8 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
tão exigua, num país, como o nosso, cujo Thesouro só obtem dinheiro a mais de 6 por cento, que ella nem sequer representa o pagamento de juros. Isto não é serio.
Nestes termos, ao invés de representar um sacrificio para a Real Fazenda, ' a letra do artigo 5.° é-lhe ardilosa e acentuadamente benefica,— de consideravel valor monetario.
Quando outras razões não subsistissem, seria sufficiente o que deixo exposto, para que se fixasse um prazo dentro do qual se ultimasse a liquidação. De outra maneira, a critica acerada, para que não faltam fundamentos, não deixará de pôr em relevo a literal interpretação especulativa, que resalta do comprometedor e impudente artigo, que estou analysando. De resto, o pagamento está delineado por moldes tão attenuados, e, insisto, com vantagens taes para o devedor, que o seu pronto inicio se impõe, por todos os motivos.
Para isso bastava prescindir-se honradamente d'elle, e usar do artigo 1792.° do Codigo Civil, assim concebido :
Artigo 1792.° O herdeiro responde por todas as dividas e legados do autor da herança, até por seus proprios bens, salvo se acceitar a herança a beneficio do inventario.
A herança, na questão sujeita, constitue um bloco, de que a successao no throno é a base primordial. Não é admissivel d'ella fazer a separação, dos accessorios, de especie varia, com ella integrados.
Noblesse oblige; e, tanto assim que, alem do Codigo Civil, a materia, que é essencialmente delicada, regula-se, mesmo preferentemente, pelo Codigo de Honra, que corresponde á ultima ratio, no uso da vida, mormente entre os dirigentes sociaes. No seu cultivo, manteem-se preconceitos, como o dos duellos, em contravenção inilludivel com Codigo Penal, e até, por parte dos crentes catholicos, se incorre, por tal acto, na pena de excommunhão, emanante da infracção manifesta do deliberado no concilio de Trento, sessão XXV, de Reformatione, cap, XIX»
Alem d'estas considerações, que se justificam pelos textos legaes e pelos preceitos consuetudinarios da dignidade, a attender ha ainda que não é toleravel a reincidencia em actos alienadores do património nacional, consoante o que se praticou com alei de 2 de maio de 1885, referendadsi por Hintze Ribeiro, e que convem recordar, como escarmento e lição.
Na lei de 23 de maio de 1859, referendada por Casal Ribeiro, foi autorizada a venda de diamantes da Coroa, em bruto, na quantidade precisa para se compararem 1:000 contos de réis de inscrições, de que o rei cobraria os juros, e que ficariam inalienaveis.
A lei de 30 de junho de 1860, referendada igualmente por Casal Ribeiro, permittiu a venda de 3:(390 quilates de brilhantes da Coroa, em bruto, cujo producto teve applicação similar ao da conversão de 1859.
Conforme a lei de 28 de maio de 1863, da referenda de Joaquim Thomaz Lobo d'Avila, foi effectuada a venda de mais 500:000$000 réis de diamantes, em bruto, da Coroa, os quaes foram convertidos em inscrições de 3 por cento, em condições analogas ás anteriores.
Pela lei de 12 de abril de 1876, referendada por Antonio de Serpa, realizou-se a venda dos diamantes necessarios para a acquisição de 500 contos de titulos de divida publica, cem igual destino ao dos antecedentes.
Nove annos depois de os reinantes estarem aumentados nos seus vencimentos, pelas quatro operações que enumerei, foi manipulada a lei de 2 de maio de 1885, para pagamento de dividas do Rei D. Luiz, e cujo texto é o seguinte:
Artigo 1.° É autorizada a Junta :lo Credito Publico a adeantar, ao juro annual de 5 %, pela Caixa Geral de Depositos, as quantias necessarias para pagamento dos emprestimos contrahidos pela administração da fazenda da Casa Real em contratos de 12 de agosto de 1880 e 30 de dezembro do 1882, recebendo em caução valor suficiente em inscrições do usufruto da Coroa, que, para seu reembolso, poderá alienar, de acordo com o Governo, como mais conveniente for aos interesses da Fazenda.
§ unico. O producto dos bens da Casa Real de que tratam as leis de 3 de abril de 1877 e de 14 de maio de 1880, que forem vendidos, será convertido em inscrições com averbamento á Coroa de Portugal.
Quanto se apurou d'esta venda? Não o sei.
Em todo caso, se ella se effectivou, deveria ter produzido uma diminuta quantia, comparativamente com a superveniente da alienação de titulos, derivante da referida lei de 2 de maio de 1885, e que se elevou a 967:093$070 réis, não contando os juros vencidos desde o começo d'esse anno até a execução da respectiva lei.
O projecto correspondente foi votado sem discussão por esta Camara, em sessão de 20 de abril de 1885.
Outro tanto não succedeu na Camara dos Senhores Deputados, onde a impugnação a semelhante acto foi intensiva e acalorada.
Como lição, hoje mais do que nunca apropriada, aproveitarei alguns excerptos do discurso pró ferido "pelo Sr. Consiglieri Pedroso, em 9 de abril.
Fala o antigo Deputado, republicano, por Lisboa:
Á Casa Real não lhe falla simplesmente o inventario; não tem somente deixado de liquidar as suas dividas á Fazenda. Tambem não possue orçamento de despesa, apesar de receber do Estado enormes quantias, superiores ás consignadas para muitos serviços publicos importantes !
Com estes precedentes (e ainda que o Pais e pudesse) como havemos nós de ir distrahir dos cofres publicos 1.000:000Ji000 réis para acudir a embaraços que ámanhã renascerão com nova intensidade?
Falou, como um livro aberto, o Sr. Consiglieri Pedroso. Nem S. João Chrysostomo, o boca de ouro, o excederia.
As necessidades repetiram-se, e avolumaram-se, com o decorrer do tempo.
Na actualidade, porem, se não se alienam inscrições, engendra-se, o que é equivalente, uma lista civil, em que se faz audaciosa e impropriamente incidir sobre o esgotado Thesouro despesas consideraveis, de que até agora elle estava legalmente liberto.
O que se deveria fazer era sujeitar a Real Fazenda á fiscalização do Estado. É o que se impõe por todas as maneiras, até pelos bons exemplos que, na questão sujeita, se podem colher no estrangeiro.
Mas continua no uso da palavra o Sr. Consiglieri:
Quanto custa a lista civil por habitante em cada um dos seguintes países, comparada com Portugal?
Custa a lista civil por habitante, em França 4 ½ réis ; na Suissa 4 ½ réis; na Inglaterra, 76 ½ réis; na Russia, 88 réis; na Italia, 97 réis; na Prussia, 117 réis; na Belgica, 117 réis ; na Austria, 117 réis; em Portugal, 145 réis.
Tenho a declarar á Camara que estes numeros são tirados, pelo que diz respeito aos países estrangeiros, de uma obra que faz autoridade nestes assuntos; é o livro do allemão Pfeiffer intitulado Comparação das despesas dos diferentes Estados europeus, ultima edição.
De modo que, repare bem a Camara, um chefe de familia; de termo medio, cinco pessoas, paga em Inglaterra, por anno, para a Casa Real, 382 réis; na Russia 440 réis; em Portugal paga 725 réis.
Pois a percentagem, dados os escaninhos e esconderijos do parecer em debate, ainda vae aumentar, e muito, entre nós!...
É isto razoavel? É isto equitativo? É isto sequer decente?
De utilidade é, todavia, encarar a questão por outro aspecto.
Em 27 de março de 1885, declarou em officio o Ministro da Fazenda:
A commissão nomeada pela portaria de 22 de novembro de 1879 não apresentou ainda o resultado dos seus trabalhos, podendo com-