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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

SESSÃO DE 29 DE MARÇO DE 1865

PRESIDENCIA DO EX.MO SR. SILVA SANCHES

PRESIDENTE SUPPLEMENTAR

Secretarios, os dignos pares

Conde de Peniche

Miguel do Canto e Castro

(Assistiram os srs. presidente do conselho e ministro da guerra.)

Ás tres horas da tarde, sendo presentes 33 dignos pares, foi declarada aberta a sessão.

O sr. Presidente: — Convido o digno par o sr. Miguel do Canto a vir occupar o logar de secretario.

Lida a acta da precedente foi approvada, na conformidade do regimento, não havendo reclamação em contrario.

Deu-se conta da seguinte correspondencia:

Um requerimento do provedor e mesarios da santa, nacional e real casa da misericordia da cidade de Tavira, reclamando contra o projecto de lei, apresentado pelo governo na camara dos srs. deputados, sobre a desamortisação.

Teve o competente destino.

O sr. Marquez de Vallada: — Sr. presidente, eu tinha annunciado ao sr. ministro dos negocios ecclesiasticos e de justiça que desejava fazer-lhe uma interpellação relativamente á portaria assignada por s. ex.ª, com relação á observancia dos domingos.

Mandarei para a mesa a minha nota de interpellação, e s. ex.ª designará o dia era que vem responder a ella. É provavel que não seja eu só que tome parte na interpellação, parece-me importante a materia de que se trata, e espero que s. ex.ª se apressará a responder a ella.

Leu-se na mesa, e é do teor seguinte:

«Desejo interpellar o sr. ministro dos negocios ecclesiasticos e de justiça, sobre a portaria, assignada por s. ex.ª, relativamente á observancia dos domingos.

«Camara dos pares, 29 demarco de 1865. = Marquez de Vallada.»

O sr. Visconde da Vargem da Ordem: — Pedi a palavra para mandar para mesa um requerimento do sr. Augusto B. de Sousa Azevedo, filho primogenito do nosso honrado e chorado collega o sr. visconde de Algés. Pede o requerente, em conformidade da lei, tomar assento n'esta camara. Acompanham o requerimento varios documentos que comprovam o seu direito.

O sr. Presidente: — Nomear-se-ha a commissão para dar o ser parecer sobre este requerimento.

O sr. Visconde da Vargem da Ordem: — Pedia a V. ex.ª o favor de que se procedesse na conformidade do regimento, com a maior brevidade possivel (apoiados).

O sr. Presidente: — Proceder-se-ha n'essa conformidade.

O sr. Presidente consultou a camara, se a nota de interpellação do ex.mo sr. marquez de Vallada deveria ter o devido andamento.

Foi resolvido afirmativamente.

O sr. D. Antonio José de Mello: — O sr. general Passos encarregou-me de participar a V. ex.ª e á camara que não podia comparecer á sessão de hoje e a mais algumas, por continuar incommodado de saude.

O sr. Presidente: — Mandaram-se apromptar os bilhetes para sortear a commissão que ha de dar parecer sobre o requerimento do sr. Sousa Azevedo. Isto levará algum tempo, e para não estarmos á espera passâmos á ORDEM DO DIA

Leu-se na mesa o seguinte

PARECER N.º 6

Senhores. — A commissão especial, eleita sobre moção do digno par o sr. conde d’Avila, para dar o seu parecer ácerca dos documentos relativos á interpellação do digno par o sr. Sebastião José de Carvalho, mandados imprimir no Diario de Lisboa, e particularmente ácerca das questões indicadas naquella moção, depois das minuciosas investigações exigidas pela gravidade do assumpto, vem submetter-vos o resultado do seu exame.

Tres pontos abrange a proposta do sr. conde d’Avila, e todos elles se ligam intimamente com a questão discutida n'esta camara: 1.°, se as manifestações collectivas dos officiaes militares a respeito dos actos de seus superiores podem ser permittidas sem quebra da disciplina do exercito; 2°, se as disposições do decreto de 22 de agosto de 1864, o qual regulou a fórma da concessão da medalha creada pelo decreto de 2 de outubro de 1863, podiam ser alteradas ou modificadas por portarias; se foram expedidas algumas portarias para este fim, porque ministerios, e sobre que assumptos; 3.°, finalmente, se o citado decreto de 22 de agosto é cumprido da mesma maneira pelo ministerio da marinha e ultramar.

A commissão exporá concisamente a sua opinião sobre cada uma destas questões, abstendo-se quanto possivel de digressões superfluas, e obedecendo unicamente ao desejo de inculcar os principios que reputa incontestaveis, os quaes o calor das lutas parlamentares póde ás vezes offuscar momentaneamente, mas que sempre acabam por triumphar em presença da rasão serena.

O artigo 115.° da carta constitucional diz expressamente, que a força militar é essencialmente obediente. Este preceito, desenvolvido como muitos outros pelas diversas leis, portarias e ordens do dia, que regulam e explicam a mia execução, acha-se igualmente inscripto nos codigos e ordenanças de todos os paizes civilisados. Em toda a "parte se quiz sempre que o exercito, investido na gloriosa missão de defender a autonomia e a independencia nacional nas fronteiras, e de sustentar a ordem e a tranquillidade no interior dos estados, não podesse, sem grave perigo para a sociedade e até para elle, lançar a espada na balança dos interesses politicos, nem arrogar-se o caracter de juiz, ou de censor da bondade e competencia dos actos dos poderes constituidos.

E por isso que todas as manifestações collectivas, seja qual for o nome com que se cubram, ou o pretexto que alleguem, quer louvem, quer requeiram, quer condemnem, foram sempre rigorosamente estranhadas; porque se acaso se concede á officialidade de um ou mais corpos á direito de discutir para approvar, não póde negar-se-lhe com rasão o direito de discutir para reprovar, acrescendo que não poucas vezes o louvor involve indirecta censura. Ás unicas felicitações conformes com o preceito da carta e com as disposições geralmente em vigor em toda a Europa são a obediencia fiel e pontual e a cooperação zelosa e sincera.

O digno par marquez de Sá nas reflexões enunciadas no seio da commissão, invocando os principios e os exemplos, esclareceu esta verdade com argumentos que dispensam mais larga demonstração; e se esta voz auctorisada falta n'este momento aqui para confirmar o que tão eloquentemente asseverou, no banco da corôa, a sua lealdade o attesta, não desmentirá por certo os fundamentos de sua convencida opinião.

Não apreciará n'este parecer a commissão, pelo julgar ocioso, se a ordem do dia de 26 de julho de 1811, que prohibiu os certificados até de superiores para inferiores, ou se a ordem do exercito de 15 de maio de 1841, que reprehendeu nos officiaes do batalhão n.° 27 o elogio collectivo do seu coronel desligado, como censura ao governo e violação dos deveres da disciplina, ou finalmente, se alguns dos artigos do regulamento de 30 de setembro de 1856 são mais ou menos applicaveis á hypothese das felicitações de muitos officiaes dos corpos da arma de artilheria ao seu general, exaltando-o pela nomeação, e até pela sua eleição como deputado. Estas felicitações impressas nos jornaes não tendem só ao fim de elogiar o chefe nomeado, mas parecem calculadas para pesarem com a importancia da sua força perante a opinião publica.

A letra não mata o espirito, e o da nossa legislação militar, assim como o de toda a Europa, e em especial o da Inglaterra, Belgica, Hespanha, Prussia e outros reinos, são unanimes em não consentirem taes manifestações em nenhum caso e sob nenhum pretexto, reprimindo-as severamente.

Em conclusão entende portanto a commissão sobre este primeiro ponto, que as manifestações collectivas dos officiaes militares ácerca dos actos ou das pessoas de seus superiores, quer felicitem e approvem, quer aggravem e censurem, não podem ser permittidas sem quebra da disciplina e sem offensa dos preceitos universalmente admittidos, e que são lei invariavel em todos os exercitos das nações cultas.

O decreto de 22 de agosto, que substituiu o primeiro regulamento publicado para a execução do decreto de 2 de outubro de 1863, estabelecendo o processo para a concessão d'esta distincção honorifica, diz no § unico do artigo 1.° que para as regras prescriptas no diploma de 2 de outubro terem mais rigido cumprimento, em harmonia com o § 5.° do seu artigo 4.°, só poderia ser concedida a medalha militar do comportamento exemplar aos individuos a quem, por attestados ou certidões dos respectivos livros de registo e de culpas e castigos, se provasse não haverem commettido quaesquer faltas, nem terem nas suas informações annuaes nota de comportamento irregular ou indecoroso».

Em 30 de setembro do anno findo, por portaria do ministerio da guerra, foi o brigadeiro graduado Francisco de Paula Lobo de Avila proposto para ser condecorado com a medalha militar correspondente ao valor militar, aos bons serviços e ao comportamento exemplar, depois de examinados escrupulosamente {diz a proposta) os documentos que abonavam os seus direitos a este merecido galardão.

Neste meio tempo lavrou-se a portaria de 28 de outubro seguinte, pela qual se communicou ao supremo conselho de justiça militar, para os devidos effeitos, que os officiaes e praças de pret, que houvessem servido sem nota os annos necessarios para a concessão da medalha militar, poderiam obte-la, embora tivessem commettido algumas faltas leves, sob condição porém de que ellas seriam anteriores a esses annos consecutivos de exemplar comportamento, e que lhes não houvesse correspondido castigo de mais de quinze dias continuos de prisão, ou de vinte dias interrompidos.

Esta portaria, que dispensava no rigido cumprimento das regras prescriptas no decreto de 2 de outubro, revogando-o em parte, assim como ao de 22 de agosto, apesar de referendado pelos dois ministros da guerra e marinha, não parece á commissão que fosse dictada para o caso particular do general proposto, como mostrará com os factos.

O supremo conselho de justiça militar, ao qual, na conformidade, do artigo 2.° do decreto de 22 de agosto, competia apreciar as provas e designar a especie de cada uma das tres classes da medalha, consultou em 12 de novembro, em presença do processo que lhe foi presente, que o general proposto merecia as medalhas de prata correspondentes ao valor militar, aos bons serviços e ao comportamento exemplar. O governo porém, ouvindo o voto da repartição respectiva do ministerio da guerra, não se conformou com a consulta, e condecorou com a medalha de oiro o general Lobo d'Avila.

Se o exame dos documentos em que se fundou a proposta do ministerio da guerra fosse tio escrupuloso, como affirmou ao supremo conselho de justiça militar, nem essa proposta seria feita nos termos em que o foi, contra a expressa disposição do § unico do artigo 1:° do decreto de 22 de agosto, nem a medalha do comportamento exemplar poderia ser conferida em presença da letra d'elle.

Da nota extrahida dos livros existentes no archivo da segunda direcção do ministerio da guerra consta que o major, hoje general de brigada de artilheria, Francisco de Paula Lobo d’Avila recolhera ao corpo no dia 1 de outubro de 1843 e fôra preso para a praça de S. Julião da Barra em 19 do mesmo mez; que fôra nomeado commandante do material da arma na decima divisão, por portaria de 6 de outubro d'aquelle anno, e que se lhe mandou passar guia de transferencia de assentamento para a mesma decima divisão militar em 11 de dezembro, declarando-se na guia que a prisão que supportára fôra correccional, devendo-se-lhe restituir por isso o soldo retido (documento n.° 1).

Da informação semestre do general commandante da primeira divisão militar, referida a 1 de janeiro de 1864, consta igualmente que o major Lobo d’Avila no dia 19 d'esse mez ás oito horas da noite se apresentára ao major da praça de S. Julião, onde ficára preso, e em officio de 11 de novembro participa depois o mesmo general que no dia 7 embarcara e saíra a barra a bordo da escuna Elisa o major do estado maior de artilheria Francisco de Paula Lobo d’Avila (documentos 2.° e 3.°) partindo para os Açores.

Por ultimo a serie de documentos enviada do ministerio da guerra sobre officio da commissão especial, prova que mandado conduzir preso para a torre de S. Julião da Barra por ordem datada de 17 de outubro de 1843 (documentos 4.° a 6.°), elle se apresentou ao major da praça na noite de 19 (documentos 7.° e 8.°), conservando-se ali até ao dia 7 de novembro seguinte, em que embarcou debaixo de prisão e partiu para o seu destino (documentos 9.° a 16.°).

De todos estes documentos colhe-se pois com evidencia que durando a prisão do general Lobo d’Avila dezoito dias continuos, desde 19 de outubro ás oito horas da noite até 7 de novembro de 1843, nem o § unico do decreto de 2 de outubro nem a propria portaria de 28 de outubro de 1864 permittiam que elle fosse proposto para a medalha de comportamento exemplar e condecorado com ella, porque o primeiro exclue-o expressamente e a segunda não lhe é applicavel.

Em conclusão entende a commissão que a proposta e a concessão da medalha nos termos em que foram feitas, feriram os decretos de 2 de outubro de 1863 e 22 de agosto de 1864.

Mas a portaria de 28 de outubro de 1864, se não parece dictada para o caso especial do general Lobo d’Avila, porque não lhe aproveita, nem por isso deixa de ser um documento notavel que modificou um decreto referendado por dois ministros, e isto em circumstancias ordinarias em que era facilimo publicar outro decreto revestido das mesmas solemnidades. Ninguem póde contestar o principio obvio de que os decretos só devem ser revogados por decretos, e que um diploma assignado por dois ministros não deve ser alterado senão por outro da mesma fórma e natureza.

Abstendo-se de entrar a este respeito em considerações mais amplas, que a clareza do assumpto dispensa, a commissão entende que os abusos não fazem lei, e que a camara não póde deixar de confirmar os bons principios, fiel á sua indole conservadora e aos deveres que ella impõe. Os inconvenientes da negligencia ou da omissão n'este ponto seriam graves desde que ella foi chamada a declarar ácerca delle a sua opinião. A secretaria da marinha e ultramar, cujo ministro tambem referendou o decreto de 22 de agosto, affirma em officio de 22 de fevereiro ultimo (documento n.° 17) positivamente que pela sua repartição não se expedira portaria nem ordem que alterasse ou modificasse aquelle decreto! Dá-se pois a anomalia de vigorar com execução diversa um decreto publicado para a ter analoga, e que para esse effeito foi concebido e lavrado e referendado pelos dois secretarios d'estado da guerra e da marinha.

Em conclusão, entende a commissão que um ou outro facto que possa citar-se, e que só devidamente se apreciará em presença das circumstancias peculiares que o determinaram, não invalida o principio que não admitte que portarias revoguem ou modifiquem decretos, convindo pelo contrario que a camara firme a regra unica e verdadeira de que só um decreto póde dispensar ou alterar a execução de outro decreto.

Nada mais cumpre á commissão acrescentar no desempenho do encargo com que foi honrada e a que desejou corresponder quanto cabia em suas forças e na esphera de seus desejos. Examinou cada uma das questões ácerca das quaes a camara quiz que ella emittisse parecer, -e empregou todos os meios de que podia dispor para esclarecer o voto que hoje vem apresentar. Á sabedoria d'esta casa compete agora decidir.

Sala da commissão, em 20 de março de 1865. = Joaquim Antonio de Aguiar = Conde de Santa Maria = Conde de Mello, secretario = Conde d'Avila = Conde de Thomar = Luiz Augusto Rebello da Silva, relator.

DOCUMENTOS

N.° 1

Nota dos livros existentes no archivo da 2.ª direcção d'este ministerio, com referencia ao que consta dos assentamentos que dizem respeito ao general de brigada Francisco de Paula Lobo d'Avila.

Sendo cadete foi promovido alferes para o regimento de infanteria n.° 10, por ordem do dia N.º 90, de 27 de julho de 1827.

Foi admittido no monte pio desde o mez de maio de 1828 em diante.

Demettido, por decreto de 16 de janeiro de 1829, do governo da usurpação.

Da conta que liquidou a divida militar, consta:

Que emigrara por Galliza; acompanhando o exercito fiel, e d'ali para a cidade de Plymouth, desembarcando na cidade de Angra da ilha Terceira.

Achando-se fazendo serviço no batalhão de artilheria e