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N.º 37
SESSÃO DE 27 DE ABRIL BE 1896
Presidencia do exmo. sr. Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa
Secretarios - os dignos pares
Jeronymo da Cunha Pimentel
Visconde de Athouguia
SUMMARIO
Leitura e approvação da acta. - O sr. presidente faz a indicação dos dignos pares que têem de compor a deputação para ir á recepção official pelo anniversario da outorga da carta constitucional. - Expediente. - O digno par o sr. Simões Margiochi participa que a deputação da camara, encarregada de apresentar a Sua Magestade os autographos das leis ultimamente votadas, fora recebida por El-Rei. - O digno par o sr. Jeronymo Pimentel manda para a mesa pareceres das commissões de fazenda e de legislação. Vão a imprimir. - O digno par o sr. Moraes Carvalho manda para a mesa o parecer relativo á operação financeira dos 9:000 contos de réis. - O digno par conde de Carnide justifica as suas faltas. - O digno par conde de Thomar faz perguntas ao governo sobre a passagem de tropas inglezas por territorios nossos e sobre certas revelações feitas na conferencia do sr. coronel Galhardo. Responde o sr. ministro dos negocios estrangeiros.
Ordem do dia: usam da palavra os dignos pares conde de Thomar, visconde da Silva Carvalho, presidente do conselho e ministro dos negocios estrangeiros. - O digno par conde do Bomfim manda para a mesa um parecer da commissão de guerra. - Têem ainda a palavra o sr. ministro dos negocios estrangeiros, e os dignos pares visconde da Silva Carvalho e Telles de Vasconcellos, que fica com a palavra reservada. - É encerrada a sessão.
Abertura da sessão ás duas horas e cincoenta minutos da tarde, estando presentes 21 dignos pares.
Foi lida e approvada sem discussão a acta da sessão anterior.
(Estavam presentes os srs. presidente do conselho de ministros e ministro dos negocios estrangeiros. Entrou durante a sessão o sr. ministro da justiça.)
O sr. Presidente: - A deputação que tem de representar a camara na recepção official que se realisa pelas duas horas da tarde do dia 29, anniversario da outorga da carta constitucional, será composta, alem da mesa, dos seguintes dignos pares:
Arcebispo de Evora.
Conde de Bertiandos.
Conde de Lagoaça.
Conde de Carnide.
Conde do Bomfim.
Moraes Carvalho.
Costa e Silva.
Fernando Larcher.
Frederico Arouca.
Thomás Ribeiro.
Mencionou-se o seguinte expediente:
Officio da presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo a proposição de lei que tem por fim prohibir o uso do emblema da sociedade da Cruz Vermelha sem previa auctorisação da mesma sociedade, e igualmente um exemplar do parecer da commissão de legislação civil, seguido do projecto de lei.
Para a commissão de legislação.
O sr. Simões Margiochi: - Participo a v. exa. e á camara que a commissão nomeada para entregar os autographos das leis ultimamente votadas, nas mãos de Sua Magestade El-Rei, foi hoje recebida pelo augusto chefe do estado com a sua costumada benevolencia.
O sr. Jeronymo Pimentel: - Sr. presidente, por parte das commissões de fazenda e de legislação, mando para a mesa diversos pareceres de que é relator o digno par o sr. Arouca, que não se acha presente, mas que me encarregou de os apresentar á camara.
Parecer da commissão de fazenda sobre o projecto de lei, que tem por fim abolir o imposto de portagem na ponte de Brito, no concelho de Guimarães.
A imprimir.
Parecer da mesma commissão, que tem por fim fixar o pessoal das repartições de fazenda dos districtos do continente do reino e ilhas.
A imprimir.
Parecer da mesma commissão sobre o projecto de lei n.° 10, que tem por fim estabelecer em cada concelho, a contar do primeiro dia do proximo anno economico, uma recebedoria primitiva, em substituição das actuaes recebedorias de comarcas.
A imprimir.
Parecer da mesma commissão sobre o projecto de lei que tem por fim fazer algumas alterações na actual legislação sobre o imposto do sêllo.
A imprimir.
Parecer da mesma commissão sobre o projecto de lei que tem por fim propor a abolição do imposto de portagem, cobrado na ponte de Barradas, no concelho de Villa Nova de Famalicão.
A imprimir.
Parecer da commissão de legislação sobre o projecto de lei que tem por fim regular o processo de despejo de inquilinos de predios urbanos arrendados a mezes.
A imprimir.
O sr. Moraes de Carvalho: - Sr. presidente, por parte da commissão de fazenda mando para a mesa um parecer da mesma commissão sobre o projecto de lei n.° 66.
O sr. Conde de Carnide: - Sr. presidente, participo a v. exa. que tenho faltado a algumas sessões por incommodo de saude.
O sr. Conde de Thomar: - Sr. presidente, como está presente o sr. ministro dos negocios estrangeiros, desejo chamar a attenção de s. exa. para um facto que julgo de gravidade.
Li em alguns jornaes estrangeiros noticias que dizem estar o governo inglez em negociações entaboladas com o nosso governo, para a passagem de tropas pelos nossos territorios da Africa oriental, acrescentando-se que o mesmo governo tratava com a companhia de Moçambique no
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mesmo intuito de passagem de tropas pelos terrenos que a ella pertencem.
Sr. presidente, estas noticias são muito graves e por isso eu desejava que o sr. ministro dissesse o que ha de verdade nestas noticias, pois que se trata de terrenos que em qualquer dos casos pertencem a Portugal, e eu entendo que nós devemos manter a mais absoluta neutralidade em tudo o que respeita aos acontecimentos de Africa em que possam interessar-se as outras nações.
Como v. exa. sabe, sr. presidente, o sr. coronel Galhardo pronunciou no sabbado ultimo, perante a sociedade de geographia, um discurso em que referiu actos de alguns funccionarios que a serem exactas as asseverações do illustre militar, são dignos de correctivo.
Eu desejava saber qual era o procedimento do governo n'esta questão. Entendo que devem ser devidamente remunerados e galardoados todos os que souberam cumprir briosamente com o seu dever, mas tambem é necessario que se castiguem com rigor aquelles que delinquiram.
(O digno par não reviu.)
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Luiz de Soveral): - Agradece ao digno par o sr. conde de Thomar o desejo que lhe proporcionou de rectificar algumas asserções feitas pelo Memorial diplomatique. O governo inglez não entrou em negociações com o governo portuguez ácerca da passagem de tropas pelo nosso territorio de Lourenço Marques, mas pediu auctorisação para desembarcar na Beira e transportar para o interior duzentas espingardas, alguns canhões e as correspondentes munições de guerra. O governo inglez, receiando ferir a susceptibilidade do governo portuguez, e, querendo evitar?. má interpretação que podesse ser dada a este pedido, suggeriu elle proprio a conveniencia de serem acompanhadas essas munições de guerra pelo consul de Sua Magestade Britannica na Beira. O governo portuguez entendeu que, n'estas condições, não podia recusar o pedido feito, com o que estava de accordo o parecer do governador geral de Moçambique; n'estes termos, foi auctorisada a passagem. Alem d'isso o governo inglez promptificou se a entregar ao governo portuguez uma declaração, no sentido do acto geral da conferencia de Bruxellas, explicando a rasão do pedido e o fim a que era destinado esse material de guerra.
Com relação ás declarações feitas ultimamente na sociedade de geographia pelo sr. coronel Galhardo, tem a dizer que os factos a que ellas se referem se deram antes da sua entrada para o gabinete; mas o governo não deixou de exonerar o funccionario a que o digno par se quiz referir, e, se não se engana, parece-lhe que está pendente uma syndicancia, que nenhuma duvida terá em apresentar á camara quando esteja acabada. Desde já aproveitava a occasião para pôr á disposição do digno par ou de outro qualquer membro da camara os documentos que a tal respeito existam no ministerio.
(S. exa. não reviu.)
O sr. Presidente: - São horas de passar á ordem do dia.
ORDEM DO DIA
Continuação da discussão do parecer n.° 39 sobre o projecto de lei n.° 45 (orçamento do estado)
O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. conde de Thomar.
O sr. Conde de Thomar: - Sr. presidente, não venho precisamente discutir o orçamento, porque seria uma temeridade da minha parte embrenhar-me n'este labyrintho, onde não é facil encontrar um fio que nos conduza a uma conclusão segura e certa.
O orçamento geral organisado nas repartições do estado, porque o sr. ministro da fazenda não tem tempo para colleccionar este montão de cifras, se algum mereci-
mento tem, é por estar feito de modo que só creaturas. privilegiadas comprehendem o que n'elle se contem.
As cifras apresentam-se por tal forma que só com um estudo de mezes se poderia chegar a um resultado seguro. Por consequencia seria loucura da minha parte o querer fazer uma exposição exacta do orçamento geral do estado apresentado ao parlamento. Mas passando os olhos por algumas verbas, acho cousas curiosas.
Por exemplo, encontro figurando como receita uma verba de 12:020$000 réis da renda da fabrica de vidros da Marinha Grande, verba que o governo nunca recebeu i desde que se fez a concessão, e ainda mais, não só não recebeu, mas tomou sobre si encargos tão pesados que quasi que representam a importancia do que tinha a receber pela concessão da exploração.
Todos sabem que a fabrica de vidros da Marinha Grande foi arrendada em praça por um syndicato que offereceu de renda ao governo uma quantia muito superior áquella porque ha muitos annos estava arrendada a outro syndicato. O governo não só não recebeu a renda como teve que tomar conta da fabrica, mandando proceder a um arrolamento de tudo quanto n'ella existia, confiscando o que podesse servir de garantia á renda, e empregando nas matas do pinhal de Leiria todo o pessoal que trabalhava na fabrica. Deixou de receber 12:020$000 réis, e tem que pagar quasi que uma importancia igual pelo salario aos operarios. Ora, esta verba de 12:020$000 réis, que figura no orçamento, devia ter sido eliminada, pois este facto não era ignorado dos empregados que fizeram o orçamento.
Depois, passando os olhos pela verba que diz respeito ao augmento da policia de Lisboa, vejo que não estando preenchidos todos os logares, apesar dos repetidos annuncios, todavia, já figura no orçamento a verba necessaria para pagar a esses homens como se o contingente estivesse já preenchido.
Dir-me-hão que, se esses homens não entrarem, essa. verba lá fica.
Mas, sr. presidente, applicando o mesmo principio ao effectivo do nosso exercito, eu vejo que se vota a verba necessaria para esse effectivo, que a maior parte do tempo está licenciado, chegando ao ponto de se lançar mão de um corneta para fazer o serviço de rancheiro, de forma que nunca se sabe o destino que essa verba tem.
Isto, sr. presidente, dá logar a factos muito extraordinarios.
O commandante da guarnição de Lisboa, indo cumprimentar o novo ministro da guerra, que era o novo sol que se levantava, porque o que tinha saído já estava no occaso apesar de o considerarem um primor dias antes, dizia o commandante da divisão ao novo ministro que entrou, que não havia soldados nem material de guerra. Dias antes ninguem fazia uma tal affirmativa.
Gasta-se a verba do pessoal, mas tal pessoal não existe de facto.
Mas, sr. presidente, voltando á questão da policia.
Eu cito este facto unicamente para demonstrar como são feitos os orçamentos, e a pouca exactidão com que são apresentados ás duas casas do parlamento.
Para o novo contingente da policia temos 67:664$500 réis.
Sr. presidente, vem n'este orçamento uma verba que é muito curiosa.
Aluguer de contadores para o fornecimento de agua e consumo nas tres novas esquadras para as quaes não ha dotação: 120$000 réis.
Ora, as esquadras a crear são tres. O estado, como v. exa. sabe, tem um terço de agua na posse da companhia. O estado fornece agua por sua conta a todas as esquadras.
Supponhâmos que o estado não fornece a agua como faz ás outras esquadras, temos que, avençando-se cada esquadra com a companhia das aguas pela avença de
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20$000 réis, cada esquadra terá direito a 120 metros cubicos de agua. A menos que esses policias não sejam patos ou se banhem todos os dias, nunca poderão consumir os 120 metros. Por conseguinte, tres esquadras a 20$000 réis perfaz 60$000 reis, aluguer de tres contadores, 4$320 réis, o que dá 64$320 réis por anno e não 120$000 réis; differença, 50 por cento do calculo orçamental. Que fé e confiança se póde ter nos cálculos do orçamento a julgar por este exemplo?
Toda a gente vê que esta verba não é seguramente consumida em agua pela policia, e servo para cobrir um certo numero de despezas que não se justificam nem se podem justificar, mas que o pobre contribuinte tem de satisfazer, e para isto se lhe pedem novos sacrificios.
Eu não estou aqui a fazer opposição ao governo, estou a defender-me e ao contribuinte.
Estes abusos não podem continuar. Á sombra de uma cousa qualquer não se deve inventar um consumo de 600 metros cubicos de agua.
Já uma vez me referi aqui a este assumpto da policia, e por signal que mereci as iras do digno par sr. conde de Carnide; n'essa occasião eu disse, e hoje repito, que se a policia é util, se realmente, em determinadas circumstancias, ella presta relevantes serviços á sociedade, é preciso tambem que saiba ser policia e não exorbite.
Acaba de dar-se um facto lastimoso proximo de Lisboa; foi assassinado, por meio de uma bomba, um proprietario da Alhandra; a policia de Lisboa logo barafustou. Não via-mos nos jornaes senão a noticia da partida do juiz instructor, do cabo Sacarrão e de outros da judiciaria. Chegaram a Alhandra, prenderam quem quizeram, e no fim de oito dias de pesquizas e indagações chegaram á conclusão de não apurar cousa alguma!
Quer v. exa., sr. presidente, saber qual a verdadeira conclusão a que chegou a policia, depois de todas aquellas diligencias, que custam muito dinheiro, porque trens, transportes, comida, etc., custa sempre muito dinheiro? Chegou á conclusão de que era incompetente para tratar do assumpto, porque o facto deu-se n'uma comarca onde existe um juiz, um administrador de concelho, um delegado, e como é independente, a policia de Lisboa não póde ter ahi acção alguma.
Agora pergunto eu, quem indemnisa esses individuos que foram presos por um poder incompetente? Como se coarcta a liberdade de um individuo pela policia que não pertence á localidade, nem a conhece?
Então, só porque um jornal diz que a victima tinha qualquer indisposição com um individuo, prende-se este individuo, e no fim de quatro dias a policia declara-se incompetente, e diz-lhe: "vá-se embora e queira desculpar o ter estado preso até agora"!
Eu appello para o sr. ministro dos negocios estrangeiros, que tem vivido n'um paiz como a Inglaterra, para que s. exa. me diga se não era logo demittido e mettido em processo o condestavel da policia que praticasse similhante acto.
Em Portugal, porém, praticam-se esses actos. Prende-se um individuo, tira-se-lhe a sua liberdade, e no fiz diz-se-lhe muito graciosamente,"queira desculpar, enganei-me".
Ora, policia assim, não é policia.
Como disse, não me proponho discutir o orçamento, porque isso seria tarefa para muitos dias e para muito trabalho e estudo, e eu não tenho aptidões para poder envolver-me n'este labyrintho. Não posso, porém, deixar de responder ao sr. relator, a quem faço completa justiça pelo seu talento, pelos seus grandes conhecimentos sobre finanças, e pela maneira alevantada, eloquente e brilhante como s. exa., na sua posição de relator, defendeu o orçamento, em resposta ás observações que, em opposição, tinham sido feitas pelos dignos pares srs. conde de Lagoaça e conde de Magalhães.
O meu nobre collega, que mostrou mais uma vez ser um distincto e antigo parlamentar, levou a sua habilidade e a sua bella argumentação até ao ponto de nos citar a sua opinião de outrora com relação aos emprestimos contrahidos pelos governos passados e a sua opinião, de hoje com referencia ao recurso ao credito.
Sr. presidente, não posso acompanhar o meu nobre collega n'aquellas apreciações, segundo as quaes, se as cifras não fossem mais verdadeiras, chegariamos á conclusão de que, quanto mais um individuo pede emprestado, mais rico fica; o que na pratica dá um resultado inteiramente opposto.
De facto, s. exa. disse-nos que tinha combatido o recurso ao credito, porque julgava que o paiz que caminhasse n'essa via pouco poderia viver, e que as suas finanças ficariam completamente arruinadas; mas hoje entendia, pelo contrario, que um paiz que em tres anno s fizera 7:000 contos de réis de divida, era um paiz que tinha grandes recursos. Esqueceu-lhe, porém, uma cousa; esqueceu-lhe um factor importantissimo com relação a esses 7:000 contos de réis, para justificar a abundancia em que nadâmos ha um certo tempo para cá. O governo apresenta-nos o orçamento do estado, para assim dizer, equilibrado, mas não metteu em linha de conta a verba da reducção de juro da divida publica e a da applicação para estradas, o que representa approximadamente 8:500 contos, isto é se nós não tivessemos reduzido o juro da divida e a despeza a fazer com as estradas, que se não fez, os taes 7:000 contos elevar-se-íam a 15:500 contos de réis de deficit.
Ora, se isto é uma felicidade, se isto indica riqueza publica, a lógica deixou de ser logica.
De modo que, sendo o orçamento de 1893-1894 de 41:000 contos de réis, o de 1896-1897 é de 49:000 contos de réis, tanto de receita como de despeza, e suppondo que não tinha havido reducção nos juros da dividas e que se applicára ás estradas a verba votada, teriamos essa somma dos 49:000 contos de despeza convertida em 57:500 coutos de réis. Alem d'isso, como n'este orçamento não está incluido um grande numero de despezas que depois hão de apparecer no orçamento rectificado, é evidente que o saldo apresentado peio nobre ministro da fazenda não representa a verdade dos factos.
Sr. presidente, ouvi as observações adduzidas pelo sr. conde de Magalhães, e entre ellas ha uma em que fiz reparo; foi quando s. exa. disse que este governo continuava em dictadura com o parlamento aberto. Estremeci n'essa occasião, e ainda mais por ver que da parte da maioria não tinha havido um protesto contra similhante phrase. A que tempo nós chegámos! Pois um digno par faz uma ac-cusação tão grave ao governo, accusação na qual é comprehendida a maioria, e por parte d'esta não houve um digno par que se levantasse para protestar contra uma tal asseveração? O sr. relator defendeu o parecer, mas deixou ficar de pé esta phrase. Realmente é triste que depois se leia no Diario da camara que houve uma accusação grave e que essa accusação não foi levantada.
Sr. presidente, como todos sabem, o parlamento votou 12 contos de réis para pensões aos expedicionarios de Africa.
Ora eu desejava saber se esses 12 contos de réis estão já incluidos no orçamento.
Eu vejo no orçamento o seguinte: pensões vitalicias, 30:380$000 réis.
(Leu.)
O que acabo de ler é o que vem nos orçamentos anteriores.
Pergunto: n'esta verba estão os 12 contos de réis votados para os expedicionarios?
Desejava, pois, que o sr. presidente do conselho me desse algumas explicações a este respeito.
Vejo tambem no orçamento uma verba curiosissima, e é a que diz respeito aos transportes, ranchos, e outras despezas feitas com os emigrados brazileiros.
Todos sabem que se gastou uma grande somma com os
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emigrados, que se comprou um chaveco velho por uma quantia muito importante, chaveco que toda a gente suppunha que não chegasse ao seu destino.
Creio que se gastaram 6:000 libras com a acquisicão d'esse navio, c; comtudo, parece-me que essa verba não figura no orçamento.
Porque não figura, pergunto eu?
No orçamento acha-se inscripta uma verba de 500$000 reis!
Isto é irrisorio, perfeitamente irrisorio.
Que o parlamento vote ao governo os meios necessarios para a administração do paiz, comprehende-se: é preciso, porém, é necessario que o contribuinte saiba como o seu dinheiro é empregado.
Eu vejo tambem no orçamento verbas importantissimas referidas a diversos ministerios com applicação ao mesmo fim.
Quando aqui se discutiu o tratado com a Inglaterra, eu frisei bem que a questão dos limites com aquelle paiz nos havia de trazer muitos dissabores, e, sobretudo, uma enorme despeza.
O governo que então estava no poder respondeu que essa verba não era tão importante que podesse assustar qualquer pessoa.
Quer v. exa. saber qual é a verba que figura no ministerio dos negocios estrangeiros para a delimitação das nossas possessões de Africa?
Com relação aos limites 7 com a Hespanha dá-se facto identico, mas emfim essa verba é insignificantissinia; creio que é apenas de 4 contos de réis.
Quer, pois, v. exa. saber qual é a verba que nós votámos no orçamento para a delimitação de Lourenço Marques, de Manica, emfim, nas differentes delimitações de Africa?
É pelo ministerio dos negocios estrangeiros na importancia de 76 contos de réis, e pelo ministerio da marinha 45 contos de réis, o que dá 121 contos de réis.
É isto o que nós gastamos com os commissarios regios, com os passeios á Italia, finalmente, com todas essas despezas, que continuarão por largos annos, como prophetisei quando se approvou o tratado com a Inglaterra.
Estas enormes despezas podem ser muito uteis, mas um paiz como Portugal, que está pedindo todos os dias sacrificios ao contribuinte, não póde com ellas.
Nós não podemos continuar assim; ainda ha dois ou tres mezes o governo nomeava um commissario régio para as delimitações da provincia de Angola; este commissario não chegou a saír de Lisboa, e só agora partiu em commissão para a India.
Pergunto eu, este logar creou-se para se fazerem as delimitações, ou o que se fez, foi uma questão de patronato, uma questão de favor?
Sr. presidente, nós não podemos estar a fazer favores; o estado do paiz não é para isso; um paiz que ainda agora vae pedir ao credito 9:000 contos de réis, não deve estar a gastar verbas tão importantes, só para delimitações de territorios e para contentar influencias politicas.
Nós, com estas delimitações, para disputarmos a Inglaterra, a Belgica e á Allemanha 400 ou 500 hectares de terreno, estamos a gastar uma quantia, que eu pergunto se elles valem essa importancia.
Sr. presidente, eu não estou fazendo um discurso de opposição, quer seja este governo, quer fosse outro que se sentasse n'essas cadeiras; o meu fim é unica e simplesmente defender o dinheiro do contribuinte, fiscalisar os dinheiros publicos, e fazer com que se acabem com estes favores constantes de estar a nomear individuos, sejam elles quem forem, não trato de pessoas trato de factos, para commissões rendosas. Ainda agora mesmo foi um general em commissão para Macau e Timor para verificar o estado das nossas fortalezas e material de guerra.
Ora, isto não é serio. Pois quando o sr. commandante da divisão de Lisboa declara ao sr. ministro da guerra por occasião dos cumprimentos, que não tem material de guerra, nem soldados, o que será nas colonias?
Toda a gente sabe que algumas metralhadoras que a expedição levou, quando quizeram servirem-se d'ellas, não poderam porque não funccionavam.
Quando se dão estes factos vae um general a Macau, como se fosse a Cacilhas, para fazer um relatorio sobre o estado em que se encontra o material e sobre o modo de se conservar ou modificar as fortalezas.
Isto não póde ser.
Ha tambem no orçamento uma verba que me parece estar errada. Refiro-me aos ordenados dos redactores d'esta camara. O orçamento marca 600$000 réis para cada um destes empregados, e todos sabem que por uma lei do sr. José Dias Ferreira esses ordenados ficaram em réis 700$000. Isto póde ser um erro de imprensa, mas em todo o caso é necessario que se rectifique, porque amanhã se isto fosse approvado estes empregados passariam a receber 600$000 réis em vez de 700$000 réis que lhes pertence. Os redactores antigos têem 800$000 réis, e os que foram nomeados posteriormente 700$000 réis, e no orçamento apparecem agora, como já disse, com 600$000 réis.
Por isso eu provoco, da parte do illustre ministro da fazenda, ou do nobre relator da commissão de fazenda, explicações sobre este assumpto.
Sr. presidente, como v. exa. vê, o orçamento dá logar a muitas considerações, e a parte que eu poderia tratar com algum conhecimento de causa era o orçamento do ministerio dos negocios estrangeiros.
Ha ahi verbas, cuja applicação se não sabe verdadeiramente. É a de despezas extraordinarias de representação.
Evidentemente, essa verba tem uma applicação qualquer. Qual ella seja, porem, é que eu não posso perceber.
Eu, quando estava em serviço diplomatico, recebia o meu ordenado e as ajudas de custo que por lei tinha o direito de receber, e mais nada de extraordinario.
Agora, porém, apparecem as taes despezas extraordinarias de certas legações, por certo exageradas.
Antigamente era difficil encontrar quem quizesse uma legação de 1.ª classe, mas agora a difficuldade do ministro dos negocios estrangeiros é contentar os pedidos de todos os que as querem.
Depois que os homens politicos tomaram conta dessas legações, essas despezas extraordinarias augmentaram consideravelmente. Este é o facto.
Para as legações de 2.ª classe, não; essas são mal pagas, e por isso são destinadas e reservadas para o pessoal de carreira; mas quando vaga alguma de 1.ª não queria eu estar na pelle do sr. ministro dos negocios estrangeiros, porque os pedidos são de tal ordem, e tantos, que s. exa. ha de ter vontade de deixar o seu ministerio e voltar para a sua legação de Londres!
Sr. presidente, eu tenho aqui uma declaração do sr. conde de Lagoaça que me pede para participar que, por negocios urgentes, não póde assistir á sessão de hoje, para a qual tinha pedido a palavra. Peço a v. exa. tome d'ella a devida nota.
E como não faço opposição por acinte, termino dizendo que apenas pretendo defender os direitos e interesses dos contribuintes.
Bem sei que o estado precisa de meios, mas é tambem verdade que, apresentando o sr. ministro da fazenda o orçamento equilibrado, a não ser que esses cálculos não sejam exactos, não se comprehende como o sr. ministro da fazenda precise de todas as propostas que apresentou, pedindo novos impostos, que vem sobrecarregar ainda mais a triste situação do contribuinte, mormente n'este anno, em que elle está perfeitamente exhausto de recursos, e diante de uma crise agricola e de fome.
É direi mais, sem querer de fórma alguma dar um conselho ao governo: melhor fora que se sustasse quanto an-
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tes a cobrança de quaesquer impostos votados pelo parlamento, porque temos um anno de fome, como o governo deve saber pelos seus agentes.
A situação é terrivel por toda a parte, e até a este respeito citarei um dito de Rodrigo da Fonseca Magalhães.
Dizia este nobre estadista, em pleno parlamento, que quando a necessidade entrava pela porta, a virtude saia pela janella.
Quando o povo tiver fome não só não paga, mas ha de ir buscar a alimentação onde ella estiver.
Não venha o governo imprudentemente aggravar as circumstancias do contribuinte, porque elle não póde pagar aquillo que já paga, e, por consequencia, muito menos o aggravamento de impostos que o parlamento tem votado e continúa a votar.
Tenho dito.
O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): - Diz que o orçamento necessariamente tem de formar um volume extenso para conter uma descripção minuciosa, e até fastidiosa, de todas as verbas de receita e despeza do estado, mas era isso absolutamente indispensavel para uma regular contabilidade.
Em resposta ao digno par, e para esclarecimento da camara, dirá que os reparos que s. exa. fez ácerca da verba de 12 contos de réis, relativa á renda da fabrica da Marinha Grande, não tem rasão de ser.
Em primeiro logar o orçamento foi apresentado á camara em janeiro, e, por consequencia, anteriormente elaborado.
Inscreveu-se n'elle o que não podia deixar de se inscrever, porque o que nessa occasião estava em pé era o contrato de arrendamento feito com a empreza exploradora da fabrica, contrato em que se estipulou a renda de 12 contos de réis.
Errado seria o orçamento que não descrevesse a importancia de uma renda estabelecida por um contrato anterior.
Não é verdade que essa renda nunca se recebesse. O que falta para receber não chega a ser a renda de um anno. O que é certo é que dos 12 contos de réis já se recebeu parte.
Portanto, a totalidade da importancia do arrendamento não podia deixar de ser descripta no orçamento, aliás poderia julgar-se que o governo queria sonegar ao parlamento a apreciação do contrato.
É verdade que ha dias a empreza declarou ao governo que não podia cumprir as condições em que estava feito o seu contrato.
Desde esse momento o governo, nos termos do mesmo contrato, declarou-o rescindido com perda da caução, e mandou proceder ao immediato arrolamento de todas as machinas, utensilios e mais valores existentes na fabrica, até á completa solução de todas as responsabilidades.
Procedeu em harmonia com o contrato; logo, o seu procedimento foi de todo o ponto correcto.
Portanto, não é exacto que o governo se ache no desembolso das quantias a que tem direito, porque, com respeito á parte da renda não paga, o estado tem a importancia da caução, que é de 9 contos de réis; com respeito ás despezas feitas com os operarios, estas são uma consequencia fortuita de um facto, e o governo procedeu bem tomando a deliberação que mais productiva era para o thesouro: o emprego dos operarios na mata de Leiria.
Quanto ao augmento do corpo de policia e despeza correlativa, no orçamento para 1896-1897, não podia deixar de se inscrever essa verba de despeza, embora o contingente não se ache ainda completo.
Mas ha de completar-se o mais breve possivel e tem por isso de ser abonada a respectiva verba.
O orçamento é uma previsão, é a dotação dos serviços do estado em harmonia com as leis que auctorisam certas despezas, e desde que ha uma lei que auctorisa o augmento do corpo de policia até. um determinado numero, e que obriga a uma determinada despeza, não se podia, sem faltar aos mais elementares preceitos de contabilidade publica, deixar de inserir essa despeza no orçamento.
Desde que a despeza estava auctorisada, o dever do ministro era incluil-a no orçamento.
A estranheza do sr. conde de Thomar é tanto menos fundada, quanto o facto e, até ao presente, se não achar completo o contingente da nova policia, segundo disse o digno par, porque o orador ignora-o, mas não tira nem põe com respeito ao orçamento de 1896-1897, que começa em 1 de julho proximo futuro.
Como é que depois se podia auctorisar o pagamento sem que a dotação estivesse feita no orçamento e votada pelas camaras?
Com respeito á agua destinada ás estações de policia, o orador não póde levar a sua minucia de exame e fiscalisação até ao ponto de dizer n'este momento a quantidade de agua que uma estação de policia póde gastar em Lisboa, nem de certo a camara faz similhante exigencia, mas o que póde dizer é o que salta á vista de todos, que a agua corre pelos contadores e por consequencia elles accusarão o consumo que d'ella se fizer.
N'isto não póde haver illusão, tanto mais que é a companhia respectiva que conta e liquida a despeza.
Se o digno par quizer mais tarde requerer nota da agua gasta no anno proximo futuro nas estações policiaes, verá nessa nota o que deseja saber.
O que póde asseverar ao digno par é que não ha despeza alguma encoberta sob o pretexto da agua destinada á policia de Lisboa, nem o podia haver.
Ainda que um governo qualquer, e o orador põe a questão impessoal para não haver nisto magua para ninguem, quizesse sophismar as verbas orçamentaes, e, á sombra d'ellas, fazer correr qualquer despeza, não auctorisada por lei, é tão facil, tão simples verificar isso, que logo se demonstrava que o governo tinha praticado uma fraude.
Mas tal processo não está na intenção nem d'este governo, nem de nenhum outro.
Com relação aos emigrados, disse o digno par que as respectivas despezas não appareciam descriptas em parte nenhuma.
O estudo do assumpto era difficil e minucioso, mas quando um ministro dá conta de tudo quanto se relaciona com as despezas publicas, se quizer ser verdadeiro, ha de ser forçosamente minucioso.
Compulsando os documentos, lá se encontrará no relatorio de fazenda (documento n.° 5), a despeza feita com os emigrados brazileiros até ao dia 31 de dezembro de 1895.
Uma arguição lhe dirigira o digno par, que o impressionara e fizera estremecer pelo inesperado d'ella.
S. exa. dissera que havia no orçamento verbas em duplicado para o mesmo fim.
Ficou-se o orador a perguntar a si proprio se effectivamente haveria no orçamento do estado alguma verba nes-tas condições. A reflexão disse-lhe, porem que, embora tal duplicação existisse, nenhum effeito produziria porque, como a despeza a effectuar seria só uma, não se podia applicar para esse fim senão aquillo era que ella importava.
Apesar da attenção com que escutou o digno par, não lhe ouviu, porém, indicar nenhuma das verbas.
O sr. Conde de Thomar: - V. exa. dá-me licença?
Eu disse que no ministerio dos estrangeiros havia uma verba de 76 contos de réis e no da marinha uma outra verba de 40 contos de réis, applicadas ambas para o mesmo fim e que perfaziam 121 contos de réis.
O Orador: - Responde que a expressão do digno par era então mal apropriada, pois que essas verbas não são duplicadas, nem duplicadas as ha no orçamento.
As verbas indicadas pelo digno par são relativas a des-
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pezas que correm por differentes ministerios, mas que não recaem sobre o mesmo objecto. Assegurava que no orçamento não vinha despeza alguma feita ao mesmo tempo pelo ministerio da marinha e pelo dos negocios estrangeiros.
Não póde ainda deixar sem reparo algumas palavras do digno par.
Quando o sr. conde de Thomar disse que as verbas para delimitação de fronteiras eram, pelo ministerio dos negocios estrangeiros, 76 contos de réis e 45 contos de réis pelo ministerio da marinha, pareceu-lhe que s. exa., achando-as grandes, acrescentou que se gastava tudo isto para delimitar terrenos, alguns dos quaes quasi não valeriam a totalidade da despeza que com esse fim se fazia.
Pede ao digno par, que de certo discute com sinceridade, que reflicta um só instante que taes despezas se referem a fronteiras dos nossos dominios e por isso á posse do proprio territorio da nação. E isto bastaria para que s. exa. rectificasse a afirmativa que se lhe afigurou ouvir.
Quanto á observação do digno par, tocante ao ordenado dos redactores, concorda que ha um pequeno erro na designação dos vencimentos d'aquelles empregados, estando porém exacta a importancia total da somma.
Em resposta ainda ao digno par, dirá que as verbas das legações são inferiores ás dos orçamentos anteriores, e ainda ultimamente, quando geriu a pasta dos estrangeiros, as dotações foram reduzidas não só nos vencimentos proprios dos diplomatas, mas ainda no que toca ás despezas extraordinarias de representação das legações.
O digno par fez-lhe um appello para que, visto como ha um saldo positivo, se não aggravassem mais as leis tributarias.
S. exa. sabia que não se lançavam contribuições pelo mero prazer de vexar os contribuintes, mas embora houvesse um saldo no orçamento, a verdade é que temos de occorrer a despezas coloniaes importantes, e a experiencia mostrou, no anno passado, quão importantes ellas são; imprescindiveis até, pois constituem um dever de honra da nação. Quando é necessario effectual-as, nenhum ministro da fazenda, qualquer que seja, se oppõe a isso, porque é preciso olhar não só para o continente, mas tambem para as colonias.
Francamente, se queremos ter colonias e sustental-as, carecemos de meios para isso. A isto acresce o estado da nossa marinha de guerra, a que é preciso prover na medida das nossas forças e das necessidades de defeza territorial. Este assumpto será ainda discutido quando o sr. ministro da marinha apresentar as propostas concernentes.
O que póde prometter ao digno par é que se contentará com aquillo que estrictamente for necessario, não indo mais longe para não impor maiores sacrificios a uma nação que terá talvez de arcar com as duras consequencias de um anno que se desenha no futuro como um ponto de interrogação.
(O discurso a que este extracto se refere, será publicado na integra, revendo o orador as notas tachygraphicas.)
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Luiz de Soveral): - Sr. presidente, eu pedi a palavra para cumprir um dever de côrtezia, pois que o sr. presidente do conselho já me preveniu na resposta que eu poderia dar ao digno par. Mas desejo ainda fazer pequenas considerações sobre o que s. exa. disse com relação ao meu ministerio.
Disse s. exa. que não gostava de delimitações, porque eram inuteis.
As delimitações a que se refere o orçamento são absolutamente necessarias e dimanam de documentos diplomaticos que foram sanccionados.
Não podemos, sr. presidente, deixar de delimitar as nossas possessões africanas, que nos têem custado muito dinheiro.
O dinheiro que estamos gastando com as despezas inherentes á convenção de Berne, as despezas relativas ao norte do Zambeze e outras regiões, é muito, mas é in-indispensavel gastal-o a não ser que a diplomacia portugueza ache outro meio menos dispendioso e mais efficaz para assegurar a posse d'aquellas possessões.
(S. exa. não reviu.)
O sr. Presidente: - Não está presente o digno par o sr. conde de Lagoaça, que é quem se seguia na inscrição, mas s. exa. não compareceu, pelo motivo que já declarou o sr. conde de Thomar.
Segue-se agora na inscripção o digno par o sr. visconde da Silva Carvalho.
Tem o digno par a palavra.
O sr. Visconde da Silva Carvalho: - Peço a palavra para chamar a attenção do sr. ministro da fazenda sobre um additamento approvado pela camara dos senhores deputados, relativo ao artigo 5.° do capitulo II do orçamento do ministerio da marinha. Consta este additamento de duas partes: na primeira, estabelecem-se os vencimentos para um almirante. Estou completamente de accordo, pois, creado este posto, necessario era fixar-se-lhe os vencimentos. Na segunda parte do additamento estabelecem-se as gratificações para os officiaes de marinha, ajudantes de campo e officiaes ás ordens de Sua Magestade El-Rei. Não vejo, porém, inscripta a gratificação a que tem direito o chefe da casa militar, mas encontro a gratificação de 840$000 réis a um contra-almirante que ha mais de um anno foi promovido a vice-almirante e que é sr. Teixeira Pinha. Parecia natural que se inscrevesse a gratificação de 1:080$000 réis correspondente a esse posto; não faço, porém, a proposta porque, sendo esse official membro da commissão de aperfeiçoamento de artilheria naval, que, em virtude das disposições terminantes da lei, não é considerada commissão de cominando, não pôde, segundo está expresso no § 5.° do artigo 1.° da lei de 26 de fevereiro de 1892, accumular as duas gratificações com o saldo, porque então seria o seu vencimento, feitas as deducções, de 3:560$000 réis approximadamente.
Ora, a nenhum official general tanto de terra como de mar é permittido, pela lei de 26 de fevereiro de 1892, receber vencimentos superiores a 2 contos de reis,, excepto quando exercerem commissões que por lei são consideradas de cominando.
O sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro da Fazenda (Hintze Ribeiro): - Sr. presidente, pedi a palavra para repetir ao digno par que me precedeu, o que ainda ha pouco disse, que o orçamento do estado é uma lei de previsão de despeza, não é uma lei substancial, é uma lei accessoria.
O orçamento tem de ser organisado por leis, e estas é que são as leis substanciaes.
Por consequencia, o orçamento não póde nunca alterar de nenhum modo os direitos que possam ter quaesquer funccionarios do estado.
(S. exa. não reviu.)
O sr. Presidente: - Tem a palavra o digno par o sr. conde de Thomar.
O sr. Conde de Thomar: - Sr. presidente, eu pedi a palavra simplesmente para agradecer a resposta que o nobre ministro da fazenda acaba de me dar, e tambem para declarar que não posso acceitar parte das idéas apresentadas por s. exa. quando me convida a rectificar algumas asserções que eu tinha feito.
S. exa. referiu-se a uma phrase minha com relação ás despezas com a delimitação dos territorios de Africa e que eu tinha dito que quasi não valia a pena a despeza.
S. exa. como habil parlamentar deu ás minhas palavras o sentido que mais conta lhe fazia.
Do que disse não póde deduzir-se que essa despeza não compensava o valo? dos territorios em litigio, o que que-
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ria dizer foi: que esta verba era exagerada e ninguem dirá o contrario.
Provavelmente s. exa. não comprehendeu bem. O que eu disse foi que esta verba de 121 contos de réis era, em grande parte, gasta com o pessoal da delimitação das nossas fronteiras, e que, se assim continuasse, chegaria a uma verba tão importante, que quasi não compensava os terrenos que iamos adquirir.
O que eu disse foi, que me parecia serem exagerados os vencimentos de todos esses funccionarios nomeados para essa delimitação, e que era sobretudo para esse ponto que eu desejava chamar a attenção do governo.
Pôde-se e deve-se delimitar, mas n'este ponto permitta o sr. ministro da fazenda que eu lembre a s. exa. o que aqui disse, por occasião do tratado com a Inglaterra.
N'essa occasião sustentava e defendia s. exa. o seu tratado, dizendo que por elle estavam perfeitamente delimitados e conhecidos os nossos limites, sabendo nós aquillo a que tinhamos direito, sem que esse direito nos podesse ser contestado. Por esse tratado não restavam duvidas, e nós sabiamos que o meridiano tal pertencia a Portugal, e o meridiano tal á Inglaterra.
O sr. presidente do conselho caiu com esse tratado, e eu acompanhei sempre s. exa.
Agora, porém, que eu invoco as vantagens d'esse tratado contra outro que nos traz tão grandes encargos, pede-me s. exa. que eu rectifique aquillo que disse. Tenha s. exa. paciencia, mas não posso rectificar.
O que senti foi que se fizessem despezas tão exageradas, mas não disse que ellas se faziam só com os limites. Se se apurar, porém, essas differentes verbas, e se vir o que se gasta em ordenados elevadissimos, talvez se apure que dois terços são distribuidos pelos funccionarios, sendo para as missões a verba mais insignificante.
Creia o sr. ministro da fazenda que eu não estou fazendo opposição, estou defendendo os interesses do contribuinte. Qualquer que fosse o governo que estivesse hoje no poder, eu teria a mesma opinião. Já o disse e direi sempre.
S. exa. sabe que estou só nesta camara, não pertenço ao partido regenerador, nem ao partido progressista, estou entre os dois.
Approvo as medidas que o governo traz a esta camara, e que me parecem ser de utilidade publica, e condemno aquellas que, á minha modesta intelligencia, parecem ser menos proveitosas para o paiz.
Disse o sr. ministro da fazenda que as despezas feitas com as colonias eram uma questão de honra nacional. Acompanho s. exa. neste ponto, estou completamente de accordo com o governo. Isso não impede, porém, que, pela sua parte, o governo fiscalise, da maneira a mais rigorosa, o uso que se faz de todo esse dinheiro que se gasta.
Não póde o governo ver nas minhas palavras um accinte ou desejo de fazer opposição, porque o que acaba de dar-se, com relação á expedição de Lunda, justifica perfeitamente o que digo. Foi o proprio governo quem tomou medidas energicas com relação a esse assumpto.
Não é só gastar, fiscalise-se o que se gasta.
Retribuam-se os serviços dos nossos funccionarios, como elles devem ser retribuidos, porque ninguem vae para Africa com ordenados iguaes aos que se tem na metropole. É preciso dar mais, mas entre o mais e o muito vae uma grande differença. A lei deve ser igual para todos.
Faça-se uma escolha dos individuos que tenham as aptidões necessarias para esses serviços, mas não haja privilegiados. Em todos os campos ha individuos com aptidões, nada de politica para esses cargos.
Sr. presidente, com relação ao ministerio dos negocios estrangeiros, disse-me s. exa. que eu devia conhecer e saber, que em todos os ministerios ha uma verba extraordinaria, com relação a esses serviços, e que hoje era mais pequena de que as que se votavam nos orçamentos anteriores.
Eu, sr. presidente, especifiquei quaes as verbas que eram legaes, porque no orçamento v. exa. tem designadas as despezas do corpo diplomatico, as despezas de secretaria, as despezas do corpo consular, as despezas de rendas de casas e as despezas extraordinarias.
Mas alem d'estas, apparece a tal verba de despeza ultra extraordinaria, e foi a esta que eu me referi.
V. exa. comprehende, que fazendo eu parte do corpo diplomatico, ainda que na disponibilidade, não queira entrar nestas minuciosidades, nem personificar ninguem; aqui trato só de fiscalisar a applicação do dinheiro do contribuinte e parece-me exagerada e não justificada essa verba.
No entanto não sou tão ingenuo que não saiba que applicação tem essa verba, mas entendo que o não devo dizer, pelas conveniencias e respeito que devemos uns aos outros.
Fiz esta referencia para ver se se põe cobro a estes excessos de despeza.
Aqui tem v. exa. o que eu tenho a dizer ao nobre presidente do conselho.
Se eu quizesse insistir com relação ás verbas do ministerio dos negocios estrangeiros, podia fazer a s. exa. uma pergunta para mostrar que o que eu digo não é culpa do ministro que dirige aquella pasta, mas sim do systema que nós temos de não querermos arrostar com as responsabilidades, quando as devemos tomar.
Em que difficuldades se terá visto o sr. ministro dos negocios estrangeiros para arranjar a verba necessaria para a missão extraordinaria á Russia?
S. exa. não tem verba no orçamento para essa despeza, e eu pergunto ao nobre ministro da fazenda se ella existe descripta no orçamento. Essa verba não existe ali, mas necessariamente o sr. ministro dos negocios estrangeiros ha de pagal-a, desde que convidou alguem a acceitar essa missão.
Pois então não era muito melhor ter vindo á camara pedir uma auctorisação e um credito extraordinario para aquella viagem?
O governo entendeu que devia fazer representar Portugal nas festas da Russia, mandando ali um embaixador. Não sei se fez bem ou mal, o que não discuto agora. Mas em todo o caso tem de lhe dar os meios necessarios para todas as despezas a fazer n'aquella alta missão, e no orçamento do ministerio dos negocios estrangeiros não vem verba para esta despeza.
O que eu digo é que os orçamentos - e isto não se refere só ao actual governo -não representam a verdade, e que muitas despezas são pagas por verbas que deviam ter outra applicação. Quer dizer que a nossa administração é má e que não existe verdadeira fiscalisação.
Eu não faço opposição só a este governo; fal-a-hei a todos que se sentarem naquellas cadeiras, pela rasão de não dizerem ao parlamento toda a verdade sobre a nossa administração financeira.
Já fiz em tempo um pedido reclamando esclarecimentos com relação a certos vencimentos. Estes esclarecimentos nunca me foram remettidos, e alguem me disse que nunca os obteria, porque uns pagavam-se pelo ministerio da marinha e outros pelo dos estrangeiros ou ainda por outro qualquer.
Aqui tem v. exa. a rasão por que me referi a este assumpto.
Sr. presidente, não quero cansar a camara, mesmo porque daqui não se tira resultado algum. Ha casos em que as opposições podem incommodar os governos, mas no caso presente quem combate o governo presta-lhe um grande serviço, e como não é esse o meu fim, limito aqui as minhas considerações, tanto mais que discutindo presto um serviço, e facilito a marcha do governo que teria sérias
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difficuldades se as suas medidas passassem sem discussão alguma.
Por estas rasões concluo, e o governo que continue a navegar em maré de rosas, que bom será se não convertam em espinhos.
Tenho dito.
O sr. Conde do Bomfim: - Mando para a mesa um parecer da commissão de guerra.
(Leu-se na mesa e foi a imprimir.)
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Luiz Soveral): - Desejava apenas responder duas palavras ás observações feitas pelo sr. conde de Thomar ácerca das ordens de despeza effectuada com a missão extraordinaria á Russia. S. exa. tem effectivamente rasão: o orçamento do ministerio a meu cargo é pequenissimo, os seus recursos são muito acanhados e eu lucto com immensas difficuldades para satisfazer a despeza com essa missão; mas entendo que, na situação em que se encontra o paiz, mal ficava ao governo inscrever no orçamento uma nova verba para este fim, e, por consequencia, abrir um credito especial. Entretanto, parece-me que, apesar da difficuldade, posso fazer face a tal despeza com uma somma tirada da verba de despezas extraordinarias, que não digo que s. exa. criticasse, mas cuja existencia achou superflua.
(S. exa. não reviu.)
O sr. Visconde da Silva Carvalho: - Agradeço as explicações do sr. ministro da fazenda. Desde que s. exa. declara que as gratificações a que me referi serão conferidas em conformidade com as leis existentes, doa-me por satisfeito completamente com a sua resposta.
O sr. Telles de Vasconcellos: - Disse que não assistiu ao principio do debate, por não ter podido vir á camara, quando elle se encetára; viera hoje com o proposito firme de não tomar parte na discussão, e antes para ouvir os seus collegas, embora podesse dizer ao paiz quaes as suas apprehensões sobre o estado da fazenda publica, e a sua opinião, o seu voto, pelo que respeita ás affirmativas feitas pelo sr. ministro da fazenda no seu relatorio, e no orçamento de previsão apresentado ao parlamento, que elle, orador, acabara, porém, de ouvir a um digno par, a accusação mais grave e mais forte, que jamais se tem feito no parlamento portuguez.
Que o digno par affirmára que todos os governos faltavam á verdade aos parlamentos e ao paiz, e elle, orador, sentia que immediatamente se não levantasse algum dos srs. ministros para repellir uma tão grave affirmativa.
Que elle, orador, não podia crer que tal asserção fosse verdadeira, e que homens encarregados dos sêllos do estado, procurassem, enganar propositadamente o parlamento e o paiz, e não lhe dizer toda a verdade em relação ao estado da fazenda publica.
Que elle, orador, estivera nos conselhos da coroa, e elle e os seus dignos collegas foram tão claros e explicitos nas suas declarações, e na apreciação do estado do thesouro, que tiveram de propor a reducção nos juros da divida pu-blica, muito a seu pesar, mas com o firme convencimento de que obedeciam a uma imperiosa e fatal necessidade; o que calou no animo de portuguezes e estrangeiros, porque a verdade tinha sido exposta tal qual ella era.
Que, portanto, o digno par tinha sido injusto para com o governo a que elle, orador, pertencêera, e crêe que o seria para com os outros.
Que muitas vezes ha apreciações inexactas, cálculos errados, orçamentos mal calculados, relatorios obedecendo a informações apaixonadas, apreciações da fazenda publica todas cor de rosa, quando o quadro é todo sombrio e negro.
Tudo isto tem acontecido e acontece agora com o famoso relatorio do sr. ministro da fazenda, e com o orçamento em discussão, mas não quer elle, orador, nem por sombras, imaginar que o governo tivesse o proposito firme de enganar o paiz.
Apreciou mal o estado da fazenda publica, calculou mal o orçamento que se discute, e propõe medidas que não podem, nem devem ser votadas, sem que, em um futuro muito proximo, as finanças não estejam em peor estado do que em 1891 para 1892.
Que abandonando elle, orador, o incidente levantado pela phrase violenta do digno par, seu amigo, pedia licença á camara para examinar o laborioso e intrincado relatorio do sr. ministro da fazenda, que só á força de muita paciencia e grande concentração de espirito se póde comprehender.
Que elle, orador, entende que não são exactas as tres affirmativas feitas no famoso relatorio - existencia de saldos positivos e thesouro desafogado - extincta a crise economica, pois quasi não tinha existido e só existira a crise financeira, - influencia benéfica da famosa dictadura sobre as finanças, e boas condições do thesouro.
Que para se apreciar o estado da fazenda publica, as difficuldades são enormes, mas que para se ver que a primeira das affirmativas não é verdadeira, basta recorrer ao exame da divida fluctuante.
Que o sr. ministro da fazenda se encontrou entre a divida fluctuante externa expressa em oiro e a divida fluctuante sujeita ao regimen do papel, e que nos tres annos de sua gerencia, ora fazia diminuir a divida externa expressa em oiro e augmentava a divida fluctuante sujeita ao regimen do papel, ora diminuia esta e fazia subir aquella; foi um jogo igual ao que tem feito com o banco de Portugal, não avolumando a conta corrente para ir buscar a outros estabelecimentos de credito dinheiro por juro elevado, mas porque as attenções publicas vão naturalmente examinar a conta corrente, e vendo-a diminuir, por este facto ajuizam que tudo vae bem; mas o pobre paiz é que tem de soffrer as differenças pagando juros, não os devendo pagar.
Que em relação ao jogo feito com a divida fluctuante, expressa em oiro e a sujeita ao regimen do papel, lucrava o governo; fixarem-se as attenções de uns e outros na baixa, ou diminuição ora numa, ora na outra, é argumento para o governo, de que tinha melhorado as finanças, mas que, examinadas essas differenças, davam, nos tres annos civis, o augmento da divida, na importancia de 3:217 contos de réis em 1892-1893, de 4:283 contos de réis em 1893-1884, de 2:979 contos de réis em 1894-1895, o que dá nos tres annos civis a quantia de 10:479 contos de réis.
Sendo assim, só pelo que respeita a divida fluctuante, sem fallar nos titulos vendidos na importancia de 2:850 contos de réis, e no grande augmento das receitas desde 1892 a 1895, exclamou elle, orador, é extraordinario que se venha asseverar que nos annos de 1893-1894 e de 1894-1895 ha saldos positivos, e o thesouro desafogado.
Onde estão os taes saldos positivos, pergunta com vehemencia o orador, e onde está no orçamento a verba para pagar o material encomnendado para os caminhos de ferro? Onde está a verba para fazer face ao encargo resultante da conversão, que não póde ser inferior a 1:800 contos de réis? Onde está a verba com que se ha de pagar o encargo resultante do emprestimo, encargo que não póde ser inferior a 640 contos de réis em oiro, sujeito ao ágio, o que póde eleval-o a 700 ou 800 contos de réis? Onde estão estão as despezus feitas com as nossas expedições? Estas ficaram em operações de thesouraria, para passarem a avolumar a divida fluctuante.
Que assim, é muito facil arranjar saldos, o peior é o descobrir-se que os calculos estão errados.
Que o orçamento, com o que n'elle devia estar descripto e não está, attinge á cifra de 53:000 a 54:000 contos de réis, o que se traduz no déficit de, approximadamente, 5:000 contos de réis; triste é similhante quadro, e mais triste o apresentar-se pintado a cores garridas, quando elle é sombrio e negro como a noite escura e medonha.
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Que elle, orador, ao ler o a relatorio, e encontrando os taes saldos positivos, dados como uma cousa averiguada, e o estado do thesouro desafogado, ficara contentissimo, porque conhecia as faculdades do sr. ministro da fazenda; e acreditara que, apesar do conhecimento que elle, orador, tinha do estado precario das nossas finanças, o sr. ministro da fazenda fora qual outro Cesar: chegára, vira e vencera; mas que duas cousas lhe impressionaram o espirito: primeira, o plano financeiro do sr. ministro da fazenda, porque, tendo saldos positivos, não se percebia porque é que se pretendia sobrecarregar o paiz com mais impostos; segunda, a contradicção manifesta entre a commissão de fazenda da camara dos pares e o sr. ministro, pois que ao passo que este apresenta tudo cor de rosa, a commissão, no seu parecer sobre o imposto do assucar e do sabão, assevera que não é demais o dizer-se que as circumstancias do thesouro demandam, sacrificios, a que j nação não pôde, nem deve recusar-se; que um dos dói está em erro, e é de certo o sr. ministro da fazenda, o que se verifica pelo exame do famoso relatorio e do seu mal calculado orçamento.
Que as asseverações do sr. ministro da fazenda são de uma illusão completa; e s. exa. ou se enganou nas suas apreciações com respeito ao estado da fazenda publica, ou alguem o illudiu.
Pergunta elle, orador, se é licito, no actual estado de cousas, praticar por tal fórma; e affirmando que tudo melhorou, pedir ao paiz dinheiro, que este não tem, nem póde pagar, crear novos encargos e seguir no caminho escabroso dos emprestimos, atirando para fóra das arca do thesouro com a unica reserva que tinha o governo para fazer face a qualquer caso extraordinario, unica reserva e unico valor em oiro que vae ser negociado, com o pretexto dos navios, para desapparecer na voragem das despezas ordinarias, é caso tão extraordinario, como condemnavel; e quem diria que esse valor, tirado ao banco de Portugal, havia de ter um tão fatal destino.
Que é assombroso, na opinião d'elle, orador, o apresentar-se um systema financeiro, um relatorio e um orçamento, como apresentou o sr. ministro, e o que mais é, depois da reducção dos juros da divida publica.
Que na opinião d'elle, orador, a administração, depois que um paiz é forçado a reduzir o juro da sua divida, deve ser tão economica, tão severa, tão clara e tão verdadeira que, a portuguezes ou estrangeiros, não seja licito fazer qualquer observação, ou levantar qualquer duvida ou suspeita com respeito ao modo como se administra; só assim, cumprindo um dever sagrado, nós poderiamos ir, pouco a pouco, adquirindo o credito de que necessitamos.
Que de desconsolação e de tristeza não resulta para os amigos do seu paiz o esmiuçar, no remanso da noite, essas contas, esse relatorio e esse mal calculado orçamento, e chegar á fatal conclusão de que só se tem brincado com a administração de um paiz cheio de ricas tradições, e que ainda ha pouco mostrou ao mundo inteiro que tem valentes, e homens capazes de sacrificar saude, fortuna, vida e até a propria familia em favor da patria que lhes foi berço.
Que ninguem poderia sequer imaginar que o sr. Hintze. sacrificando a reflexão á politica condemnavel e á sua conservação no poder, viesse fazer umas affirmativas, que todas carecem de verdadeiro fundamento.
Que elle, orador, crê que não ha um só portuguez que acceite, como verdade, o dizer-se que não ha crise economica, que esta quasi nunca existiu, pois que a crise foi financeira.
Que juizo se poderá fazer daquelle que tal asseverar, num paiz que não produz senão para meio anno, e onde as fabricas estão barateando os seus productos, vendendo com grandes prejuizos para poderem sustentar os seus operarios, sem se attender senão a um argumento infeliz, deduzido da baixa do déficit commercial de 1894 para 1890, quando essa baixa em logar de indicar cessamento da crise economica, bem pelo contrario indica o seu aggravamento, não só pelo que respeita ao commercio, mas ás industrias?
Mas que no pensar delle, orador, basta o despender o paiz todos os annos para pão a somma enorme que em oiro vae para o estrangeiro, para ter uma crise economica permanente.
Que na opinião d'elle, orador, melhor fôra que o governo empregasse os redditos do thesouro em adquirir o pão de que o paiz carece; que se não temos no continente terrenos que possam dar o abastecimento necessario, que os temos nas nossas terras de Africa a rivalisarem com os americanos, mas que, infelizmente, o governo tem passado tres annos a fazer uma politiquice infeliz e desgraçada, que é uma vergonha, e que será a administração do governo de molde a abrir um parenthesis na historia da governação publica do paiz.
E com tão triste exemplo, que fará o governo diante deste anno, que se apresenta temeroso, e quando a falta de serviços e a fome começa de alastrar-se no paiz inteiro, que está pobre, e, o que mais é, descrente de tudo e de todos.
Que elle, orador, tem as mais graves apprehensões, fundadas no estado precario da fazenda publica, apreciada pelos dados officiaes (porque não tem elle, orador, outros), e na pouca attenção que vê dar á administração do paiz.
Que hontem se luctava com as grandes difficuldades creadas pela crise financeira e economica, e hoje lucta-se com estas e com a questão politica creada pelo governo, para não saber como é que a ha de resolver, tendo collocado o paiz na mais completa indifferença, e na desconfiança absoluta de tudo e de todos.
Tristissima situação a que tudo chegou, e baldado foi o empenho d'aquelles que, no cumprimento do seu dever sagrado, tanto se esforçaram para prevenir o grande desastre a que o paiz de novo está sujeito.
O sr. Presidente: - V. exa. póde concluir o seu discurso, apesar de ter dado a hora, ou ficar com a palavra reservada para a sessão seguinte.
O Orador: - Peço então a v. exa. que me reserve a palavra.
O sr. Presidente: -Fica o digno par com a palavra reservada.
A primeira sessão será ámanhã, continuando a mesma ordem do dia.
Está levantada, a sessão.
Eram cinco horas e cinco minutos da tarde.
Dignos pares presentes á sessão de 27 de abril de 1896
Exmos. srs.: Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa; Marquezes, das Minas, da Praia e de Monforte (Duarte); Arcebispo de Evora; Condes, da Azarujinha, do Bomfim, de Cabral, de Carnide, de Magalhães, de Mártens Ferrão, de Thomar; Viscondes, de Athouguia, da Silva Carvalho; Moraes Carvalho, Sá Brandão, Telles de Vasconcellos, Arthur Hintze Ribeiro, Ferreira Novaes, Palmeirim, Cypriano Jardim, Sequeira Pinto, Ernesto Hintze Ribeiro, Fernando Larcher, Costa e Silva, Margiochi, Frederico Arouca, Jeronymo Pimentel, Baptista de Andrade, José Maria dos Santos, Pessoa de Amorim.
O redactor = Alves Pereira.