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DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 325

ternas, digo, empregados com longos annos de bom serviço.

Parece-me, pois, de justiça garantir a esses empregados as suas aposentações, o que significa o pão da velhice, quando elles se achem já impossibilitados de trabalhar. N'este negocio fallo com algum conhecimento, porque mais de uma vez tenho tido a honra de estar á testa dos negocios do primeiro municipio do reino, por consequencia sou sabedor de factos passados nas repartições externas da camara municipal de Lisboa, com os quaes posso corroborar a minha doutrina, e que me auctorisam a entrar n'este assumpto com uma certa experiencia. Permitta-me, portanto, a camara que lhe apresente um exemplo, que torna bem frisante, a necessidade de se estabelecerem legalmente as aposentações aos empregados das repartições externas das camaras municipaes.

Em 1870 era eu presidente da camara municipal de Lisboa; suspeitando que havia um alcance n'uma das principaes repartições, refiro-me á abegoaria, mandei proceder a uma syndicancia, que deu em resultado encontrar-se um desfalque de 5:000$000 réis. Em consequencia d'este facto tive de demittir o empregado que se achava criminoso. Não foi caso muito agradavel para mim, e custou-me amargamente o ter de cumprir com o meu dever; a situação d'esse empregado era desgraçadissima. Depois d'elle estar demittido foi necessario remediar o mal que estava feito e regular o serviço de modo que houvesse certeza de não se repetirem actos de tamanha concussão.

Um dos principaes empregados da abegoaria, onde ha sempre uma grande quantidade de generos, é o fiel do celleiro.

Esse empregado desde muito tempo estava entrevado e impossibilitado de trabalhar; a indispensabilidade de restabelecer as cousas no seu estado normal obrigou-me a collocar ali um homem que podesse satisfazer efficazmente aos deveres inherentes a um logar de tanta confiança, e que estivesse á altura da sua missão.

Officiei então ao sr. ministro do reino, pedindo licença para aposentar o fiel, que era de direito e não de facto, um homem honrado, servidor muito antigo do municipio, mas que a idade e a doença retinha na cama desde longa data. O ministro do reino respondeu-me que a lei não auctorisava as aposentações dos empregados da qualidade d'aquelle, a que me estou referindo, e que não podia deferir á minha pretensão.

Havia eu, sr. presidente, de despedir e matar á fome um honrado velho, ou havia então deixar de acudir, como me cumpria, ás necessidades de um serviço, cuja fiscalisação rigorosa, mais que nunca era urgente restabelecer?

O problema tornava-se intrincado, e nem o ministro nem eu o sabiamos resolver. Foi a morte do pobre empregado que nos veiu trazer a precisa solução! Morreu o homem a camara nomeou novo fiel.

Trago este exemplo para que a assembléa veja a necessidade que ha de attender ás observações que tenho a honra de lhe apresentar. Acho justo garantir o pão aos empregados laboriosos e antigos no serviço.

Entendo, portanto, que no artigo se deve comprehender não só os funccionarios chamados de carteira, os empregados secretaria, mas todos aquelles empregados administrativos que nas repartições externas prestam serviços.

Mas, vou tratar de outro ponto da questão, e espero n'esta parte, as ponderações que apresentar hão de merecer não só a benevolencia, mas a sympathia dos meu
dignos colegas.

Refiro-me ao corpo dos bombeiros, a esses homens corajoso, benemeritos e utilissimos para a sociedade, que no dia em que o sinistro entra em nossas casas, e as chammas devoram o lar domestico, quando as familias correm perigo e imploram o seu auxilio e protecção, não atendem a mas nada e procuram soccorrel-as, arriscando o propria vida, e de noite e a deshoras se levantam para acudir ao angustioso chamamento! (Apoiados.)

A situação dos bombeiros, d'estes valentes empregados de uma das repartições externas da camara, que prestam excellente serviço e que são tão queridos pela cidade de Lisboa, é a seguinte:

Com excepção do inspector, dos seus dois ajudantes e do fiscal, que têem ordenados fixos, todos os outros empregados d'esta repartição recebem apenas umas annualidades insignificantissimas.

Para mais não dizer, o chefe da companhia, que é logo immediato ao inspector e aos ajudantes, tem apenas réis 50$000 de vencimento animal e a gratificação que póde colher, alem d'esse vencimento, mal chega a outros 50$000 réis; quasi nunca attinge esta quantia! Os outros bombeiros todos recebem n'uma escala para menos. Digo isto, officialmente, porque live muitas vezes de mandar pagar esta despeza.

A gratificação de 50$000 réis é ganha em resultado de differentes serviços prestados; é o producto das saídas, dos premios ou dos julgamentos.

Dá-se a saída quando o empregado parte tendo noticia do incendio, se foi dos primeiros a comparecer recebe um premio, finalmente pela julgamento arbitra-se-lhe a quantia que representa os perigos corridos pelo bombeiro, e os serviços que elle teve a felicidade de prestar na occasião do ministro.

Quer dizer, quando este homem, depois de ter estado vinte ou trinta annos no desempenho do seu logar, se acha sem forças e, portanto, n'um estado valetudinario, os seus escassos proventos não augmentam, mas antes diminuem! Falta-lhe já a coragem e energia sufficiente para acudir de prompto ao serviço a que lhe cumpre satisfazer, e d'aqui resulta que não podendo ser-lhe arbitrada quantia alguma pelos julgamentos e pelos premios, ha de irremediavelmente ficar cerceado nos seus parcos interesses, e será esta a consequencia de uma vida de sacrificios! Triste, mas honrada sorte!

Sr. presidente, como a camara vê, estes homens, estes bombeiros acham-se em circumstancias especialissimas. Peço licença para ler á assembléa alguns trechos de um relatorio que me foi dirigido pelo chefe do serviço dos incendios, quando eu era presidente do municipio de Lisboa; melhor do que as minhas palavras põe em relevo este documento a situação e os valiosos serviços d'aquelles benemeritos funccionarios.

"O relatorio diz:

"Os bombeiros são quasi todos carpinteiros que exercem o seu officio dentro da cidade, e é d'isto que vivem, porque o serviço dos incendios não lhes dá nem para o vestuario. Está um d'estes homens trabalhando tranquilamente na sua obra para ganhar um salario de 600 réis, mas se sabe que ha fogo, larga tudo e corre ao logar onde a sua presença é necessaria; porém o mestre da obra ou o dono d'ella, olhando menos ás necessidades alheias do que aos proprios interesses, e levado por um egoismo até certo ponto desculpavel, desconta ao seu operario meio dia de trabalho; entretanto este pobre homem apenas recebe da camara uma saída de 100 réis. Isto é, foi pontual para perder 200 réis, ou mesmo para ser despedido da obra, e correu a acudir aos estranhos para cercear o pão de seus filhos.

"No prestimo e na dedicação d'estes homens ha um segredo, e esse segredo consiste em saber especular com os seus mais generosos sentimentos, com as suas mais justificaveis aspirações, com as suas mais heroicas virtudes, e até mesmo com a natural rudeza e temerarios instinctos de alguns d'elles.

"Mas deve o governo contar para um serviço de tanta e tão subida importancia com a vontade, com a dedicação e com a virtude de um punhado de homens, olhando-os com a mesma indifferença com que os tem olhado até hoje?

"Ao soldado da guerra, da devastação e da morte, diz-