso Avelino ser promovido á 2.ª e l.ª classe, e ao mesmo tempo, para passar ao quadro da magistratura, o que é um castigo!

Lei para premiar e castigar o mesmo individuo é cousa nova nos annaes parlamentares.

Veja a camara a que absurdo conduz a negação dos verdadeiros principios!

O principio consignado está tão confuso que o sr. Mártens Ferrão, apesar de ser procurador geral da corôa, não sabe ainda como elle se ha de executar; e se o sabe diga-o e explique-o á camara.

Promove-se por este projecto o sr. Avelino á l.ª classe, sem ser ouvido o supremo tribunal de justiça, ou é ouvido?

No primeiro caso, ha manifesta invasão de poderes. No segundo, a lei fica letra morta, porque aquelle tribunal não se póde regular senão pela lei de 21 de julho de 1855. – D’este dilema não se foge.

Que escolha, pois, o sr. relator a hypothese que mais lhe convier, que o absurdo será a consequencia necessaria.

É impossivel justificar o projecto; e insistindo eu em o combater, não me lisongeio com a idéa de poder com as minhas palavras illustrar a camara; o que desejo tão somente, e o que me parece necessario é que fique bem consignado, que o projecto importa unicamente uma excepção de favor, accompanhado de circumstancias aggravantes.

Diz ainda o sr. Mártens Ferrão, que as difficuldades provem unicamente do sr. Avelino não ter acceitado a promoção, quando foi proposto, por uma questão de melindre.