SESSÃO N.° 37 DE 8 DE AGOSTO DE 1908 5
dos Senhores Deputados diz-se que o Senhor D. João VI consumia a oitava parte dos rendimentos do Estado, quando o Rei de França apenas despendia uma centésima. Aqui não ha consideração, senão a proporção; mas não ha igualdade, porque o rei de França, com uma centessima parte, tinha cinco ou seis vezes mais que o Senhor D. João VI com a oitava parte, e eu vejo que, calculando agora os rendimentos nas dotações, vem a absorver a casa real quasi uma sexta parte das rendas do Estado, o que é muito mais do que se increpava a respeito das despesas do Senhor D. João VI. Portanto eu seria de parecer que se adoptasse o artigo proposto no projecto da Camara dos Senhores Deputados.
Conforme se observa, ha oitenta e um annos, na alvorada do regime que, tão impropriamente, se intitula constitucional, havia quem falasse claro, quando se tratava da applicação dos bens do Estado. Não admira, pois, que hoje appareça um ou outro recalcitrante, que não permitiam que se distribuam sem protesto, de mão beijada e ao desbarato, os escassos recursos do hectico Erario.
Como lição e ensinamento de completa actualidade, vem a proposito lembrar:
Que a lista civil e apanagios, isto é, toda a despesa com a Familia Real da Dinamarca, é de 1.203:200 krôas, o que equivale em réis, ao par, a 301:040$640;
Que a Noruega instituiu a sua lista civil e apanagios, com a dotação unica do Rei na importancia de 481:700 krôas, o que corresponde a 120:520$080 réis ao par; e, todavia, aquella regrada nação só teve, para prover o throno, o trabalho da escolha entre os candidatos que se apresentaram com esse objectivo.
Administram-se optimamente estas duas monarchias, onde se não conhece o permanente deficit orçamental de milhares de contos, nem dividas fluctuantes de oitenta mil contos de réis, e onde nem, por hypotese, se admitte a existencia de adeantamentos illegaes á familia reinante, com os seus concomitantes e delictuosos adeantadores e adeantados.
Deveriam ellas servir-nos de norma; e tanto mais que, pela sua exteriorização representativa, se nos equiparam, sensivelmente.
A filáucia rotativa, porem, toda de enfermiço espavento, não tolera a economia e a simplicidade nos altos poderes do Estado, apesar da quadra que vae deslisando, com os macabros antecedentes por todos conhecidos, lhes facultar ensino muito diverso.
Comprovam o a obcecação e a reincidencia dominantes, e autentica-o o projecto, cuja minuciosa analyse vou iniciar, neste momento.
Nesse proposito, e fundamentando a minha moção, tenho a separar na discusd'este parecer, a parte respeitante, propriamente á lista civil, e a concernente aos adeantamentos illegaes.
A primeira está comprehendida nos artigos 1.°, 2.°, 3.°, 4.° e 6.° do parecer. A segunda integra-se com o artigo õ.°, cuja incoveniencia em figurar num projecto d'esta ordem, por varias vezes pus em relevos sem ser attendido.
É axiomatico que o despota por temperamento é desconfiado; e o Sr. Ferreira do Amaral cultiva tão intensamente a desconfiança, que foi completamente surdo a todas as instancias e advertencias, com o objecto de ser expungido do projecto em debate o famoso artigo 5.°, nelle, sem a menor duvida, descabido.
Á opposição cumpre dar batalha, no campo em que lhe é permittido engajá-la, com as armas de que pode dispor.
Neste norteamento, que é de todos os tempos, versarei saparadamente os dois assuntos que deixo designados, com as armas que pude alcançar, isto é, com os esclarecimentos que em numero diminuto me foram fornecidos, ao contrario do que requeri, e era meu desejo obter, em holocausto ao cultivo da verdade e dos genuinos ditames liberaes.
Renovado mais uma vez o meu protesto contra semelhantes processos, improprios de quem tenha a consciencia tranquilla, e amoldados pelo mais retinto absolutismo bastardo, vou entrar na materia, começando por notar que o diploma actual diverge, em absoluto, da lei de 11 de fevereiro de 1862, da dotação do Rei D. Luiz e do Infante D. Augusto, e bem assim da lei de 28 de junho de 1890, que dotou o Rei D. Carlos e outros membros da familia reinante. Estes dois ultimos diplomas recommendam-se pela sua clareza e nitidez. No que está em discussão, superabundam ratoeiras e armadilhas, sendo igualmente fertil em alçapões e equivocos, conforme dentro em pouco patentearei.
Pelo artigo 1.°, é fixada a dotação do Chefe do Estado num conto de réis diarios. Perante as disposições contidas noutros artigos, e do que é licito ler nas entrelinhas, o estipendio regio será muito mais avultado.
Attentas as circunstancias melindrosas que economica e financeiramente atravessa o Pais, é razoavel estabelecer uma tal remuneração, positivamente antagónica com a penuria nacional?
Pelo menos, que seja submettida, como norma legal, á acção do imposto de rendimento, a lista civil do reinante, quando sobre os outros empregados publicos impenda um sacrificio analogo.
Esta salutar doutrina por mais de uma vez tem sido sustentada 110 Parlamento, e designadamente na sessão de 21 de janeiro de 1881, na Camara electiva, que tinha de exprimir o seu voto • acêrca de um projecto de lei, assim concebido:
Artigo l.° É sujeita ao imposto de rendimento a lista civil, a qual para- esse fim será considerada como comprehendida na classe B.
Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões, 19 de janeiro de 1881. = Rodrigues de Freitas.
Sobre o modo de propor, usou da palavra o deputado Emygdio Navarro, que se expressou nestes precisos termos:
Eu creio que o projecto de lei apresentado pelo Sr. Rodrigues de Freitas prende com o principio de direito constituicional que tem sido sanccionado nesta camara em differentes situações politicas, por mais de uma vez, com relação a projectos analogos a este.
Por acordo geral dos partidos tem-se entendido sempre que a lista civil não pode ser alterada, nem para mais nem para menos, senão no principio de cada reinado, e não pode ser alterada para mais ou para menos, porque alterá-la seria collocar o chefe do Estado na dependencia dos partidos politicos.
Não se pode portanto acceitar projecto algum que tenha por fim a alteração d'este principio de direito constitucional, sanccionado por todos os publicistas de todos es partidos, portanto, não se pode admittir este projecto á discussão, porque, admittido elle, seria offender esse principio.
Devo acrescentar que este projecto seria quasi sem applicação, como se mostra das contas do Thesouro publicadas ha poucos dias no Diario,onde vem mencionada, acêrca do imposto de rendimento, a cedencia de Sua Majestade da parte que podia competir á sua dotação, se acaso lhe fosse applicada a lei d'este imposto.
(Consultada a Camara, não foi admitido o projecto á discusão).
Depois de 1881, profundas teem sido as transformações experimentadas na vida politica; e, a tal ponto, que hoje não se pode argumentar, como argumentou Emygdio Navarro, com a cedencia de Sua Majestade, de uma parcela da sua dotação.
No anterior reinado, e conforme o proemio do ditatorial decreto liquidatario de 30 de agosto de 1907, a Familia Real chegou a concorrer, em consequencia da crise financeira de 1892, com a somma de 567:900$000 réis, equiparando se, neste seu acto, aos outros funccionarios do Estado. Deve ter sido, por 1900, que essa contribuição deixou de ser satisfeita. A este respeito, careço de ser informado convenientemente, e para isso dirijo tres perguntas ao Sr. Ministro da Fazenda:
1.ª Qual foi a data precisa em que a Familia Real deixou, no reinado anterior, de concorrer para as urgencias do Estado, com a cedencia nos seus vencimentos?
2.ª Simultanea ou ulteriormente a esse acto foram-lhe restituidos, ou jul-