330 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
giões de Africa, chamando ao convivio fraternal dos povos a multidão de seres humanos que as povoam.
O governo, solicitando hoje dos representantes do povo que dispensem ao major Serpa Pinto a permanencia no ultramar, pelo tempo a que é obrigado pelo decreto de 8 de maio de 1877, julga ter devidamente interpretado a vontade do paiz, prompto sempre a galardoar os feitos d'aquelles que, no desempenho das commissões que lhes são confiadas, dão assignaladas provas de singular valor.
A similhante testemunho de publica consideração, não deixarei de associar a classe militar que será, sem duvida, grata ao reconhecimento nacional dispensado ao districto official, que mostra conservar vivas as grandes tradições da historia patria.
Firmado n'esta convicção, tenho a honra de submetter á vossa deliberação a seguinte:
PROPOSTA DE LEI
Artigo 1.° É o governo auctorisado a dispensar o major, sem prejuizo de antiguidade, Alexandre Alberto da Rocha Serpa Pinto, de concluir no ultramar o tempo a que era obrigado pelo decreto de 8 de maio de 1877, que condicionalmente o promoveu áquelle posto; sem que por isso fiquem invalidadas as demais disposições do mesmo decreto.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões da camara dos senhores deputados, 28 de fevereiro de 1880. = João Chrysostomo de Abreu e Sousa = Marquez de Sabugosa.
O sr. Presidente: - Está em discussão na generalidade e especialidade por conter um só artigo.
O sr. Visconde de S. Januario: - Sr. presidente, não tenho a pretensão de esclarecer a camara ácerca do projecto que está em discussão.
O assumpto d'esse projecto é de si bastante claro para que a camara, pela sua simples leitura, fique habilitada a votar, fazendo a justiça que costuma.
Pedi a palavra unicamente para affirmar o meu voto com algumas palavras de merecido louvor ao distincto official de que trata o projecto, pelos serviços relevantes por elle prestados ao paiz e á sciencia na sua audaciosa travessia do continente africano.
Este official, emprehendendo aquelle difficil trajecto, e fazendo os importantes serviços de que o paiz tem conhecimento, conquistou gloria e utilidade para a sua patria, exaltou o seu nome e honrou o exercito a que pertence, e que de certo se lisonjeia de o contar no numero dos seus mais illustres officiaes.
Sr. presidente, os serviços do major Serpa Pinto são tanto mais meritorios, quanto maiores são as difficuldades e perigos que diante d'elle se levantaram para realisar a travessia da Africa, desde a costa occidental até ao litoral do oriente.
O explorador que tente atravessar aquelle continente tem de luctar com grandissimas difficuldades: marcha por montes e valles, sujeito ás intemperies, sem contar com abrigo aonde, durante a noite, possa descansar das fadigas do dia; tem de atravessar florestas immensas, que a cada momento lhe embargam o passo; tem de transpor largos, tractos de terrenos aridos e descobertos, sob a acção fulminante de um sol abrasador; lucta com as difficuldades, que lhe promovem os carregadores que o acompanham, e que frequentemente desertam, umas vezes por cobardia ou cansaço, outras com o intuito de roubarem as proprias fazendas que carregam, abandonam o explorador, quando elle não tem meio algum de os fazer substituir por outros que lhe conduzam os objectos que são indispensavel á sua exploração.
O explorador tem ainda de luctar com as difficuldades que se offerecem para atravessar os rios, os lagos e os pantanos, tendo tambem de oppor tenaz resistencia aos negros que lhe embargam a passagem, exigindo lhe exagerado pagamento, em fazendas, do que elles chamam direito de passagem pelo seu territorio, e como se não bastassem todas estas difficuldades, tem de luctar muitas vezes com a braveza das feras e com as tribus selvagens, que á ponta de setta e de azagaia, lhe disputam o passo.
A prova de quanto é difficil a travessia d'aquelle continente, sr. presidente, está no grande numero de exploradores que têem sido victimas da sua coragem.
Todos sabem que ha poucos annos se instituiu na Belgica, debaixo dos auspicios do rei Leopoldo, uma sociedade denominada, "Sociedade internacional africana", com o fim de levar o progresso e a civilisação ao continente africano; pois os primeiros exploradores que foram enviados á Africa por esta sociedade, pereceram.
Até hoje contam-se cinco ou seis que foram victimas generosas da sua ousadia, sendo o ultimo o abbade Debaise, que falleceu a algumas dezenas de leguas ao occidente de Zanzibar.
E é por isso, sr. presidente, que os exploradores africanos, ainda mesmo acompanhados dos maiores recursos para tornar productiva e effectiva a sua exploração, são uns verdadeiros martyres da sciencia. Entretanto é com homens audaciosos, com homens da tempera de Levingstone, Cámeron, Stanley, Serpa Pinto, Capello e Ivens, que se cravam no sertão africano os marcos milliarios da estrada, por onde ha de levar-se áquelle continente o progresso, a civilisação e a liberdade, e digo a liberdade, porque é sabido que os ultimos reductos da escravidão se erguem ainda no interior da Africa.
Eu desejava aproveitar esta occasião para recommendar ao illustre ministro da marinha e do ultramar que não pare n'este honroso caminho das explorações, que tão brilhantemente foi encetado pela iniciativa do nosso illustre collega o sr. Andrade Corvo, a quem cabe uma parte da gloria que estes emprehendimentos trazem ao nosso paiz.
É necessario não parar no caminho d'essas explorações; é mister não nos contentarmos só com o interesse quasi platonico, se bem que valioso, das primeiras explorações; é necessario que ellas não sejam o fim, mas o prologo apenas de outras, com instrucções subordinadas a um plano, de utilidade pratica, pois d'essas successivas explorações é que deve resultar a maior vantagem para o paiz, e principalmente para as nossas colonias da costa oriental e occidental da Africa. Não basta que galardoemos, como devemos, os exploradores que felizmente voltaram á patria; é necessario mandar novas expedições, e cada vez mais concretas, para serem proveitosos os seus trabalhos. É necessario não nos contentarmos em marcar novos pontos na carta de Africa; é esse um grande serviço feito á sciencia, mas insignificante com relação ao que se póde colher de novas expedições, principalmente se ellas forem organisadas por fórma, que partindo de uma e outra costa, isto é, de Moçambique e de Angola, vão estabelecendo successivamente a distancias determinadas, estações hospitaleiras, scientificas, politicas e commerciaes; então darão os mais importantes beneficios em favor da sciencia e do commercio, sendo assim coroadas de um resultado verdadeiramente pratico e positivo. Estas expedições, partindo simultaneamente das duas costas, podem vir a encontrar-se em um ponto, marcado pelo seu trajecto como uma estrada, por onde o commercio do interior se poderá fazer, chegando as materias primas que abundam no sertão africano aos nossos mercados de Moçambique e Angola.
Não se pense, sr. presidente, que isto é uma utopia; porquanto assim se está actualmente procedendo na Africa, por parte de outras nações, que não têem interesses tão solidamente estabelecidos n'aquelle continente como Portugal.
Vou contar a v. exa. e á camara o que se passa actualmente na Africa por parte da associação internacional africana.
Os trabalhos que essa associação está ali executando, tanto pelo lado oriental, como pelo lado occidental, têem