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N.º 37

SESSÃO DE 23 DE JUNHO DE 1887

Presidencia do exmo. sr. João Chrysostomo de Abreu e Sousa

Secretarios - os dignos pares

Frederico Ressano Garcia
Conde de Paraty

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta. - Correspondencia. - O sr. presidente participa que Sua Magestade recebera a deputação encarregada de lhe apresentar varias propostas de lei. - O digno par o sr. Simões Margiochi faz algumas declarações e envie para a mesa dois requerimentos, pedindo esclarecimentos. - O digno par o sr. Hintze Ribeiro envia outros dois de officiaes superiores de engenheria, reclamando contra o decreto dictatorial que organisou os serviços technicos das obras publicas, e conjunctamente manda tambem varios documentos relativos a uma reclamação do engenheiro Machado. - O digno par o sr. visconde de Moreira de Rey manda uma proposta no sentido de se nomear uma commissão especial, a fim de que elabore um projecto de regulamento para a constituição da camara em tribunal de justiça, e pede a urgencia d'esta proposta. - A uma observação do mesmo digno par responde o sr. presidente. - Tambem o digno par o sr. Costa Lobo usa da palavra, e após varias reflexões declara-se favoravel ao que propõe o sr. visconde de Moreira de Rey. - Submettida á approvação da camara essa proposta, é por ultimo approvada. - O digno par o sr. Francisco de Albuquerque pergunta ao tr. ministro da fazenda se é verdade não ter permittido o sr. presidente do conselho negociação alguma sobre o arrendamento das linhas ferreas do Minho e Douro. - O sr. ministro da fazenda responde negativamente, e n'este sentido de uma carta do sr. presidente do conselho. - Ordem do dia: proseguimento da discussão sobre a conversão da divida publica. - Continua com a palavra, com que ficara da vespera, o digno par o sr. Hintze Ribeiro, e concluo o seu discurso. - Levanta-se a sessão e designa-se a immediata, bem como a respectiva ordem do dia.
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As tres horas da tarde, estando presentes 32 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.

Lida a acta da sessão precedente, julgou-se approvada, na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.

Mencionou-se a seguinte:

Correspondencia

Um officio da presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo uma proposição que tem por fim ap-provar, para ser ratificada pelo poder executivo, a convenção entre Portugal e a Allemanha, sobre a delimitação das possessões de ambos os paizes na África meridional.

À commissão de negocios externos.

Outro da mesma procedencia, contendo uma proposição de lei, que tem por fim transferir para os dominios da camara municipal de Lisboa o terreno denominado Campo Grande, com todas as suas dependencias.

A commissão de agricultura.

Outro, remettendo a proposição de lei que auctorisa o governo a mandar proceder, nos terrenos da real quinta da Bemposta, á construcção de um quartel para uma companhia de infanteria da guarda municipal.

As commissdes de fazenda e de administração publica.

(Estava presente o sr. ministro da fazenda.)

O sr. Presidente: -A deputação encarregada de apre-j>entar ao augusto chefe do estado alguns projectos das cor-

tes geraes executou a missão, e foi recebida com a costumada benevolencia.

p sr. Francisco Simões Margiochi: -Participo a v. exa. e á camara, que não tenho comparecido ás suas sessões por ter estado ausente de Lisboa, e que, se estivesse presente .á sessão do dia 10 de junho, teria votado a moção do sr. Thomás Ribeiro.

Aproveito a occasião para mandar para a mesa dois requerimentos, e peço a v. exa. que lhes de o devido destino.

Leram-se na mesa os requerimentos de s. exa.

São do teor seguinte:

Requerimentos

Requeiro que, pelo ministerio da guerra, seja enviada a esta camara copia do ultimo contrato de arrematação de lanificios para o exercito, e uma nota comparativa do preço dás fazendas, tanto nesta arrematação como na que tiver havido anteriormente.

Camara dos pares, em 23 de junho de 1887. = 0 par do reino, Francisco Simões Margiochi.

.Requeiro que, pelo ministerio da fazenda, seja enviada a esta camara uma nota do movimento de drcrwbackj com relação a azeite de oliveira importado de paizes estrangeiros para as fabricas de conservas do paiz nos ultimos tres annos economicos.

Qual a importancia dos direitos depositados e dos direitos restituidos.

Camara dos pares, em 23 de junho de 1887. = O par do reino, Francisco Simões Margiochi.

Mandaram-se expedir.

- O sr. Hintze Ribeiro:-Sr. presidente, mando para a mesa dois requerimentos de dois officiaes que reclamam contra o decreto dictatorial que organisou o serviço do ministerio das obras publicas e os documentos com que o engenheiro Machado, ao serviço do mesmo ministerio, pretende instruir uma reclamação que tive a honra de mandar para a mesa em uma das ultimas sessões.

O sr. Presidente: - Aos requerimentos mandados para a mesa dar-se-ha o devido destino, enviando-os á respectiva commissão.

O sr. Visconde de Moreira de Rey:-Manda para a mesa uma proposta, da qual pede a urgencia.

Justificando-a, diz que, se bem tenhamos um regulamento interno para a constituição da camara em tribunal de justiça, comtudo fora feito antes da ultima reforma constitucional, resultando daqui não poder elle a esse tempo antever a hypothese de vir a ser a camara tambem composta de pares electivos, e tão pouco providenciar com relação áquelles processos dos membros legislativos, contra os quaes houvesse uma simples accusação.

Em seguida pondera, referentemente ao processo Ferreira de Almeida, que, em vez de o haverem mandado á commissão de legislação, o deviam ter remettido ao procurador geral da coroa, intimando-lhe o sr. presidente quaes os dias de audiencia perante a presidencia, para a final ser julgado.

A seu ver, no caso sujeito, por mais cabida que a do

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artigo 7.° tem a doutrina do artigo 15.° do referido regulamento.

Quanto á segunda conclusão do parecer sobre esse processo, reputa-a de bastante gravidade, porque estabelece um precedente, d’onde no futuro poderão advir grandes inconvenientes.

Ahi resolve-se que se aguarde o decreto do poder executivo, para que o processo siga os seus termos em audiencia de sentença, etc., quando é certo que o regulamento da camara preceitua que a sua constituição em tribunal de justiça nunca dependerá de decreto do poder executivo, salva a hypothese unica de apparecer o processo, não estando a camara reunida.

Eis, segundo pensa, alguns inconvenientes, afóra outros que omitte e a sabedoria da camara supprirá, os quaes urgem de prompto remedio, e que para serem d’elle providos o impelliram, mas sem o menor vislumbre de politica partidaria, a propor que se constitua uma commissão especial a fim de estudar devidamente este assumpto.

Com respeito, porém, á segunda parte da sua proposta, julga ter ella tanta rasão de ser, quanto, certo que a hermeneutica moderna tende a interpretar mais que o espirito a estricta letra da lei. Senão, haja vista o modo como ultimamente a camara dos senhores deputados se compenetrou da doutrina do artigo 4.° do ultimo acto addicional, resultando d’ahi que um membro do parlamento ficou em peiores condições que o mais simples cidadão!

Teme por isso que, prescrevendo esse artigo a alternativa de seguirem os processos contra qualquer membro das camaras no intervallo das sessões ou depois de findas as funcções do accusado, venha extraordinariamente a succeder tambem que resolvam processar algum par só depois de morto, pois que sómente por morte findam as funcções dós pares vitalicios!

Deixando este assumpto, passa depois a tratar rapidamente da discussão travada na vespera entre o sr. Ressano Garcia e o sr. Hintze Ribeiro.

N’este sentido admira os discursos de ambos os dignos pares, mas lembra que, tendo o sr. Hintze Ribeiro contribuido tanto para se introduzir n’aquella assembléa o elemento electivo, s. exa. não deve estranhar qualquer phrase mais pungente ou o fervor em que o debate requintou, per tudo isso apenas ser uma simples primicia de quanto no porvir fructificará a sua obra.

Todavia, muito para causar estranheza era haver exclamado s., exa. ao seu antagonista: O senhor é novo, e é a primeira vez que vem aqui! — A isto sómente oppõe que, ao tomarem posse dos seus logares, todos ali entram pela primeira vez, porém todos com a mesma plenitude de direitos.

Mas o que sobretudo o impressionára, fôra a referencia á eleição de chefe para o partido regenerador.

Desde que o sr. Hintze Ribeiro declarára que, não só se tratava d’essa eleição, mas consequentemente de organisar um partido, e, portanto, da manutenção dás instituições e dos interesses mais serios do paiz, havendo sobre tal eleição divergencia; a todos assistia o direito de attentar no que se fazia e apresentar as observações que entenderem ácerca do que é de tamanha vantagem publica. Por isso não teria tambem duvida de ir apreciando os factos á medida que se forem dando.

Porém o certo era que as instituições politicas e os interesses mais serios da nação, jamais podiam estar á mercê de meia duzia de individuos que particularmente se reuniam para eleger um chefe.

Entretanto, como quer que façam a sua eleição e busquem substituir um homem insubstituivel, o que tambem não tem duvida é que para si nunca o elegerão.

Conclue por advertir que este assumpto é muito grave, que já d’elle provieram dissabores e podem ainda resultar consequencias mais tristes.

(O discurso do orador será publicado na integra, quando haja revisto as notas tachygraphicas.)

Leu-se na mesa a proposta do sr. visconde de Moreira de Rey,

Eu a seguinte:

Proposta

Proponho a nomeação pela mesa de uma commissão especial de cinco membros, a qual com urgencia submetta á camara um projecto de regimento para a constituição da camara dos dignos pares do reino em tribunal de justiça, sem prejuizo de quaesquer processos pendentes, e se o julgar necessario apresente tambem o projecto de lei organica dos artigos 3.° e 4.° do ultimo acto addicional e mais legislação correlativa.

Sala das sessões, 23 de junho de 1887. — Visconde de Moreira de Rey.

Foi admittida á discussão.

O sr. Presidente: — Vou propor a urgencia. Os dignos pares que approvam a urgencia, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvada a urgencia.

O sr. Presidente: — Agora permitta-me a camara que eu de uma simples explicação. O artigo 7.° do regulamento interno, diz que quando algum processo for remettido a esta camara, o presidente dará d’elle conhecimento aos dignos pares, e o enviará á commissão de legislação. Cumpri esta disposição do regulamento, e, alem d’isso, dando conta á camara da entrada do processo a que alludiu o digno par o sr. visconde de Moreira de Rey, disse que me parecia que esse processo, em vista do artigo 7.° do regulamento, devia ser remettido á commissão de legislação. A camara ouviu a minha indicação, e não se pronunciou contra ella.

Sobre este ponto nada mais tenho a dizer, e emquanto ao incidente occorrido na sessão de hontem, parece-me que não é agora a occasião opportuna para se tratar de similhante assumpto.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Não fiz a minima allusão a v. exa., e, pelo contrario, disse que a mesa tinha procedido em conformidade com as disposições do artigo 7.° do regulamento interno.

Mais adiante o artigo 15.° diz o seguinte:

«Nos crimes dos deputados, cuja accusação é mandada continuar, nos termos do artigo 27.° da carta constitucional, não terá logar o que fica disposto ácerca da pronuncia; e por isso, em taes crimes, só haverá logar á instrucção do processo plenario perante a presidencia, para a final ser julgado em audiencia solemne do tribunal.»

Esta disposição refere-se á pronuncia. Dito isto, repito que estava longe do meu animo a menor censura a v. exa. ou á camara, e sou o primeiro a reconhecer que este negocio é tão obscuro e tão complicado, que não tenho duvida em declarar que me submetto com todo o respeito ás deliberações de v. exa. e ás da camara.

(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)

O sr. Presidente: — Agradeço as expressões que o digno par acaba de pronunciar. Como no meu espirito existiam algumas duvidas, quiz consultar á camara antes de enviar o processo á commissão de legislação.

O sr. Costa Lobo: — Pedi a palavra para me referir á proposta do sr. visconde de Moreira de Rey; mas antes d’isso, permitta-me a camara que faça algumas observações ácerca do ultimo assumpto a que s. exa. se referiu.

Não quero por fórma nenhuma intrometter-me nos conselhos que s. exa. dirigiu ao partido regenerador. S. exa. parece-me que apresentou uma carta de guia do seu procedimento, mas, infelizmente, escripta em termos tão vagos e tão genericos, que eu, apesar de prestar muitissima attenção ás palavras do digno par, declaro francamente que não comprehendi.

Vejo-me, por isto, realmente embaraçado, tanto mais que s. exa. disse que ha de ir apreciando os acontecimen-

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tos á medida que elles forem apparecendo. Não comprehendi as palavras de s. exa. ...

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Se s. exa. tivesse assistido á reunião a que me referi, e presenceasse o que lá se passou, comprehendia perfeitamente. Muito de proposito não quiz ser mais claro.

O Orador: — Visto que essas reuniões têem um tanto ou quanto de Eleusinas, nada mais direi sobre ellas, mesmo porque o facto não me respeita pessoalmente.

O digno par foi um oppositor acerrimo ás reformas constitucionaes. Tratou-as com a severidade da sua palavra, com a sua eloquencia, e com grande vastidão de conhecimentos. Eu defendi essas reformas, e como as defendi, é claro que, desde o momento em que as vejo atacadas, tenho obrigação moral de tomar a palavra é dizer alguma cousa, a fim de sustentar o meu modo de ver.

Referindo-me ao que s. exa. disse relativamente aos dignos pares eleitos, eu devo declarar a s. exa. que, desde o momento em que se votou a reforma constitucional, esta assembléa não se póde considerar como camara de pares, senão com a presença dos que são electivos; e, portanto, não me parece que s. exa. deva fazer distincções entre pares electivos e pares vitalicios.

A lei determina que não haja nenhuma distincção.

Eu pugnei pela necessidade urgente da introducção n’esta camara dos dignos pares electivos, e agora que elles aqui estão, têem direitos iguaes aos nossos.

S. exa. referiu-se de um modo desfavoravel aos dignos pares electivos.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Eu não me referi com desfavor aos dignos pares electivos, disse positivamente o contrario, que era tanto por uns como por outros, e se por algum d’elles quebrei lanças, foi por um par electivo contra um vitalicio, porque fui pelo sr. Ressano Garcia contra o sr. Hintze Ribeiro.

Disse mais que elles eram iguaes a nós e que tinham os mesmos direitos. Eu tributo a mesma consideração, tanto aos dignos pares vitalicios como aos dignos pares electivos.

O Orador: — Já vejo que não comprehendi bem o digno par. É sina minha, mas ainda bem que s. exa. está plenamente de accordo commigo, quanto aos dignos pares electivos.

Agora vou fallar sobre um outro assumpto, a que o digno par tambem se referiu.

S. exa., alludindo ao artigo 4.° do novo acto addicional disse que a camara podia decidir que o processo seguisse depois de findas as funcções do accusado, e como as funcções dos dignos pares vitalicios só terminam pela sua morte, tornando aquella resolução, segue-se que elles unicamente poderiam ser julgados depois de mortos.

Mas nós porventura devemos suppor que uma camara decrete um absurdo d’esta ordem? Um impossivel?

Se a camara assim o resolvesse, tinha perdido o juizo. A camara não póde decidir disparates.

A carta constitucional está cheia de disposições d’esta natureza.

A carta constitucional diz: «Ao poder legislativo compete fazer leis, etc.»

Pois isto porventura póde dar direito a uma camara de fazer todas as leis más?

Não, senhores, dá-lhe o direito de fazer leis boas e justas.

Diz mais a carta constitucional: «Crear ou supprimir empregos publicos.»

Pois esta attribuição do poder legislativo dá-lhe tambem o direito de supprimir todos os empregos?

De certo que não.

Eu devo dizer a s. exa. que o seu modo de argumentar é casuistico, e asseguro lhe que esta assembléa é incapaz de decidir de fórma tão desconnexa com relação aos pares vitalicios.

Sr. presidente, pedi tambem a palavra para declarar a v. exa. e á camara que apoio a proposta do digno par o sr. visconde de Moreira de. Rey.

Eu já tive occasião de me referir a um dos pontos em que s. exa. insistiu, e parece-me que elle em si constitue o objecto que mais principalmente deve merecer a attenção da illustre commissão, por isso que qualquer membro do parlamento, no estado actual das cousas, tem menos direitos do que o mais obscuro cidadão, visto que, se for pronunciado, não lhe é licito aggravar da injusta pronuncia, nem appellar para os tribuna es superiores.

Tenho dito.

(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)

Leu-se na mesa a proposta do sr. visconde de Moreira de Rey, que foi approvada.

O sr. Francisco de Albuquerque: — Tencionava, sr. presidente, fazer algumas reflexões relativamente a diversos assumptos; mas, como a hora vae adiantada e a camara está anciosa por entrar na ordem do dia, limitar-me-hei a dirigir uma pergunta ao sr. ministro da fazenda, pergunta que me foi suggerida pela leitura de uma carta do sr. Henrique Burnay, publicada no Jornal do commercio.

Eu sei, sr. presidente, que, em regra, se não devem trazer para o parlamento as discussões da imprensa; casos ha, porém, em que, não só temos o direito, mas o dever de nos referir a ella, tal é a importancia dos assumptos, em cujo numero entra aquelle a que vou alludir; por isso vou fazer uma pergunta ao governo.

Na carta, escripta por aquelle cavalheiro ao presidente do sindicato portuense diz-se o seguinte.

(Leu.)

Se bem me recordo, por parte do governo fizeram-se na outra casa do parlamento declarações diametralmente oppostas ao que aqui se dissera e isso me leva a pedir ao sr. ministro da fazenda uma clara e precisa explicação a este respeito, que julgo indispensavel para restabelecer a verdade dos factos, caso esteja habilitado para a dar.

Aproveito a occasião para declarar a v. exa. e á camara que tenho faltado a algumas sessões por incommodo de saude.

O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): — Pedi a palavra, sr. presidente, para declarar em brevissimas palavras ao digno par, que a asserção que s. exa. leu na carta que viu publicada n’um jornal de Lisboa é completamente destituida de fundamento.

E de mais, se não basta a minha palavra para garantir esta affirmativa, eu tenho aqui uma carta do sr. presidente do conselho, a mim dirigida, em que pé me diz:

«Auctoriso-o a tratar com os bancos do Porto a cedencia, por parte d’elles, da faculdade de emissão de titulos, sob a base, entre outras, do arrendamento dos caminhos de ferro do Minho e Douro, ficando a solução definitiva d’este negocio dependente da approvação em conselho de ministros.

Foi isto mesmo o que ha dias declarei na camara dos senhores deputados.

Assim, faço igualmente minha esta declaração do sr. presidente do conselho, porque a verdade é esta.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Presidente: — Passa-se á ordem do dia, e continua no uso da palavra o digno par o sr. Hintze Ribeiro,

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de lei n.º 4 (conversão da divida)

O sr. Hintze Ribeiro (s. exa. não reviu}: — Sr. presidente, respondi á ultima parte do discurso do digno par, o sr. Ressano, e fallei com alguma vehemencia, porque entendi que s. exa. tinha sido injusto e extemporaneo nas,

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considerações politicas que fez, entendendo, portanto, que ellas careciam de immediata resposta.

Quanto á primeira parte da oração do illustre relator, só tenho a felicitar s. exa. pelas suas cordatas considerações e pela brilhante demonstração do seu talento e estudo.

O digno par provou bem, comquanto o seu merito fosse já reconhecido, que a tendencia do seu espirito e a sua dedicação ao trabalho o habilitam para as questões financeiras.

O que, porém, seria bom, direi ainda, era que, principalmente n’estas questões, s. exa. fosse um pouco mais justo e um pouco menos faccioso.

Agora, sr. presidente, passo ás considerações que se me offerecem fazer sobre o projecto que se discute.

O assumpto a que elle se refere é de um largo alcance financeiro; adopto o pensamento do projecto, e vou simplesmente fazer algumas observações sobre o processo a seguir na conversão.

Eu, sr. presidente, não desconheço que a conversão dos titulos da divida publica tem grande vantagem, porque é muito conveniente a reducção do nominal da nossa divida.

Ainda me lembro de que o subido nominal da nossa divida foi uma das armas que se levantaram contra o governo passado, e, por isso, tanto eu estou de accordo com a idéa fundamental do projecto, que durante a minha gerencia pensei era realisar uma reducção no nominal da divida, fazendo primeiro uma inversão dos titulos de 3 por cento em titulos de 6 por cento, e n’essa conversão eu não via inconvenientes, nem para os portadores, nem para o estado.

Os portadores não eram prejudicados nos seus legitimos interesses, porque vinham a receber o mesmo juro, nem outro é o seu direito, visto que a divida é permanente; vantagens para o thesouro, essas via-as eu, e via-as consideraveis.

Mais tarde, seria facil a conversão do typo de 6 em 5 por cento, e larga margem para lucros teria n’isso o thesouro.

Por esta fórma quebrava-se a arma de combate que tanto se empregou não ha muito contra Portugal, e abria-se um proficuo ensejo para incremento do credito do paiz.

Em 1881 fez-se a conversão dos titulos amortisaveis de 6 a 5 por cento, e foi excellente o resultado.

A conversão em que eu pensei seria, pois, sobremaneira util e de decidida vantagem.

Sendo esta a minha convicção, claro está que, longe de impugnar nos seus fundamentos o projecto em discussão, antes pelo contrario o adopto no que elle tem de mais essencial, porque se póde com esta operação diminuir os encargos da divida publica, e, portanto, effectuar-se uma conversão, a que corresponde a vantagem de uma amortisação importante.

Permitta-me agora o digno par o sr. Ressano Garcia, que eu lhe diga que foi injusto para com o meu collega e amigo, o sr. Serpa. S. exa., fallando sobre a amortisação da divida, citou varias opiniões de escriptores, ácerca do pagamento das dividas publicas, os quaes entendem ser inconveniente amortisal-as, insinuando s. exa. que o sr. Serpa tambem assim pensava; mas s. exa. esqueceu-se de um facto importante da vida politica do sr. Serpa, que foi o ter sido elle o primeiro a introduzir nos nossos titulos de divida o principio da amortisação.

Ora, não approvar o sr. Serpa este projecto em todos os seus preceitos, não quer dizer que s. exa. pensasse da fórma que o sr. Ressano Garcia imaginou, porque eu, estando conforme com as idéas do sr. Serpa, não estou de accordo com as idéas do sr. Ressano Garcia, e no emtanto approvo a idéa essencial do projecto, como já disse, não podendo acceital-o comtudo em toda a sua plenitude.

S. exa. diz que eu poderia fazer a amortisação logo que fosse extincto o deficit, e que havendo deficit em 1876; por isso julgava inopportuna a amortisação tal qual a propunha o sr. Serpa.

Ora, por este argumento, que eu não acceito, se em 1876 era inopportuna, agora o é tambem, porque ha déficit igualmente, e não póde contar-se tão cegamente com as medidas salvadoras do sr. ministro da fazenda, visto que, permitta-me s. exa. dizer-lhe, por muito boa vontade de que o sr. ministro da fazenda esteja animado, nem o digno par, e tão pouco ninguem póde ter o convencimento absoluto de que s. exa. logre extinguir o deficit.

Muitos predecessores de s. exa. o têem intentado, igualmente cheios de boa vontade, e não o têem conseguido. A s. exa. poderá succeder o mesmo.

No emtanto este projecto é principalmente destinado a substituir titulos que não teem amortisação, por titulos amortisaveis. Esta é uma das suas vantagens, estabelecer a preferencia pelos titulos amortisaveis.

Mas poder-me-hão perguntar, porque é que eu, nos emprestimos que realisei, não adoptei os titulos de 5 por cento, em vez dos titulos de 3 por cento?

A resposta é facil: é porque encontrei melhor preço para os titulos de 3 por cento, do que para os titulos de 5 por cento, e porque estas operações não impediam de fórma alguma, que mais tarde se fizesse a conversão dos titulos de 3 por cento por titulos de 5 por cento, adoptando-se o principio da amortisação.

Sr. presidente, o principio da amortisação dos titulos da divida publica, estabelecido pelo governo, não é novo, já está consignado em duas leis nossas, uma de 23 de abril de 1845, e outra de 10 de abril de 1876.

Pela lei de 23 de abril de 1845 era o thesouro obrigado a comprar no mercado titulos de divida consolidada e externa, applicando a essa compra a somma correspondente aos juros dos bonds anteriormente cancellados, e mais a quantia certa de 25:000 libras annuaes.

Esta lei tem estado suspensa, e tem estado suspensa pelo facto de importar um grande desembolso para o estado na occasião em que havia um grande deficit, entendendo-se por isso ser mais conveniente attender de preferencia aos encargos do thesouro.

Mas depois temos a lei de 10 de abril de 1876, lei da iniciativa do sr. Serpa Pimentel, que institue a caixa geral de depositos, instituição de todo o ponto util e proveitosa, e tão proveitosa que até o sr. Marianno de Carvalho destinou os lucros d’ella para o resgate dos titulos da divida publica.

Esta lei teve a sua applicação de começo, e até 1885 os lucros da caixa geral de depositos, empregados na compra de inscripções, tinham ascendido a l.000:000$000 réis nominaes.

A esses lucros pretendi eu, quando ministro, dar uma applicação differente, é verdade, em presença dos encargos que nos trazia o pagamento ás classes inactivas, e por isso eu suggeri o alvitre de, com os lucros da caixa, fundar uma instituição, que era a da caixa das aposentações, destinada a occorrer aos encargos das classes inactivas, e n’esta conformidade escrevi no meu relatorio, a paginas 27, em 1884, o seguinte:

«A proposta de lei n.° 3 tem por objecto a instituição de uma caixa nacional de aposentações.

«Sobem a 350;000$000 réis os encargos que no orçamento para o futuro exercicio se inscrevem pelos pagamentos a effectuar aos funccionarios civis aposentados. Alliviar o thesouro das largas sommas que despende com a sustentação das classes inactivas, necessidade é, cada vez mais inadiavel, etc.»

O sr. ministro da fazenda, porém, remodelou a lei que tinha sido votada quanto ás aposentações, instituiu uma caixa de aposentações e entendeu que desde então podia applicar os lucros da caixa geral de depositos á amortisação da divida por meio da conversão.

Mas n’esta parte permitta-me o sr. ministro da fazenda

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que lhe diga que os inconvenientes que s. exa. encontrava na lei de 10 de abril de 1876, relativamente á amortisação da divida, não são, a meu ver, tão graves como parecem ao espirito de s. exa.

S. exa. no seu relatorio, não condemnando, nem o principio da amortisação, nem a applicação dos lucros da caixa geral de depositos á amortisação da divida, diz entretanto o seguinte:

«... por virtude d’esta disposição legal, os lucros apurados applicaveis á compra de fundos, foram nos sete exercicios de 1878-1879 até 1884-1885, de 480:006$605 réis, faltando ainda applicar ao mesmo fim o saldo da conta de ganhos e perdas em 30 de julho de 1885, na importancia de cerca de 90 contos. Do estado actual da caixa, ainda susceptivel de melhoramento, podemos calcular a annuidade de 100 contos, destinada á amortisação da divida publica. É certo que esta annuidade capitalisada, por exemplo, em setenta e cinco annos, produziria a amortisação da enorme quantia de 199:790 contos, se ajunta do credito publico lograsse sempre comprar titulos no mercado a 54 por cento.»

S. exa. reconhecia que, sendo applicados pela lei de 1876 os lucros da caixa geral de depositos na importancia de 100 contos á amortisação da divida, nós teriamos no praso de setenta e cinco annos a amortisação completa da divida publica, mas para isso era necessario que as cotações não baixassem de 54 por cento.

S. exa. diz mais no seu relatorio o seguinte:

«Mas a propria grandeza d’aquella amortisação demonstra a impossibilidade da compra em taes condições. Com effeito, sendo a totalidade da divida interna consolidada, em 30 de junho de 1886, de 261:831 contos, vê se facilmente, deduzindo o valor dos titulos na posse da fazenda, os que se encontram no estado de inamovibilidade perpetua, e parte d’aquelles para os quaes esta circumstancia é temporaria, que o poder da amortisação absorveria toda a referida divida, e que, subindo as cotações á proporção d’essa absorpção, haveria necessidade de compral-a por taxas successivamente crescentes até ao par. Esta simples consideração mostra a impossibilidade de manter o systema da legislação de 1876, bem como a necessidade de substituil-o por outro mais racional, e que, se não immediatamente, pelo menos n’uma epocha proxima, beneficie o credito publico.»

Era aqui que s. exa. encontrava o grande inconveniente.

S. exa. entendia que seguindo-se o systema da lei de 1876 tornar-se-iam muito difficeis as operações sobre a amortisação da divida, porque, indo-se successivamente ao mercado comprar titulos de 3 por cento, este facto produziria uma alta na cotação d’esses titulos.

Ora, eu não vejo que se podessem dar por agora os inconvenientes indicados pelo sr. ministro da fazenda, porquanto, applicando-se os lucros da caixa geral de depositos á amortisação da divida, esta operação, por muito tempo ainda, não iria influir sensivelmente na cotação dos titulos de 3 por cento.

E, portanto, a lei de 1876 poderia continuar em vigor por agora, sem necessidade de uma providencia qualquer.

Mas, no systema de s. exa. igual inconveniente se póde dar.

O que nos dizia hontem o sr. Ressano? Que achava menos conveniente a lei de 1876, porque estabelecia o resgate successivo, prolongado, dos nossos titulos de divida publica, e achava, pelo contrario, de todo o ponto vantajosa a proposta do sr. ministro da fazenda, porque estabelecia o resgate immediato d’esses mesmos titulos.

Ora, eu perguntarei ao sr. ministro da fazenda: s. exa. vae immediatamente fazer uma operação de conversão que abranja a totalidade dos nossos titulos de divida publica de 3 por cento? Não vae.

Logo, é claro que s. exa. tem de tentar primeira, segunda e mais operações n’este genero,

Se quizesse fazer uma operação geral, e desde já, pedia uma auctorisação limitada. Desde que pede uma auctorisação permanente, é porque entende que dentro d’ella devem caber as differentes amortisações que se devem seguir.

Portanto, o resgate dos nossos fundos ha de fazer-se successivamente, e tambem successivamente hão de ir rareando no mercado. Desde que rareiem, é natural que as mesmas influencias que s. exa. antevia na execução da lei de 1876, como determinando a alta dos titulos de 3 por cento, se hão de dar na execução d’esta lei para determinar alta similhante.

S. exa. póde dizer-nos que os titulos de 3 por cento que se vão resgatando são substituidos por outros de 5 por cento, e que a cotação d’estes servirá de correctivo á d’aquelles.

A essa objecção respondo eu, que tambem isso se dava na execução da lei de 1876, pois que sempre haveria no mercado um consideravel stock de titulos, embora de typo diverso, a servir de correctivo á especulação.

Se, portanto, o principio que o sr. ministro da fazenda estabelece fosse verdadeiro, então ficaria destruida completamente a auctorisação que s. exa. pede porque, rareando o fundo de 3 por cento, e abundando o de 5 por cento, estabelecer-se ia uma alta nos primeiros, e, portanto, é evidente que a paridade dos dois titulos desapparece.

Ora, desde que a cotação dos titulos de 3 por cento seja relativamente mais alta que o do titulo de 5 por cento, a conversão não póde ter logar, e, por consequencia, a auctorisação permanente torna-se perfeitamente impossivel.

Em todo o caso, este projecto de conversão funda-se nos lucros da caixa geral de depositos, como subsidio para a circumstancia do juro dos bonds resgatados ser inferior ao juro dos titulos de 5 por cento.

Para reparar a differença são os lucros da caixa geral de depositos que hão de valer.

E a proposito vem lembrar ao sr. ministro da fazenda a conveniencia que ha em remodelar o regulamento da caixa geral de depositos, de fórma que lhe seja permittido fazer operações em mais larga escala, porque de contrario estabelece-se uma desigualdade entre aquella caixa e outros estabelecimentos de credito. (Apoiados.)

Este projecto, em uma das suas bases, relativamente ás operações de desconto, consigna para o banco emissor o mesmo que já estava consignado nos estatutos da caixa geral de depositos.

Assim, desde que o banco se consolide e estenda a escala das suas operações, é evidente que a caixa geral de depositos maior difficuldade terá em realisar as que lhe cabem. (Apoiados.)

Parece-me, pois, indispensavel nivelar as condições do banco de Portugal com as condições da caixa geral de depositos, para que esta possa fazer operações de credito em mais larga escala do que ao presente está fazendo.

Dito isto, sr. presidente, declaro claramente que acompanho tambem o voto do meu illustre collega, o sr. Antonio de Serpa, quando s. exa. diz que não concorda com a auctorisação ampla e permanente que se consigna no projecto.

O digno par o sr. Ressano Garcia procurou, ainda que ao de leve, encontrar uma çontradicção nos dizeres do sr. Serpa.

O sr. Antonio de Serpa combateu a auetorisação permanente, e ponderou ao mesmo tempo que na execução deste projecto, rareando o typo de 5 por cento, póde elevar-se a sua cotação. Disse o sr. Ressano Garcia que, se a cotação se eleva, varia a auetorisação, e portanto não é ella tão ampla como á primeira vista parece.

Õ digno par o sr. Ressano Garcia destruiu essa sup-posta çontradicção, mostrando que, se o facto se póde dar na inversão dos titulos de 3 por cento, restam ainda os ty-pos de 4 e 4 */j,

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530 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Eu não desejava encontrar contradicções em ninguem; mas ao digno par o sr. Ressano Garcia direi que, para combater a auctorisação permanente, bastam-me apenas as palavras do proprio relatorio de s. exa. E senão, vejâmos.

Pondera-se aqui, e muito bem, que não havendo paridade nas cotações, bastará uma margem de l$000 réis de titulo para titulo, para que a operação da inversão se podesse fazer em condições vantajosas. A taxa póde variar de um momento para o outro, inesperadamente, e em presença das circumstancias do mercado, e n’estes casos, diz s. exa., que é necessario que o governo fique armado da auctorisação permanente para aproveitar o bom ensejo que se lhe offereça.

Ha n’este projecto, porém, uma clausula, que mostra bem que esta auctorisação não póde considerar-se como definitiva, e é aquella que dispõe que a parte dos lucros que saírem da caixa geral de depositos nunca sejam superiores a 379 decimas millesimas do valor nominal dos bonds resatados.

Pondera tambem o relatorio, e igualmente pondera bem, que emquanto o juro real seja superior a 5 por cento, tanto em uns, como em outros titulos, esta restricção é completamente inefficaz, inutil e desnecessaria, mas que se o juro baixar é efficaz, e, assim, acrescenta o relatorio, esta clausula se deve manter, ainda que mais não seja do que para se reconhecerem praticamente os seus effeitos.

Logo, não é uma proposta definitiva, é uma experiencia que vamos fazer emquanto que o juro estiver a mais de 5 por cento.

Emquanto o juro estiver a mais de 5 por cento, a operação é perfeitamente possivel, independente de qualquer restricção, que nada influirá n’ella; mas desde que o juro baixe e seja menor que 5 por cento, então a restricção impede que se effectue a operação da conversão.

O sr. Ressano Garcia: — A operação torna-se impossivel na paridade do juro.

O Orador: — V. exa. comprehende muito bem que para mim basta uma hypothese, em virtude da qual haja uma restricção, para eu concluir que a operação se torna impossivel.

O sr. Ressano Garcia: — A lei estabelece uma outra restricção, que consiste em limitar a 379 decimas millesimas por cento do valor nominal dos titulos convertidos de 3 por cento. Logo que o juro seja inferior a 5 por cento ainda se póde fazer a operação, mas é necessario que os titulos tenham uma cotação inferior.

O Orador: — Perfeitamente de accordo. Mas eu leio:

«... no projecto de lei estabelece-se uma outra restricção, que consiste em limitar a 379 decimas millesimas por cento do valor nominal dos titulos convertidos de 3 por cento a parte dos lucros da caixa geral de depositos destinada á amortisação das obrigações emittidas.

«Esta relação, que é, de facto, a que existe rigorosamente entre a quantia empregada na amortisação semestral das obrigações creadas, e o nominal dos bonds resgatados, quando o juro real de umas e outros é de 5 por cento, não pôde, mantida a paridade de ambos os titulos, ser nunca attingida emquanto o juro real for superior a 5 por cento, como facilmente se reconhece pela inspecção do nosso primeiro mappa. D’ahi resulta que, em taes condições de juro, a referida restricção se torna desnecessaria, visto que a da igualdade do juro real, que é então muito mais apertada, a comprehende virtualmente.

«Para juros inferiores a 5 por cento, a restricção de que se trata impedirá o governo de resgatar qualquer somma de bonds, por pequena que seja, quando houver simplesmente paridade entre elles e as obrigações amortisaveis a emittir...»

Quando houver similhante paridade, então as obrigações amortisam-se.

N’esta hypothese é impossivel a operação, segundo diz o sr. Ressano Garcia.

O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): — A operação é sempre possivel. Quando ha paridade de juro, então sómente é que a operação é impossivel. Na lei não está essa condição.

O Orador: — Eu leio a ultima parte, e até ao fim. É o seguinte:

«Para juros inferiores a 5 por cento, a restricção de que se trata impedirá o governo de resgatar qualquer somma de bonds, por pequena que seja, quando houver simplesmente paridade entre elles e as obrigações amortisaveis a emittir, sendo indispensavel, para que a conversão possa fazer-se, que estes ultimos titulos tenham cotação superior á da paridade.»

Isto é evidente.

No projecto acha-se consignada uma clausula e uma restricção, que tornam impossivel qualquer operação que se queira fazer n’uma certa e determinada hypothese, e eu desejava que a operação se fizesse sempre em toda e qualquer hypothese.

Se effectivamente este projecto de lei no futuro póde vir a soffrer modificações, se nós não o podemos considerar para todos os effeitos definitivo, seguro e estavel, então não haveria inconveniente em que adoptassemos uma providencia para as primeiras occasiões, e que deixassemos ao resultado da experiencia e á lição dos factos o cuidado de nos indicarem o melhor caminho a seguir.

O digno par o sr. Ressano Garcia, querendo mostrar que o governo devia estar armado com uma auctorisação permanente, por convir-lhe aproveitar todas as occasiões, que são muitas vezes imprevistas, citava este facto.

Em 1884 houve uma margem importante entre as cotações do dia e o preço do contrato de emprestimo que então se celebrou.

Essa differença de cotações,, desde o dia do contrato até o da emissão, baixou tres pontos.

O que aconteceu com isto foi que os banqueiros ficaram com os titulos d’esse emprestimo em carteira, não os podendo disseminar no mercado.

Então porque foi isto? Diz s. exa. que é porque os banqueiros se enganaram.

Mas, verificando-se as cotações, deprehende-se que em 26 de junho é que tinham baixado; porém, o facto é que não tinham baixado tres pontos.

Porque é que os banqueiros não lançaram os titulos no mercado?

Porque não houve tal baixa.

Rectificando a cotação do dia do contrato em vista da importancia do coupon, tinhamos...

O sr. Ministro da Fazenda: — Um ponto e um quarto.

O Orador: — Mesmo assim não se apuram tres pontos.

A cotação do dia era de 52 por cento em media; o juro do coupon era de 1 1/4 por cento; a rectificação dá pois 50,75 por cento; o preço do contrato foi de 47,76, segundo o documento agora publicado pelo sr. ministro da fazenda, mas deduzida a commissão e a corretagem, que importaram em l 5/8 e que, é claro, influem no preço da collocação.

O sr. Ressano Garcia: — Em primeiro logar não é o preço que v. exa. foi buscar que serve de base aos meus calculos.

O Orador: — Eu referia-me ao relatorio do sr. ministro da fazenda.

Mas diga-me s. exa.

Qual é a cotação do dia?

S. exa. diz que era 52 1/4...

O sr. Ressano Garcia: — Peço perdão, era de 52 1/8.

O Orador: — Mas quantos pontos apura de differença?

O sr. Ressano Garcia: — De uma maneira muito simples, como s. exa. vae ver:

Justamente tres pontos.

O Orador: — Mas como explica s. exa. que, sendo de tres pontos a differença entre a cotação do dia e o preço do

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SESSÃO DE 23 DE JUNHO DE 1887 531

contrato, e não tendo havido uma baixa de tres pontos na cotação desde o dia do contrato até ao da emissão, os banqueiros ficaram com os titulos em carteira? Desde a que baixa do dia do contrato até o da emissão não chegou a tres pontos, é claro que na emissão ainda haveria margem para lucros.

Em todo o caso o que isto mostra é que esta operação bem longe esteve de ser desvantajosa para o thesouro; e que se os banqueiros se enganaram, se os titulos ficaram em carteira, se porventura os não poderam collocar no mercado, de certo isso não aconteceu porque o governo houvesse contratado em más condições para o thesouro.

(Interrupção do sr. Ressano Garcia que se não percebeu.)

Pois sim, mas o que s. exa. não apura são os tres pontos de differença.

Ainda um outro argumento produziu s. exa., e foi que para a conversão de 1881 o governo valeu-se inesperadamente de uma argucia, a fim de lançar mão de uma auctorisação latitudinaria para fazer essa conversão, e que, portanto, isto mostra que é preciso o governo ficar armado de uma auctorisação permanente, para, num dado momento, podel-a aproveitar e fazer a conversão. Ora, eu peço perdão a s. exa.; pois essa vantagem não se dá tambem com os emprestimos? Dá-se perfeitamente a mesma.

Pois então, se é conveniente uma auctorisação permanente de que o governo, possa lançar mão, para realisar o pensamento d’este projecto, igual vantagem não se reflecte para os emprestimos ordinarios?

Todavia, elles têem se realisado sempre nas condições determinadas com as cotações do dia nos differentes mercados, e em virtude de auctorisações especiaes marcadas na lei, sem que por este facto resultem maiores encargos para o thesouro.

Pois para se levantar um emprestimo é preciso uma auctorisação especial, e da qual não resulta maiores encargos para o estado, e para a operação da conversão não se póde votar uma auctorisação especial e é necessaria uma auctorisação permanente e indefinida?

Porque é que esses inconvenientes não se dão? Porque temos um correctivo.

Qual é o correctivo? É a concorrencia.

Supponhamos nós que se trata de um emprestimo ordinario.

Se alguem tivesse de antemão a certeza de que ia contratar um emprestimo e de que era o unico a realisar esta operação, e, se entendesse conveniente, podia imaginar uma especulação, um jogo de bolsa, tendente a deprimir as cotações, com o fim de fazer o emprestimo em condições vantajosas para si.

Contratado o emprestimo e aproveitando-se da alta das cotações, podia lançar mais tarde os titulos no mercado por um preço de que tirasse bons lucros.

Mas este facto não se dá de certo em relação á operação de que se trata.

Creio que o sr. ministro da fazenda não quer afastar a concorrencia, porque, se assim fosse, forçosamente qualquer jogo de bolsa podia prejudicar altamente o resultado da operação.

Não creio que o sr. ministro da fazenda o faça.

Ou s. exa. acceita o concurso, ou não o acceita.

Por qualquer fórma que proceda tem de abrir num determinado dia as propostas que se apresentarem para a realisação da operação.

Se houver concurso, é precisamente a concorrencia que obsta a qualquer especulação.

E n’esta parte o sr. Ressano Garcia disse:

«Eu admitto o concurso para uma obra do estado, para um emprestimo ordinario; para o que não o admitto é para as operações de conversão.»

Ora, eu, para que mais o admitto é precisamente para a conversão. Em relação ás operações da divida fluctuante ou consolidação da divida, comprehendo que esse principio nem sempre se possa levar á execução. Na divida, fluctuante os supprimentos impõem-se n’um determinado momento, consoante as urgencias do thesouro, consoante a necessidade que tem de acudir á despeza publica.

Na consolidação da divida igualmente. Mas em relação ás operações de conversão, não; porque essa não se impõe n’um dado momento, porque essa só se faz quando as circumstancias são realmente boas, porque essa só se effectua quando o governo encontra no estudo dos mercados largueza bastante para poder escolher a occasião mais propicia de a realisar.

É claro que n’este caso o principio do concurso póde ser acceito com muito menos inconvenientes do que estabelecendo-o para os supprimentos da divida fluctuante ou para os emprestimos. E eis-ahi a rasão por que se teem adoptado differentes systemas em relação aos emprestimos: uns táem-se feito por subscripção publica, outros por concurso, outros directamente, conforme as circumstancias do momento aconselham.

Com respeito a operações em que se admitte a concorrencia, quero perguntar ao sr. ministro da fazenda se ainda sustenta a boa disposição, que manifestou na commissão de fazenda, de fazer uma experiencia n’esse sentido, isto é, abrir concurso e manter o systema se produzisse bons resultados, mas se taes não fossem satisfactorios, reservar s. exa. a sua liberdade de acção para executar esta lei.

Desejava tambem que s. exa. nos assegurasse se no processo de que lançar mão, no caso de não querer o concurso, estabelecerá principios ou regras determinados, que alem de permittirem a apresentação de quaesquer propostas, para de entre ellas se escolher a mais vantajosa, tambem se appliquem em termos taes que dêem a logar a uma concorrencia leal e franca e a uma escolha imparcial e absoluta por parte do governo. Não ha n’isto inconveniente, ha antes toda a vantagem para o sr. ministro da fazenda, porque não póde deixar de ser vantajoso para s. exa. o facto de fazer uma operação em condições que permitiam uma concorrencia que é util para o interesse do paiz.

Muito embora o sr. ministro da fazenda não admittisse sempre o principio do concurso, poderia, comtudo, adoptar um processo que désse margem a uma concorrencia que permittisse que mais de uma proposta se apresentasse.

A este respeito diz o digno par o sr. Ressano Garcia, que o concurso para a conversão é perigoso, e é perigoso porque expõe o governo a um cheque financeiro, isto é, a ver que não apparecem concorrentes.

Permitta-me s. exa. que eu lhe diga uma cousa. Pois o sr. ministro da fazenda tem a certeza de que se apresentem differentes propostas para a operação de inversão que tenha de realisar?

Espero que s. exa. nos não diga que a operação da inversão só se póde fazer directamente.

Pois, se se espera a opportunidade da apresentação de uma proposta, como é que ha a certeza da operação?

Pois as difficuldades não podem ser as mesmas?

A questão é puramente de fórma; em todo o caso a concorrencia dá logar a que se escolha a proposta que possa dar maior vantagem ao paiz.

Desejo, pois, que se estabeleçam-as regras praticas que o digno par tanto condemna.

Não apresento nenhuma proposta no sentido das minhas indicações, não a submetto á apreciação do sr. ministro da fazenda, mas estimaria sinceramente que s. exa. me dissesse, ou antes me asseverasse, que ha de organisar preceitos certos e normas definidas para a realisação de qualquer operação de conversão por fórma a convidar a concorrencia.

Repito, pois, que não vejo rasão justificativa do receio que o digno par o sr. Ressano Garcia manifesta pelo que respeita á questão do concurso. As difficuldades são ou podem ser as mesmas, quer se adopte um ou outro processo,

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e seguindo-se o alvitre por mim indicado, póde o estado colher maior resultado da operação.

Dito isto, sr. presidente, porque não desejo levar a palavra para casa; direi que estimaria mais de ver consignado neste projecto o principio do concurso.

Tambem entendo que a auctorisação devia ser limitada a uma operação, e não uma auctorisação indefinida.

E, emfim, que o typo para essa operação devia ser o typo de 5 por cento.

Em primeiro logar porque é esse o typo já existente, já tem cotação, já é recebido, e é de facil acceitação, e em segundo logar porque é um typo de juro commodo.

Os nossos titulos não estão precisamente ainda a 5 por cento, mas têem tendencia para a alta.

Em todo o caso o typo de 5 por cento é o mais commodo, e, parece-me, que nas actuaes circumstancias é o que mais se recommenda.

Eeduzida hoje a nossa divida ao typo de 5 por cento, julgo eu, que não impediria que de futuro se realisasse uma outra operação ao typo de 4 1/2; mas por agora acceitava este typo que effectivamente é o mais commodo.

O typo de 5 por cento tinha a vantagem de uniformisar a nossa divida publica.

Eu não comprehendo a grande vantagem que ha em ter uma multiplicidade de typos, que servem apenas para alimentar o jogo e a exploração do mercado.

Este será o meu voto; e não terei duvida nenhuma, porque não faço politica com este projecto, em acceitar qualquer medida, que o sr. ministro da fazenda apresente, que tenda a levar a effeito a reducção da nossa divida ao typo de 5 por cento, deixando para o futuro a realisação de outra qualquer conversção, que porventura de mais lucros e mais vantagens ao thesouro.

Tenho dito.

O sr. Ministro da Fazenda: — Sr. presidente, eu não pretendo abusar da paciencia da camara; apenas aproveitarei o curto espaço de tempo que falta para dar a hora, a fim de dizer o que me for possivel, e continuarei na sessão seguinte.

(Deram cinco horas.)

Deu a hora; portanto peço a v. exa. que me reserve a palavra para a sessão seguinte.

O sr. Presidente: — A proxima sessão terá logar segunda feira, 27 do corrente; a ordem do dia será a mesma de hoje.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas da tarde:

Dignos pares presentes na sessão de 23 de junho de 1887

Exmos. srs.: João Chrysostomo de Abreu e Sousa; duque de Palmella; marquezes, de Rio Maior, de Vallada; rondes, de Alte, do Bomfim, de Campo Bello, de Castro, de Linhares, de Magalhães, de Paraty, de Valenças, da Folgosa; viscondes, de Benalcanfor, de Bivar, de Carnide, de Moreira de Rey, da Silva Carvalho; Adriano Machado, Agostinho Lourenço, Quaresma, Silva e Cunha, Couto Monteiro, Senna, Costa Lobo, Cau da Costa, Sequeira Pinto, Hintze Ribeiro, Fernando Palha, Cardoso de Albuquerque, Margiochi, Ressano Garcia, Candido de Moraes, Holbeche, Mendonça Côrtez, Vasco Leão, Andrada Pinto, Coelho de Carvalho, Gusmão, Costa Pedreira, Castro, Fernandes Vaz, Silva Amado, Ponte Horta, Sá Carneiro, José Pereira, Mexia Salema, Sampaio e Mello, Bocage, Camara Leme, Luiz Bivar, Seixas, Pereira Dias, Vaz Preto, D. Miguel Coutinho, Henrique de Macedo, Gonçalves de Freitas, Thomás Ribeiro, Thomás de Carvalho, Telles de Vasconcellos, Barjona de Freitas, Antunes Guerreiro, Serpa Pimentel, Agostinho de Ornellas, Serra e Moura.

Redactor — Ulpio Veiga.

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