SESSÃO N.° 37 DE 8 DE AGOSTO DE 1908 7
Artigo 6.° Continuam em vigor no actual reinado as disposições da carta de lei de 16 de julho de 1855, em tudo que não for especialmente derogado pela presente lei.
E o que é que não fica revogado pelo presente projecto, ou pelo abuso e desprezo consuetudinarios, concernentemente á lei de 16 de julho de 1855, da referenda de Fontes Pereira de Mello, nos seus bons tempos?
A verdade é que vigora tudo o que representa vantagens e benesses para o usufrutuario. A par d'isto3 tudo o que para elle significa e traduz encargos ou fiscalização, bem cabida, pelos seus actos, findou de facto, se não de direito.
Não está, porventura, supprimido nessa honesta lei o seu artigo 4.°, que autoriza o governo a despender annualmente até a quantia 6 de contos de réis para os concertos e reparações que forem necessarios á conservação dos palacios e jardins ?
Pode alguem alimentar duvidas a tal respeito, quando cerca de 3:000 contos de réis foram, sob esse pretexto, esbanjados, sem que por isso deixassem de ser cobrados, em mensalidades de 500$000 réis, os 6 contos de réis estatuidos pela lei de 1855, e que, desde 1898-1899, desappareceram abusivamente do orçamento do Estado ?
O § 3.° do artigo 2.° do parecer em debate talha á larga referentemente a obras d’essa especie, cujo custeio e execução ficam a cargo do Ministerio das Obras Publicas. Não nos diz, porem, se, a despeito d'esses avantajados planos, os 6 contos de réis arbitrados pela lei de 1855 continuam a ser embolsados pela Coroa. Ora é isto precisamente que é indispensavel saber-se, ou antes, não se praticar, se não pretendem, na sua cegueira, que, em casos d'estes, de moralidade primitiva, como em tudo o mais neste mundo sublunar, as mesmas causas produzam os mesmos effeitos.
Regular e honesto seria estabelecer o contador, ou limite, indicado na minha moção, designando-se a precisa verba annual a inscrever no orçamento, com esse destino, e nada mais.
Mas, voltemos á lei, que deveria ser salubrizadoramente fiscalizadora, de 16 de julho de 18553 cujo artigo 8.°, de novo o recordo 5 é d'este teor:
Artigo 8.° Proceder-se-ha a inventario judicial dos bens da Coroa, immoveis e movtis, mencionados nos artigos antecedentes; avaliando se os terrenos productivos e os moveis susceptiveis de deterioração, e fazendo-se dos objectos preciosos uma exacta descrição. Nos archivos das Camaras Legislativas serão depositadas copias autenticas do mesmo inventario, e uma outra no archivo da Torre do Tombo.
Haverá, quiçá, quem alimente duvidas referentemente a não terem sido satisfeitas essas prescrições?
Não pode haver.
Ainda na sessão de 12 de maio derradeiro eu apresentei nesta casa uma proposta, adequadamente fundamentada, que jaz no limbo de uma commissão, e cujas conclusões são as seguintes:
Que o abaixo assinado requereu que, pelo Ministerio do Reino e archivo da Torre do Tombo, lhe fosse fornecida copia do inventario em questão;
Que, tendo o respectivo requerimento a data de 11 de dezembro de 1906, foi repetido em 7 de janeiro de 1907 e renovado em 4 de maio de 1908, sem que até agora fosse attendido e satisfeito;
Que este significativo silencio, corroborativo de informações colhidas em fontes diversas, evidencia que o inventario dos bens da Coroa, immoveis e moveis, nem começou a ser elaborado em L855, consoante a disposição expressa da lei correspondente, nem tão pouco ainda está concluido.
Que, em presença de tão patente violação das leis do reino, em todo o ponto contraria aos preceitos da moralidade e da boa ordem na administração publica, entende esta Camara que é da maxima conveniencia, sob todos os aspectos, que o inventario dos bens da Coroa, os quaes são os bens do Estado, se ultime quanto antes. = Sebastião Baracho.
Pois esta Camara, decorridos cincoenta e cinco annos, sem que o inventario se concluisse, esquivou-se, desastrada e sornamente, a manifestar a conveniencia de que elle tenha termo.
Em 25 de abril de 1879, a Camara electiva votou, por unanimidade, uma proposta da iniciativa de Rodrigues de Freitas, affirmando a sua confiança em que seria immediatamente cumprido, em toda a sua extensão, o artigo 8.° da mencionada lei de 16 de julho de 1855.
Nem este estimulante, que eu fiz reviver na minha proposta, póde afastar esta casa do Parlamento da sua missão rotativa, experimentalmente funesta á existencia do regime, e em que expressivamente se destaca o reaccionario Sr. Ministro da Justiça, que se obstina em não me fornecer os esclarecimentos que requeri sobre a materia, em 4 de maio transacto, e por cuja remessa instei em 22 de julho ultimo.
Registando este facto, que é seguramente dos que imprimem caracter, ponho termo ás minhas considerações acêrca da lista civil, cuja enigmatica urdidura fez com que eu consumisse mais tempo do que desejava em lhe devassar, tanto quanto possivel, os arcanos.
Com o artigo 5.° do parecer, em que estão enxertados os adeantamentos illegaes, outro tanto terá de succeder. Os mysterios de que o circundam, alem de patentearem a sua escabrosidade incontroversa, conduzem indispensavelmente aos investigamentos e deducções, que prolongam o debate, sem vantagem para ninguem. Vá a pedra a quem toca.
Muito melhor seria que a luz se patenteasse a jorros, ao serviço da verdade. Não o entendem, porem, assim os suppostos acalmadores, ou antes, affixados encobridores e seus adherentes rotativos. O futuro, em breve, nos dirá quem se illudia.
Posto isto, convem consignar que o famoso artigo 5.° do parecer controvertido estatue:
Artigo 5.° Uma comissão presidida pelo presidente do Supremo Tribunal de Justiça, e composta de um juiz do mesmo tribunal, de Um vogal do Supremo Tribunal Administrativo, de um vogal do Tribunal de Contas, e de um vogal da Junta de Credito Publico, designados pelos mesmos tribunaes e pela Junta de Credito Publico, será incumbida da liquidação de contas entre o Estado e a Fazenda da Casa Real; e a quantia que for re: conhecida como saldo a favor do Estado, depois de approvada por lei, será paga pela Fazenda da Casa Real em prestações annuaes, não inferiores a 5 por cento d'essa quantia, até integral pagamento.
Este artigo, pelo que respeita á liquidação dos adeantamentos, não passa de um ludibrio, de um tosco e pestilento ludibrio. Se assim não fosse, o Governo tê-lo-hia substituido pelo apuramento dos desvios commettidos, que elle deve conhecer em todos os seus pormenores. Para isso teve tempo de sobejo.
A fiscalização legitima do seu trabalho incumbiria ulteriormente a uma commissão parlamentar, investida de plenos poderes, e que, em taes circunstancias, estaria habilitada a proceder a um inquerito, que inspirasse confiança, nos seus resultados. A minha proposta apresentada, nesta casa, em sessão de 15 de maio passado, satisfazia à essa sadia aspiração. A Camara, porem, entendeu dever rejeitá-la, em sessão de 22 de junho, por 27 votos contra 10, depois de prolongada discussão, em que se evidenciou a deploravel conformidade da maioria com o gafado programma ministerial, em todos os seus tenebrosos e mephiticos aleijões.
A promessa de que a quantia reconhecida, como saldo a favor do Estado, será approvada por lei, não passa de um subterfugio, cuja previsão os antecedentes justificam, e que importa num adiamento sine die do respectivo apuramento. D'esse enredado maleficio deriva o encargo para o Thesouro, resultante da lista civil e despesas correlativas ccnneçare,m a tornar-se effectivas, desde a proclamação da lei, cujo projecto se discute. A par disto, ao Erario não serão satisfeitas as prestações amortizantes pela divida motivada pelos adeantamentos, emquanto a sua cifra não tiver sancção legislativa.
Demais, a percentagem autorizada é