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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

SESSÃO N.° 57

EM 8 DE AGOSTO DE 1908

Presidencia do Exmo. Sr. Conselheiro Antonio de Azevedo Castello Branco

Secretarios — os Dignos Pares

Luiz de Mello Bandeira Coelho Marquez de Penafiel

SUMMARIO. — Leitura e approvação da acta. — Expediente.— O Sr. Presidente declara ter recebido tres representações, sendo uma relativa ao regime da instrucção secundaria e as outras aos interesses da classe piscatoria e aos interesses da industria rolheira. A Camara resolve que sejam publicadas antes de serem enviadas ás commissões respectivas.— O Digno Par Sr. Conde de Castello de Paiva requer um documento pelo Ministerio das Obras Publicas. — O Digno Par Sr. D. João de Alarcão apresenta o parecer sobre o projecto de lei relativo a providencias contra a peste bubonica e pede dispensa do regimento para que possa entrar desde logo em discussão. A Camara assim o resolve e o projecto é approvado.

Ordem do dia: Continuação da discussão do projecto concernente a lista civil. — Usa da palavra o Digno Par Sr. Sebastião Baracho, que 16 e sustenta a sua moção de ordem. Responde-lhe o Digno Par Sr. Alexandre Cabral, relator.— O Sr. Ministro da Fazenda refere se em seguida á parte do discurso do Digno Par Sr. Baracho respectiva ao emprestimo feito pelo Banco de Portugal á Casa Real. — O Digno Par Sr. Pimentel Pinto, que deve usar da palavra na sessão seguinte, manifesta, o desejo de que o Sr. Presidente do Conselho esteja presente. — É a sessão levantada.

Pelas 2 horas e 25 minutos da tarde o Sr. Presidente declarou aberta a sessão.

Feita a chamada, verificou-se a presença de 20 Dignos Pares.

Foi lida e approvada sem reclamação a acta da sessão anterior.

Mencionou-se a seguinte expediente:

Mensagem da Camara dos Senhores Deputados, acompanhando o projecto de lei que tem por fim conceder, mediante reciprocidade e concessões compensadoras, o tratamento de nação mais favorecida, a tudo o que disser respeito a profissões ou industrias, protecção da propriedade industrial, taxas de navegação e direitos de importação e consumo.

As commissões de negocios externos e fazenda.

Officio em que o Digno Par Sr. Eduardo de Serpa Pimentel participa que, por incommodo de saude, não tem comparecido ás sessões da Camara nem ás reuniões da commissão para que foi nomeado.

Para o archivo.

O Sr. Presidente: — Fui procurado por uma commissão delegada dos pães,

tutores e encarregados da educação de alumnos dos lyceus de Lisboa, que me entregou uma representação em que se pedem modificações no regime da instrucção secundaria.

Comquanto esta representação não seja dirigida á Camara, foi-me apresentada para eu lhe dar d'ella conhecimento.

A commissão solicitou que a mesma representação fosse publicada nos Annaes da Camara. (Apoiados).

Foi-me tambem entregue uma representação em que a União dos Pescadores Portugueses pede ao Governo protecção para a sua classe.

Peço autorização para ser publicada nos Annaes. (Apoiados).

Ainda recebi outra representação em que os fabricantes e operarios da industria rolheira pedem isenção da contribuição industrial durante o periodo de cinco annos.

Peço tambem autorização para ser publicada. (Apoiados).

Visto que a Camara assim o autoriza, far se-ha a publicação e depois serão as tres representações enviadas ás commissões respectivas.1.

O Sr. D. João de Alarcão: — Pedi a palavra para mandar para a mesa o parecer da commissão de fazenda sobre o projecto de lei, vindo da Camara dos Senhores Deputados, que autoriza o Governo a despender até a quantia de 20 contos de réis na extincção da peste bubonica nos Açores.

Peço a V. Exa. que consulte a Camara sobre se permitte que se dispense o regimento para entrar desde já em discussão este projecto.

Consultada a Camara, foi approvada a urgencia, e em seguida Lido na mesa o projecto de lei, que é do teor seguinte:

Senhores. — Examinou a vossa commissão de fazenda como lhe cumpria e exigem as circunstancias em que se encontram as Ilhas dos Açores, nalgumas das quaes se manifestaram casos de peste bubonica, o projecto de lei n.° 40 vindo da Camara dos Senhores Deputados, que tem por fim providenciar para debellação d'aquella enfermidade.

Por outras epocas e por motivo identico se tomaram providencias para à defesa sanitaria das povoações atacadas.

Entendendo a vossa commissão que no. momento actual as medidas adoptadas pelo Governo são necessarias e de caracter urgente, é de parecer que o alludido projecto deve ser approvado, para converter-se em lei.

Sala das sessões da commissão, em

1 No fim d'esta sessão vão publicadas as tres representações

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2 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

7 de abril de 1908. = Moraes Carvalho = Antonio Teixeira de Sousa = D. João de Alar cão = Pereira de Miranda = Alexandre Cabral = F. F. Dias Costa.

PROPOSIÇÃO DE LEI N.° 40

Artigo l.° É o Governo autorizado a despender até a quantia de 20 contos de réis e a tomar as providencias extraordinarias que, na debellação da peste bubonica, a saude publica reclame.

Art. 2.° O Governo dará conta ás Côrtes do uso que fizer da autorização concedida.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

O Sr. Presidente: — Está em discussão.

(Pausa}.

Se ninguem pede a palavra, vae votar-se.

Foi approvado.

O Sr. Conde de Castello de Paiva: — Há dias pedi uns documentos pelo Ministerio das Obras Publicas, e como ainda não viessem, peço a V. Exa. se digne instar pela sua remessa.

O Sr. Presidente: — Vae entrar-se na ordem do dia.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de lei relativo a lista civil

O Sr. Sebastião Baracho: — Na sessão do dia 4, o Sr. Presidente do Conselho estranhou que o Digno Par Ressano Garcia tivesse versado a questão politica, discutindo a lista civil.

Este reparo, que mal se explica, não fez proselytos. Nem sequer encontrou eco no Sr. Ministro da Fazenda, cujo discurso foi muito mais politico do que de feição a defender o projecto, nas suas peculiares modalidades.

Na sua oração, o Sr. Espregueira entoou um hymno ao liberalismo e á legalidade, que este Governo sustenta, como a corda sustenta o enforcado, e rematou o panegyrico, que simultaneamente endereçou ás clientelas rotativas, como que exclamando: — Rotativismo, super omnia! Rotativismo for ever!

Para com a acalmação occorrente, e para com o platónico pontifice acalmador, foi o Sr. Ministro da Fazenda de um silencio glacial, verdadeiramente siberiano.

Não o acompanharei, por meu turno, nesse terreno, visto esta questão ser, em parte, genuinamente politica; e, em tal campo, as principaes responsabilidades cabem, no desastre que se está acentuando, ao Sr. Presidente do Conselho, a quem me vou dirigir, no intuito de lhe exprobrar as faltas, e de lhe salientar os erros.

Com effeito, a situação do Sr. Presidente do Conselho é positivamente deploravel; e, todavia, o melhor ensejo se lhe offereceu para prestar um relevante serviço ao País, e para deixar assinalado o seu nome na Historia.

Para isso, bastava ter excluido os rotativos, quando organizou o actual Ministerio, cuja composição devia ter-se inclinado toda para a esquerda. As monarchias ou teem de ser sincera e basilarmente democraticas, ou teem de sossobrar e de se extinguir.

Nesse norteamento. devia ter batido á porta dos republicanos, pedindo-lhes auxilio. Nada seria para admirar semelhante acto, cuja recommendação estava nas circunstancias, inilludivelmente acabrunhadoras, em que ascendeu aos conselhos da Coroa o Sr. Ferreira do Amaral.

Era-lhe recusada a collaboração, patrioticamente solicitada, em condições ultra-excepcionaes? Peor para es recusantes. A Nação apreciaria.

Em qualquer caso, o Ministerio a organizar deveria ser retintamente liberal, com exclusão absoluta dos rotativos, cuja falencia é palpitante; e assiste-me o direito de me expressar com este desassombro, porque, mesmo quando me não escaceassem os meritos, não me era. licito, por motivos que ocioso seria especificar neste momento, compartilhar do poder com o Sr. Presidente do Conselho.

Organizado o Gabinete, a regressão, por mina, ha annos insistentemente preconizada, á legislação vigorante em 31 de dezembro de 1885, verificar-se-hia imediatamente, somo inicio de vida politica decente, com tendencias progressivas, indispensaveis ao seu esmerado cultivo, attentas as fagueiras brisas reinantes de encendrado e reconfortante liberalismo.

Na realização d'esse programa, honesto e sadio, o Sr. Ferreira do Amaral teria de recorrer á Camara eleita pelo Governo da ditadura.

Negava-lhe ella, e bem assina esta casa do Parlamento, a sua cooperação reformadora?

Peor para ellas.

Afigura-se-me, porem, que ambas reflectiriam antes de se lançarem nessa perigosa aventura; e, tanto mais, que o Governo as não convocaria, sem ter previamente apurado, honrada e cristallinamente a questão fazendaria, a começar por todos os adeantaraentos illegaes e suas adherencias.

O arrolamento dos criminosos desvios dos haveres do Thesouro, acompanhado da relação nominal de adeantados e adeantadores, de especie varia, deveria produzir os melhores effeitos, abatendo muita prosápia, e fornecendo a mais solida plataforma eleitoral, para que a representação da Nação fosse, em todo o ponto, genuina.

Com uma Camara popular, livremente constituida, e com um Ministerio d'ella oriundo, e em que a firmeza de animo, a mais latitudinaria clemencia e o bom senso se confundissem com a prudencia e com a honestidade, com uma Camara e com um Governo assim, repito, seria licito prever a prolongação ainda por algum tempo, com proveito geral, do regime que ahi se está subvertendo lentamente, sem honra nem gloria para ninguem.

Em logar de trilhar pelo caminho amplo das reformas, que podiam conduzir ao Capitolio, preferiu o Sr. Presidente do Conselho enveredar por tortuosos meandros, que o despenharam da rocha Tarpeia.

Em vez de respirar, a plenos pulmões, o ambiente resuscitante de 1820; e, á falta delle, o de 1836, preferiu collocar-se entre a bigorna rotativa e o martelo nacional, que o derrearam até ao extremo de estar sendo o embaraçoso aleijão que todos presenceiam. A este respeito não pode haver já a minima illusão.

Reduzido pelos seus erros accumula-dos, ao estado de empecilho e estorvo autenticado e garantido, procura com grosseiros derivativos, e com equivocos expedientes, tradicional e exuberantemente condemnados, prolongar a agonia em que estrebucha, motivada pelo falseamento da sua missão, retumbante, inicial e enganosamente apregoada de legalista e de acalmadora. Tão ambigua situação é, demais, aggravada com o preparo evidente da transmissão de poderes ao exautorado rotativismo.

Não reedito neste momento, por escusado e inutil, os actos comprovativos d'estas minhas asserções, e que constituem perniciosa e longa serie, desde o perfilhamento tumultuario do ignóbil decreto eleitoral de 8 de agosto de 1901, com a sua sinistra applicação em 8 de abril derradeiro, até aos incessantes ataques ás regalias individuaes pela execranda ditadura policial, com laivos terroristas, para quem o habeas corpus, respeitado, note-se de passagem, por todas as sociedades civilizadas, é positivamente um mytho, com applauso — desnecessario seria dizê-lo — do insensato e despotico Governo, que taes violencias recommenda e encarece.

Rolando por tão escabrosa pendente, chegou-se até á presente proposta acêrca da lista civil, com os alçapões, evasivas e ratoeiras em que ella é fertil, destoante completamente da decente simplicidade das suas predecessoras. Em destaque, neste bloco de miserias, urdidas com patente menoscabo da economia e da seriedade no poder, osten-

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tam-se, em degenerado enxerto, os adeantamentos illegaes á Fazenda Real. Do que representa esse dissonante, hybrido e inhabil agrupamento, fala sucintamente a minha moção, que passo a ler, e em seguida fundamentarei, nos seus diversos assertos:

MOÇÃO DE ORDEM

A promiscuidade estabelecida no parecer referente á lista civil, incluindo no mesmo diploma a dotação do Chefe do Estado e os prologomenos respeitantes á pretensa liquidação dos adeantamentos illegaes, feitos á Real Fazenda anteriormente ao actual reinado, não tem precedentes, não se justifica em ponto algum, e nem sequer se desculpa.

A destrinça que se impõe, perante a moralidade e a boa ordem, d'essas duas questões heterogeneas, não foi acolhida pelos dominantes poderes officiaes. não obstante os graves inconvenientes resultantes de tão nocivo amalgama, avolumados pela absoluta carencia de idóneas informações elucidativas d'esses dois importantes assuntos, mormente do relativo á liquidação dos adeantamentos illegaes.

Contra este erro fundamental se insurge evidentemente o Pais, que tem direito a que lhe sejam dadas, por delegação nos seus representantes em Côrtes, estrictas e nitidas contas, em materia de tanta magnitude e melindre. Contra este erro palmar, cujas funestas consequencias são previstas pelos espiritos rectos e cultos, protesta o abaixo assinado, na profunctoria analyse que vae realizar, encetando-a, desde já, pela disjunção indispensavel das duas questões, tão compromettedora e inhabilmente confundidas.

Nesse proposito, cabe a primazia á apreciação concernente á lista civil, em que os adeantamentos foram degeneradamente enxertados, e cuja elaboração não se recom-menda pela parcimonia e lucidez com que foram organizadas e regulamentadas as dos reinados anteriores. É esta a impressão que resalta do que se propõe agora e do que está estatuido na carta de lei de 11 de fevereiro de 1862, referendada por Antonio José de Avila, e na de 28 de junho de 1890, da referenda do Sr. Conselheiro João Franco: — a primeira dizendo respeito á dotação do rei D. Luiz e do infante D. Augusto: e a segunda, á dotação do rei D. Carlos e de outros membros da Familia Real.

Para todos três, a dotação regia é de réis 1:000$000 diarios. Para os dois anteriores, porem, os encargos e dispêndios eram muito maiores, o que importa um aumento consideravel no estipendio do actual reinante. Nem outro significado pode ter o preceituado nó artigo 2.° e seus paragraphos, e no artigo 3.°, da proposta em discussão.

A considerar ha ainda que, pelo artigo 5.° da lei de 28 de junho de 1890, eram declaradas em vigor, no reinado de D. Carlos I. as disposições fiscalizadoras e restrictivas da lei de 16 de julho de 1855, e das leis, na parte applicavel, de 23 de maio de 1859, de 30 de junho de 1860, dê 2 de maio de 1885 e de 25 de junho de 1889.

Pelo artigo 6.° da proposta em debate, vigora unicamente, em parte, o estabelecido na lei de 16 de julho de 1855, o que, alem de importar diminuição de responsabilidades, de natureza varia, para o Rei actual, representa uma pungente ironia, em presença dos artigos 4.° e 8.° da ultima citada lei, assim concebidos:

Artigo 4° É autorizado o Governo a despender annualmente até á quantia de réis 6:000$000 para concertos e reparações que forem necessarios á conservação dos palacios e jardins................................

Artigo 8.° Proceder-se-ha a inventario dos bens da Coroa immoveis e moveis, mencionados nos artigos antecedentes; avaliando-se os terrenos productivos e os moveis susceptiveis de deterioração, e fazendo-se dos objectos preciosos uma exacta descrição. Nos archivos das Camaras Legislativas serão depositadas copias autenticas do mesmo inventario, e uma outra no archivo da Torre do Tombo.

De como tem sido postergado este ultimo artigo, dá noticia a proposta acêrca do inventario dos bens da Coroa, por mim apresentada nesta Camara, em sessão de 12 de maio derradeiro, e que jaz no limbo de uma commissão.

Quanto ao dispositivo dos 6:000$000 réis preceituados no artigo 4.° retro-referido, tiveram elles, sob a rubrica OBRAS NOS PAÇOS REAES, inserção no orçamento do Estado até 1898-1899. Desde então, multiplicaram-se os abusos e esbanjamentos, cujo inicio vem de longe, e que se cifram por centenas e centenas de contos de réis, despendidos loucamente em obras e mobiliarios dos palacios regios, e produzindo profundos rombos no depauperado Erario.

O parecer em discussão, longe de pôr cobro a estas pesadas e prodigas anormalidades, fazendo a regressão aos poupados processos derivantes da integra applicação do supracitado artigo 4.° da lei de 16 de julho de 1855, visa, pelo contrario, no seu § 3.° do artigo 2.°, a inutilizar tão salubrizadora doutrina, não limitando sequer, com caracter permanente, a verba a despender com obras nos regios alcaçares.

Attentas as angustiosas circunstancias do Thesouro, mal se comprehende o que fica exposto, balisarmente attentatorio das praxes mas elementares de uma administração pautada pela sensatez e pela economia. De resto, o privilegio, o odioso e odiento privilegio, campeia e exterioriza-se em tudo e por tudo. Assim, nos ultimos tempos do reinado anterior, o rei D. Carlos, em antagonismo absoluto com a tradição, não acompanhava os outros funccionarios do Estado nos arduos sacrificios que ainda hoje os trituram, e são representados pelo imposto de rendimento, emanante da lei esmagadora de salvação publica, de 26 de fevereiro de 1892.

De toda a utilidade seria, pois, corrigir desigualdades d'estas, por modo que ellas não pudessem produzir-se de futuro. Na proposta, porem, em debate, providencia alguma se encontra com tão sadio objectivo, — com magua o consigno aqui. A lista civil, tal qual foi manipulada pelo Governo, constituo uma excepção, na forma e na essencia, com o que era de uso e costume praticar-se. A despeito das suas tortuosidades, reconhece-se, todavia, que ella é muito mais avultada do que as precedentes, e que nem mesmo acautela ulteriores desmandos e desperdicios. Não deve, nem pode ser.

Segundo Emilio de Girardin, é indiscutivel este asserto: — poiitique de nuages, politique d'orages.

Não a julgam, ao que parece, por esse prisma o Sr. Presidente, do Conselho e o rotativismo, com quem S. Exa. está desgraçadamente identificado. As morbidas nebulosidades em que é fertil a proposta que se discute, não gafam exclusivamente a lista civil em projecto, relegam tambem para o abysmo dos desacertos e erros insanaveis a liquidação dos adeantamentos illegaes.

O que deveria ser sincera e lucidamente apresentado ao julgamento parlamentar, por quem estivesse livre de toda a macula, na questão sujeita, foi tenebrosa e capciosamente engendrado por um dos mais enleados, senão mais compromettido, como adeantador impenitente. Os subentendidos mystificadores e a escuridão suspeitosa preteriram a franqueza e a luz, que deveriam ser os principaes factores do honesto apuramento de tão delicado assunto.

A doente ousadia do repto ministerial, ha a corresponder, portanto, com a therapeutica aconselhada em casos taes, proclamando bem alto que a questão dos adeantamentos, no pé em que se encontra, embora mereça a approvação das maiorias parlamentares, de rotativos e quejandos, continuará subsistindo, com os seus funestos effeitos destruidores, até o desabar do regime, numa derrocada fraudulentamente politica, economica e financeira. Não ha abominaveis leis de excepção, scelerados expedientes terroristas e torturas inquisitoriaes da hedionda e execranda Bastilha que o evitem. É axiomatico.

Para a decente liquidação dos adeantamentos illegaes é indispensavel tambem conhecer, pelos seus nomes e sitUHção, quem são os adeantados, alem da Fazenda Real. Dois requerimentos meus, apresentados na sessão de 4 de maio transacto, um d'elles referente a todos os Ministerios e o outro dirigido ao Ministerio da Fazenda, falam mais. expressivamente do que quaesquer reflexões que eu pudesse fazer, e o caso sugere. O primeiro dos dois requerimentos é d'este teor:

Nota circunstanciada de quaesquer adeantamentos illegaes, feitos a homens publicos e a funccionarios do Estado, devendo este arrolamento ser acompanhado dos seguintes esclarecimentos:

a) Relação nominal, por annos civis, dos contemplados; copia dó respectivo expediente, concernente a cada um; importancia de cada adeantamento e totalidade das verbas consumidas em tão caracteristicos esbanjamentos.

b) Especificação das providencias de ordem administrativa, adoptadas até á presente data, a fim de o Erario ser reembolsado integralmente das sommas d'elle desviadas abusivamente.

c) Designação das medidas empregadas até hoje, para punição, consoante, é de justiça, dos autores e seus participes, de tão criminosos feitos.

O outro requerimento é concebido nestes termos:

(Documento requerido em 19 de novembro de 1906, repetido em 7 de janeiro de 1907, ainda não satisfeito, e pelo qual insto, não obstante, o decreto ditatorial de 30 de agosto de 1907 e o que o derogou em 27 de fevereiro de 1908). — Que me seja enviada, com urgencia, nota dos emprestimos feitos á Casa Real, desde 1 de janeiro de 1887 até ao presente, devendo nestas informações attender-se ao seguinte:

a) Relação nominal dos contemplados, motivo ou pretexto de cada emprestimo ou adeantamento, designação dos funccianarios que os autorizaram e em que termos.

b) Importancia de cada emprestimo ou adeantamento, data em que foi cada um realizado, somma por cada contemplado e totalidade de todos os adeantamentos ou emprestimos.

c) Pormenorização do modo como elles foram escriturados e das providencias de ordem criminal que o assunto reclama, tomadas por qualquer Governo, e, ainda das attinentes á reintegração no Erario, com os respectivos juros, das quantias d!esic desviadas illegalmente.

Desnecessario seria dizer que as medidas de ordem criminal alvejam apenas os vivos. Os mortos estão exclusivamente sob a alçada da Historia, que a seu tempo os julgará, sem a menor duvida, consoante os principios da rectidão e da justiça.

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4 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Para ponderar é ainda que o parecer que se debate, em logar de ser instruido com os esclarecimentos solicitados nos dois requerimentos transcritos, e que representam o minimo do que pode exigir-se para elucidar a questão, em logar, repito, de ser instruido por essa maneira honrada e cristallina, é completamente safaro em elementos tendentes a aclarar e a esclarecer tão magno assunto.

O artigo 5.° da proposta, com a sua burocratica commissão liquidataria, positivamente impropria, diga-se de passagem, excede em confusão e evasivas tudo o que era licito prever. Nestas condições, chega, no genero deleterio de habilidades perniciosas, ao apogeu, a seguinte recommendação, que d'esse mesmo artigo transparece:

... a quantia que for reconhecida como salão a favor do Estado, depois de approvada por lei, será paga pela Fazenda da Casa Real em prestações não inferiores a 5 por cento d'essa quantia, até integral pagamento.

DEPOIS DE APPROVADA POR LEI, sem marcação de prazo para tal fim, corresponde á dilação indefinida, susceptivel de attingir até ao punico ludibrio e á farisaica zombaria.

Quando está patente o que occorre com o inventario dos bens da Coroa, todas as delongas são presumiveis, na solução dos negocios a Real Fazenda, sem excepção do pagamento de encargos pela receita criada, conforme agora succede com o aumento consideravel e inilludivel da lista civil.

Do que fica succinta e laconicamente explanado, conclue-se:

1.° Que a lista civil do chefe do Estado experimenta um acrescentamento notavelmente importante, comparativamente com a dos seus dois antecessores, o Rei D. Luiz e o Rei D. Carlos, o que torna indispensavel verificar, por nm escrupuloso exame parlamentar á Real Fazenda, quaes as determinantes, nas suas minucias, do projectado acrescentamento que se pretende levar a effeito, exactamente quando se atravessa uma quadra retintamente calamitosa, de miseria publica, ou antes, de miseria nacional. Só a justificação, realizada sem rebuço, ás escancaras, e cuidadosamente imparcial, de semelhante acto, o poderia, porventura, tornar toleravel, na epoca vigente, insisto, tão descaroavelmente açoitada pela penuria e pelas mais amarguradas provações.

2.° Que os compromissos resultantes da lei de 16 de julho de 1855 pouco mais são do que platónicos, visto ella estar prejudicada relativamente á, verba de 6:000$000 réis para obras nos Paços Reaes, e completamente esquecida concernentemente á feitura do inventario dos bens da Coroa.

3.° Que as mais elementares conveniencias aconselham que, na lei que venha a votar-se, seja consignada a verba annual precisa, não excedente a 10:000$000 réis, para obras nos Paços Reaes; e que, no mesmo diploma, se estabeleça prazo, sem menoscabo judicial, para a ultimação do inventario dos bens da Coroa.

4.° Que, pela mesma ordem de ideias, util é recordar que ao mais alto funccionario do Estado cumpre dar o exemplo, quando ao funccionalismo são exigidos sacrificios pecuniarios, como os dimanantes da lei de salvação publica de 26 de fevereiro de. 1892.

5.° Que para conscienciosamente se apreciar o parecer em discussão e correlativas responsabilidades dos homens publicos, figurantes nos adeantamentos delictuosos, é imprescindivel facilitar, pelo menos, aos representantes da Nação, es esclarecimentos que redundam dos dois requerimentos retromencionados.

6.° Que as austeras normas da decencia e da probidade impõem, como absolutamente necessaria, a fixação do prazo, para ser sub-mettida á solução do Parlamento, a quantia liquidada, — por uma commissão parlamentar, com plenos poderes, e não por uma commissão burocratica — acêrca dos adeanta-mentos illegaes, á qual faz allusão o artigo 5.° do parecer em controversia.

7.° De outro modo, não tendo em attenção as indicações formuladas, a pretendida liquidação em andamento não seria politicamente mais moral, nem financeiramente menos onerosa, nem tão pouco menos repugnantemente accommodaticia, do que a intentada pelo repellente decreto ditatorial de 30 de agosto de 1907, que exautorou completamente o antecedente reinado, concorrendo, em grande parte, para sinistramente o arrastar á tragica fallencia de 1 de fevereiro.

Em conclusão, entende esta Camara, pelos motivos adduzidos, que a discussão d'este parecer carece de ser interrompida, a fim de que elle seja modificado, e devidamente instruido, segundo as observações que ficam exaradas, e cuja indispensabilidade de concretização, em factos palpaveis, qualquer que seja a feição por que ellas forem avaliadas, é indubitavel e indiscutivel. — Não é susceptivel de originar duas opiniões.

Politica de nebulosidades, politica de tempestades. = Sebastião Baracho.

Sr. Presidente: afastados estão os tempos em que a representação nacional exigia — e era attendida — a idonea instrucção de diplomas analogos ao que se discute, com os adequados e imprescindiveis documentos comprovativos das despesas propostas. Assim succedeu em 1827, quando se discutia a dotação respeitante á Senhora Dona Maria II, e cuja urdidura era da maior nitidez e simplicidade.

A despeito d'isso, a respectiva commissão de fazenda, nomeada por esta Camara, para estudar o assunto, não se contentou com os esclarecimentos fornecidos á da Camara electiva; e, em 15 de janeiro de 1827, apresentava um parecer, cujo teor é o seguinte:

A commissão de fazenda, devendo apresentar á Camara dos Dignos Pares o seu parecer acêrca da proposição que á mesma Camara foi enviada pelos Senhores Deputados da Nação Portuguesa, relativa á dotação de Sua Majestade a Senhora Dona Maria II e Real Familia, e considerando que, para convenientemente poder cumprir com a obrigação que lhe é imposta sobre um objecto de tão alta consideração, é indispensavel lhe sejam subministrados todos os documentos e clarezas que a commissão julgar necessarios e de cujo exame possa com acerto e pleno conhecimento fundamentar a sua opinião, assentou, antes de principiar os seus trabalhos, que era do seu dever expor á Camara a difficuldade que se lhe apresenta, por falta absoluta d'aquelles documentos s clarezas; e entendendo a commissão que não é da sua competencia qualquer communicacão exterior da Camara, mas sim é privativa da mesa, por um dos Srs. Secretarios, a cujo cargo está a correspondencia: requer á Camara se façam expedir os officios necessarios ao Governo para o fim indicado. — (a.) Conde da Lousa, D. Diogo. Par do Reino, relator.

Não obstante os escrupulos: da commissão, por maneira tão lisamente patenteados, quando a lista civil entrou em debate, na sessão de 21 de fevereiro do citado anno de 1827, o conde de Linhares requereu que o projecto fosse de novo á commissão para ella o fundamentar melhor.

Esta opinião foi compartilhada pelo conde do Rio Pardo, que, para isso, se apoiou especialmente em não ser conhecido o rendimento dos terrenos reaes, em desfruto da Coroa, como está estatuido no artigo 85.° da Carta Constitucional. D'este rendimento era preciso saber-se a verba, para a computação imparcial, que se impunha, dos honorarios a garantir, pelo Estado, á pessoa reinante.

Oitenta e um annos decorridos, e perante uma proposta de lei que mais apparenta um dédalo, tão confusa e emmaranhada ella é, a commissão de fazenda d'esta casa elaborou um parecer que, ajustado pelas outras peças do processo, é completamente safaro na exhibição de indispensaveis documentos e clarezas, e até da sua simples e lacónica citação. Neste cultivo de silencio compromettedor, não ha discre-pancias de especie alguma. São unanimes o Governo e todos os parlamentares seus parciaes, e bem parciaes elles são.

Identica antinomia se evidencia entre os homens de 1827 e os de 1908, relativamente ao quanto ou cifra da dotação. Agora, e em presença da miseria financeira, para não dizer nacional, prevalece a orientação das mãos rotas. Então ponderavam-se paulatina e reflectidamente as circunstancias, adubadas pela menção, tanto dos exemplos historicos como dos da epoca.

Nesses termos, e em sessão da Camara electiva de 4 de janeiro de 1827, o Deputado Alexandre Thomás de Moraes Sarmento citava D. João IV, cujo espirito de moderação, nos seus gastos, o levou a não acceitar remuneração como rei, occorrendo ás proprias despesas com os rendimentos privativos de sua casa.

Poucos dias depois, em sessão da Camara alta de 21 de fevereiro, o Conde do Rio Pardo expressava-se por este modo:

Eu não posso adoptar o artigo 1.º, peia exorbitancia da dotação que nelle se estabelece. O Imperador do Brasil tem unicamente a dotação de 9:000$000 réis por mês, e não acho justo que a Senhora D. Maria II, minha de Portugal, tenha uma dotação que é mais do triplo que tem seu augusto pae, que tem um filho successor do imperio do Brasil, e tres filhas, e não cobra nada mais alem dos 9:000$000 réis que os rendimentos da fazenda de Santa Cruz, sendo o Brasil muito mais rico do que Portugal, e esperando grandes acrescentamentos.

Esta mesma dotação não foi arbitrada pelas Camaras, e sim o mesmo Imperador a arbitrou e as Camaras confirmaram. Logo, por essa razão, não se deve dar a sua augusta filha mais do triplo, em um Estado muito mais pobre.

Direi tambem que no parecer da Camara

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dos Senhores Deputados diz-se que o Senhor D. João VI consumia a oitava parte dos rendimentos do Estado, quando o Rei de França apenas despendia uma centésima. Aqui não ha consideração, senão a proporção; mas não ha igualdade, porque o rei de França, com uma centessima parte, tinha cinco ou seis vezes mais que o Senhor D. João VI com a oitava parte, e eu vejo que, calculando agora os rendimentos nas dotações, vem a absorver a casa real quasi uma sexta parte das rendas do Estado, o que é muito mais do que se increpava a respeito das despesas do Senhor D. João VI. Portanto eu seria de parecer que se adoptasse o artigo proposto no projecto da Camara dos Senhores Deputados.

Conforme se observa, ha oitenta e um annos, na alvorada do regime que, tão impropriamente, se intitula constitucional, havia quem falasse claro, quando se tratava da applicação dos bens do Estado. Não admira, pois, que hoje appareça um ou outro recalcitrante, que não permitiam que se distribuam sem protesto, de mão beijada e ao desbarato, os escassos recursos do hectico Erario.

Como lição e ensinamento de completa actualidade, vem a proposito lembrar:

Que a lista civil e apanagios, isto é, toda a despesa com a Familia Real da Dinamarca, é de 1.203:200 krôas, o que equivale em réis, ao par, a 301:040$640;

Que a Noruega instituiu a sua lista civil e apanagios, com a dotação unica do Rei na importancia de 481:700 krôas, o que corresponde a 120:520$080 réis ao par; e, todavia, aquella regrada nação só teve, para prover o throno, o trabalho da escolha entre os candidatos que se apresentaram com esse objectivo.

Administram-se optimamente estas duas monarchias, onde se não conhece o permanente deficit orçamental de milhares de contos, nem dividas fluctuantes de oitenta mil contos de réis, e onde nem, por hypotese, se admitte a existencia de adeantamentos illegaes á familia reinante, com os seus concomitantes e delictuosos adeantadores e adeantados.

Deveriam ellas servir-nos de norma; e tanto mais que, pela sua exteriorização representativa, se nos equiparam, sensivelmente.

A filáucia rotativa, porem, toda de enfermiço espavento, não tolera a economia e a simplicidade nos altos poderes do Estado, apesar da quadra que vae deslisando, com os macabros antecedentes por todos conhecidos, lhes facultar ensino muito diverso.

Comprovam o a obcecação e a reincidencia dominantes, e autentica-o o projecto, cuja minuciosa analyse vou iniciar, neste momento.

Nesse proposito, e fundamentando a minha moção, tenho a separar na discusd'este parecer, a parte respeitante, propriamente á lista civil, e a concernente aos adeantamentos illegaes.

A primeira está comprehendida nos artigos 1.°, 2.°, 3.°, 4.° e 6.° do parecer. A segunda integra-se com o artigo õ.°, cuja incoveniencia em figurar num projecto d'esta ordem, por varias vezes pus em relevos sem ser attendido.

É axiomatico que o despota por temperamento é desconfiado; e o Sr. Ferreira do Amaral cultiva tão intensamente a desconfiança, que foi completamente surdo a todas as instancias e advertencias, com o objecto de ser expungido do projecto em debate o famoso artigo 5.°, nelle, sem a menor duvida, descabido.

Á opposição cumpre dar batalha, no campo em que lhe é permittido engajá-la, com as armas de que pode dispor.

Neste norteamento, que é de todos os tempos, versarei saparadamente os dois assuntos que deixo designados, com as armas que pude alcançar, isto é, com os esclarecimentos que em numero diminuto me foram fornecidos, ao contrario do que requeri, e era meu desejo obter, em holocausto ao cultivo da verdade e dos genuinos ditames liberaes.

Renovado mais uma vez o meu protesto contra semelhantes processos, improprios de quem tenha a consciencia tranquilla, e amoldados pelo mais retinto absolutismo bastardo, vou entrar na materia, começando por notar que o diploma actual diverge, em absoluto, da lei de 11 de fevereiro de 1862, da dotação do Rei D. Luiz e do Infante D. Augusto, e bem assim da lei de 28 de junho de 1890, que dotou o Rei D. Carlos e outros membros da familia reinante. Estes dois ultimos diplomas recommendam-se pela sua clareza e nitidez. No que está em discussão, superabundam ratoeiras e armadilhas, sendo igualmente fertil em alçapões e equivocos, conforme dentro em pouco patentearei.

Pelo artigo 1.°, é fixada a dotação do Chefe do Estado num conto de réis diarios. Perante as disposições contidas noutros artigos, e do que é licito ler nas entrelinhas, o estipendio regio será muito mais avultado.

Attentas as circunstancias melindrosas que economica e financeiramente atravessa o Pais, é razoavel estabelecer uma tal remuneração, positivamente antagónica com a penuria nacional?

Pelo menos, que seja submettida, como norma legal, á acção do imposto de rendimento, a lista civil do reinante, quando sobre os outros empregados publicos impenda um sacrificio analogo.

Esta salutar doutrina por mais de uma vez tem sido sustentada 110 Parlamento, e designadamente na sessão de 21 de janeiro de 1881, na Camara electiva, que tinha de exprimir o seu voto • acêrca de um projecto de lei, assim concebido:

Artigo l.° É sujeita ao imposto de rendimento a lista civil, a qual para- esse fim será considerada como comprehendida na classe B.

Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões, 19 de janeiro de 1881. = Rodrigues de Freitas.

Sobre o modo de propor, usou da palavra o deputado Emygdio Navarro, que se expressou nestes precisos termos:

Eu creio que o projecto de lei apresentado pelo Sr. Rodrigues de Freitas prende com o principio de direito constituicional que tem sido sanccionado nesta camara em differentes situações politicas, por mais de uma vez, com relação a projectos analogos a este.

Por acordo geral dos partidos tem-se entendido sempre que a lista civil não pode ser alterada, nem para mais nem para menos, senão no principio de cada reinado, e não pode ser alterada para mais ou para menos, porque alterá-la seria collocar o chefe do Estado na dependencia dos partidos politicos.

Não se pode portanto acceitar projecto algum que tenha por fim a alteração d'este principio de direito constitucional, sanccionado por todos os publicistas de todos es partidos, portanto, não se pode admittir este projecto á discussão, porque, admittido elle, seria offender esse principio.

Devo acrescentar que este projecto seria quasi sem applicação, como se mostra das contas do Thesouro publicadas ha poucos dias no Diario,onde vem mencionada, acêrca do imposto de rendimento, a cedencia de Sua Majestade da parte que podia competir á sua dotação, se acaso lhe fosse applicada a lei d'este imposto.

(Consultada a Camara, não foi admitido o projecto á discusão).

Depois de 1881, profundas teem sido as transformações experimentadas na vida politica; e, a tal ponto, que hoje não se pode argumentar, como argumentou Emygdio Navarro, com a cedencia de Sua Majestade, de uma parcela da sua dotação.

No anterior reinado, e conforme o proemio do ditatorial decreto liquidatario de 30 de agosto de 1907, a Familia Real chegou a concorrer, em consequencia da crise financeira de 1892, com a somma de 567:900$000 réis, equiparando se, neste seu acto, aos outros funccionarios do Estado. Deve ter sido, por 1900, que essa contribuição deixou de ser satisfeita. A este respeito, careço de ser informado convenientemente, e para isso dirijo tres perguntas ao Sr. Ministro da Fazenda:

1.ª Qual foi a data precisa em que a Familia Real deixou, no reinado anterior, de concorrer para as urgencias do Estado, com a cedencia nos seus vencimentos?

2.ª Simultanea ou ulteriormente a esse acto foram-lhe restituidos, ou jul-

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gados no seu activo, pôr ajuste de contas, os 567:9000000 réis contribuidos?

3.ª Na vigencia do agio monetario, as dotações da Familia Real teem sido pagas em moeda corrente ou em ouro; e, tendo sido neste metal, desde quando ?

Consoante um arrolamento que circulou em alguns jornaes monarchicos, a Familia Real desde 1837 até a data actual cedeu espontaneamente da sua dotação, a favor do Estado, cerca de 2.000:000$000 réis.

Nesse relacionamento, não se encontra o Rei D. Carlos, o que concorreu naturalmente para que eu formulasse as perguntas — especialmente a segunda— que deixei exaradas, e cuja resposta se torna indispensavel para esclajecer este assunto, por mais de um aspecto interessante, comquanto o silencio official, em presença dos meus requerimentos, concernentes á questão, seja assaz expressivo.

Segundo ainda o testemunho de Emygdio Navarro, manifestado em 1881, a lista civil não pode ser alterada nem para mais nem para menos, sendo no inicio de cada reinado.

Assim deve ser; mas o succedido, no remado anterior, é completamente destoante de tão salubres principios. A titulos varios, e por diferentes escaninhos, foram consideravelraente aumentados os honorarios ao chefe do Estado, até se attingir o cumulo de se avolumar com escandalo incontroverso, em ditadura, a remuneração do Rei.

Todos estes perniciosos antecedentes aconselham que o artigo 1.° seja modificado, no sentido que indiquei, a fim de que o mais graduado magistrado da Nação dê o exemplo, compartilhando, com os outros funccionarios, dos sacrificios que a todos, sem uma unica excepção, devem ser impostos, perante as agruras do Erario.

Dão margem igualmente a reparos de natureza diversa o artigo 2.° e seus paragraphos. Para notar é que, pelo § 1.°, na sua primitiva, o palacio de Belem, com suas dependencias, era destinado ao alojamento dos nossos visitantes de alto cothurno.

A Camara electiva eliminou as dependencias, ficando apenas o palacio ap-plicado ao installamento dos hospedes da Nação.

Mal se comprehende esta suppressão, cujo significado, em beneficio da Coroa, é transparente, e não concorre, por certo, para lhe engrandecer o prestigio. É intuitivo que as adjacencias do palacio deveriam amoldar-se pelo destino a este dado, imprimindo-se-lhes, com este objectivo, a exteriorização de regalo que harmonicamente com elle deviam ter, e não conservar-se-lhes a feição lucrativa que hoje patenteia.

De resto,, o espirito e a letra dos artigos que estou analysando obedecem em todo o ponto á mesma orientação: — relegar para o Estado o que é dispendioso, e conservar o productivo na posse do usufrutuario. No mesmo cadinho, consigno-o desde já, foi fundido o artigo 3.° do projecto.

Nesta parte, o parecer em controversia, com os seus onerosos subentendidos, excede, porventura, em encargos, os estabelecidos abertamente no ditatorial decreto liquidatario de 30 de agosto de 1907., de que destaco apropriadamente o artigo 2.° Ei-lo::

Artigo 2.° Ficam extinctos es direitos da Coroa sobre os bens a que respeita o artigo anterior e a alinea a) do § unico do artigo 19.° da lei de 12 de junho de 1501, os quaes ficam pertencendo em plena propriedade á Fazenda Nacional.

Tendo sido o decreto de 30 de agosto annullado pelo de 27 de fevereiro de 1908, está naturalmente indicado perguntar :

A alinea a) do § unico do artigo 19.°, introduzida maléfica e ardilosamente, consoante adeante se verá, na lei de receita e despesa de 12 de j Linho de 1901, continua a produzir para com o actual reinante os mesmos sonantes effeitos que produziu para com o Rei D. Carlos?

O Sr. Presidente do Conselho, na sessão de 5 do corrente, affirmou que sim, em resposta ao Digno Par Ressano Garcia, e de identica opinião foi hontem o Sr. Ministro da Fazenda.

Em tal caso, que significação tem o artigo 4.° do projecto, que muito explicitamente estabelece que nenhuma outra quantia, alem das mencionadas nos artigos antecedentes, será abonada para despesas da Casa Real., qualquer que seja a sua natureza ou denominação ?

No projecto, como é obvio, não se faz a minima referencia autorizante do arrendamento e cobrança, por parte do Chefe do Estado, de rendas dos bens da Coroa.

Nestas condições, as respostas do Sr. Presidente do Conselho e do Sr. Ministro da Fazenda não só enfermam de illegaes e de anti-constitucionaes, mas são, alem d'isso, inhabeis e inconvenientes.

O artigo 85.° da Carta Constitucional, que regula a materia, determina:

Artigo 85.° Os palacios e terrenos reaes, que teem sido até agora possuidos pelo Rei, ficarão pertencendo aos seus successores, e as Côrtes cuidarão nas acquisições e construcções que julgarem convenientes para decencia e recreio do Sei.

O recreio e decencia do Rei não importam, nem podem importar, transacção alguma especulativa, como seria a exigencia e cobrança de rendas, nos termos estatuidos no reinado antecedente.

Essa faculdade exclusivamente a estabelece, para com os dominios territoriaes, o artigo 3.º e seu § unico da lei de 16 de julho de 1855, e nunca para com palacios regios. Dispõem esse artigo e paragrapho effectivamente:

Artigo 3.° Os bens da Coroa declarados nos artigos antecedentes poderão ser arrendados, mas o prazo dos arrendamentos não poderá exceder a vinte annos, nem ser renovado antes dos ultimos tres annos, excepto no caso que uma lei o autorize. Os arrendamentos feitos na forma sobredita serão mantidos pelos sucessores até á expiração do prazo conveniente, não havendo offensa de seus direitos em algumas das outras clausulas.

§ unico. A disposição d'este artigo não comprehende os jardins de recreio nem os palacios destinados para residencia ou recreio do Rei, os quaes nunca poderão ser arrendados.

Sr. Presidente: a inhabilidade e inconveniencia de tal concessão equiparam-se indiscutivelmente, com a illegalidade e a inconstitucionalidade que ficam demonstradas. E positivamente inhabil e inconveniente reincidir em desmandos e arteirices, praticados exclusivamente, no remado anterior, com as mais deploraveis sequencias para o beneficiado e para os consentidores. E senão, a experiencia o proclamará.

Dito isto, racordarei ainda que o annullado decreto de 30 de agosto de 1907 estabelece:

Artigo 3.° Correrão por conta do Thesouro, até ás importancias respectivamente mencionadas, os encargos seguintes:

Museu dos e coches e prontificação dos estados para serviços de gala, recepção de embaixadores, etc., 60:000$000 réis.

Custeio das propriedades do Estado na posse da Coroa. 130:000$000 réis.

Começando a tornar-se effectiva, desde a publicação do alludido decreto, essa importante despesa, careço de saber:

Desde, e até quando, foram satisfeitos os encargos provenientes dos dispendios e gastos decretados?

Foram pagos mensalmente, ou como?

Quanto, descriminadamente, e pelo. seu conjunto, produziram de despesa para o Thesouro?

Em que recanto da escrita official se acham inscritas as verbas consumidas?

Tendo o decreto de 27 de fevereiro ultimo abolia o o decreto de 30 de agosto do anno preterito, quaes os effeitos, sob o seu aspecto pecuniario, resultantes da abolição?

Pesam sobre o Estado os encargos do despendido, ou sobre quem?

Com estas observações, cuja necessaria elucidação reclamo, por parte do Governo, concluo a nalyse aos artigos 1.°, 2.°, 3.° e 4.° do projecto e concomitancias, e passo a occupar-me do artigo 6.°; cujo teor é o seguinte:

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Artigo 6.° Continuam em vigor no actual reinado as disposições da carta de lei de 16 de julho de 1855, em tudo que não for especialmente derogado pela presente lei.

E o que é que não fica revogado pelo presente projecto, ou pelo abuso e desprezo consuetudinarios, concernentemente á lei de 16 de julho de 1855, da referenda de Fontes Pereira de Mello, nos seus bons tempos?

A verdade é que vigora tudo o que representa vantagens e benesses para o usufrutuario. A par d'isto3 tudo o que para elle significa e traduz encargos ou fiscalização, bem cabida, pelos seus actos, findou de facto, se não de direito.

Não está, porventura, supprimido nessa honesta lei o seu artigo 4.°, que autoriza o governo a despender annualmente até a quantia 6 de contos de réis para os concertos e reparações que forem necessarios á conservação dos palacios e jardins ?

Pode alguem alimentar duvidas a tal respeito, quando cerca de 3:000 contos de réis foram, sob esse pretexto, esbanjados, sem que por isso deixassem de ser cobrados, em mensalidades de 500$000 réis, os 6 contos de réis estatuidos pela lei de 1855, e que, desde 1898-1899, desappareceram abusivamente do orçamento do Estado ?

O § 3.° do artigo 2.° do parecer em debate talha á larga referentemente a obras d’essa especie, cujo custeio e execução ficam a cargo do Ministerio das Obras Publicas. Não nos diz, porem, se, a despeito d'esses avantajados planos, os 6 contos de réis arbitrados pela lei de 1855 continuam a ser embolsados pela Coroa. Ora é isto precisamente que é indispensavel saber-se, ou antes, não se praticar, se não pretendem, na sua cegueira, que, em casos d'estes, de moralidade primitiva, como em tudo o mais neste mundo sublunar, as mesmas causas produzam os mesmos effeitos.

Regular e honesto seria estabelecer o contador, ou limite, indicado na minha moção, designando-se a precisa verba annual a inscrever no orçamento, com esse destino, e nada mais.

Mas, voltemos á lei, que deveria ser salubrizadoramente fiscalizadora, de 16 de julho de 18553 cujo artigo 8.°, de novo o recordo 5 é d'este teor:

Artigo 8.° Proceder-se-ha a inventario judicial dos bens da Coroa, immoveis e movtis, mencionados nos artigos antecedentes; avaliando se os terrenos productivos e os moveis susceptiveis de deterioração, e fazendo-se dos objectos preciosos uma exacta descrição. Nos archivos das Camaras Legislativas serão depositadas copias autenticas do mesmo inventario, e uma outra no archivo da Torre do Tombo.

Haverá, quiçá, quem alimente duvidas referentemente a não terem sido satisfeitas essas prescrições?

Não pode haver.

Ainda na sessão de 12 de maio derradeiro eu apresentei nesta casa uma proposta, adequadamente fundamentada, que jaz no limbo de uma commissão, e cujas conclusões são as seguintes:

Que o abaixo assinado requereu que, pelo Ministerio do Reino e archivo da Torre do Tombo, lhe fosse fornecida copia do inventario em questão;

Que, tendo o respectivo requerimento a data de 11 de dezembro de 1906, foi repetido em 7 de janeiro de 1907 e renovado em 4 de maio de 1908, sem que até agora fosse attendido e satisfeito;

Que este significativo silencio, corroborativo de informações colhidas em fontes diversas, evidencia que o inventario dos bens da Coroa, immoveis e moveis, nem começou a ser elaborado em L855, consoante a disposição expressa da lei correspondente, nem tão pouco ainda está concluido.

Que, em presença de tão patente violação das leis do reino, em todo o ponto contraria aos preceitos da moralidade e da boa ordem na administração publica, entende esta Camara que é da maxima conveniencia, sob todos os aspectos, que o inventario dos bens da Coroa, os quaes são os bens do Estado, se ultime quanto antes. = Sebastião Baracho.

Pois esta Camara, decorridos cincoenta e cinco annos, sem que o inventario se concluisse, esquivou-se, desastrada e sornamente, a manifestar a conveniencia de que elle tenha termo.

Em 25 de abril de 1879, a Camara electiva votou, por unanimidade, uma proposta da iniciativa de Rodrigues de Freitas, affirmando a sua confiança em que seria immediatamente cumprido, em toda a sua extensão, o artigo 8.° da mencionada lei de 16 de julho de 1855.

Nem este estimulante, que eu fiz reviver na minha proposta, póde afastar esta casa do Parlamento da sua missão rotativa, experimentalmente funesta á existencia do regime, e em que expressivamente se destaca o reaccionario Sr. Ministro da Justiça, que se obstina em não me fornecer os esclarecimentos que requeri sobre a materia, em 4 de maio transacto, e por cuja remessa instei em 22 de julho ultimo.

Registando este facto, que é seguramente dos que imprimem caracter, ponho termo ás minhas considerações acêrca da lista civil, cuja enigmatica urdidura fez com que eu consumisse mais tempo do que desejava em lhe devassar, tanto quanto possivel, os arcanos.

Com o artigo 5.° do parecer, em que estão enxertados os adeantamentos illegaes, outro tanto terá de succeder. Os mysterios de que o circundam, alem de patentearem a sua escabrosidade incontroversa, conduzem indispensavelmente aos investigamentos e deducções, que prolongam o debate, sem vantagem para ninguem. Vá a pedra a quem toca.

Muito melhor seria que a luz se patenteasse a jorros, ao serviço da verdade. Não o entendem, porem, assim os suppostos acalmadores, ou antes, affixados encobridores e seus adherentes rotativos. O futuro, em breve, nos dirá quem se illudia.

Posto isto, convem consignar que o famoso artigo 5.° do parecer controvertido estatue:

Artigo 5.° Uma comissão presidida pelo presidente do Supremo Tribunal de Justiça, e composta de um juiz do mesmo tribunal, de Um vogal do Supremo Tribunal Administrativo, de um vogal do Tribunal de Contas, e de um vogal da Junta de Credito Publico, designados pelos mesmos tribunaes e pela Junta de Credito Publico, será incumbida da liquidação de contas entre o Estado e a Fazenda da Casa Real; e a quantia que for re: conhecida como saldo a favor do Estado, depois de approvada por lei, será paga pela Fazenda da Casa Real em prestações annuaes, não inferiores a 5 por cento d'essa quantia, até integral pagamento.

Este artigo, pelo que respeita á liquidação dos adeantamentos, não passa de um ludibrio, de um tosco e pestilento ludibrio. Se assim não fosse, o Governo tê-lo-hia substituido pelo apuramento dos desvios commettidos, que elle deve conhecer em todos os seus pormenores. Para isso teve tempo de sobejo.

A fiscalização legitima do seu trabalho incumbiria ulteriormente a uma commissão parlamentar, investida de plenos poderes, e que, em taes circunstancias, estaria habilitada a proceder a um inquerito, que inspirasse confiança, nos seus resultados. A minha proposta apresentada, nesta casa, em sessão de 15 de maio passado, satisfazia à essa sadia aspiração. A Camara, porem, entendeu dever rejeitá-la, em sessão de 22 de junho, por 27 votos contra 10, depois de prolongada discussão, em que se evidenciou a deploravel conformidade da maioria com o gafado programma ministerial, em todos os seus tenebrosos e mephiticos aleijões.

A promessa de que a quantia reconhecida, como saldo a favor do Estado, será approvada por lei, não passa de um subterfugio, cuja previsão os antecedentes justificam, e que importa num adiamento sine die do respectivo apuramento. D'esse enredado maleficio deriva o encargo para o Thesouro, resultante da lista civil e despesas correlativas ccnneçare,m a tornar-se effectivas, desde a proclamação da lei, cujo projecto se discute. A par disto, ao Erario não serão satisfeitas as prestações amortizantes pela divida motivada pelos adeantamentos, emquanto a sua cifra não tiver sancção legislativa.

Demais, a percentagem autorizada é

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tão exigua, num país, como o nosso, cujo Thesouro só obtem dinheiro a mais de 6 por cento, que ella nem sequer representa o pagamento de juros. Isto não é serio.

Nestes termos, ao invés de representar um sacrificio para a Real Fazenda, ' a letra do artigo 5.° é-lhe ardilosa e acentuadamente benefica,— de consideravel valor monetario.

Quando outras razões não subsistissem, seria sufficiente o que deixo exposto, para que se fixasse um prazo dentro do qual se ultimasse a liquidação. De outra maneira, a critica acerada, para que não faltam fundamentos, não deixará de pôr em relevo a literal interpretação especulativa, que resalta do comprometedor e impudente artigo, que estou analysando. De resto, o pagamento está delineado por moldes tão attenuados, e, insisto, com vantagens taes para o devedor, que o seu pronto inicio se impõe, por todos os motivos.

Para isso bastava prescindir-se honradamente d'elle, e usar do artigo 1792.° do Codigo Civil, assim concebido :

Artigo 1792.° O herdeiro responde por todas as dividas e legados do autor da herança, até por seus proprios bens, salvo se acceitar a herança a beneficio do inventario.

A herança, na questão sujeita, constitue um bloco, de que a successao no throno é a base primordial. Não é admissivel d'ella fazer a separação, dos accessorios, de especie varia, com ella integrados.

Noblesse oblige; e, tanto assim que, alem do Codigo Civil, a materia, que é essencialmente delicada, regula-se, mesmo preferentemente, pelo Codigo de Honra, que corresponde á ultima ratio, no uso da vida, mormente entre os dirigentes sociaes. No seu cultivo, manteem-se preconceitos, como o dos duellos, em contravenção inilludivel com Codigo Penal, e até, por parte dos crentes catholicos, se incorre, por tal acto, na pena de excommunhão, emanante da infracção manifesta do deliberado no concilio de Trento, sessão XXV, de Reformatione, cap, XIX»

Alem d'estas considerações, que se justificam pelos textos legaes e pelos preceitos consuetudinarios da dignidade, a attender ha ainda que não é toleravel a reincidencia em actos alienadores do património nacional, consoante o que se praticou com alei de 2 de maio de 1885, referendadsi por Hintze Ribeiro, e que convem recordar, como escarmento e lição.

Na lei de 23 de maio de 1859, referendada por Casal Ribeiro, foi autorizada a venda de diamantes da Coroa, em bruto, na quantidade precisa para se compararem 1:000 contos de réis de inscrições, de que o rei cobraria os juros, e que ficariam inalienaveis.

A lei de 30 de junho de 1860, referendada igualmente por Casal Ribeiro, permittiu a venda de 3:(390 quilates de brilhantes da Coroa, em bruto, cujo producto teve applicação similar ao da conversão de 1859.

Conforme a lei de 28 de maio de 1863, da referenda de Joaquim Thomaz Lobo d'Avila, foi effectuada a venda de mais 500:000$000 réis de diamantes, em bruto, da Coroa, os quaes foram convertidos em inscrições de 3 por cento, em condições analogas ás anteriores.

Pela lei de 12 de abril de 1876, referendada por Antonio de Serpa, realizou-se a venda dos diamantes necessarios para a acquisição de 500 contos de titulos de divida publica, cem igual destino ao dos antecedentes.

Nove annos depois de os reinantes estarem aumentados nos seus vencimentos, pelas quatro operações que enumerei, foi manipulada a lei de 2 de maio de 1885, para pagamento de dividas do Rei D. Luiz, e cujo texto é o seguinte:

Artigo 1.° É autorizada a Junta :lo Credito Publico a adeantar, ao juro annual de 5 %, pela Caixa Geral de Depositos, as quantias necessarias para pagamento dos emprestimos contrahidos pela administração da fazenda da Casa Real em contratos de 12 de agosto de 1880 e 30 de dezembro do 1882, recebendo em caução valor suficiente em inscrições do usufruto da Coroa, que, para seu reembolso, poderá alienar, de acordo com o Governo, como mais conveniente for aos interesses da Fazenda.

§ unico. O producto dos bens da Casa Real de que tratam as leis de 3 de abril de 1877 e de 14 de maio de 1880, que forem vendidos, será convertido em inscrições com averbamento á Coroa de Portugal.

Quanto se apurou d'esta venda? Não o sei.

Em todo caso, se ella se effectivou, deveria ter produzido uma diminuta quantia, comparativamente com a superveniente da alienação de titulos, derivante da referida lei de 2 de maio de 1885, e que se elevou a 967:093$070 réis, não contando os juros vencidos desde o começo d'esse anno até a execução da respectiva lei.

O projecto correspondente foi votado sem discussão por esta Camara, em sessão de 20 de abril de 1885.

Outro tanto não succedeu na Camara dos Senhores Deputados, onde a impugnação a semelhante acto foi intensiva e acalorada.

Como lição, hoje mais do que nunca apropriada, aproveitarei alguns excerptos do discurso pró ferido "pelo Sr. Consiglieri Pedroso, em 9 de abril.

Fala o antigo Deputado, republicano, por Lisboa:

Á Casa Real não lhe falla simplesmente o inventario; não tem somente deixado de liquidar as suas dividas á Fazenda. Tambem não possue orçamento de despesa, apesar de receber do Estado enormes quantias, superiores ás consignadas para muitos serviços publicos importantes !

Com estes precedentes (e ainda que o Pais e pudesse) como havemos nós de ir distrahir dos cofres publicos 1.000:000Ji000 réis para acudir a embaraços que ámanhã renascerão com nova intensidade?

Falou, como um livro aberto, o Sr. Consiglieri Pedroso. Nem S. João Chrysostomo, o boca de ouro, o excederia.

As necessidades repetiram-se, e avolumaram-se, com o decorrer do tempo.

Na actualidade, porem, se não se alienam inscrições, engendra-se, o que é equivalente, uma lista civil, em que se faz audaciosa e impropriamente incidir sobre o esgotado Thesouro despesas consideraveis, de que até agora elle estava legalmente liberto.

O que se deveria fazer era sujeitar a Real Fazenda á fiscalização do Estado. É o que se impõe por todas as maneiras, até pelos bons exemplos que, na questão sujeita, se podem colher no estrangeiro.

Mas continua no uso da palavra o Sr. Consiglieri:

Quanto custa a lista civil por habitante em cada um dos seguintes países, comparada com Portugal?

Custa a lista civil por habitante, em França 4 ½ réis ; na Suissa 4 ½ réis; na Inglaterra, 76 ½ réis; na Russia, 88 réis; na Italia, 97 réis; na Prussia, 117 réis; na Belgica, 117 réis ; na Austria, 117 réis; em Portugal, 145 réis.

Tenho a declarar á Camara que estes numeros são tirados, pelo que diz respeito aos países estrangeiros, de uma obra que faz autoridade nestes assuntos; é o livro do allemão Pfeiffer intitulado Comparação das despesas dos diferentes Estados europeus, ultima edição.

De modo que, repare bem a Camara, um chefe de familia; de termo medio, cinco pessoas, paga em Inglaterra, por anno, para a Casa Real, 382 réis; na Russia 440 réis; em Portugal paga 725 réis.

Pois a percentagem, dados os escaninhos e esconderijos do parecer em debate, ainda vae aumentar, e muito, entre nós!...

É isto razoavel? É isto equitativo? É isto sequer decente?

De utilidade é, todavia, encarar a questão por outro aspecto.

Em 27 de março de 1885, declarou em officio o Ministro da Fazenda:

A commissão nomeada pela portaria de 22 de novembro de 1879 não apresentou ainda o resultado dos seus trabalhos, podendo com-

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SESSÃO N.° 37 DE 8 DE AGOSTO DE 1908 9

tudo dizer que a importancia .das reclamações feitas pela administração da Casa Real monta a 145:494$198 réis, e a do debito da Alfandega de Lisboa por direitos de objectos recebidos desde o anno de 1855 até 1879 é de 51:677$647 réis; d'esta ultima epoca em deante a mesma administração tem mandado pagar os direitos na alfandega, dos generos despachados.

A contestação entre as duas partes continuou a arrastar-se até 1895, em que Hintze Ribeiro lhe pôs termo clandestinamente, pelo seu despacho de 27 de fevereiro d'esse anno.

As peripecias a que ella deu margem, simultaneamente com a exigencia do pagamento das pendas de diversos predios, arteira e abusivamonte autorizado pela alinea a) do § unico do artigo 19.° da lei de receita e despesa, de 12 de junho de 1901, constam de extensa correspondencia, cuja leitura escandaliza, sem a menor duvida, mesmo os mais desprendidos das normas triviaes do aprumo, do decoro e da compostura.

A essa correspondencia vou laconi-camente referir-me, reservando me para d'ella dar a lume, nos Annaes, algumas das suas peças mais suggestivas, das vinte e uma que a compõem.

Vão falar, portanto, os edificantes documentos officiaes.

Como proemio das minhas observações, notarei que dos esclarecimentos a que vou agora referir-me, já fez uso o Digno Par Ressano Garcia, dando-lhe realce tão burilado, por assim dizer, tão manuelino, que me faria marear com differente bussola, se não existissem outros motivos, para lhes imprimir, de facto, diversa feição critica. De resto, o campo é tão vasto que todos lá cabemos a forragear, sem nos acotovelarmos.

Feita esta advertencia, vou entrar, sem delongas, na materia.

Segundo o officio de. 29 de outubro de 18941, assinado por Pedro Victor da Costa Sequeira, administrador da fazenda da Casa Real, as reclamações perante 'o Thesouro constituiam dois grupos. No primeiro, estavam comprehendidas as reclamações constantes dos officios da mesma administração, de 23 de dezembro de 1879,° de Õ de janeiro, de 27 de abril e de 7 e 11 de maio de 1880, e de 25 de maio de 1881.

Essas reclamações, por assim dizer, prehistoricas, teem a sua origem no decreto de 19 de dezembro de 1834, respeitante á dotação da Senhora D. Maria II, que não foi paga a começar da sua ascensão ao throno, e sim da data do decreto dotal.

Este primeiro periodo fecha em 1880, com um officio do Conselheiro Nazareth, que foi quem encetou as reclamações dirigidas pela Fazenda Real ao Thesouro Português, e cuja importancia, no indigitado periodo, ascende, conforme já registei, e apenas com differenca de tostões, a 1.45:994$190 réis.

As posteriores reclamações, explanadas no alludido officio de 29 de outubro de 1894, teem por objectivo a exigencia de rendas, por differentes predios, pretensas propriedades da Coroa, na posse do Estado, em consequencia da cedencia gratuita d'elles feita a começar pela Senhora D. Maria II, em beneficio de varios serviços publicos.

As sete propriedades — tantas quantos os peccados mortaes — para as quaes a Fazenda Real, no anterior reinado, reclamava pertinazmente o onus do arrendamento, em seu proveito, com atrasados de reinados precedentes, eram:

O edificio em que está installado o regimento de cavallaria 4, pateo da Nora e pateo das Zebras;

O edificio da Escola do Exercito e suas dependencias;

Edificio do Instituto Agricola e suas dependencias;

Parte do edificio de Mafra occupado pela Escola Pratica de Infantaria, e suas dependencias;

Reaes cavallariças de Belem;

Edificações isoladas do real palacio de Queluz;

E terras do Desembargador.

Concernentemente ás terras do De sembargador, houve contestação entre a administração da Real Fazenda e o Governo, o qual naturalmente capitulou, apesar de o perito por elle nomeado, para proceder ás competentes avaliações, protestar contra tão estranha pretensão, no seguinte officio:

Illmo. e Exmo. Sr.— Em additamento ao officio que acompanhou o auto de avaliação de varios predios que constituem apanagio da Coroa, cumpre-me informar a V. Exa. que as terras denominadas "Do Desembargador» se acham ha mais de 40 annos na posse efectiva do Ministerio da Guerra, como se pode ver no processo existente na 4.ª repartição d'aquella Secretaria de Estado, de que tive a honra de ser chefe.

Deus guarde a V. Exa. a lllmo. Exmo. Sr. Conselheiro Director Geral da Contabilidade Publica. = José Alves Pimenta de Avellar Machado.

A Administração da Fazenda da Casa Real foi, todavia, inexoravel, Desempoeirou dos archivos da Torre do Tombo um bolorento attestado, cuja idoneidade, quando mesmo fosse impeccavel, ficaria prejudicada com a posse ininterrupta de quarenta annos, por parte do Ministerio da Guerra, das Terras, cuja renda annual foi, por fim, arbitrada em 423$SõO réis, pouco depois embolsada, e seus atrasados.

O Governo, repito, tinha-se submetido, perante a voraz teimosia da Administração da Fazenda Real, que conseguiu cobrar as rendas dos sete predios, com os seus atrasados, insisto, os quaes, por exemplo com respeito á Bem-posta, a contar da morte da Senhora P. Maria. II!!!

Parece mentira, mas não é. É a triste realidade.

Com analoga largueza de animo á da Senhora D. Maria II, se conduziram, na materia sujeita, D. Pedro V e D. Luiz. Apenas D. Carlos se afastou d'esses desinteressados preceitos tradicionaes, com infracção manifesta do artigo 85.° da Carta-Constituicional, que convem mais uma vez relembrar:

Artigo 85.º Os palacios e terrenos reaes, que têem sido até agora possuidos pelo Rei, ficarão pertencendo aos seus successores, e as Côrtes cuidarão nas acquisições e construcções que julgarem convenientes para decencia e recreio do Rei.

Afigura-se-me que a exigencia de rendas e de atrasados mais ou menos ficticios, por parte do usufrutuario, ao Estado, dono das propriedades, nada tem que ver, consoante antecedentemente consignei, com o recreio do Rei, nem tão pouco com a decencia, recommendados no invocado artigo 85.° do codigo fundamental da Monarchia.

Não obstante o que fica exposto, as hodiernas reclamações ascenderam a 508:698$998 réis, que addicionados 303 145:994$190 réis, provenientes das reclamações antigas, perfazem a elevada somma de 604:693$188 réis.

Mas não ficaram por aqui as pretensões da Administração da Casa Real, a qual se julgou devidamente habilitada ao abono de 150:994$i 90 réis — elevados ulteriormente a 324 coutos de réis - por encontro nos direitos de objectos despachados nas alfandegas, para serviço da mesma casa.

A commissão criada em 22 de dezembro de 1879, e reconstituida por decreto de 28 de junho de 1894. entendeu suficientemente justificadas, na sua grande maioria, as verbas adduzidas, d'ellas eliminando apenas 20:633$457 réis.

A commissão, que era composta de Antonio Emilio Correia de Sá Brandão, Antonio Pereira Carrilho e Luiz Augusto Perestrello Vasconcellos, concluia o seu relatorio, que tem a data de 21 de fevereiro de 1895, emittindo o parecer de que devia submetter-se á apreciação do Parlamento a proposta de lei necessaria para satisfazer á Casa Real o saldo das contas entre a mesma Casa e o Thesouro2.

Com esse alvitre se conformou Hintze Ribeiro, então Ministro da Fazenda, por despacho de 27 d'esse mesmo mês e anno, ò que não impediu que ao Par-

1 Veja-se adeante o documento n.° 2.
2 Veja-se adeante o documento n.° 3.
1 Veja-se adeante o documento n.° 1

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10 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

lamento projecto algum fosse apresentado a tal respeito. As importantes quantias que a fazenda da Casa Real cobrou em virtude das suas reclamações ascendem, segundo um mappa official que tenho á mão, á assombrosa somma de l.023:612$160 réis, e tiveram apenas, a autorizá-las, cavilosas disposições, introduzidas nos orçamentos do Estado.

Referentemente á liquidação dos direitos aduaneiros em divida 1, fala apenas o artigo 30.° da lei de receita e despesa, de 13 de maio de 1896, assim concebido:

Artigo 30.º Fica autorizado o Governo para liquidar da firma que julgar mais conveniente os direitos em divida provenientes de despachos feitos na alfandega, em harmonia com os preceitos da portaria de 22 de novembro de 1879, e mais providencias sobre o assunto.

Para notar é que, na epoca em que se introduziu esta disposição, no orçamento, sem que houvesse preceito algum legal que tal acto permittisse, quasi não havia opposição parlamentar.

Não admira, pois, que, dada esta circunstancia, e attenta a subserviencia, para não dizer servilismo monarchico, então já indiscutivel — não admira, repito, que não houvesse no Parlamento quem procurasse adivinhar a charada, relegada para um escaninho orçamental.

Quanto ao pagamento da renda dos predios de que a Casa Real se diz usufrutuaria, exclusivamente se lhe encontra referencia, em termos assaz sibilinos, senão indecifraveis, na alinea a) do § unico do artigo 19.° da lei de receita e despesa de 12 de junho de 1901, o qual estatue:

§ unico. É tambem autorizado o Governo: a) A pagar á Administração da Fazenda da Casa Real a importancia da renda dos predios pertencentes á mesma Casa e que o Estado usufrue para diversos serviços publicos, podendo abrir os creditos especiaes necessarios, nos termos d'esta lei, e sendo a disp sição d'esta alinea declarada de execução permanente.

Como em 1896, cinco annos decorridos, não se respeitam igualmente as praxes e normas legaes2. Exactamente como então, fez-se pharisaicamente orçamentologia, dando ingresso arbitrariamente — e não mediante dispositivo legal — na confusa e emmaranhada lei de receita e despesa, a uma autorização, demais de execução permanente, e de pauperante do Thesouro, bastante combalido por outras sangrias de identica procedencia.

Ninguem deu com a decifração do enygma, a qual só em 1907 appareceu a publico, como uma modalidade dos adeantamentos e desvios, pouco antes denunciados, pelo Presidente do Conselho da epoca, na Camara Electiva.

Tudo isto é inaudito, exautorante, simplesmente vergonhoso.

Mas não se fica desgraçadamente por aqui. Outros documentos me foram fornecidos pelo Ministerio da Fazenda, e que, comquanto incompletos, demonstram superabundantemente a que extremos conduzem a condescendencia ao requinte, para com os poderosos e os dominantes. Referem-se elles aos adeantamentos illegaes e merecem, a despeito das suas omissões e deficiencias, que adeante mencionarei., ser ponderados com toda a minucia e circunspecção, a começar pelo concomitante officio de remessa, com a data de 28 de julho derradeiro, e que assim se expressa na sua parte substancial, especializando os documentos enviados:

1.° Nota dos adeantamentos feitos á Casa Real conforme os despachos já enviados por copia á commissão parlamentar de exame da administração do anterior reinado, cumprindo-me acrescentar que as operações designadas na primeira parte da nota até julho de 1894 já foram todas liquidadas e o Thesouro reembolsado directamente e por encontro das sommas adeantadas, e que todos os adeantamentos foram escriturados no livro de operações de thesouraria sob a rubrica de adeantamentos pelo Ministerio da Fazenda.

2.° Copia das portarias ao Banco de Portugal sobre o emprestimo ali contratado pela administração da Fazenda Real.

Do que fica exposto conclue-se:

1.° Que razão tinha eu, quando reclamava documentos, cujo envio á commissão de inquerito não podia obstar a que elles me fossem mandados igualmente. Os factos estão comprovando essa minha asserção, e a abstenção, no caso sujeito, por parte de alguns Ministros, patenteia simplesmente quanto elles estão divorciados do cumprimento dos seus deveres, nesse seu repugnante papel de encobridores de erros maiusculos, e de delictos e de crimes incontroversos.

2.° Que não é correcta a affirmativa, sem associados elementos comprovativos, de que as operações designadas na primeira parte da nota até julho de 1904 já foram todas liquidadas, e o Thesouro reembolsado directamente, por encontro das sommas adeantadas. O interesse todo da questão estaria em que se tivesse fundamentado, com a nitida descrição dos euccessos occorridos, esse ajustamento de contas. Não é, por certo, o lançamento dos adeantamentos illegaes, no livro negro das operações de thesouraria, que purificara tão suspeita deficiencia.

3.° Referentemente ás duas portarias sobre o emprestimo contrahido no Banco de Portugal, adeante a ellas me referirei, no sentido de esclarecer as duvidas que ellas insinuam.

Na vasta nota official dos adeantamentos feitos á Casa Real, durante o reinado do Rei D. Carlos, ha-os de duas especies: — os liquidados e os que estão por liquidar 1.

Os primeiros elevam-se a 276 contos de réis. Parallelamente com o seu registo, está a discriminação, por verbas e datas, dos despachos autorizantes, cujos signatarios são igualmente especificados. Não transparece, porem, meia palavra, sequer, acêrca das operações liquidatarias. Sigillo completo, inilludivelmente comdemnatorio de quem o cultiva!...

Os confessados adeantamentos por liquidar, e que ascendem a 771:715$700 réis, são tambem firmados pelos adeantadores, e a sua concatenação obedece á mesma incompleta destrinça dos liquidados.

Pagos, na sua grande maioria, em moeda estrangeira, esta circunstancia denuncia para onde elles foram canalizados, e o seu airado objectivo.

A sua totalidade é identica á que foi apurada pela ominosa ditadura franquista, no seu decreto de 30 de agosto de 1907. Em arithmetica, como em tudo mais, os rotativos e os acalmadores estão lendo pelo mesmo compendio que o Ministerio antecedente. Entendem-se á maravilha.

Não sendo possivel aos membros do Parlamento devassar, com plenos poderes inquiridores, os escuros meandros do Ministerio da Fazenda, a conformidade revelada não pode encontrar inteiro credito. Pelo contrario, sara alvo de bem fundadas suspeições.

A reserva inadmissivel do Governo, a qual mais suspeita se torna por elle dar apenas ao manifesto um entre tantos adeantados, constituo uma arma de dois gumes, com um dos quaes elle fere o Pais, que tem direito a amplamente investigar, por delegação conferida aos seus mandatarios, os até hoje inconquistaveis reductos burocraticos, a fim de que seja conhecida a verdade, toda a verdade.

Com o outro gume, hão de ser feridos de morte os rotativos e acalmadores, com pouca ou nenhuma sobrevivencia do regime que, attentos os tempos que vão deslisando, não encontra, sem a menor duvida, refrigerio no embuste, com que procuram ampará-lo os seus parasitarios servidores.

Relativamente á futura liquidação dos adeantamentos da segunda serie, nada transpira no arrolamento official. Julga-se, porventura, d'isso exonerado

1 Veja-se adeante o documento n.º 4.

1 Veja-se adeante o documento n. 9.

2 Vejam se adeante os documentos n.ºs 5, 6, 7 e 8.

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SESSÃO N.° 37 DE 8 DE AGOSTO DE 1908 11

o Sr. Ministro da Fazenda, dado o artigo 5.° do parecer controvertido, que é uma especie de pau para toda a obra, neste malavindo e malfadado negocio.

Continua, portanto, a prestar-se officialmente culto, — o que é muito frequente — a tudo o que é turvo, confuso e vago.

Não desmerecem de analogo conceito as duas portarias acêrca do emprestimo realizado no Banco de Portugal, e cuja leitura e analyse vou passar a fazer. A primeira d'ellas é d'este teor:

Ministerio da Fazenda. — Direcção Geral da Thesouraria. — 1.ª Repartição. — Havendo o Conselho Geral do Banco de Portugal resolvido acceitar a proposta da Administração da Fazenda da Casa Real para um novo emprestimo de 361:171^553 réis que tem de ser liquidado no prazo de 20 annos, a partir de l de janeiro de 1908, mediante a annuidade de 30 contos de réis paga semestralmente, para a amortização e juros, em conta da dotação de Sua Majestade El-Rei, encontrando-se no novo emprestimo os saldos em divida ao Banco pelos contratos de 24 de abril de 1893, de 21 de março de 1894 e de 5 de novembro de 1906: ha por bem o mesmo Augusto Senhor mandar, pela Direcção Geral da Thesouraria do Ministerio da Fazenda, declarar ao governador do referido Banco que o Governo, conformando-se com a sua indicação, fará deduzir semestralmente da mencionada dotação a verba de l5 contos de réis para se liquidar a operação dentro do prazo fixado na proposta da Administração da Fazenda da Casa Real.

Paço, 10 de outubro de 1907. = F. Martins de Carvalho. — Para o Conselheiro Governador do Banco de Portugal.

Está conforme. 1.ª Repartição da Direcção Geral da Thesouraria, 29 de julho de 1908. = Pelo Chefe, José Lopes.

A ditadura denunciou os adeantamentos illegaes, cuja renovação jurou aos seus deuses que jamais praticaria. Um anno decorrido, essa mesma ditadura engaja o Estado, pelo longo prazo de vinte annos, numa caução, ou abono, de nem menos de 361:171$553 réis, corroborado em 14 de fevereiro ultimo, pelo Sr. Espregueira, consoante se verifica pela portaria que vou ler:

Ministerio da Fazenda.— Direcção Geral da Thesouraria, 1.ª Repartição. — Havendo o Conselho Geral do Banco de Portugal resolvido acceitar a proposta da Administração da Fazenda da Casa Real para se ratificar o contrato celebrado em 11 de outubro de 1907, relativo ao emprestimo de réis 361:171$553, que tem de ser liquidado no prazo de vinte annos, a partir de 1 de janeiro de 1908, mediante a annuidade de trinta contos de réis paga semestralmente para juros e amortização : ha por bem sua Majestade El-Rei mandar, pela Direcção Geral da Thesouraria do Ministerio da Fazenda, declarar ao governador do referido Banco que o Governo fará deduzir semestralmente em conta da dotação que for fixada pelas Côrtes para o mesmo Augusto Senhor a verba de quinze contos de réis até que se liquide a operação dentro do prazo marcado no mencionado contrato.

Paço, em 14 de fevereiro de 1908. = M. A. Espregueira.

Para o Conselheiro Governador do Banco de Portugal.

Está conforme. Primeira Repartição da Direcção Geral da Thesouraria, 29 de julho de 1908. = Pelo Chefe, José Lopes.

Que significa esta ratificação?

Que o emprestimo, só depois d'ella, se tornou effectivo ? ou que a Direcção do. Banco de Portugal julgou necessario o compromisso do Ministerio vigente, como garantia da operação que realizou na constancia do transacto? Em que quantia abona ou cauciona ainda presentemente o Estado essa transacção ?

Desde que o emprestimo seja caucionado ou abonado pelo Thesouro, assiste-me o direito de emprazar o Governo a que dê as necessarias explicações, com relação a tão importante assunto. É o que precisamente faço, convidando o Sr. Ministro da Fazenda a que traga a lume a resolução d'este incomprehensivel problema, pormenorizando as peripecias que se tenham dado, e as correlativas responsabilidades do Estado, preteritas, presentes e futuras.

Aguardando a resposta do Governo, elucidativa das duvidas que formulei, vem a pelo registar as sommas officialmente confessadas, que foram subvertidas na voragem do reinado transacto. Ei Ias:

Pelas antigas e bolorentas reclamações approvadas pela commissão reconstituida pelo decreto de 28 de junho de 1894.................. 125:360$733

Pela supposta liquidação de direitos alfandegarios..... 324:000$000

Pelas rendas, com fabulosos atrasados, de sete predios nacionaes................ 699:612$165

Por adeantamentos liquidados 276:000$000

Por declarados adeantamentos a liquidar............ 771:715$700

Total....... 2.196:688$598

Alem d'esta somma, tragada pelo sorvedouro da Real Fazenda, desde 10 de janeiro de 1890 a 1 de fevereiro de 1908, o Estado tem, no alludido emprestimo de 361:171$053 réis, contraindo com o Banco de Portugal, responsabilidades caucionanies e abonatorias, que não podem ser, nesta data, precisamente avaliadas, em presença do misterio que as envolve, e que é imprescindivel, insisto, desvendar.

Conforme se observa, os documentos officiaes que me foram fornecidos, attestam á evidencia os successivos e escandalosos atropelos, integrados com a deploravel questão dos adeantamentos, cuja illegalidade corre parelhas com a mesquinha, egoista e desusada feição que a caracteriza.

Isto, sim, que se chama semear o anarchismo e a anarchia.

Mas, francamente, quando os abonos extraordinarios, para lhes não dar denominação mais expressiva, assumem taes proporções, é licito perguntar: A que despesas era destinada a occorrer a lista civil?

O derogado artigo 77.° da Carta Constitucional algo pode orientar sobre a materia. É elle d'este teor:

Artigo 77.° O Rei não poderá sair do reino de Portugal sem o consentimento das Côrtes Geraes, e se o fizer, se entenderá que abdicou a Coroa.

À falta de melhor, acuda-se, e quanto antes, com a reintegração d'este artigo na legislação patria, o qual era, quiçá, o unico que merecia perpetuação entre todos os que constituem o archaico e obsoleto Codigo Fundamental da Monarchia.

Ao que parece, foi por isso mesmo que elle foi revogado; e, desde então, as frequentes digressões ao estrangeiro, iniciadas no reinado de D. Luiz i, constituiam especial aperitivo realengo, essencialmente salgado, com cujo proseguimento o Pais não pode seguramente»

É por astuciosos e deprimentes processos, como os que ficam escrupulosamente autenticados, que uma dotação regia e seus accessorios teem de corresponder ao decoro da alta dignidade do dotado, segundo as textuaes palavras do artigo 80.° da Carta?

Ninguem o comprovará em boa razão, e sã consciencia.

deferentemente a documentos officiaes, esgotei a edição, com os poucos de que acabo de fazer uso. Apesar das minhas instancias successivas, os Srs. Ministros, em geral, de nada me informaram acêrca de adeantamentos, de adeantadores e de adeantados, de especie variada, o que me deixa na crença de que este Ministerio é muito mais encobridor do que acalmador.

O Sr. Ministro da Justiça nem sequer me elucidou sobre o estado em que se encontra o inventario dos bens da Coroa, determinado pela lei de 16 de julho de 1855; e, note a Camara, unicamente lhe reclamei esse esclarecimento.

Relativamente ao Sr. Ministro da Marinha e Ultramar, tambem não se se dignou esclarecer-me sobre se o yacht Amelia, o verdadeiro Navio Fantasma, felizmente sem musica de Wagner, foi doado pelo Rei D. Carlos, consoante o certificado do Digno Par Eduardo Villaça, ou se elle foi encorporado na armada, mediante o custo de 306 contos de réis, conforme o attestado franco-ditatorial.

Quanto ao Sr. Ministro da Fazenda, ficou-lhe, no seu tinteiro, entre outras muitas cousas que lhe requisitei, a especificação dos adeantados, adeantadores, adeatamentos em beneficio dos simples mortaes. Apenas, com sobriedade espartana, me facultou informa-

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12 ANNAES DA CAMARA DOS DIGOS PARES DO REINO

cões concernentes a adeantamentos a D. Carlos I7 e pelos quaes se reconhece que S. Exa. é um adeantador dos mais cotados, em numero, e até em genero e caso.

Concernentemente ao Sr. Ministro das Obras Publicas, o qual, ao que se evidencia, não destoa dos seus collegas, prefere, para seu consumo, a agua do mythologico Lethes á do Alviela racional. Promette bonacheironamente; mas não cumpre. Esquece-se.

Nestes termos, tenho de dosimetricamente applicar-lhe a picante lamuria de Edmond About, com relação ás promessas que lhe fizeram os reaccionarios Ministros do 16de maio, em França.

— Elles tudo me offereceram § eu tudo lhes acceitei; elles nada me deram.

De resto, a jeremiada de About ajusta-se igualmente, como uma luva, ao Sr. Ministro.. . .

Mas fico-me por aqui, para, de preferencia, consignar que os reduzidissimos esclarecimentos officiaes que me foram fornecidos teem, entretanto, este merito: — por elles se pode apreciar quanto são compromettedores os sonegados á discussão.

Com efeito, pelos escassos documentos que me foram facultados, confirma se, em toda a sua deprimencia, pelo modo mais esmagador, a profunda e exautorante decadencia de uma epoca, designadamente nas mais altas esferas.

E o peor é que a situação vigente — a acalmadora — quer politica, quer economica, quer financeiramente apreciada, não é susceptivel de melhoras de natureza alguma.

As liberdades publicas continuam a ser postergadas, como nos tempos em que mais se abusou do despotismo. O cultivo do engrandecimento do poder real subsiste indubitavelmente, com os seus morbidos e deleterios effeitos.

Respirando nesta carregada atmosfera, com que se regala a reacção dominante, o Governo é incompativel com uma lei de responsabilidade ministerial, cuja observancia demoraria, por ventura, a derrocada imminente.

O desenvolvimento d'este thema, de que tenho feito baldadamente numerosas edições, isto é, sem ser escutado, levar-me-hia muito longe; e, attentas as circunstancias ocorrentes, com os mesmos negativos resultados.

A franqueza e á sinceridade preferiu o Governo o sofisma e o subterfugio, para tratar a immoralissima questão dos adeantamentos illegaes, o que tudo é comprovativo da necessidade do adiamento, por mim proposto, na discussão d'este projecto, a fim de que elle seja instruido com a mais nitida documentação, em homenagem ás sadias praxes administrativas, que nunca é licito esquecer e menosprezar.

Deveria, porem, o mesmo Governo ter considerado, quando occulta e vicia, que não ha expedientes, por mais machiavelicos que sejam, que possam, na quadra presente, de luz e de justiça, autenticadas, servir de pára-raios ou de pára-quedas do periclitante regime, condemnado principalmente, em presença dos actos desnorteados e anarchizadores de quem mais devia apoiá-lo. Tem de afundar-se ao desamparo, tudo o indica.

Os homens são tão cegos, tão impulsionados pelas necessidades de momento, que um {Ilusionista ou mystificador encontra sempre a quem illudir ou a quem mistificar.

A doutrina é de Machiavel; e cite-a propositadamente, para pôr em realce quanto ella está sendo fallivel, decorridos cerca de quatrocentos annos, depois de proferida. De outra maneira, seria eterno o rotativismo predominante, cuja agonia é indiscutivel, não obstante todos os esteios do poder, a que elle se arrima sem escrupulos, e com teimosia inexcedivel.

Sobraçado com os adeantamentos, descerá ao mesmo coval, juntamente com o absolutismo bastardo que nos vexa, esmaga e desqualifica.

A putrida politica de subentendidos, de hypocrisias e de ludibrios terá então o merecido desfecho funebre.

Remire-se, o Sr. Presidente do Conselho, na sua obra, que não pode ser mais radica] e exuberantemente liquidataria do existente.

Politique de nuages, politique d'orages.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente: — A Camara ouviu ha pouco a leitura da forga moção apresentada pelo Digno Par Sr. Baracho. S. Exa. declarou dispensar que a sua moção fosse lida na mesa.

Por isso limitar-me-hei a mandar ler as respectivas conclusões.

Foram lidas na mesa:

«.. entende esta Camara, pelos motivos adduzidos, que a discussão d'este parecer carece de ser interrompida, a fim de que elle seja modificado, e devidamente instruido, segundo as observações que ficam exaradas, e cuia indispensabilidade de concretização, em factos palpaveis, qualquer que seja a feição por que ellas forem avaliadas, é iudubitavel e indiscutivel».

Os Dignos Pares que admittem á discussão a moção do Digno Par Sr. Baracho queiram levantar-se.

(Pausa).

Está admittida e entra em discussão juntamente com o projecto.

O Sr. Alexandre Cabral: — Sr. Presidente: a que horas termina a sessão?

O Sr. Presidente: — Ás 5 horas e meia. V. Exa. poderá deixar de falar hoje, se assim o entender, porque estão inscritos para antes de se encerrar a sessão os Srs. Ministros da Fazenda e Pimentel Pinto.

O Sr. Alexandre Cabral: — Penso que poderei aproveitar ainda alguns minutos.

O Sr. Presidente: — Deixo isso á vontade de V. Exa., comtanto que possam falar os dois oradores inscritos para antes de se encerrar a sessão.

O Sr. Alexandre Cabral: — V. Exa. fará favor de me prevenir quando vir que é tempo de dar a palavra aos Dignos Pares inscritos.

Sr. Presidente: ninguem dirá ao ou vir o debate que vae travado, que se trata apenas de um projecto que tem por fim dar cumprimento a um preceito constitucional.

Quem attentar no ardor e na apaixonada vehernencia com que os Dignos Pares da opposição, e ainda agora o Digno Par Sr. Baracho na primeira parte do seu discurso, combatem o projecto e atacam o Governo, duvidaria se nos encontramos na assembleia legislativa que, em razão da sua propria natureza, deve ser ponderada, reflectida, serena, sem ardores nem paixões.

A opposição parlamentar transformou esta questão tão singela e simples num acerado debate politico.

Logo no inicio da discussão do assunto que actualmente está entregue ao exame d'esta Camara, o Digno Par Sr. Ressano Garcia gastou a maior parte, ou uma boa parte, do seu primoroso discurso, a apreciar a marcha politica do Gabinete, dando as considerações de S. Exa. a ideia de que estavamos ainda a discutir a resposta ao Discurso da Coroa.

Ao discurso do Digno Par Sr.. Ressano Garcia respondeu, e muito cabal e satisfatoriamente, o nobre Presidente do Conselho, mas um ponto houve, que ficou sem replica por parte do chefe do Governo, e foi aquelle em que o Digno Par disse que elle havia incorrido em crime grave, fazendo que El-Rei subscrevesse os decretos de exoneração dos Ministros do Governo transacto com a. declaração de que todos tinham servido a seu contento.

Peço licença para dizer ao Digno Par, a quem me reporto, que é menos justificado o reparo de S. Exa., porquanto El-Rei não tinha que apreciar os actos que esse Governo havia praticado durante o reinado de seu pae; e, tendo esse mesmo Governo solicitado a sua exoneração dias depois dos tragicos acontecimentos da tarde de 1 de fevereiro, não praticou no reinado do actual monarcha senão um acto: pedir a demissão.

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Assim não pode deixar de suppor-se que aquelle Ministerio procedeu muito a contento de El-Rei.

Antes de responder ás considerações apresentadas pelo Digno Par Sr. Baracho, permitta-me ainda S. Exa. que faça algumas referencias a um discurso, que o Digno Par Sr. Jacinto Candido proferiu na sessão em que se iniciou a discussão do projecto que fixa a lista civil.

Tendo este illustre parlamentar obtido a palavra antes dá ordem do dia, e carecendo por motivos particulares de ausentar-se Lisboa, hão quis retirar se sem deixar accentuado o seu modo de ver contrario a parte do projecto em discussão.

Segundo os apontamentos, que tenho presentes, referentes a esse discurso, noto que o Digno Par começou por dizer que o artigo 5.° do projecto contrariava o preceito do § 2.° do artigo 145.° da Carta Constitucional, que diz que a lei não terá effeito retroactivo.

Entendo que não teve razão de ser o seu reparo. O preceito do artigo refere-se a factos passados, mas determina e legisla para o futuro. Demais essa disposição é de caracter especial, respeita a um caso unico; e o interessado, que poderia invocar contra ella o principio da não retroactividade da lei, com ella está de acordo, como a Camara já sabia pelas declarações do Governo.

Acrescentou tambem o Digno Par que o alludido artigo era inconstitucional, porque dá ao poder legislativo attribuições que, na opinião de S. Exa., competem ou pertencem ao poder judicial.

É certo que o nosso Codigo fundamental, no artigo 11.°, estabelece os diversos poderes do Estado, preconizando no artigo anterior o principio dá divisão e harmonia d'esses poderes; mas não é menos certo que o projecto, attribuindo ou conferindo ao poder legislativo determinadas attribuições, não vae por forma nenhuma intervir na acção do poder judiciai.

Podia acceitar-se o argumento d'aquelle Digno Par, se o Parlamento tratasse de approvar ou de rejeitar a liquidação das contas entre a Fazenda da Casa Real e o Thesouro; mas não é d'isso que se trata agora.

Para tal se fazer seria mester uma lei previa que o autorizasse, e essa nas cera precisamente do projecto que está na tela do debate.

Não se pode, pois, dizer, com razão, que haja invasão de poderes,: trata-se apenas de promulgar uma lei que transfere attribuições, se é que em tal assunto as tinha o poder judicial.

Em materia de recrutamento e de execuções fiscaes, teve outrora o poder executivo attribuições que passaram para o poder judicial por virtude de uma lei; e ninguem se lembraria por isso de dizer que houvesse uma invasão de poderes.

Tambem aqui se não dará invasão de poderes, ê apenas a promulgação dê uma lei quê determine uma transferencia de attribuições.

Mereceu a S. Exa. estranheza õ artigo 1.°, e nelle encontrou o grave inconveniente de se fixar a priori a dotação de El-Rei.

Como este artigo foi por igual objecto de reparos por parte do Digno Par Sr. Dantas Baracho, lio decorrer das minhas considerações referir-me-hei ás que pôr S. Exa. foram apresentadas a tal respeito.

O meu illustre amigo Si1. Jacinto Candido insurgiu-se contra o que chamou uma trapalhada : e vinha a ser EL-Rei receber do Estado rendas de predios que a este pertencem.

Como este assunto foi igualmente versado pelo Sr. Baracho, na devida altura o tratarei.

Procurou finalmente o Digno Par Sr. Jacinto Candido defender as ideias e o programma do partido nacionalista, pelo qual tenho muita consideração e respeito.

Como, porem, isso nada importa ao projecto em discussão, o partido nacionalista, embora injustamente, seja taxado de clerical, sobre esse assunto relego-o ao braço secular do Sr. José de Alpoim, que sublinhou com alguns apoiados varias passagens do discurso do Sr. Jacinto Candido, provocando com elles uma defesa calorosa do programma d'aquelle partido.

Fez-me a commissão de fazenda a honra de me eleger relator do parecer que se discute.

Acceitei essa honra, que, aliás, muito me envaidece, com sacrificio, porque estamos ã 8 de agosto, è temos que supportar dentro da sala das sessões a elevada temperatura de 29 graus á sombra.

A invocação d'este sacrificio serve apenas para rogar aos meus dignos collegas que abreviem quanto possam as considerações que tenham a apresentar sobre o projecto, para assim se libertarem mais depressa dê uma temperatura de fornalha.

O Sr. Sebastião Baracho: — Como V. Exa. viu, eu fui muito resumido. Muito propositadamente nem toda uma sessão consummi.

O Orador: — Effectivamente S. Exa. para o seu costume foi decerto muito resumido.

No desempenho, pois, da commissão que me outorgaram, vou apreciar o projecto, e, ao mesmo tempo, responder ao Digno Par Sr. Baracho.

Adoptando a mesma ordem que S. Exa. seguiu, referir-me-hei ao artigo 1.°

Este artigo, como tive occasião de dizer no inicio das minhas considerações, tem apenas em vista o cumprimento de um preceito constitucional, que manda quê ao Rei, logo que succedá no Reino, sé lhe assine uma dotação correspondente ao decoro da sua alta dignidade.

Antigamente, no tempo do regime do absolutismo, não havia a lista civil. Então era quasi completa a confusão dos dois erarios — o Erario Regio e o Thesouro Nacional.

O imperante ia buscar aos cofres da nação aquillo de que carecia para a sua despesa pessoal, da sua familia e da Côrte.

O estabelecimento da lista civil começou a fazer-se em Inglaterra depois da revolução de 1688.

Em França, a Assembleia Constituinte tambem estabeleceu a distincção entre o dominio do Estado é o do Rei por decreto de 9 de junho de 1790, e depois em 29 de maio de 1791, promulgou o decreto sobre a lista civil que fixou ao Rei uma dotação de 25 milhões de francos, dotação que permaneceu até o desastre de Sédan, tendo sido apenas reduzida a Í2 milhões no reinado de Luiz Filipe.

Nós tratámos de imitar o que se fez em França e em Inglaterra.

Foram ás nossas primeiras Côrtes Constituintes que, por decreto de 7 dê junho, transformado na lei de 11 de junho de 1821 j fixaram pela primeira vez a lista civil do Rei.

A dotação era fixada na quantia annual de 365 contos de réis: designava para habitação e recreio de El-Rei os palacios da Ajuda, Alcantara, Mafra, Salvaterra, Vendas Novas e Cintra; dispunha que a Rainha continuaria a desfrutar a casa das Rainhas e a receber as prestações que lhe eram consignadas pelo Thesouro a titulo de juros e tenças; mandava que continuassem a ser applicados para o Thesouro publico os rendimentos da Casa de Bragança durante a ausencia do Principe Real D. Pedro de Alcantara; permittia a El-Rei consignar ao Infante D. Miguel as mesadas que julgasse convenientes; determinava que se continuasse a dar á Princesa do Brasil a prestação do apanagio que estava estabelecido 5 e, por ultimo, arbitrava a cada uma das infantas a quantia de 400$000 réis mensaes.

Foi esta a primeira lista civil que entre nós se estabeleceu.

Disse o Digno Par Sr. Baracho que na discussão havida naquellas Côrtes sobre o projecto de lista civil, depois transformado na lei de 27 de março de 1827, se tinha julgado excessiva ou

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exorbitante a cifra de 365 contos de réis.

Mereeem-me inteiro credito as affirmações do Digno Par, comquanto se me não deparasse ensejo de rever as discussões d'esse tempo; mas convem observar que então estava ausente do Pais o reinante, e exercia a regencia a Infanta D. Isabel Maria, que á sua parte tinha a dotação de 40 contos de réis.

É muito possivel que em 1827 se tivesse por isso tido na conta de exagerada a quantia que respeitava á lista civil; mas as Côrtes Constituintes de 1821. tornaram saliente que a pobreza do Thesouro é que não permittia que se fosse alem no estabelecimento da dotação de El-Rei D. João VI.

Urge ainda considerar que, então, os rendimentos do Estado orçavam por 8:000 contos de réis, e hoje, segundo o ultimo orçamento apresentado ao Parlamento, elevam-se á importante quantia de 72:000 contos de réis.

Em 1821, quando as receitas do Estado eram tão diminutas, quando o valor da moeda era maior (Apoiados), quando as despesas extraordinarias e de representação não attingiam a somma a que actualmente se elevam, julgava se exigua a dotação do Rei. (Apoiados}.

Depois do golpe de Estado a que se seguiu o Governo de D. Miguel, entra-se em pleno regime constitucional, e a Camara sabe muito bem quaes foram as differentes listas que se estabeleceram, desde a da Rainha D. Maria II em 19 de dezembro de 1834, até á do finado Rei D. Carlos.

Não fez o Digno Par Sr. Baracho a menor referencia ao que se dispõe no § unico do artigo 1.° do projecto em discussão.

Esta parte do projecto mereceu viva discussão na outra casa do Parlamento. Obedecendo, porem, a uma disposição regimental cujo alcance desconheço., mas que me cumpre acatar, não me reportarei ao que a este respeito ali se passou. Direi apenas que tal disposição tem antecedentes nos reinados dos Reis D. Pedro V e D. Luiz I.

Em seguida analysou o Digno Par Sr. Baracho o § 1.° do artigo 2.°, que estabelece que o palacio de Belem será especialmente destinado ao alojamento dos Chefes de Estado, Principes e missões estrangeiras.

A pratica nos tem demonstrado a conveniencia de ter essa applicação este palacio.

Ali se alojaram o Rei de Espanha, o Imperador da Allemanha, e creio que outros Chefes de Estado estrangeiros.

Se esse palacio se encontrasse em boas condições, quando nos visitou El-Rei de Sião, não se veria o Estado obrigado ás enormes despesas, que necessariamente acarretou o alojamento d'esse Monarcha no Hotel Bragança.

Fica, pois, estabelecido que o Palacio de Belem é especialmente destinado a alojar os Chefes de Estado que nos honrem com as suas visitas.

Quanto á alteração que foi feita pela commissão da Camara dos Senhores Deputados, não concordo com a opinião do Digno Par, que entende que essa alteração teve por fim aumentar o rendimento de El-Rei. Essa alteração fez que para o Estado só passasse o Paçô de Belem sem as suas dependencias, e o Digno Par entende que o Estado só recebeu o que representa um allivio de despesa para o Monarcha.

Não é assim.

Lendo-se o § 3.° ver-se-ha que as obras de reparação e conservação dos Paços Reaes ficam a cargo do Ministerio das Obras Publicas: portanto nada perderia El-Rei em conservar esse Paço que, sem lhe causar despesa, seria uma regalia apreciavel, tanto mais que, segundo creio, Sua Majestade nelle nasceu.

O Sr. Presidente: — Faltam apenas 10 minutos para dar a hora.

O Orador: — Obedeço immediatamente a V. Exa. e peço se digne reservar-me a palavra para a sessão seguinte, comquanto eu deseje encurtar muito as minhas considerações. (Vozes: — Muito bem, muito bem).

(O orador foi cumprimentado por varios Dignos Pares e pelos Srs. Ministros).

O Sr. Presidente: - Fica reservada a palavra a V. Exa.

O Sr. Ministro da Fazenda (Manuel Affonso de Espregueira): — Pedi a palavra tão só para desfazer um equivoco em que laborou o Digno Par Sr. Sebastião Baracho, quando ha pouco se referiu ao contrato do emprestimo feito pelo Banco de Portugal á Casa Real.

É um emprestimo puramente commercial.

O Governo não caucionou esse emprestimo.

A Administração da Casa Real pediu ao Governo que declarasse ao Banco que deduziria das dotações que fossem devidas ao Rei as quantias no mesmo contrato estabelecidas.

Claro está que, não havendo dotação, nenhum desconto ha que fazer, e nesta conformidade o Banco, desde 1 de fevereiro, nada absolutamente tem recebido.

O Banco nada pode reclamar do Governo, e o Governo nada tem a pagar-lhe.

Esse contrato não tem caução, garantia ou qualquer obrigação por parte do Estado.

É, repito, um contrato puramente commercial.

O Sr. Sebastião Baracho: — Ver-se-ha.

O Sr. Pimentel Pinto: — Sendo natural que me caiba na proximo sessão a palavra sobre o projecto em ordem do dia, e tendo de encará-lo sob o ponto de vista politico, muito sentiria que não estivesse presente o Sr. Presidente do Conselho. Assim, peço a S. Exa. a fineza de comparecer á sessão seguinte.

(Gesto affirmativo do Sr. Presidente do Conselho}.

O Sr. Presidente: — A ordem do dia para segunda feira é, na primeira parte, a eleição de um vogal e de um substituto para a Junta do Credito Publico, e na segunda parte a continuação da que vinha para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram 5 horas e 26 minutos da tarde.

Dignos Pares presentes na sessão de 8 de agosto de 1908

Exmos. Srs.: Antonio de Azevedo Castello Branco; Marquezes: de Avila e de Bolama, de Penafiel; Condes: de Arnoso, de Bomfim, de Castello de Paiva, das Galveias, de Lagoaça, de Mártens Ferrão, de Sabugosa; Viscondes: de Algés, de Asseca, de Monte-São; Moraes Carvalho, Alexandre Cabral, Pereira de Miranda, Sousa Costa Lobo, Teixeira de Sousa, Augusto José da Cunha, Eduardo José Coelho, Fernando Larcher, Mattozo Santos, Dias Costa, Ferreira do Amaral, Francisco José Machado, Francisco José de Medeiros, Simões Margiochi, Ressano Garcia, D. João de Alarcão, João Arroyo, Joaquim Telles de Vasconcellos, José de Azevedo, Vasconcellos Gusmão, José de Alpoim, Silveira Vianna, Pimentel Pinto, Bandeira Coelho, Affonso de Espregueira, Campos Henriques, Pedro de Araujo, Sebastião Telles e Sebastião Dantas Baracho.

O Redactor, ALBERTO PIMENTEL.

Representações enviadas para a mesa

nesta -sessão, pelo Sr. Presidente da camara

Senhor. — A commissão que em 1905, representando os pães, tutores e encarregados da educação dos alumnos dos lyceus de Lisboa, reclamou perante os poderes publicos uma serie de modificações mt regime da ins-

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trucção secundaria, vem de novo solicitar de Vossa Majestade providencias urgentes sobre este assunto, que tanto lhes interessa.

Cumpre confessar que os seus trabalhos de 1905 estiveram longe de ser improficuos: as dezaseis conclusões da sua representação, na sua maioria foram total ou parcialmente satisfeitas, e bem mostrou esta commissão não ser impaciente nem impertinente, pois que se manteve em silencio durante tres annos aguardando os resultados do decreto de 29 de agosto de 1905.

A experiencia, porem, está feita e é tempo de voltar a este gravissimo assunto, a fim de que naquelle decreto, que foi declarado de caracter provisorio, se corte pelo que houver dado maus resultados e se inclua o que já esta commissão em 1907 pedia instantemente, sem conseguir ser attendida, e o mais que lhe occorre agora solicitar.

Os representantes das familias dos alumnos de instrucção secundaria de Lisboa ainda se não arrependeram de haver dado a maxima importancia á «introducção nos institutos secundarios da educação physica, ao excessivo trabalho a que os alumnos são submettidos, á urgente necessidade de refundir e limitar os programmas e ainda á indispensavel, substituição dos livros de ensino».

É certo que todas estas questões foram consideradas no decreto de 1905 ; nenhuma, porem, foi definitivamente resolvida.

Substituiu-se o condemnavel systema do livro unico e fizeram-se livros novos para o ensino, mas os livros continuam a ser excessivamente caros e a concorrencia não foi de molde a assegurar uma escolha excellente em varias disciplinas, sendo ainda certo que algumas ficaram ,com livros provisorios e outras sem elles. É indispensavel que os nossos filhos tenham bons livros, que contenham todas as materias versadas nas aulas e dispensem cortes, additamentos e emendas feitas pelos professores.

O livro de ensino é o auxiliar do alumno na repetição, em casa, das lições que o professor deve ensinar-lhe na aula. Comprehender de outro modo a sua funcção, como ainda succede nalgumas aulas, ou organizá-lo de modo a torná-la impossivel, é prejudicar a educação do alumno, aumentando-lhe indevidamente o trabalho, criando-lhe embaraços nos seus estudos ou lançando-o nas mãos do explicador, que vem encarecer o ensino e tirar ao alumno a sua iniciativa e autonomia intellectual.

Não ha livros bons sem bons programmas. Em 1905 foram refundidos e limitados os programmas, e aos conselhos de classe foi confiada a missão de os aperfeiçoar. Nem todos, porem, observaram a necessaria coordenação, alguns ficaram excessivamente extensos e não consta que qualquer conselho de classe se desse ao trabalho de propor aperfeiçoamentos. A aggravar estes males concorre a falta de bibliotecas de autores portugueses, franceses, ingleses e allemães citados nos programmas, a falta de material para o ensino das sciencias physicochimicas e naturaes que facilite a aprendizagem e permitta dar-lhe a verdadeira orientação e subordiná-la a um intuito educativo, a quasi geral inobservancia das indicações dos programmas que proscrevem todos os processos em que a intuição não tenha logar preponderante, e ainda a falta de material para o desenho, que justamente ficou sem livro para que fosse dotado com material que geralmente não existe.

Senhor. Os pães dos alumnos não podem consentir que semelhante estado de cousas se protele. Reclamam rapida revisão dos programmas no sentido da sua indispensavel coordenação e da sua limitação ao estrictamente necessario á educação geral, que as escolas secundarias devem ministrar. A gravidade do assunto exige que os novos programmas entrem em vigor no proximo anno lectivo. Reclamam a urgente acquisição do material de ensino e especial vigilancia pelo cumprimento das disposições legaes que prohibem o ensino livresco.

Só a satisfação d'estas nossas reclamações e o cumprimento exacto por parte dos professores das prescrições pedagógicas conseguirão diminuir de facto o trabalho dos alumnos, que antes de 1905 era excessivo nas aulas e agora continua a sê-lo em casa. Nós não pedimos ás escolas que façam dos nossos filhos e tutelados sabios prematuros. Pedimos-lhes que os façam homens, e esta justissima aspiração da escola moderna não se satisfaz só por meio do ensino, muito embora elle fosse superiormente ministrado.

Por isso nós reclamamos a educação physica para os lyceus. As nossas aspirações foram traduzidzs no decreto de 26 de agosto de 1905; mas os bons intuitos da lei foram grandemente prejudicados pela sua execução. Alem de não se haver passado da gyninastica sueca, quando o proprio decreto reconhecia outros meios de educação physica, descurou-se por completo a construcção de gymnasios, adoptou-se uma forma defeituosa para o recrutamento de pessoal docente e não se regulamentou, como cumpria, este importante ramo dos serviços lyceaes. D'aqui resultou fazer-se a gymnastica na quasi totalidade dos casos em locaes improprios e num grande numero d'elles com professores mal preparados.

Para obviar a estes males reclama esta commissão que se organize uma escola superior de. educação physica, cujo ensino seja inaugurado por professores estrangeiros naquellas disciplinas em que se reconhece não poderem professar com bastante competencia individuos nacionaes; que o recrutamento dos professores de gymnastica seja feito entre individuos saidos d'esta escola; que se proceda á construcção de gymnasios; que se adquiram terrenos bastante amplos para os jogos e exercidos esportivos que forem julgados mais proprios para continuar a educação physica dos estudantes; emfim, que tudo quanto diz respeito á educação physica seja devidamente regulamentado de forma a estabelecer-se e observar-se um plano uniforme em todos os lyceus.

Durante os dez annos de plena vigencia da reforma de 1895 levantaram-se clamores geraes contra certas disposições que a pratica evidenciara como inexequiveis ou injustas. Não deixámos nós de nos referir ás mais importantes, como eram o longo tempo dado ao estudo do latim, a situação criada á lingua inglesa, os privilegios concedidos a tres disciplinas, as formalidades exigidas para a frequencia e exame por disciplinas, as eliminações de fevereiro e o numero de alumnos em cada turma.

No decreto de 29 de agosto de 1905 foram attendidas estas nossas reclamações, nem voltariamos a falar d'estes assuntos, se as disposições do artigo 80.°.e seus paragraphos do projecto de lei n.° 25 ultimamente apresentado á Camara dos Senhores Deputados não viessem alarmar-nos, chamando de novo a nossa attenção e protesto vehemente.

A questão do numero de alumnos de cada turma é uma questão que pertence exclusivamente á pedagogia e á hygiene.

É impraticavel o ensino simultaneo em turmas numerosas; o professor moderno, que adopte methodos activos, não pode dirigir o trabalho de mais de trinta alumnos nas primeiras classes e vinte nas ultimas; o professor ainda preso aos methodos cathedraticos não pode chamar tantos alumnos com a frequencia que convem; um e outro teem de sacrificar o ensino á verificação do estudo, o seu papel de mestre, que é o principal, ao de juiz, que é o secundario.

As dimensões de uma aula não são fixadas arbitrariamente, dependem da capacidade visual e auditiva do alumno e da natureza do mobiliario adoptado; ora numa aula de limitadas dimensões não cabe senão um limitado numero de alumnos, visto que a cada um tem de attribuir-se um determinado espaço.

Assim seria retrocesso inadmissivel qualquer tentativa no sentido de transformar numa questão economica uma questão de pedagogia e hygiene. O ensino e a saude dos nossos filhos é que haviam de pagar a insignificante economia de algumas turmas em cada lyceu. Por isso instantemente reclamamos não só pelo não aumento de alumnos em cada turma, mais ainda pela sua reducção no sentido que indicamos.

Com razão se diz que a solução da questão do ensino secundario está especialmente na escolha do professorado. O bom professor pode attenuar as más consequencias dos programmas imperfeitos, dos livros defeituosos, a falta de material didatico; os melhores programmas, os livros mais perfeitos, o material melhor escolhido não conseguirão nunca attenuar os prejuizos que causa o mau professor.

Nós pedimos em 1905 que não se entregasse a exclusiva responsabilidade do ensino a professores, effectivos ou provisorios, que não houvessem sido submettidos ao lirocinio profissional junto dos professores mais competentes. Não desappareceram ainda todas as razões que eram o fundamento do nosso pedido. Formulamo-lo de novo.

A criação de uma escola normal superior impõe-se de ha muito: solicitando para este assunto a attenção dos poderes publicos, julgamos ter cumprido nosso dever.

Bons professores e professores bem remunerados é assunto em que não ha opiniões divergentes. Não se comprehende um professor reduzido aos, parcos vencimentos que a lei lhe confere. É por isso motivo de estranheza que não haja sido sanccionada a disposição do decreto de 29 de agosto de 1905 que aumentava progressivamente os ordenados, e maior estranheza nos causa a ideia de falsa economia que viria determinar uma inconveniente diminuição operada indirectamente nos actuaes ordenados, já de si tão mesquinhos.

Nem devemos esquecer que ao lado dos bons professores não devem faltar bons empregados Na moderna orientação que faz das escolas institutos de educação, o empregado deveria ser um educador auxiliar e não o podem ser homens na sua grande maioria quasi analfabetos. Reclamam se, por isso, para os lyeeus empregados em numero sufficiente, com as habilitações indispensaveis e remuneração condigna.

Entre os assuntos relativos ao ensino, ha só dois que podem competir em importancia com o que respeita á formação dos professores. São a acquisição acertada de material de ensino e a construcção de edificios escolares.

Nós não seriamos justos se occultassemos que nos ultimos tres annos teem sido adquiridas collecções de material para o ensino das sciencias physico-chimicas e naturaes, da geographia e da historia. Não podemos, porem, concordar com a extrema parcimonia observada naquellas collecções e muito menos com a completa falta de material para o ensino de outras materias, como o desenho. Neste ponto ha muito que fazer, não podem

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admittir-se economias, para que o ensino assuma o caracter intuitivo que deve ter, para que os fins verdadeiros do ensino não sejam adulterados.

Nem basta adquirir material, é preciso aproveitá-lo. Neste ponto chega a ser ridiculo o que se observa com as installações dos lypeus, a que só por grande poder de imaginação se tem dado o nome de gabinetes de ensino experimental. Para maior prejuizo do ensino acontece que os lyceus não possuem preparadores, de maneira que as experiencias só as fazem, e ainda assim em numero assas reduzido, raros professores que fazem um alto conceito da sua profissão, a despeito da poupo attenção que o Estado lhes liga.

Não nos cansaremos de pedir que os lyceus sejam fornecidos de abundante material, que se construam installações decentes para as aulas praticas, e que se nomeiem para ellas preparadores convenientemente habilitados em escolas de applicação.

Quanto a edificios, seria injustificado o nosso silencio. Em 1905 pediu esta commissão que se dotasse Lisboa com tres lyceus centraes. O nosso pedido foi satisfeito e os factos vieram demonstrar quão justo elle era. Os principaes nucleos de população ficaram providos de escolas secundarias, desaccumulou-se o antigo lyceu e não pode negar-se que as tres escolas, em honrosa competencia, teem feito progressos apreciaveis. Ao lado d'ellas desenvolve-se o novo Lyceu Maria Pia, para o qual esta commissão reclama organização mais consentanea com as suas importantes funcções e particular attenção da parte dos poderes publicos que mal teem dado conta da sua existencia.

Não se limitara, porem, esta commissão a pedir a criação de lyceus, reclamou tambem a construcção de edificios proprios para elles.

Ha menos de um anno que começaram as obras do lyceu da 1.ª zona e tudo leva a crer que num curto prazo ellas estarão concluidas. Este facto deveria constituir óptima lição a Aproveitar. Não obstante isso, as obras do Lyceu de Jesus, iniciadas ha vinte annos e agora recomeçadas, seguem lentamente e não poderá calcular-se quando estarão terminadas. Ha seis meses que pertence ao Estado um excellente terreno destinado á construcção do Lyceu da Lapa e ninguem sabe ainda quando começarão as obras. Do Lyceu Maria Pia não consta sequer que se haja cuidado.

Insistentemente reclamamos; que se modifique este estado de cousas. Os lyceus não podem continuar por mais tempo installados em casarões caros, velhos, anti-hygienicos. Está demonstrado que em dois annos se podem construir edificios razoaveis para os lyceus. É preciso não perder tempo, urge realizar rapidamente estas abras em que estão empenhados os nossos interesses mais caros, os que dizem respeito á educação dos nossos filhos e tutelados.

Conclusões

1.ª Que se faça urgentemente a revisão dos programmas das differentes disciplinas do curso dos lyceus, coordenando-os e reduzindo-os ao estrictamente necessario, de modo que possam estar em vigencia no proximo anno lectivo.

2.ª Que se proceda, desde já, á construcção de edificios para installação dos quatro lyceus de Lisboa, adoptando-se os mesmos processos que se empregaram para a construcção do edificio da 1.ª zona.

3.ª Que sejam dotados os quatro lyceus com p suficiente material e mobiliario.

4.ª Que se proceda á immediata installação de laboratorios, se organizem aulas praticas e se nomeiem preparadores.

5.ª Que se providenceie para que os livros de ensino sejam melhores e não sejam tão caros.

6.ª Que se preste attenção á educação physica dos alumnos, construindo gymnasios, dando aos lyceus campos de jogo?, cuidando do melhor recrutamento dos professores, regulamentando os melhores serviços da gyimnastica.

7.ª Que se organize uma escola superior de educação physica.

8.ª Que não seja aumentado, antes seja reduzido o numero de alumnos que, segundo o actual regulamento, podem constituir cada turma.

9.ª Que se organize a escola normal superior e se não admitta a exercer o ensino quem não houver feito o seu tirocinio profissional.

10.ª Que seja sanccionada a disposição do decreto de 1905 que aumentava progressivamente o ordenado dos professores.

11.ª Que seja melhorada a situação ao pessoal menor dos lyceus, exigindo-se-lhe habilitações.

Dignos Pares do Reino. — É sem duvida a industria da pesca uma das mais importantes do país e representa o sustento de alguns milhares de familias, mas de ha muito que os pescadores das costas de Portugal reclamam uma solução definitiva dos poderes e o Estado, de modo a ser-lhes garantido por leis justas o seu campo de acção, onde num trabalho arduo, cheio de riscos, colham apenas os lucros necessarios á sua subsistencia.

Solicitações, reclamações teem os pescadores dirigido aos poderes competentes, mas, se algumas teem sido attendidas em parte, outras causas nocivas) a esses trabalhadores teem vindo destruir por completo os minguados beneficios obtidos pelas concessões dos Governos.

Assim, a sua situação aggrava-se gradualmente, mas por um modo pavoroso que conduz ao desespero.

A classe piscatoria pode computar-se em cineoenta mil individuos que, dedicando se desde crianças ao arriscado mester de que vivem, não podem lançar mão de outros recursos pelo trabalho; ainda a situação se lhes aggrava porque, constituindo familia, se vêem obrigados a educar os filhos desde principio ao arriscado trabalho de pesca, attendendo á difficuldade de os empregarem noutros labores, na maior parte das povoações do litoral onde escasseia o commercio, a industria, e em muitas... a escola.

D'este modo, a população piscatoria desenvolve se; dentro de alguns annos duplicará e, tanto mais tende a desenvolver-se, mais lhe minguam os recursos de que tem de lançar mão para viver, mesmo parcamente.

O seu primeiro inimigo, o mar, ávido de vidas, e que da classe piscatoria tantas tem tragado, muitas vezes lhe recusa o alimento que o pescador procura obter á custa de sacrificios e permanentes riscos; mas o mar é ainda assim mais generoso que o concorrente desleal, que commodamente, ou antes, sem perigo de vulto, sulca as ondas, estendendo os tentaculos á maxima profundidade, arrastando viveiros, destruindo ao pescador o alimento presente e do futuro.

Ha tres seculos que os pescadores procuram defender-se dos concorrentes gananciosos, e, nas primeiras medidas tomadas em attenção ás reclamações d’esses trabalhadores do mar, em 1776, decretavam-se penas severissimas contra os que exercessem a pesca de arrasto; outras providencias foram tomadas successivamente, tendentes todas a evitar a destruição pavorosa dos diversos apparelhos de arrasto. Os lucros, porem, são compensadores na exploração por qualquer systema de arrasto e as contravenções eram constantes, embora as penas fossem severas, porque a vigilancia não era convenientemente feita.

Finalmente, em meados do anno de 1887, surgiu o mais terrivel inimigo do pescador e das especies ictyologicas — o barco a vapor arrastando a terrivel rede!

Justamente melindrados, os pescadores reclamaram e a seu lado, nobremente, se collocou em defesa a Commissao Central de Pescarias, que publicou um relatorio modelar sobre as condições em que a pesca se exerce nas nossas aguas pelos pescadores nacionaes, e sobre os enormes prejuizos resultantes da introducção de redes de arrastar pelo fundo, rebocadas per vapores.

D’esse relatorio destacamos os seguintes periodos, esmagadores para os defensores da pesca de arrasto, sendo, alem de tudo, os relatores os mais autorizados em discutir o assunto:

«É com todo o fundamento que numerosas representações teem protestado contra taes engenhes de destruição.

Seria para lastimar se não se adoptassem immediatamente medidas coercivas sobre a exploração com estes apparelhos, tendo em vista a conservação do banco de pescaria que corre ao longo da nossa costa, entre quatro a sete leguas de distancia á terra, o qual nos abastece, abundantemente de pescada, goraz, cachucho, ruivo, congruo, etc., especies ahi domiciliadas, que desapparecerão em curió periodo do tempo se um tal apparelho de dragagem continuar a percorrer esta tão util região».

Das reclamações, secundadas com tão autorizado parecer, resultou tomar o Governo d'esse periodo providencias que em parte satisfizeram a justiça que se pedia.

Comtudo, em 1896, viram-se obrigados os pescadores a reclamarem novamente, e mais uma vez a altruista Commissao de Pescarias os secundou publicando um parecer em que se esplanavam com largo desenvolvimento e criterio os prejuizos causados pelos apparelhos de arrasto pelo fundo, demonstrando mesmo que em outros países esse systema está condemnado por ser altamente nocivo, devendo, portanto — consigna esse parecer — absolutamente prohibir dentro de seis milhas de costa todas as artes de arrasto pelo fundo a reboque de embarcações movidas por qualquer motor, quer de malha meuda, quer de malha larga, ambas por prejudicarem os comedouros, aquelles por destruirem mais especialmente as criações.

Mais reclamações appareceram em varios periodos, algumas medidas tombem foram decretadas, mas as resoluções a esperar não appareceram de modo a satisfazer os interessados, continuando o pescador, como actualmente, em sobresaltos continuos sobre o seu futuro e portanto o de suas familias, ao ver que vão accumular-se em cofres abastados os pai cos proventos que deixavam nos seus lares.

Quando, porem, a situação da classe piscatoria se aggravou com mais intensidade foi em 1904, com o apparecimento dos vapores estrangeiros. Estes, em pequeno numero a principio, mas depois em numero relativamente avultado surgiram na nossa costa, e, embora pescassem fora das aguas territoriaes, fizeram uma concorrencia temivel aos productos dos pescadores nacionaes. Reclamaram mais uma vez os pescadores, justamente alarmados, porque essa concorrencia, em tão favoraveis condições, e, demais, por assim dizer tão inesperada, constituia um golpe mortal na nossa industria da pesca, pondo em crise gravissima milhares de familias. O recurso de momento seria aumentar o direito d'esse peixe fornecido pelos vapores estrangeiros da taxa irrisoria de 10 réis a 100 réis, pelo menos.

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SESSÃO N.° 37 DE 8 DE AGOSTO DE 1908 17

Mas não se pensou em tal e com tão exiguo imposto animou-se a industria estrangeira em detrimento da nossa, isto é, permittiu-se que se aggravasse a situação do pescador. Os lucros obtidos por esses vapores de pesca estrangeiros foram fabulosos, o que se demonstra pela seguinte estatistica e que exclue todo e qualquer commentario.

Em 1904 descarregaram esses vapores em Lisboa 70 toneladas de peixe no valor de 7:248$000 réis. Entrou depois a devastação no periodo critico 5 o peixe era arrancado á força das costas portuguesas pelo rrrasto destruidor; com imposto tão favoravel, num litoral rico em pesca para semelhante systema embora pobre para o trabalho dos nossos pescadores, só com o fim de extenuarem essa mina e depois praticarem a devastação em ou rãs costas, os proprietarios dos vapores estrangeiros aproveitaram com as maximas vantagens a situação que se lhes offerecia. Assim, em 19U5 descarregaram toneladas de peixe, em Lisboa e Porto 3:790, no valor de 331 contos de réis; em 1906, nos mesmos portos, descarregaram 8:645, no valor de 657 contos e réis; em 1907, em Lisboa e Porto, 8:618 toneladas, no valor de 523 contos de réis. Total, 21:115 toneladas de peixe, no valor de 1.583:480$000 réis.

Era natural que os trabalhadores do mar reagissem quando os vapores estrangeiros emprehenderam a sua obra destruidora e aos seus protestos respondeu com propostas que se apresentaram nesse sentido no Parlamento, mas que nem sequer foram discutidas.

Iniciou-se então com ardor o movimento da classe piscatoria na organização da sua defesa, pacifica, mas bem ordenada e persistente, destacando-se então vultos de valor no nosso meio social e propagandista, que concorreram espontaneamente com o seu auxilio para pugnarem pela causa dos trabalhadores do mar. Pode assim dizer-se que foi notavel a Conferencia Nacional dos Trabalhadores Maritimos e Fluviaes, realizada em Vianna do Castello, em novembro de 1905.

A questão em evidencia foi proficuamente discutida, resultando d'essa conferencia, a que assistiram milhares de individuos, especialmente da classe piscatoria, decisões importantes e que mais tarde muito uteis se tornaram para se iniciar a agremiação d'esses trabalhadores honrados mas infelizes.

Em novembro de 1906 realizava-se em Cezimbra um importante comicio de protesto contra a pesca de arrasto, especialmente áquella praticada pelas redes rebocadas pelos vapores, sendo esse movimento iniciado pela camara da laboriosa villa, achando-se nelle representadas as classes maritima, operaria, industrial e commercial.

Dois dias depois, tornando-se notada a effervescencia entre a classe piscatoria e a que o movimento de Cezimbra dava realce, o distincto official da armada Sr. Pereira de Mattos, numa conferencia realizada na Liga Naval, expendia, depois de varias considerações, a seguinte opinião :

«O que adio razoavel é pedir se uma forte, contribuição para o peixe pescado por vapores, melhorando assim a situação da classe piscatoria de todo o país, que vive na peor das situações»,

Foi determinado nesse comicio, por iniciativa da digna Camara Municipal de Cezimbra, que as camaras municipaes dos concelhos do país que vivem da industria da pesca adherissem ou se fizessem representar numa reunião realizada em Lisboa. Fizeram-se representar nessa reunião trinta e um concelhos do país. Nas reuniões por essa occasião realizadas na sede da Liga Naval, resolveu-se pedir ao Chefe do Estado e ao Parlamento contra a pesca de arrasto, e tres mil pescadores, commissionados das varias regiões piscatorias, e em nome de mais de quarenta mil camaradas, acompanharam ao Parlamento a commissão portadora da representação.

Foi imponente essa manifestação em que milhares de trabalhadores se juntaram na defesa da causa commum, esperançados de que fossem attendidos na sua justa pretensão. Demais, nas reuniões que precederam a entrega da representação, oradores dos mais autorizados na discussão do assunto os apoiaram ferverosamente e, tendo tambem sido aproveitado nessa occasião o ensejo de consultar o Sr. Alberto Girard sobre a momentosa questão pendente, em uma carta respondeu o illustre naturalista que já em congressos internacionaes de pesca votara pelo alargamento das aguas territoriaes de cada país para effeitos da pesca.

As reclamações foram, diga-se a verdade, mais uma vez attendidas, mas as providencias decretadas nem serviram de palliativo para a calamidade que feria e ainda fere a numerosa classe piscatoria. No projecto apresentado faltava o 'imposto lançado sobre o peixe dos vapor s estrangeiros, ideia já apoiada por outros Ministros, como os Srs. Rodrigo Pequito e Moreira Junior, que nas suas propostas de lei sobre a questão da pesca, consignavam a necessidade de elevar esse imposto a 100 réis, decerto um dos meios mais efficazes para proteger os nossos pescadores, que são em grande numero num litoral onde o peixe não abunda, havendo mesmo em certas zonas periodos de verdadeira escassez.

São sem duvida importantes e de largo alcance as propostas ultimamente apresentadas ás Côrtes pelos Srs. Ministros da Fazenda e dos Estrangeiros. Mas infelizmente nellas vimos que foi esquecida a protecção ao pescador, embora mencionada no Discurso da Cora.

Assim, o imposto do bacalhau foi elevado a 40 réis o kilogramma, emquanto o peixe fresco importado continua a pagar simplesmente 10 réis de imposto.

Todas as nações tributam o peixe importado.

A França e a Espanha impõem pesado imposto ao peixe vindo do estrangeiro e estão adoptando importantes medidas que teem por fim salvaguardar os interesses dos pescadores, e a Allemanha tambem não deixa de proteger o mais efficazmente possivel os seus trabalhadores do mar; assim prohibiu a pesca aos estrangeiros nas suas aguas jurisdicionaes e declarou que a presença de um barco de pesca estrangeiro nas suas aguas, mesmo que não esteja pescando, é considerado como exercendo a pesca e sujeito a multas pesadas e maior castigo, havendo reincidencia.

A Convenção de 6 de maio de 1892, assinada na Haya entre a Allemanha, Belgica, Dinamarca, França e Inglaterra, estabelece: (artigo 2.°):

«Os pescadores nacionaes gozarão do direito exclusivo de pesca na zona maritima ao longo de toda a extensão das costas do seu respectivo país, bem como das ilhas e baixos d'ella dependentes».

A lei francesa estabelece a destruição de redes e apparelhos considerados nocivos. Finalmente todas as nações garantem ao pescador a mais efficaz protecção; o pescador português debalde se esforça para que essa protecção lhe seja concedida. O imposto sobre o peixe fresco estrangeiro é uma das medidas que de ha muito os pescadores desejam decretada. Opiniões autorizadas são a favor d'essa medida, como as dos dignos ex-Ministros Srs. Kaphael Gorjão, Moreira Junior e Rodrigo Pequito, que justificou a proposta de elevação a 100 réis do imposto sobre peixe estrangeiro, affirmando basear-se na grande necessidade de proteger a industria da pesca nacional come meio de defesa contra uma concorrencia que pode arruinar uma importante industria a que se dedica a nossa população maritima.

Este aumento de 100 réis sobre os direitos de peixe estrangeiro como defesa relativa contra essas machinas devastadoras, que por onde passam tudo destroem, com o fim de em pouco tempo avultarem capitães já de si avultados; a renovação do limite de pesca nas nossas aguas por esses vapores estrangeiros; a obrigação de os vapores de pesca nacionaes não pescarem nas nossas costas. É-lhes facultativa e facil a exploração nas aguas adjacentes ás aguas portuguesas, as costas africanas, abundantes em pescado e onde esses barcos podem manobrar sem que se possa allegar o defeito da sua pequena tonelagem.

É o que seria conveniente, visto a impossibilidade de acabar com essas empresas por terem capitães importantes nellas empregados, convindo ainda que no numero de vapores que possuem, esse numero lhes seja prohibido exceder.

Finalmente, que se criem escolas de habilitação profissional.

Eis em resumo o appello que os pescadores do Pais, classe de cincoenta mil individuos e quasi outras tantas familias, dirigem aos dignos Deputados da Nação Portuguesa, confiados no seu altruismo e na convicção que a sua razão será justa e a sua voz se levantará, pugnando pela causa d'esses milhares de trabalhadores sobre quem pesa a desgraça e a miseria que. os poderes publicos podem consideravelmente attenuar e já poderiam ter attenuado.

Lisboa, Secretaria da União, 7 de agosto de 1908. = O Conselho Central, José Maria de Oliveira Franco = Antonio de Oliveira Ourives — Joaquim Gomes Remelgado = Antonio Graciano Marques = Joaquim Thomaz José Ribeiro.

Illmo. e Exmos. Srs. Dignos Pares e Senhores Deputados da Nação Portuguesa. — Os abaixo assinados, interessados, como fabricantes e operarios, na industria rolheira, vêem mui respeitosamente perante V. Exas, como legitimos e dignos representantes do povo, fazer a seguinte representação:

É notorio que a fabricação de rolhas em Portugal tende a diminuir, porque, sendo exportadas em pranchas quasi todas as cortiças, deixa assim de laborar-ee dentro do Pais um dos seus principaes productos, com o grave inconveniente de lutar quasi constantemente com crise de trabalho uma das mais importantes e numerosas classes operarias.

O actual systema de contribuição industrial impede o natural desenvolvimento da laboracão das cortiças, pois que, sendo lançada pelo numero de operarios que se empregam, leva os industriaes a limitar o mais possivel o seu pessoal, preferindo a exportação de cortiças em prancha á fabricação de rolhas.

Ora isto é manifestamente contrario aos verdadeiros interesses do Pais, E um systema antiquado e contraproducente, visto sobretudo tratar-se de um producto nacional que, fabricado, se traduz num artigo de larga exportação.

Caso se tratasse da fabricação de materias primas de origem nacional ou estrangeira para consumo dos productos dentro do Pais, ainda se poderia defender o systema, porque, se a manufactura é sujeita a um imposto segundo o numero de braços empregados, a in-industria é compensada pela protecção que recebe da pauta aduaneira sobre os productos de origem estrangeira já fabricados. No

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18 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

caso presente, porem, não da justificação possivel.

Assim, pois, quem se limita a preparar cortiça para exportação em prancha, sem que na sua installação se façam quadros ou rolhas, paga o imposto, relativamente pequeno de 30$000 réis por cada caldeira de cozedura que empregue, emquanto quem, alem de preparar prancha, fabrique quadros e rolhas, ou se dedique por completo á industria rolheira, tem de pagar 20$000 réis de verba principal pelos primeiros cinco operarios, e d'esse numero para cima mais 2$000 réis por cada um dos restantes, alem dos respectivos addicionaes e impostos districtaes municipaes, que, em regra geral, se elevam a cerca de 80 por cento da verba principal! É por consequencia evidente o interesse em limitar o mais possivel o numero de operarios, laborando-se apenas as cortiças que, por sua natureza, se não podem exportar em prancha; pois que,, em igualdade de capitães empregados, é necessario para a fabricação de rolhas um numero de operarios pelo menos dez vezes maior que o preciso para a preparação da prancha, e são muitos os preparadores de cortiça em prancha que, a fim de evitarem incorrer no pagamento de tão injusta contribuição, vendem aos pequenos fabricantes as cortiças que não se apropriem para exportar, isto é, bocados meudos e cortiças euguiadas, vindo assim essa contribuição, já de si pesadissima para todos, a tornar-se ainda mais onerosa para estes, que empregam apenas, se tanto, uma meia duzia de braços!

É pois quasi exclusivamente á laboração d'estes residuos a que se acha reduzida a industria rolheira em Portugal — industria que tão florescente deveria estar — sendo laboradas no estrangeiro as cortiças que o Pais produz!

E como se para os operarios não bastasse o desanimar-se por tal forma a laboração, occasionando-lhes a falta de trabalho com que lutam quasi constantemente, são ainda collectados com uma contribuição que, em verba principal, é de 1$200 réis, e que com os addicionaes se eleva a 2$100 réis, a qual tem de lhes ser descontada das suas ferias pelos donos das officinas, visto serem estes os responsaveis pelo seu pagamento, nos termos dos artigos 240.° e 243.° do regulamento de 16 de junho de 1896, o que dá logar a innumeros conflictos e dissabores entre industriaes e operarios.

Em vista do exposto, veem os signatarios pedir que, para se poder minorar a crise actual e tentar-se dar novo incremento a esta tão importante industria portuguesa, V. Exas. se dignem tomar a iniciativa de propor, ou convidar o Governo de Sua Majestade a apresentar á vossa esclarecida apreciação, com audiencia das respectivas commissões parlamentares, os projectos de ler necessarios para que:

1.° Seja a industria rolheira isenta da contribuição industrial durante um periodo de 5 annos;

2.° Seja abolida a contribuição que pesa sobre os operarios d'esta industria.

Lisboa, 31 de julho de 1908.

(Seguem-se as assinaturas).

Documentos a que se refere o discurso do Digno Pai Sr. Sebastião Baracho

DOCUMENTO N.° 1

Ministerio da Fazenda.— Direcção Geral Thesouraria.— Repartição Central.— Illmo. e Exmo. Sr.— Em additamento aos officios de esta administração, com data de 23 de dezembro de 1879, 5 de janeiro, 27 de abril, 7 e 11 de maio de 1880 e 25 de maio de 1881, relativos a diversos creditos a que a Casa Real se julga com direito a haver do Thesouro, venho ainda, em cumprimento das ordens de Sua Majestade El-Rei, chamar a attenção de V. Exa. para este importante assunto, e bem assim apresentar a V. Exa. uma relação, de outros creditos não considerados nos mencionados officios, para que V. Exa. tornando completo conhecimento de todas as reclamações d'esta ordem, assim como de todos os debitos da Casa Real ao Estado, mande procedera uma liquidação geral e apuro definitivo d'essas contas, trabalho que foi iniciado pelo Ministerio da Fazenda, e a que especialmente se refere a portaria de 28 de novembro de 1879.

Começarei esta exposição recapitulando, e rectificando as reclamações que dizem respeito aos officios acima citados, considerando em um primeiro grupo todos os credites a que os mesmos officios se referem.

Em seguida descreverei um segundo grupo de creditos, comprehendendo todos aquelles que são pela primeira vez reclamados.

E por ultimo formularei o projecto da conta corrente com os creditos e débitos da Casa Real ao Thesouro, que submetto á apreciação de V. Exa., e poderá servir de base de discussão ao apuro e liquidação final das contas entre o Estado e Administração da Fazenda da Casa Real.

1.° Grupo

Antigas reclamações

l.ª — O decreto de 19 de dezembro de 1834, publicado no Diario do Governo n.° 151, de 23 do mesmo mês, diz no artigo 1.° que Sua Majestade Fidelissima A Senhora D. Maria II terá a dotação de um conto de réis diarios e mais se porá á sua livre disposição a quantia de cem contos de réis, por uma só voz, para o seu enxoval e ornamentos da sua casa e palacios 5 e no artigo 3.° — que a sobredita dotação em nada affecta a fruição dos palacios e quintas reaes. É tão clara e positiva a letra d'esse decreto, que não posso deixar de insistir perante o Governo, para que elle se cumpra por completo, e para que o cofre d'esta administração seja embolsado das sommas que recebeu a menos no anno de 1834. — Havendo a mesma Augusta Senhora prestado juramento em 20 de setembro de 1834, e fixando o referido decreto de 19 de dezembro do mesmo anno em um conto de réis, diarios, a sua dotação, é evidente que Sua Majestade a Rainha a Senhora D. Maria II tinha direito áquella prestação a contar do dia em que se passou a solernnidade do juramento. Assim temos que devendo a mesma Augusta Senhora ter recebido desde 20 de setembro de 1834, dia em que prestou juramento, a 31 de dezembro do referido anno, nos termos do decreto de 19 d'este mesmo mês e anno a importancia de............................................... 103:000$000

Apenas lhe foram entregues pelo Thesouro naquelle periodo.......................................................... 50:500$000
52:500$000

Pretende contestar-se esta verba allegando que o decreto de 19 de agosto de 1833 preceitua que só depois de decorridos 8 dias a contar da publicação de qualquer lei é que esta se considera em vigor. Mas este decreto em nada podia alterar a lei de 19 de dezembro de 1834, que estabelece a dotação de um conto de réis. diario, e apenas se pode inferir, para haver harmonia com a mesma lei, que o pagamento d'esse conto de réis diario só se poderia realizar e escriturar passados oito dias depois de 19 de dezembro de 1834.

A não ser assim, um decreto regulador do expediente, viria revogar uma lei no seu texto expresso e claro, e ainda alteraria o sentido bem preceptivo do artigo 80.° da Carta Constitucional, que determina que as Côrtes Geraes logo que o Rei succeder no Reino, lhe assinarão, e á Rainha sua esposa, uma dotação correspondente ao decoro da sua alta dignidade.

A lei de 19 de dezembro de 1834, começando a pôr-se em execução na data do juramento de Sua Majestade a Rainha em 24 de setembro do mesmo anno, não tem effeito retroactivo visto que a lei geral do Pais, no seu artigo 80.°, já fixa, sem restricção, o pagamento integral da dotação que as Côrtes votarem, e é por isso mesmo que na citada lei não vem fixado o dia em que deverá começar o pagamento da dotação, pois já se acha estabelecido que esse dia é aquelle em que o Rei succeder no Throno ou mais precisamente, o dia em que tome posse definitiva, prestando juramento legal.

Por officio d'esta administração de 23 de dezembro de 1879 apresentou o meu antecessor, o Conselheiro Antonio José Duarte Nazareth, devidamente fundamentada, uma outra reclamação referente ao anno de 1835, em que pedia igualmente o pagamento de diversas verbas que agora faço minhas; as verbas são:

Balanço da conta do Thesouro Publico, assinado por C. Morato Roma................................................ 25:981$517

Verbas contestadas pela Casa Real, conforme o referido officio de 19 de dezembro de 1879, a saber: 1835:

Janeiro, 10 — Despesas com fardamento dos 118 homens que compõem a Guarda Real dos Archeiros....... 4:000$000

Dividas atrasadas : Ditas com a compra de galões e mais objectos para o fardamento da referida guarda................................ 3:027$010
7:027$010

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Abril 11 —Despesas feitas com Mendizabal com a viagem de Sua Alteza o Principe D. Augusto................................. 12:748637

Setembro, 25 – Ditas pelo dito....................... 21:539$462

» » —Ditas pelo dito com o regresso de Lisboa para Ostende, com o Conde de Mejan.......................... 1:208$542 35:496$641

Maio 7 — Ditas pela repartição das reaes cavallariças com a prontificação dos estados para o consorcio de Sua Majestade Fidelissima......... 5:451$927
126:457$095

Em dividas dat. Ditas na Sé Patriarchal com o referido consorcio.....2.398$380
128:855$475

Permitta-me agora V. Exa. que, sobre as verbas acima indicadas, faça algumas considerações, que julgo por mim assaz attendiveis, para que V. Exa. se digne depois resolver como melhor entender de justiça.

A verba na importancia de 25:981*517 réis, que representa, como V. Exa. poderá verificar, um saldo contra o Thesouro, proveniente de uma liquidação segundo a conta do Thesouro Publico de 23 de março de 1836, firmada por C. Morato Roma, não poderá ser por certo contestada por pessoa alguma e sem duvida V. Exa. se prestará a apprová-la, visto ser um documento official emanado do mesmo Thesouro Publico.

A verba de 7:027$010 réis, que diz respeito a fardamento e outros objectos destinados á Guarda Real dos Archeiros, foi uma despesa ordinaria com aquella guarda, que sempre se considerou força publica, e estando esta corporação a cargo do cofre do Ministerio do Reino, certamente lhe pertencerá tambem todo e qualquer encargo inherente.

A verba de 35:496$641 réis representa precisamente despesas com a viagem de Sua Alteza o Principe D. Augusto, despesas que são nacionaes, e que, por este facto nunca deveriam pesar sobre o cofre da Casa Real. Parece-me, portanto, que, compenetrando-se V. Exa. do que deixo exposto, não duvidará reconhecer a justiça d'esta minha reclamação.

A verba de 5:451*927 réis; que provem da prontificacão dos estados para o- consorcio de Sua Majestade a Rainha D. Maria II, não está comprehendida nas disposições do decreto de 19 de dezembro de 18,33, porquanto a mesma lei estabeleceu 100:000$000 réis, por uma só vez, para o seu enxoval e ornamento da casa e palacios, e a verba reclamada de 5:451$927 réis é uma despesa extraordinaria com renovação e conservação dos coches do Estado para servirem nas festas nacionaes, não constituindo, d'este modo, despesa particular ou especial da mesma Augusta Senhora. Não me parece portanto que possa haver motivo algum de duvida para se negar a approvação immediata d'esta verba.

A verba de 2:398*380 réis é uma despesa tambem nacional feita com o consorcio de Sua Majestade a Rainha a Senhora D. Maria II, na Sé Patriarchal e que, por modo algum, deveria ter sido satisfeita pelo cofre da Casa Real: creio pois que V. Exa. se dignará attender á justa reclamação d'esta despesa.

Todas estas reclamações dão um total de réis............... 128:855$475

mas ha a deduzir o seguinte:

A importancia do saldo da dotação ordinaria da mesma Augusta Senhora, no anno de 1835, que em 1841 foi capitalizada juntamente com outras quantias, e que foi incluida na mencionada conta de 23 de dezembro ultimo (1879), acompanhando o respectivo officio d'esta data................................5:000$000

A importancia que se recebeu do Thesouro Publico em 25 de janeiro de 1836 por conta da dotação extraordinaria de Sua Majestade a Rainha............................................................ 5:000$000

A deduzir..................................... 10:000$000

118:855$475

Para não alterar a ordem das reclamações encetadas pelo meu antecessor o Conselheiro Nazareth, venho agora addicionar as constantes do seu officio de 27 de abril de 1880. — Versam ellas sobre os assuntos seguintes:

3.ª — Despesas feitas por esta administração, desde 1834 até 1877, com decorações na sala da Camara dos Senhores Deputados por occasião das respectivas sessões de abertura e encerramento, e outras, no valor de........ 3:468$500

4.ª — Despesas feitas com a acclamação de Sua Majestade El-Rei o Senhor D. Pedro V, no valor de.................. 8:484$180

Tanto uma como outra verba são provenientes de festas nacionaes e não especiaes d'esta administração, e por este facto renovo o pedido de approvação de ambas, por não deverem sobrecarregar o cofre da Casa Real.

5.° — Depois do mencionado officio de 27 de abril de 1880, seguiu-se o de 7 de maio do mesmo anno, acompanhando a relação das insignias das ordens portuguesas distribuidas por Sua Majestade El-Rei desde 1862 a 1879, no valor de....... 6:409$750
137:217$905

Escusado será demonstrar que esta despesa tem a sua origem, ou em conveniencias politicas, ou na retribuição da serviços prestados ao nosso Pais pelos agraciados, e por este facto tambem não deve pertencer á Casa Real o encargo que resultou d’ellas.

Peço portanto a V. Exa. que, avaliando devidamente este assunto, se digne reconhecer quão justo será o reembolso d'esta somma, pela administração a meu cargo.

6.ª — Ha ainda uma outra reclamação feita em 11 de maio de 1880, e que consta do respectivo officio que então expediu esta Repartição ao Exmo. Sr. Visconde Ferreira Lima, como presidente da commissão de liquidação de contas entre o Thesouro Publico e a Casa Real, e que provem de despesas com os funeraes de diversos Principes, sendo:

Em 9 de maio de 1849 — o de Sua Alteza Serenissima Senhor Infante D. Leopoldo.................................. 3:675*025

Em 5 de fevereiro de 1851 — o de Sua Alteza Serenissima a Senhora Infanta D. Maria............................. 3:330$070

Em 12 de maio de 1853 — o de Sua Alteza Imperial a Princesa D. Maria Amélia................................. 632$100

Em 29 de janeiro de 1873 — o de Sua Majestade Imperial a Duquesa de Bragança.................................. 735$600

Em 26 de abril de 1876 — o de Sua Alteza a Serenissima Infanta D. Isabel Maria................................ 403$490
8:776$285

O total das antigas reclamações em divida, rectificadas, que esta administração fez ao Governo por seus officios de 23 de dezembro de 1879 — 5 de janeiro, 27 de abril e 7 e 11 de maio de 1880, é pois de réis................................ 145:994$190

2.º Grupo

Modernas reclamações

l.ª - Em 9 de novembro de 1830 Sua Majestade a Rainha a Senhora D. Maria II, de saudosa memoria, cedeu o Palacio da Bemposta e suas dependencias ao Estado, para ali se estabelecer a Escola do Exercito, sendo posteriormente modificadas as disposições do decreto d'aq1iella data com a publicação de um outro decreto de 3 de julho de 1853, pelo qual se destinou uma parte d'aquella real propriedade para nella se installar o Instituto Agricola. Em ambos os decretos se preceitua claramente que essas cedencias são feitas sem que, por forma alguma, se possa considerar o dito palacio e suas dependencias como separado do dominio da Coroa e encorporado nos Proprios Nacionaes, pois que é um d'aquelles predios que, em virtude do artigo 2.° do decreto de 20 de março de 1834, fora equiparado áquelles de que trata o artigo 80.° da Carta Constitucional e que ficaram reservados para o uso e fruto da Rainha e de seus herdeiros ou successores.

Pelos decretos acima mencionados vê-se que a cedencia de Sua Majestade a Rainha a Senhora D. Maria II foi feita sem designação expressa de qualquar encargo para o Estado, e portanto até a epoca do seu fallecimento, em 16 de novembro de 1853, deve considerar-se

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20 ANNAES DA CAMAEA DOS DIGNOS PARES DO REINO

que nada é devido á Casa Real pelo usufruto pelo Estado d'aquella propriedade, desde a epoca da concessão até á data referida. — A contar do primeiro semestre de 1854 em deante o Estado continuou porem a usufruir o Palacio da Bemposta e suas dependencias, sem que a concessão fosse renovada por qualquer dos successores de Sua Majestade a Rainha a Senhora D. Maria II, sendo tambem incontestavel que o decreto da mesma Augusta Senhora não podia, por forma alguma, considerar-se em vigor, senão durante o tempo da sua vida.

Por que me refiro no principio d'esta exposição, sejam levadas a credito da Fazenda da Casa Real as rendas atrasadas e não pagas, relativas ao periodo que decorreu desde o primara semestre de 1834, ou

sejam oitenta e um semestres, a réis................ 5:323$000 431:163$000

2.ª Em 14 de dezembro de 1885 foram cedidas temporariamente por Sua Majestade El-Rei o Senhor D. Luiz I, de saudosa memoria, todas as construcções denominadas — reaes cavallariças, que são hoje usufruidas pelos Ministerios da Guerra e da Fazenda, e, nos mesmos termos que a anterior, esta cedencia teve de se considerar gratuita até a data do fallecimento do mesmo Augusto Senhor.

Tendo o Estado, ultimamente, resolvido satisfazer á Casa Real, a contar do segundo semestre de 1894, a renda semestral de 3:113^250 réis pelo usufruto d'aquella real propriedade, venho pois reclamar as rendas atrasadao, a contar de outubro de 1889 até junho de 1894, ou

sejam nove semestres, a réis........................ 3:113$250 28:019$250

3.ª — Em 1856, Sua Majestade El-Rei o Senhor D. Pedro V, e mais tarde, em 8 de fevereiro de 1877, Sua Majestade El-Rei o Senhor D. Luizl, de saudosa memoria, cederam temporariamente ao Estado as antigos cavallariças do Real Palacio de Belem, na Calçada da Ajuda, aonde se encontra hoje aquartelado o regimento de cavallaria n.° 4, bem como os pateos da Nora e das Zebras. — Esta cedencia, como a anterior, deve considerar-se gratuita até outubro de 1889, epoca do fallecimento de El-Rei o Senhor D. Luiz I; mas tendo havido resolução do Governo para que seja indemnizada a Fazenda da Casa Real, a partir do segundo semestre de 1894, das rendas correspondentes a esta real propriedade, venho solicitar que sejam tambem abonadas as atrasadas, relativas aos nove semestres desde o primeiro de 1890 até ao segundo de 1894 sejam nove semestres, a réis 1:793,$000................................................... 16:137$000

4.ª — Em agosto de 1877 foi cedida temporariamente para usufruto do Ministerio da Guerra, uma parte do Palacio de Mafra, e pela mesma razão exposta nas reclamações anteriores, venho solicitar que sejam abonadas á Fazenda da Casa Real as rendas atrasadas dos nove semestres vencidos, a contar, da epoca do fallecimento de Sua Majestade El-Rei o Sr. D. Luiz I — sejam nove semestres, a réis 3:385$825........................................... 30:472$425

5.ª — Em relação ao campo chamado das Salesias, e pelos motivos já allegados, venho reclamar o embolso dos nove semestres das rendas vencidas desde a epoca do fallecimento de Sua Majestade El-Rei o Senhor D. Luiz I até o primeiro de 1894 inclusive, ou sejam nove semestres, a réis 211$925.................. 1:907$323

Total em réis...................................508:698$998

Recapitulando, temos:

Antigas reclamações............................................. 145:994$190

Modernas reclamações............................................ 508:698$1998

Total em réis................................... 654:693$188

São estes os elementos de que lancei mão para formular, na c/c que acompanha este meu officio, a parte relativa aos creditos da Fazenda da Casa Real sobre o Thesouro Publico, inscrevendo nessa conta os débitos pelo que consta das notas existentes na Secretaria d'esta Administração.

Como resulta do exame da mencionada c/c, verifica-se haver um saldo a favor da Fazenda da Casa Real de 428:645^743 réis, cumprindo-me significar a V. Exa., por ordem de Sua Majestade, El-Rei o Senhor D. Carlos I, que, para o reembolso d'esta quantia, ou devo acceitar por parte d'esta administração as condições que o Governo considerar como menos onerosas para o Thesouro, podendo, se assim for mais conveniente, effectuar-se o pagamento no todo, ou na maxima importancia, por meio de uma prestação mensal e por encontro na deducção de 20 por cento a que a dotação de Sua Majestade El-Rei está sujeita.

Deus Guarde a V. Exa. — Administração da Fazenda da Casa Real, em 29 de outubro de 1894. — Illmo. e Exmo. Sr. Conselheiro Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro, Presidente do Conselho de Ministros e Ministro e Secretario de Estado dos Negocios da Fazenda. — Pedro Victor da Costa Sequeira.

Está conforme. — Repartição Central da Direcção Geral da Thesouraria, 23 de julho de 1908. = Antonio Lopes Biscaia.

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SESSÃO N.° 37 DE 8 DE AGOSTO DE 1908 21

DOCUMENTO N.° 2

Ministerio da Fazenda — Direcção Geral da Thesouraria — Repartição Central

Extracto das sommas que a Administração da Casa Real pretende lhe sejam abonadas por encontro nos direitos1 de objectos despachados nas alfandegas para serviço da mesma Real Casa

Officios Reclamações Importancia
Numero Data

[ver valores da tabela na imagem]

N.º 1
1 23-12-1879 Dotação ordinaria de Sua Majestade Fidelissima a Senhora D. Maria II, respectiva ao periodo decorrido de 19 a 31 de dezembro de 1834, em que lhe foi fixada por lei a prestação de 1:000$000 réis por dia, e que só lhe foi paga em 1 de janeiro de 1835 em deante.............................. 12:000$000

N.º 2

2 25- 1-1880 Dotação, tambem ordinaria, da mesma Augusta Senhora, que não só deveria ser lhe abonada da data da lei que a fixou, mas desde 20 de setembro de 1834 em que prestou juramento, por ser expresso na Carta Constitucional que as Côrtes Geraes assinarão a dotação do Rei e da Rainha sua esposa logo que succedeu no reino, 91:000$000 réis, importancia que o Thesouro somente pagou réis 50:600000............................................. 40:500$000

N.º 3

1 23-12-1879 Saldo da dotação extraordinaria de 100:000$000 réis, fixada por carta de lei de 19 de dezembro de 1834 para despesas do enxoval e ornamento da casa de Sua Majestade a Rainha, não paga pelo Estado, segundo a conta do Thesouro assinada por Carlos Morato Roma, e que nem depois o fôra.. 25:981$517

N.° 4

1 23-12-1879 Importancia de fardamentos, galões e outros objectos para a Guarda Real dos Archeiros, comprehendida na, conta do Thesouro, relativa á dotação extraordinaria, quando ao Estado compete tanto o abono d'estas despesas, como o dos vencimentes do pessoal d'esta guarda...................... 7:027$010

N.º 5

1 23-12-1879 Despesas com a viagem do Principe D. Augusto e regresso para Ostende do Conde de Mejan, levadas pelo Thesouro á conta da dotação que foi conferida para o enxoval e ornamento da Casa de Sua Majestade, e não para despesas de consorcios reaes e de cerimonias publicas, que só pelo Estado foram em todos os tempos satisfeitas............................. 35:496$641

N.° 6

1 23-12-1879 Despesas pelas, repartições das reaes cavallariças com a prontificação do Estado para o consorcio de Sua Majestade a Rainha, cujo abono compete ao Estado e não á Casa Real, pelas razões acima expendidas................................................. 5:451$927

N.° 7

1 23-12-1879 Despesas na Sé Patriarchal por motivo do consorcio de Sua Majestade a Rainha, igualmente não abonaveis, como as antecedentes, pela Casa Real e sim pelo Estado............................ 2:398$380

N.° 8

1 27- 4-1880 Despesas feitas pela Administração da Casa Real desde 1834 até 1877 com a decoração da sala da Camara dos Senhores Deputados para as sessões reaes de abertura e encerramento, as quaes como actos puramente nacionaes, competem ao Estado e não á Casa Real............................ 3:468$500

N.º 9

3 27- 4-1880 Despesas com a acclamação de Sua Majestade El-Rei o Senhor D. Pedro V. Tambem como acima.

N.º 10

4 7-5-1880 Importancia despendida pela Casa Real, desde 1862 até 1869, com a compra de differentes insignias de ordens portuguesas entregues a estrangeiros, e que a Casa Real considera um adeantamento, e por isso que á concessão de taes mercês prendem sempre razões politicas de mais ou menos elevada significação e a remuneração de serviços prestados ao Pais.................... 6:409$750

N.º 11

Despesas feitas pela Casa Real com os seguintes funeraes, por isso que outras da mesma proveniencia teem sido pagas pelo Thesouro :

Funeral do Senhor Infante D. Leopoldo............................... 3:675$025

Funeral da Senhora Infanta D. Maria................................. 3:330$070

Funeral da Princesa D. Amelia......................................... 632$100

Funeral de Sua Majestade Imperial a Duquesa de Bragança............... 735$600

Funeral da Senhora Infanta D. Isabel Maria.................. 403$490 8:776$285

Total........................................... 155:944$190

N.º 12

2 5-1-1880 Deducção de uma importancia que a Administração da Casa Real declara ter recebido, em 25 de janeiro de 1836, por conta dos 100:0001000 réis de dotação extraordinaria de Sua Majestade a Rainha.......5:000$000

Total das reclamações............................ 150:994$190

Está conforme. — Repartição Central da Thesouraria, 22 de julho de 1908.

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22 ANNAES DA CAMAEA DOS DIGNOS PARES DO REINO

DOCUMENTO N.° 3

Ministerio da Fazenda — Direcção Geral e EThesouraria — Repartição Central. — Illmo. da X.mo Sr.— A commissão criada em 22 de dezembro de 1879 e reconstituida por decreto de 28 de junho de 1894 para o apuramento das contas entre a Casa Real e o Thesouro, tendo examinado as reclamações apresentadas pela Administração da Fazenda da mesma Casa no seu officio de 29 de outubro ultimo, e o estado dos trabalhos a que allude a nota feita pelo seu secretario em 15 de fevereiro de 1893, tem a honra de submetter o seu parecer á apreciação do Governo de Sua Majestade, seguindo a ordem d'aquellas reclamações:

1.ª e 2.ª — Dotação ordinaria de Sua Majestade Fidelissima a Senhora D. Maria II, respectiva ao periodo decorrido de 20 de setembro a 31 de dezembro de 1834, visto que a prestação de 1:000$000 réis, por dia, fixada na lei, só lhe foi paga de 1 de janeiro de 1835 em deante.

Julga a commissão bem fundado o direito da Casa Real ao saldo da dotação dever coutar-se da dita do juramento do imperante, nos termos da lei fundamental do país, e não se pode allegar a prescrição a favor da Fazenda, porque pelos registos da correspondencia entrada nas repartições publicas, prova-se ter sido interrompida em tempo competente.

3.ª —Saldo da dotação extraordinaria de 100:000$000 réis fixada pela carta de lei de 19 de dezembro de 1834, para despesas do enxoval e ornamento da Casa de Sua Majestade não paga pelo Estado, segundo a conta do Thesouro assinada por Carlos Morato Roma. Examinada a conta de que se trata e a escrituração do Thesouro, reconhece a commissão que, por achar-se tambem interrompida a prescrição, deve ser attendida a verba reclamada com a deducção de 5:000$000 réis, que foi bem paga em couta da mencionada dotação.

4.ª — A importancia de fardamentos, galões, e outros objectos para a guarda Real dos Archeiros, comprehendida no pagamento em conta da dotação extraordinaria, quando ao Estado compete tanto o abono d'essas despesas como o dos vencimentos do pessoal d'esta guarda. Embora seja considerada força publica a guarda de que se trata, o Governo só é obrigado á sua manutenção nos termos da lei annual do orçamento, entendendo por isso a commissão ter sido bem escriturada em conta da dotação extraordinaria feita por ordem da Administração da Fazenda da Casa Real com a mudança de fardamento da mesma guarda em 1834.

5.ª —Despesas com a viagem do Principe D. Augusto e regresso para Ostende do Conde de Mejan, levadas pelo Thesouro á conta da citada dotação extraordinaria.

Foi approvada esta verba, por ter sido o Governo Português quem mandou buscar o real noivo e fez reconduzir o Conde de Mejan, como lhe competia, não podendo as despesas d'estas viagens ser levadas á conta de uma dotação com applicação especial.

6.ª — Despesas pela Repartição das reaes cavallariças com a prontificação do Estado, para o consorcio de Sua Majeste de a Rainha D. Maria II.

Tratando-se de uma despesa realizada para ornamento da Casa de Sua Majestade e maior esplendor do seu consorcio, que devia sair das sommas fornecidas em conta, da cotação extraordinaria, entende a commissão que não pode ser approvada a respectiva verba.

7.ª — Despesa na Sé Patriarchal com o consorcio de Sua Majestade a Rainha Senhora. D. Maria II.

8.ª — Despesas feitas desde 1S34 até 1877 com a decoração da sala para as sessões reaes de abertura e encerramento da Camara dos Senhores Deputados.

9.ª — Despesa com a acclamação de Sua Majestade El-Rei o Senhor D. Pedro V.

Sendo consideradas festas nacionaes as cerimonias a que se referem as tres precedentes reclamações a commissão, salvo autorização especial para a parte das respectivas despesas saida em prescrição, approva integralmente as verba? respectivas, as que teem os n.ºs 7 e 8, e a de n.° £ pela quantia de 3:712$600 réis. visto que o saldo de 4:771$780 réis se refere a despesas com o fardamento do pessoal ao serviço da Casa Real e que por ella devem ser pagas.

10.ª — Importancia despendida pela Casa Real desde 1862 até 1869 com i, compra de differentes insignias de ordens portuguesas entregues a estrangeiros, que a Casa Real considera um adeantamento, por isso que á concessão de taes mercês precederam sempre razões politicas de mais ou menos elevada significação.

Não tendo sido autorizada a Casa Real a offerecer as insignias de que se trata, deve esta offerta reputar-se acto de munificencia regia, não podendo por isso ser abonada pelo Estado a respectiva despesa.

11.ª — Despesa feita peia Casa Real com os funeraes de varios membros da Familia Real.

A commissão entende que deve ser abonada pela quantia apurada de 1:771$190 réis conforme a pratica seguida, que representa um testemunho de deferencia da cação para com o Estado.

12.ª — Renda do Palacio da Bemposta, cedido pela Senhora D. Maria II para serviço do Estado, nos termos dos decretos de 9 de dezembro de 1850 e 8 de julho de 1853.

13.ª — Renda das reais cavallariças de Belem, cedidas temporariamente por Sua Majestade El Rei o Senhor D. Luiz f, para serviço do Estado em 14 de dezembro de 1885.

14.ª — Rendadas antigas cavallariças do Real Palacio de Belem, na Calcada da Ajuda, cedidas temporariamente para serviço do Estado por Sua Majestade El-Rei o Senhor D. Pedro V e pelo seu successor o Senhor D. Luiz I.

15.ª — Renda de uma parte do Palacio de Mafra, cedida em agosto de 1877 para serviço do Ministerio da Guerra.

16.ª — Renda do Campo das Salesias, cedido para serviço do Estado por Sua Majestade El-Rei o Senhor D. Luiz I.

As importancias das rendas a que se referem as 5 verbas precedentes está bem fixada, vistas as formalidades das respectivas avaliações, entendendo a commissão que é incontestavel o direito de Sua Majestade El Rei o Senhor D. Carlos ás que respeitam ao periodo do seu reinado

Considerando alem d'isso: Que da não intervenção dos Monarchas successores da Senhora D. Maria II, não pode inferir-se que devessem acceitar a cedencia feita pela mesma Augusta Senhora, porquanto as propriedades de que se trata, passaram para elles sem encargos como passaram os antigos morgados para os immediatos successores, sem embargo de quaesquer transacções feitas sobre esses morgados;

Que tratando o Thesouro de liquidar creditos seus anteriores a 1856, não deve, em boa justiça, oppor-se á liquidação dos que são apresentados pela Casa Real:

Parece á commissão que fica sufficientemente justificado o direito ás verbas reclamadas, sem que se possa allegar a prescrição a favor da Fazenda, e concluindo julga que deve submetter-se á apreciação do Parlamento, a proposta de lei necessaria para se satisfazer á Casa Real o saldo que se apurar das contas entre a mesma casa e o Thesouro, as quaes a commissão apresentará rectificadas, nos termos do seu parecer, se assim lhe for ordenado.

Lisboa, Ministerio dos Negocios da Fazenda, aos 21 de fevereiro de 1895.= (aa) Antonio Emilio Correia de Sá Brandão = Antonio M. P, Carrilho = L. A. Perestrello de Vasconcellos.

Para ser submettido á resolução do Parlamento, organizando a commissão as contas nos termos d'este relatorio, e enviando copia á Administração da Fazenda da Casa Real. Paço, 27 de fevereiro de 1895. = (a) Hintze.

Illmo. e Exmo. Sr. — Referindo-me ao officio de V. Exa. ° de 28 de outubro ultimo, a respeito dos creditos da Casa Real sobre o Thesouro, tenho a honra, de remetter-lhe a adjunta copia do relatorio da commissão encarregada de dar o seu parecer sobre o assunto, cumprindo-me acrescentar que, na conformidade do despacho eu e está transcrito do mesmo documento, vae ser organizada e tambem remettida a V. Exa. B, por copia, a conta das operações de que se trata.

Deus guarde a V. Exa. —Direcção Geral da Thesouraria, 28 de fevereiro de 1895. — Illmo. e Exmo. Sr. Conselheiro Administrador da Fazenda da Casa Real.— O Director Geral da Thesouraria, (a) L. A. Perestrello de Vasconcellos.

Está conforme. — Repartição Central da Direcção Geral da Thesouraria, 22 de julho de 1908.

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SESSÃO N.° 37 DE 8 DE AGOSTO DE 1908 23

DOCUMENTO n.° 4

Conta corrente entre o Thesouro e a Administração da Fazenda da Casa Real, processada em face dos abonos feitos á mesma administração e das suas reclamações depois de publicada a portaria de 22 de dezembro de 1879, tendo em attenção 05 Direitos devidos ás Alfandegas de Lisboa e Porto

Deve Haver

Gerencias Operações Importancias Gerencias Operações Importancias

[ver valores da tabela na imagem]

Primeira Repartição da Direcção Geral da Thesouraria, 18 de julho de 1908. = Pelo Chefe, J. Lopes.

DOCUMENTO N ° 5

Ministerio da Fazenda — Direcção Geral da Thesouraria — Reparticão Central. — Illmo. e Exmo. Sr. —Devendo ser liquidada no presente mês, com o recebimento da quantia de 3:980$38l réis, a conta devedora do Thesouro Publico com esta administração, consequencia do relatorio que a commissão nomeada em 22 de dezembro de 1879 e reconstituida por decreto de 28 de junho de 1894, formulou em 25 de fevereiro de 1895, expedido pelo Ministerio, ao mui digno cargo de V. Exa., e havendo ainda a regularizar outras verbas não incluidas então, e especialmente referentes a rendas de predios no usufruto da Coroa, que julgo, por isso em identicas circunstancias, tenho a honra de vir solicitar de V. Exa. se digne continuar a autorizar a entrega mensal de 4:500$000 réis por conta de liquidações futuras e ao abrigo da disposição da alinea a), § unico, do artigo 19.° da lei de 12 de junho de 1901, podendo, para este primeiro mês, a importancia a receber por esta administração ser apenas pela quantia de 519$619 réis.

Deus guarde a V. Exa. — Administração da Fazenda da Casa Real, em 16 de janeiro de 1902. — Illmo. e Exmo. Sr. Conselheiro Fernando Mattozo Santos, Ministro e Secretario de Estado dos Negocios da Fazenda. = (a) Pedro Victor da C. Sequeira.

Conformando-se V. Exa. com a presente requisição, tem de ser desdobrado o recibo já pago, por lapso no Banco, em 16 do corrente, e requisitando a contabilidade a expedição das ordens necessarias para continuar a occorrer aos pagamentos de que se trata. — Thesouraria, 21 de janeiro de 1902. = O Director Geral da Thesouraria, (a) L. A. Perestrello.

Autorizo, indicando as rendas. — Paço, 27 de janeiro de 1902. = (a) F. Mattozo Santos.

Illmo. e Exmo. Sr. — Sua Exa. o Ministro da Fazenda concede-me a honra de accusar a recepção do officio de V. Exa., de 16 de janeiro findo, declarando que concorda na continuação do abono da quantia de 4:500$000 réis mensaes a essa administração, com fundamento no artigo 19.° da lei de 12 de junho de 1901, mas carece saber quaes as rendas dos predios que estão em identicas condições ás dos que constituiam a conta cujo encerramento se verificou com a entrega da quantia de 3:980ji3Sl réis, passando á conta nova o saldo de 519|til9 réis, a fim de poder enviar a competente nota á contabilidade central, para ahi serem passadas as ordens que tem de autorizar a continuação do abono.

Deus guarde a V. Exa. — Direcção Geral da Thesouraria, 30 de fevereiro de 1902.— Illmo. e Exmo. Sr. Conselheiro Administrador da Fazenda da Casa Real. = O Director Geral da Thesouraria, (a) L. A. Perestrello de Vasconcellos.

Está conforme. — Repartição Central da Direcção Geral da Thesouraria, 22 de julho de 1908.

DOCUMENTO N.° 6

Ministerio da Fazenda — Direcção Geral da Thesouraria — Repartição Central. — Illmo. e Exmo. Sr. — Em resposta ao officio de V. Exa., de 3 do corrente, devo informar que as rendas dos predios a que me referia no meu officio de 16 de janeiro proximo passado, são ainda as que dizem respeito ás rendas atrasadas do Palacio da Bemposta, cavallariças de Belem, cavallariças do Palacio de Belem, Palacio de Mafra, Campo das Salesias, que, quando apuradas na sua totalidade, ainda deixam uma margem para liquidação não inferior a 268:000$000 réis.

Se porventura se offerecer qualquer duvida sobre esta nova transacção, solicitará então para que a verba de 142:000$000 réis, incluida na conta corrente do Ministerio da Fazenda, como credito do Thesouro sobre a Casa Real, conta corrente que foi saldada no mês de janeiro passado com o pagamento de 3:980.^381 réis, fique ainda em aberto, para opportunamente ser satisfeita aquella quantia pelo cofre d'esta administração, podendo por isso continuar a perceber a prestação mensal de 4:500$000 réis até que a divida da Casa Real attinja a mesma importancia em que se encontrava quando foi aberta a referida conta corrente.

Deus guarde a V. Exa. — Administração da Fazenda da Casa Real, em 6 de fevereiro de 1902. — Illmo. e Exmo. Sr. Ministro e Secretario de Estado dos Negocios da Fazenda. = Pedro Victor da Costa Sequeira.

Apura-se da correspondencia que a operação se traduz em aumento na importancia das rendas dos predios da Casa Real occupados para serviço do Estado. Parece pois que nesse sentido tem de ser requisitada ordem á contabilidade, com fundamento na lei de 12 de junho de 1902.

Thesouraria, 11 de fevereiro de 1902. = O Director Geral da Thesouraria, (a) L. A. Pereslrello.

Conformo-me. — Paço, 17 de fevereiro de 1902. = (a) Fernando Mattozo Santos.

Está conforme. — Repartição Central da Direcção Geral da Thesouraria, 23 de julho de 1908.

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24 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

DOCUMENTO N.° 7

Ministerio da Fazenda — Direcção Geral da Thesouraria — l.ª Repartição

Nota dos creditos especiaes abertos para liquidação dos creditos da Casa Real e pagamento de rendas de casas occupadas por serviços do Estado

Data dos decretos Data da publicação Epigraphes Importancias
[ver valores da tabela na imagem]

N. B.— No officio de remessa d'este e mais vinte documentos lê-se, sob o n.° 21: «Nota dos creditos especiaes abertos para encerrar as contas da adeantamentos encontrados no apuramento feito pela commissão, em fevereiro de 1895. para pagar o saldo d'esse apuramento á Casa Real, conforme o documento n.° 4, e para as rendas dos predios e abonos designados nos documentos n.ºs ...»

Primeira Repartição da Direcção Geral da Thesouraria, 23 de julho de l908. = Pelo Chefe, J. Lopes.

DOCUMENTO N.° 8

Musica da Real Camara

Ministerio da Fazenda — Direcção Geral da Thesouraria — Repartição Central — Illmo. e Exmo. Sr. — De antiga data é de uso serem feitas pela Casa Real as despesas com a musica da Real Camara e outras inherentes, que abrangem não só os actos solemnes da abertura e encerramento das Côrtes mas tambem as festividades religiosas, tanto na Sé Patriarchal de Lisboa como na Igreja da Estrella, as quaes não podem deixar de ser de caracter nacional, por isso que se effectuam sempre com a comparencia de Suas Majestades, attingindo o seu custo annual, uma verba muito superior a 1:200$000 réis.

Pelo que deixo exposto e pelas circunstancias financeiras pouco lisonjeiras d'esta administração, tenho a honra de me dirigir a V. Exa. rogando-lhe o obséquio de se dignar auxiliar o cofre da mesma administração com uma importancia annual não inferior a seiscentos mil réis, a qual, para maior facilidade, poderá ser recebida pelo thesoureiro pagador da mesma Real Casa, o Sr. Henrique Nunes de Sousa, em prestações mensaes de 50$000 réis para esse determinado fim.

Deus guarde a V. Exa. — Administração- da Fazenda da Casa Real, em 26 de abril de 1903. — Illmo. e Exmo. Sr. Ministro e Secretario de Estado dos Negocios da Fazenda. = Pedro Victor da Costa Sequeira.

Fica autorizada a Direcção Geral da Thesouraria a abonar mensalmente á Administração da Fazenda da Casa Real, a começar no corrente mês, a quantia de 50$000 réis para compensação de parte das despesas que a mesma administração tem de fazer com as festividades officiaes.

Paço, 7 de março de 1902. = F. Mattoso Santos.

Está conforme. — Repartição Central da Direcção Geral da Thesouraria. — Julho, 1908.

DOCUMENTO N.° 9

Ministerio da Fazenda — Direcção Geral du Thesouraria — Repartição Central Nota dos adeantamentos feitos à Casa Real durante o reinado do fallecido Monarcha El-Rei D. Carlos

Nota dos adeantamentos feitos á Casa Real durante o reinado do fallecido Monarcha El-Rei D. Carlos

Adeantamentos liquidados
Data dos despachos Ministros que os assinaram Importancias
Moeda estrangeira Reis
[ver valores da tabela na imagem]

Página 25

SESSÃO N.° 37 DE 8 DE AGOSTO DE 1908 25

Adiantamentos por liquidar

Nota dos despachos Ministros que os assinaram Importancias
Moeda estrangeira Reis
[ver valores da tabela na imagem]

Repartição Central da Direcção Geral da Thesouraria, 29 de julho de 1908.

Página 26

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