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O juiz deixa de ir para o seu logar e não está ali quando finda o praso da licença; é claro que ha de fazer constar no ministerio da justiça quaes foram os motivos que o obrigaram a exceder a licença. N'esse caso, se o governo acha justos os motivos e elles ainda duram alem dos trinta dias consecutivos á licença, passa o juiz ao quadro, conservando-lhe o ordenado, e nomeia outro que irá tomar conta do logar; se os motivos lhe não parecem justos, ordena que se instaure processo contra o juiz por ter excedido o praso da licença, suspendendo-lhe o ordenado, e se procede na conformidade do artigo 308.°, § 1.°, do codigo penal: se o juiz é a final absolvido, recebe o ordenado por inteiro, correspondente a todo o tempo que durou a suspensão. Esta é a minha idéa.

O Orador: — A doutrina do sr. ministro é a mesma que eu receiava, é uma doutrina completamente inadmissivel (O sr. Visconde de Fonte Arcada: — Apoiado) e contra ria a todos os principios estabelecidos não só na carta constitucional, mas em toda a nossa legislação, e designada mente na reforma judiciaria.

Sr. presidente, a collocação no quadro da inactividade é a suspensão do exercicio das funcções; se ha alguem que duvide d'isso, eu desejava que se explicasse: logo que o magistrado é tirado do exercicio das suas funcções irroga-se-lhe uma suspensão, e logo que isso se faça pelo executivo por seu arbitrio absoluto ou definitivo infringir se hão tambem as leis do paiz, e a carta no artigo 121.° em que vem marcados os termos como se deve proceder a este respeito. O sr. ministro tem conhecimento de que o magistrado ex cedeu a licença, que lhe foi concedida, ou commetteu uma contravenção da lei, ou commetteu uma falta; praticou um facto que é prohibido pela lei, que não permitte que os jui zes estejam fóra dos seus logares sem licença.

Póde S. ex.ª, conformando se com a carta, ouvido o magistrado, levar este facto ao conhecimento do conselho d'estado, e suspende-lo por um decreto, mas desde logo ha de cumprir tambem a disposição da carta constitucional que manda que o ministro remetta aos tribunaes competentes os respectivos papeis, para que tomem conhecimento do facto e decidam se effectivamente a suspenção foi legalmente irrogada e procedam na fórma da lei.

Isto são cousas rudimentaes em um systema constitucional como o nosso, fundado na divisão e independencia dos poderes politicos. Este arbitrio que o sr. ministro se pretende arrogar de julgar definitivamente o facto e cominar a suspensão, sem appello nem aggravo, confundiria os poderes politicos e porta os juizes á mercê do executivo, e tanto mais, sr. presidente, que as consequencias deste arbitrio podem ser summamente pesadas para os juizes, por isso que não só são privados do exercicio de suas funcções, toas, emquanto estiverem no quatro inactivo, nem vencem antiguidade na sua carreira para as promoções, nem se lhes conta o tempo para a concessão do terço ou da aposentação. E não é tudo, ha ainda outra penalidade maior, que vem a ser a privação do seu vencimento, segundo o ministro julgar que os motivos da falta foram ou não justos. Como é pois que se ha de conferir ao poder executivo uma attribuição que póde comprometter gravemente a independa do poder judicial, em manifesta opposição com o disposto na carta constitucional? (O sr. Visconde de Fonte Arcada: — Apoiado.) lia de por consequencia o ministro decretar na fórma da carta a suspensão do magistrado, e na "mesma fórma da carta remetter para os tribunaes competentes o conhecimento do facto, para que elles decidam se estes juizes estão no caso de lhes ser applicada a disposição da lei relativamente aos seus vencimentos.

Peço ao sr. ministro que respeite e mantenha estas garantias, que são a nossa égide constitucional; a privação do vencimento é (não póde negar-se) uma pena, e penas não podem ser impostas sem haver processo e julgamento, e muito menos pelo executivo, a quem evidentemente não podem pertencer similhantes funcções.

E depois, sr. presidente, por quanto tempo ha de durar esta pena, esta suspensão? Pôde durar até ás kalendas gregas, pOr isso que supposto se diga em um dos artigos seguintes = que o magistrado suspenso entrará um exercicio em uma das primeiras vacaturas = lá vem tambem a condição opportunamente, que quer dizer quando bem parecer ao sr. ministro. Não digo que o sr. ministro Beja capaz de o fazer, mas póde abusar, e tanto basta para que a lei deva ser cautelosa.

E como é que na supposição de uma falta, que ainda não está julgada, começa já o magistrado sem ser ouvido a experimentar uma pena? Como é que o magistrado deve soffrer um castigo, se se não sabe se elle está innocente ou culpado? Isto é contra todos os principios de direito, e é uma barbaridade como nunca vi apresentar no parlamento. Se querem acabar com o systema representativo e com as ga-TKntias constitucionaes, digam-no francamente, e nós sabermos o que havemos de fazer; mas não venham com meios tortuosos, com o pretexto especioso de garantir e melhorar o serviço publico, destruir pela base o systema representativo! Isso não póde ser. A minha consciencia não póde deixar de revoltar-se indignada contra similhantes tentativas.

Sr. presidente, eu reconheço a necessidade de attender ao serviço publico; reconheço que quando este ou aquelle juiz, pouco meloso no cumprimento dos seus deveres, esquece ou deixa estar a em comarca privada da administração da justiça, é necessario obviar a este mal, e por isso já concedo que este magistrado, no fim de trinta dias, possa passar ao quadro da inactividade. Esta pena póde ser necessaria; mas impô-la arbitrariamente, expoliar os magistrados que têem os mesmos direitos que outro qualquer cidadão ás garantias da justiça universal, e que de mais a mais pertencem a um dos poderes independentes do estado...! Não pode ser. Se o magistrado commetteu a falta, é justo, que seja punido, mas depois de uma sentença dos seus juizes naturaes. Não quero, não poderei jamais consentir, que o executivo se arvore em poder judicial, e muito mais sem appêllo nem aggravo, sem a garantia sempre indispensavel das formulas protectoras da justiça.

Sr. presidente, eu não faço d'isto questão politica, e quando V. ex.ª vir que eu tomo grande calor em defeza de alguma causa, é porque estou profundamente convencido dos motivos de justiça por que pugno (apoiados). Prezo-me de ter seguido ha muitos annos esta honrosa carreira, e jamais votei contra ou a favor do poder por motivos odiosos. Combato portanto desaffrontada e imparcialmente a doutrina apresentada pelo sr. ministro, e mando para a mesa uma emenda que, satisfazendo ás necessidades do serviço, vae coagir os magistrados a não faltarem ás suas obrigações; mas sem offensa dos processos de direito e da justiça, da carta constitucional e até da legislação judiciaria vigente. Todos sabem que, segundo a reforma judiciaria, dado o caso de suspensão, os tribunaes conhecem da sua procedencia e legalidade, e que no caso de julgarem que a suspensão foi illegalmente irrogada mandarão entrar o magistrado no exercicio das suas funcções como se tal suspensão não fosse decretada. Mas, sr. presidente, como os tempos estão mudados! Então dávamos á relação o poder de julgar os actos do governo e assignalar os effeitos de um decreto, mandando entrar em exercicio o magistrado que havia sido suspenso; hoje não só se querem tirar ao juiz as garantias que nascem da independencia da sua jurisdicção politica, dos principios geraes de direito, mas até expô-los a serem privados dos seus vencimentos, da sua subsistencia, por um acto absoluto do executivo.

Mando para a mesa a minha emenda e additamento, que são os seguintes:

EMENDA

Em vez das palavras = não haja regressado ao seu logar nem o fizer no praso de trinta dias = diga se = não regressar ao seu logar dentro do praso de trinta dia s=.

ADDITAMENTO

§ 1.° Decretada a collocação no quadro inactivo, serão os documentos respectivos remettidos ao tribunal competente para julgar da procedencia da suspensão, e se ha ou não logar á suspensão do vencimento.

Vou tambem mandar para a mesa uma emenda ao § unico. EMENDA

§ 2.° O disposto no artigo 30.°, § 1.°, do codigo penal, relativamente á prolongação da ausencia, finda a licença, fica substituido pela disposição do presente artigo. O § unico do projecto diz (leu).

Ora, sr. presidente, aqui temos nós uma cousa impossivel, é o simul esse et non esse. Diz o artigo 5.° que só depois de trinta dias serão os magistrados, que não houverem regressado ao seu logar, passados ao quadro da inactividade; e o § unico diz que passados quinze dias poderá o magistrado ser passado ao quadro inactivo, que é o que importa a suspensão dos direitos politicos de que falla o codigo penal. E justamente o simul esse et non esse. Qual d'estas disposições vigora? A do artigo ou a do paragrapho?

Para se fazerem as leis, sr. presidente, é necessario pensar-se muito; é preciso ter presente a legislação parallela e correlativa, e não escrever disposições ao acaso, porque se póde achar depois o governo ou os executores da lei em grandes confusões.

Isto vae mal, sr. presidente, porque a redacção das nossas leis vae sendo tão confusa que já ninguem se entende com ellas (apoiados); e muito receio que d'aqui a pouco comece a faltar, o senso commum, e este grande mundo se torne um vasto hospital não sei de que enfermos... (Apoiados.) Ponhamos remedio n'este mal, ponhamos um cravo n'esta roda; não haja tanta precipitação em fazer leis. Quando se tratou aqui da lei hypothecaria, gritei eu muitas vezes: — «Isto não póde ser! Isto não terá execução! Eu lanço de mim a responsabilidade que me possa caber; estas pressas hão de ser convertidas em uma demora indefinida.» Sabe V. ex.ª como se me respondeu? Vote-se em globo!! Qual tem sido o resultado? Aprendamos ao menos á nossa custa.

O § unico, sr. presidente, não póde passar como está. O artigo 308.° do codigo contem duas disposições, uma relativa ao excesso ou prolongação de licença, a outra para o caso em que o magistrado se ausenta sem licença do governo. O paragrapho falla só da prolongação de ausencia e não se refere ao facto praticado pelo magistrado que sem licença saíu do seu logar. E portanto conveniente e necessario que se conserve a disposição do codigo penal no tocante a este ultimo caso não previsto no projecto; mas de fórma alguma na outra especie em que o projecto estabelece outras penalidades e outro procedimento que não é o criminal.

O sr. ministro quiz prover ás necessidades do serviço castigando os magistrados que excederem o praso de licença. Eu louvo os seus bons desejos, mas é preciso que as cousas sejam feitas com justa medida e não atropellando os limites do necessario e do justo.

O codigo penal justificava se no tocante ao excesso das licenças na falta de outro meio de repressão. Mas uma vez que o sr. ministro recorre a outro meio, outro systema de penalidades — o codigo n'esta parte perdeu a sua rasão de ser, e não póde vigorar sem offensa dós bons principios de direito.

É um luxo de penalidade inteiramente inutil. O projecto basta, é mais que sobejo para coagir os magistrados a não prolongar a suas ausencia. O magistrado fica privado ] do exercicio, o magistrado perde o direito que tinha a contar-se-lhe a antiguidade para as promoções, para a aposentação e concessão do terço, o magistrado póde ser privado dos seus vencimentos e o seu logar é provido nos termos ordinarios. Que mais querem? Querem talvez que o magistrado seja mettido n'um processo? Seja condemnado a suspensão dos direitos politicos por dois annos? Isto não póde ser. O meu illustre amigo que se senta ao meu lado, o digno par o er. Miguel Osorio, abunda completamente em todas as minhas idéas, o seu pensamento é o mesmo que eu tenho, partilhamos as mesmas idéas, elle deseja, como eu, que se mantenha a independencia do poder judicial e que as penas que lhe são impostas se não aggravem sem necessidade; satisfeito este fim, é escusado tornar a lei mais odiosa. O systema que o meu amigo quiz propor não póde ser, porque é contra os principios da carta.

Os juizes naturaes dos juizes de primeira instancia são os da segunda, e os d'estes os juizes do supremo tribunal de justiça, e não podemos em materia juridica reconhecer outros, e portanto não se podia conferir a qualquer junta de facultativos resolver sobre a perda do vencimento.

O sr. ministro da justiça contestou aqui o nome de penalidade que eu dei aos castigos irrogados pelo seu projecto. Eu declaro a V. ex.ª que não posso aceitar similhante doutrina, condemnada pelos principios mais rudimentaes do direito penal.

Penalidade é a irrogação de um damno, de um mal qualquer, pela falta do cumprimento de uma lei. Já se vê pois que n'esta lei ha penalidade, porque decerto ninguem chamará beneficio e favor ás comminações, ás sancções severas, de que abunda. No codigo penal poderá ver s. ex.ª que a suspensão do exercicio dos empregos, as multas, são verdadeiras penas na censura do direito.

Sr. presidente, peço desculpa á camara de a ter fatigado com as minhas observações, talvez um pouco acaloradas, mas quando me acho possuido de um profundo sentimento não sei mostrar-me impassivel.

O sr. Presidente: — Amanhã não ha sessão, porque são convidadas as tres commissões reunidas para trabalhar; portanto eó depois de ámanhã teremos sessão; mas para não perdermos tempo manda-se imprimir o parecer das tres commissões para se distribuir na quinta feira. Por consequencia fica dada a ordem do dia que são os pareceres n.°". 248 e 292, e tambem os pareceres n.ºs 349 e 350.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas da tarde.

Relação dos dignos pares que estiveram presentes na sessão do dia 12 de abril de 1864

Ex.mos srs.: Conde de Castro; Marquezes, de Fronteira, de Niza, de Sabugosa, de Vallada, de Sá da Bandeira; Condes, das Alcaçovas, de Alva, d'Avila, de Avilez, de Campanhã, de Fonte Nova, de Mello, de Peniche, da Ponte de Santa Maria, de Rio Maior, do Sobral, de Thomar; Bispo de Lamego; Viscondes, de Santo Antonio, de Benagazil, de Fonte Arcada, da Vargem da Ordem, de Soares Franco; Barões, das Larangeiras, de S. Pedro, de Foscoa; Moraes Carvalho, Mello e Saldanha, Augusto Xavier da Silva, Seabra, Pereira Coutinho, Teixeira de Queiroz, Caula Leitão, Custodio Rebello de Carvalho, F. P. de Magalhães, Ferrão, Faustino da Gama, Margiochi, Pessanha, João da Costa Carvalho, Aguiar, Soure, Braamcamp, Silva Cabral, Reis e Vasconcellos, Izidoro Guedes, José Lourenço da Luz, Baldy, Matoso, Silva Sanches, Rebello da Silva, Luiz de Castro Guimarães, Fonseca Magalhães, Vellez Caldeira, Miguel Osorio, Menezes Pita, Sebastião José de Carvalho, e Ferrer.