DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 317
Sr. presidente, para se dar ao eleitor a independencia, é necessario, primeiro que tudo, que os governos dispam de si todas as armas que têem para exercer pressão sobre elle. (Apoiados.)
É necessario que as leis sejam cumpridas por fórma que o direito se exerça o mais desassombradamente possivel, e que para as pressões, que podem ser exercidas pelas auctoridades ou pelos influentes, se estabeleçam e appliquem as mais rigorosas penas, como, por exemplo, para a compra de votos, e mil outros meios illegaes de que se usa.
Aqui 1 em v. exa. como se póde garantir a independencia; mas, alem d'isto, é indispensavel derramar por todo o paiz a instrucção, a fim de elle adquirir o conhecimento dos seus direitos e deveres. No estado actual, a maior parte dos cidadãos não tem esse conhecimento, porque lhe falta-a instrucção.
Julga v. exa., e a camara, que o povo tem conhecimento dos seus direitos e deveres eleitoraes quando dá o seu voto?
Desses milhares de eleitores que vão á urna, a maior parte d'elles não sabem nem o que é camara de deputados, nem o que são partidos, nem sabem ler a lista que votam, nem conhecem a pessoa em quem votam, e só sabem que vão lançar na uma a lista, ou porque o governo os ameaçou, ou porque dependem do influente.
Sr. presidente, na sociedade só se deve dar o exercicio dos direitos aos que têem capacidade para os exercer. É isso que as nossas leis reconhecem, são estes os principios que ellas consignam. Porque não dão o exercicio de todos os direitos ás mulheres e aos menores? Porque tolhem aos dementes e aos dissipadores esse exercicio e lhes nomeiam tutores e curadores?
Póde ser eleitor, e dar-se esse direito a quem não tem capacidade para o exercei? Se assim é, se esse direito é de todos, se se conferir indistinctamente a quem está e a quem não está habilitado para o exercer, porque se ha de negar ás mulheres; e a todos os outros que pretendem exceptuar?
Se a sociedade tem facilidade de limitar direitos só o póde fazer pela justiça e moralidade, e a justiça e a moralidade aconselha que deve votar aquelle que ha de exercer o seu direito com conhecimento e independencia. Com estes requisitos satisfaremos as aspirações liberaes, e a eleição representará verdadeiramente a vontade popular.
O livre exercicio do direito sem a capacidade eleitoral, dará em resultado termos, como até agora temos tido, tanto na capital como nos districtos, uma representação de origem viciosa. O que não succederia se as eleições fossem indirectas, porque na eleição indirecta o eleitor vota em um individuo da sua freguezia, pessoa que elle conhece, e na qual confia porque sabe que os seus interesses estão ligados aos d'aquelle em quem vota, o qual ha de zelar os interesses da parochia. Assim a communidade de interesses, isto é, os interesses geraes do paiz, serão mais garantidos pela eleição indirecta, porque n'aquella o eleitor vota com perfeito conhecimento de causa, sabe perfeitamente o que faz, conhece elle proprio o individuo que o ha de representar na eleição do deputado, e tem confiança n'elle, pelas rasões que já expuz, dos seus interesses estarem ligados aos dos eleitores.
Não vemos nós nas eleições das juntas de parochia, os eleitores escolherem sempre as pessoas mais graudas, e em que elles mais confiam, aquelles que elles julgam que melhor advogarão os interesses da freguezia? Não vemos o mesmo com relação á eleição dos membros das camaras municipaes, em que o eleitor vota tambem com perfeito conhecimento de causa? Isto mostra que a eleição é mais genuina quando é feita do modo que o voto popular vá recair em pessoa conhecida dos eleitores, o que não acontecará pelo systema que aqui se propõe para a eleição dos procuradores á junta geral do districto.
Porque se ha de ir ensaiar um novo systema, quando o systema actual tem dado para os districtos tão bons resultados?
Entendo que a eleição das juntas feita pelas camaras, que são os verdadeiros representantes do municipio, que têem os seus interessos ligados, aos d'elle, e por isso têem necessidade de advogar e de zelar com toda a efficacia, é muito mais perfeita, porque não póde recaír senão em pessoas em que elles confiam e sabem que são capazes e competentes para exercer a elevada missão de que são revestidos.
Aqui estão pois os fundamentos da substituição que apresentei.
A proposito de eleições, direi ainda que um dos argumentos com que se quer sustentar as vantagens das eleições directas das camaras e juntas geraes, etc., e com o argumento da auctoridade ou antes, por exemplo, é com o que se faz n'outros paizes. Contra similhante systema protesto eu emquanto não me demonstrarem que as nossas condições são as mesmas dos paizes que me citam e apresentam para modelo.
Outro argumento de que se servem é pretendendo convencer que é menos facil corromper um grande numero do eleitores, do que quando elles são pouco numerosos. A isto respondo que a experiencia tem mostrado o contrario, e haja vista ao que tem succedido com a eleição dos deputados ás côrtes.
Nas eleições directas, os governos ou os influentes podem usar da corrupção em muito maior escala e com melhor exito, porque um grande numero do pessoas que votam têem a intelligencia pouco culta, e alem d'isso poucos meios para occorrer ás necessidades da vida; emquanto que, sendo a eleição indirecta, os cidadãos escolhem de entre os homens da sua localidade os que elles conhecem como proprios para defender os seus interesses.
E esses homens, pela posição especial em que se acham em relação aos eleitores, pela rasão mesmo de dar um passo que os desacreditaria no conceito dos seus conterraneos, com quem estão em contacto mais ou menos todos os dias, têem todo o empenho de escolher para representantes da nação os individuos, que julgam mais nos casos de exercerem o mandato em beneficio do paiz, e por conseguinte não é facil deixarem-se levar pelas suggestões das auctoridades ou dos influentes, não se prestam tanto á corrupção. Alem de que, para se chegar a um resultado efficaz, seria preciso comprehender uma longa serie de corrupções, desde o simples eleitor em primeiro grau, que elege a junta de parochia e os camaristas, até o eleitor provincial, que tem de eleger o deputado.
Portanto, o argumento que estou apreciando, e que foi apresentado era favor da eleição directa, é a meu ver contraproducente. Senão, comparem-se as camaras eleitas pelo systema que a carta constitucional tinha estabelecido, com as camaras de agora; veja-se como ellas, apesar da pressão do governo, tinham um nivel moral elevado, e como esse nivel moral baixou com a eleição directa.
Eis os motivos por que eu peço que se insira nesta reforma que discutimos, o principio da eleição indirecta.
Sr. presidente, ha tambem um ponto neste projecto de reforma, que me parece dever produzir grandes difficuldades, e vem a ser o que se refere ás commissões executivas nomeadas pelas juntas geraes dos districtos, para as representar no intervallo de sessão a sessão, e que ficam frente a frente dos governadores civis. Esta innovação e contraria ao systema seguido nas outras nações, onde nós costumamos ir buscar as instituições para as macaquear.
Este costume de imitação, que é tão familiar na indole portugueza, não desejava vêl-o tão espalhado.
Pois só pelo facto de nações mais cultas terem esta ou aquella instituição, não é motivo para nós a implantarmos, sem termos o terreno preparado para que ella se enraize e brote, de modo que dê fructos perfeitos.
Eu preferia aperfeiçoar o que temos, do que copiar in-