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N.º 58
SESSÃO DE 13 DE ABRIL DE 1880
Presidencia do exmo. Sr. João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens, vice- presidente
Secretarios - os dignos
Visconde de Soares Franco
Eduardo Montufar Barreiros
SUMMARIO
Leitura e approvação da acta da sessão antecedente. - A correspondencia é enviada ao seu destino. - Discussão do projecto de lei n.° 19, em que é garantida a Alexandre Alberto da Rocha Serpa Pinto a effectividade do posto de major, como galardão dos seus serviços. - Ponderações dos srs. visconde de S. Januario, ministro da marinha (marquez de Sabugosa), visconde de Bivar, Fontes Pereira de Mello, ministro da guerra (João Chrysostomo), conde de Rio Maior, Barros e Sá, Andrade Corvo e presidente do conselho (Anselmo Braamcamp). - Discussão do projecto de lei n.° 31. - Combatem o projecto na generalidade os dignos pares conde de Valbom e Vaz Preto; defende o projecto o sr. conde de Castro (relator). - O sr. Sequeira Pinto manda para a mesa dois pareceres: um da commissão de verificação de poderes sobre a carta regia que eleva á dignidade de par do reino o sr. José Maria Raposo do Amaral, e outro da commissão de fazenda approvando o projecto que faz algumas modificações na lei actual da contribuição de registro. - São mandados imprimir. - O digno par Barros e Sá manda para a mesa, por parte da commissão de guerra, a ultima redacção sobre o projecto relativo ao major Serpa Pinto. - É approvada esta redacção.
Ás duas horas da tarde, sendo presentes 30 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.
Lida a acta da sessão precedente, julgou-se approvada, na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.
Mencionou-se a seguinte:
Correspondencia
Um officio da presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo a proposição que tem por fim habilitar o governo a concluir a rede das estradas reaes de primeira e segunda ordem.
Ás commissões de obras publicas e fazenda.
Um officio do ministerio dos negocios estrangeiros, remettendo 100 exemplares das contas da gerencia d'este ministerio, relativas ao anno economico de 1878-1879, e do exercicio de 1877-1878, a fim de serem distribuidos pelos dignos pares.
Mandaram-se distribuir.
(Estavam presentes os srs. presidente do conselho e ministros da marinha, guerra, obras publicas e fazenda.)
O sr. Presidente: - Vamos entrar na ordem do dia.
ORDEM DO DIA
Leu-se na mesa o parecer n.° 47.
É do teor seguinte:
Parecer n.° 47
Senhores. - Foi presente á commissão de guerra o projecto de lei n.° 19, procedente da camara dos senhores deputados, approvando a proposta do governo, que dispensa o major Alexandre Alberto da Rocha Serpa Pinto de concluir no ultramar o tempo que lhe falta para satisfazer ás condições com que foi promovido áquelle posto por decreto de 8 de maio de 1877.
A commissão adoptando plenamente todas as considerações apresentadas pelo sr. ministro da guerra á camara dos senhores deputados, quando justificou a sua proposta convertida depois no projecto de lei, que ora vos é submettido, considerações que dão glorioso relevo ao acto emprehendido pelo referido major, e ao da sua scientifica e improba travessia da Africa meridional, entende que o mencionado projecto de lei merece a vossa approvação, e subir á sancção real.
Sala da commissão, 5 de abril de 1880. = Marquez de Fronteira = Antonio Florencio de Sousa Pinto = D. Antonio José de Mello e Saldanha = D. Luiz da Camara Leme = Augusto Xavier Palmeirim = A. M. de Fontes Pereira de Mello = Barros e Sá.
Projecto de lei n.° 19
Artigo 1.° É garantida desde já a Alexandre Alberto da Rocha Serpa Pinto, independentemente de qualquer galardão honorifico pelos seus distinctissimos serviços, a effectividade do posto de major a que foi promovido por decreto de 8 de maio de 1877, prescindindo-se da condição do tempo de serviço na Africa, mas sendo mantidas todas as demais diposições e clausulas do referido decreto.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Palacio das côrtes, 17 de março de 1880. = José Joaquim Fernandes Vaz, presidente = Antonio José d'Avila, deputado secretario = D. Miguel de Noronha, deputado vice-secretario;
Projecto de lei n. ° 127
A commissão de guerra, conformando-se completamente com as considerações que precedem a proposta de lei, para ser dispensado o major, sem prejuizo de antiguidade, Alexandre Alberto da Rocha Serpa Pinto, de concluir no ultramer o tempo a que era obrigado pelo decreto de 8 de maio de 1877, que condicionalmente o promovêra áquelle posto, é de parecer que a referida proposta seja convertida no seguinte:
PROJECTO DE LEI
Artigo 1.° É o governo auctorisado a dispensar o major, sem prejuizo de antiguidade, Alexandre Alberto da Rocha Serpa Pinto, de concluir no ultramar o tempo a que era obrigado pelo decreto de 8 de maio de 1877, que condicionalmente o promoveu áquelle posto; sem que por isso fiquem invalidadas as demais disposições do mesmo decreto.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões, em 16 de marco de 1880. = Julio Carlos de Abreu e Sousa = Eliseu Xavier de Sousa e Serpa = Barão de Paçô Vieira = Antonio Augusto de Sousa e Silva = Domingos Pinheiro Borges = Joaquim José Pimenta Tello = Antonio José d'Avila = João Candido de Moraes.
Proposta de lei n.° 101-C
Senhores. - A travessia do continente africano de Benguella ao Natal, pelo major, sem prejuizo de antiguidade, Alexandre Alberto da Rocha Serpa Pinto, constitue innegavelmente um dos actos de maior audacia, que a moderna historia das explorações geographicas registra nos seus annaes. Como tal, foi acclamado pelas primeiras sociedades scientificas da Europa, que levantaram o nome do nosso compatriota a altura dos mais illustres de entre a phalange dos modernos exploradores, que á custa de enormes sacrificios, e do risco permanente da propria vida, têem sabido conquistar para a civilisação essas vastissimas re-
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giões de Africa, chamando ao convivio fraternal dos povos a multidão de seres humanos que as povoam.
O governo, solicitando hoje dos representantes do povo que dispensem ao major Serpa Pinto a permanencia no ultramar, pelo tempo a que é obrigado pelo decreto de 8 de maio de 1877, julga ter devidamente interpretado a vontade do paiz, prompto sempre a galardoar os feitos d'aquelles que, no desempenho das commissões que lhes são confiadas, dão assignaladas provas de singular valor.
A similhante testemunho de publica consideração, não deixarei de associar a classe militar que será, sem duvida, grata ao reconhecimento nacional dispensado ao districto official, que mostra conservar vivas as grandes tradições da historia patria.
Firmado n'esta convicção, tenho a honra de submetter á vossa deliberação a seguinte:
PROPOSTA DE LEI
Artigo 1.° É o governo auctorisado a dispensar o major, sem prejuizo de antiguidade, Alexandre Alberto da Rocha Serpa Pinto, de concluir no ultramar o tempo a que era obrigado pelo decreto de 8 de maio de 1877, que condicionalmente o promoveu áquelle posto; sem que por isso fiquem invalidadas as demais disposições do mesmo decreto.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões da camara dos senhores deputados, 28 de fevereiro de 1880. = João Chrysostomo de Abreu e Sousa = Marquez de Sabugosa.
O sr. Presidente: - Está em discussão na generalidade e especialidade por conter um só artigo.
O sr. Visconde de S. Januario: - Sr. presidente, não tenho a pretensão de esclarecer a camara ácerca do projecto que está em discussão.
O assumpto d'esse projecto é de si bastante claro para que a camara, pela sua simples leitura, fique habilitada a votar, fazendo a justiça que costuma.
Pedi a palavra unicamente para affirmar o meu voto com algumas palavras de merecido louvor ao distincto official de que trata o projecto, pelos serviços relevantes por elle prestados ao paiz e á sciencia na sua audaciosa travessia do continente africano.
Este official, emprehendendo aquelle difficil trajecto, e fazendo os importantes serviços de que o paiz tem conhecimento, conquistou gloria e utilidade para a sua patria, exaltou o seu nome e honrou o exercito a que pertence, e que de certo se lisonjeia de o contar no numero dos seus mais illustres officiaes.
Sr. presidente, os serviços do major Serpa Pinto são tanto mais meritorios, quanto maiores são as difficuldades e perigos que diante d'elle se levantaram para realisar a travessia da Africa, desde a costa occidental até ao litoral do oriente.
O explorador que tente atravessar aquelle continente tem de luctar com grandissimas difficuldades: marcha por montes e valles, sujeito ás intemperies, sem contar com abrigo aonde, durante a noite, possa descansar das fadigas do dia; tem de atravessar florestas immensas, que a cada momento lhe embargam o passo; tem de transpor largos, tractos de terrenos aridos e descobertos, sob a acção fulminante de um sol abrasador; lucta com as difficuldades, que lhe promovem os carregadores que o acompanham, e que frequentemente desertam, umas vezes por cobardia ou cansaço, outras com o intuito de roubarem as proprias fazendas que carregam, abandonam o explorador, quando elle não tem meio algum de os fazer substituir por outros que lhe conduzam os objectos que são indispensavel á sua exploração.
O explorador tem ainda de luctar com as difficuldades que se offerecem para atravessar os rios, os lagos e os pantanos, tendo tambem de oppor tenaz resistencia aos negros que lhe embargam a passagem, exigindo lhe exagerado pagamento, em fazendas, do que elles chamam direito de passagem pelo seu territorio, e como se não bastassem todas estas difficuldades, tem de luctar muitas vezes com a braveza das feras e com as tribus selvagens, que á ponta de setta e de azagaia, lhe disputam o passo.
A prova de quanto é difficil a travessia d'aquelle continente, sr. presidente, está no grande numero de exploradores que têem sido victimas da sua coragem.
Todos sabem que ha poucos annos se instituiu na Belgica, debaixo dos auspicios do rei Leopoldo, uma sociedade denominada, "Sociedade internacional africana", com o fim de levar o progresso e a civilisação ao continente africano; pois os primeiros exploradores que foram enviados á Africa por esta sociedade, pereceram.
Até hoje contam-se cinco ou seis que foram victimas generosas da sua ousadia, sendo o ultimo o abbade Debaise, que falleceu a algumas dezenas de leguas ao occidente de Zanzibar.
E é por isso, sr. presidente, que os exploradores africanos, ainda mesmo acompanhados dos maiores recursos para tornar productiva e effectiva a sua exploração, são uns verdadeiros martyres da sciencia. Entretanto é com homens audaciosos, com homens da tempera de Levingstone, Cámeron, Stanley, Serpa Pinto, Capello e Ivens, que se cravam no sertão africano os marcos milliarios da estrada, por onde ha de levar-se áquelle continente o progresso, a civilisação e a liberdade, e digo a liberdade, porque é sabido que os ultimos reductos da escravidão se erguem ainda no interior da Africa.
Eu desejava aproveitar esta occasião para recommendar ao illustre ministro da marinha e do ultramar que não pare n'este honroso caminho das explorações, que tão brilhantemente foi encetado pela iniciativa do nosso illustre collega o sr. Andrade Corvo, a quem cabe uma parte da gloria que estes emprehendimentos trazem ao nosso paiz.
É necessario não parar no caminho d'essas explorações; é mister não nos contentarmos só com o interesse quasi platonico, se bem que valioso, das primeiras explorações; é necessario que ellas não sejam o fim, mas o prologo apenas de outras, com instrucções subordinadas a um plano, de utilidade pratica, pois d'essas successivas explorações é que deve resultar a maior vantagem para o paiz, e principalmente para as nossas colonias da costa oriental e occidental da Africa. Não basta que galardoemos, como devemos, os exploradores que felizmente voltaram á patria; é necessario mandar novas expedições, e cada vez mais concretas, para serem proveitosos os seus trabalhos. É necessario não nos contentarmos em marcar novos pontos na carta de Africa; é esse um grande serviço feito á sciencia, mas insignificante com relação ao que se póde colher de novas expedições, principalmente se ellas forem organisadas por fórma, que partindo de uma e outra costa, isto é, de Moçambique e de Angola, vão estabelecendo successivamente a distancias determinadas, estações hospitaleiras, scientificas, politicas e commerciaes; então darão os mais importantes beneficios em favor da sciencia e do commercio, sendo assim coroadas de um resultado verdadeiramente pratico e positivo. Estas expedições, partindo simultaneamente das duas costas, podem vir a encontrar-se em um ponto, marcado pelo seu trajecto como uma estrada, por onde o commercio do interior se poderá fazer, chegando as materias primas que abundam no sertão africano aos nossos mercados de Moçambique e Angola.
Não se pense, sr. presidente, que isto é uma utopia; porquanto assim se está actualmente procedendo na Africa, por parte de outras nações, que não têem interesses tão solidamente estabelecidos n'aquelle continente como Portugal.
Vou contar a v. exa. e á camara o que se passa actualmente na Africa por parte da associação internacional africana.
Os trabalhos que essa associação está ali executando, tanto pelo lado oriental, como pelo lado occidental, têem
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um fim altamente importante; pois são dirigidos de modo, a colher resultados praticos e positivos, não só com respeito aos intuitos humanitarios da mesma associação, á civilisação dos negros, e ao commercio geral do mundo, mas tambem para seu proveito proprio e particular, estabelecendo colonias ou estações commerciaes em differentes pontos d'aquelle vasto continente.
A associação internacional africana, posto que perdesse os primeiros exploradores que mandou a Africa, não esmoreceu, e dispondo de recursos consideraveis, tem enviado para ali successivamente novos exploradores, que partindo da costa oriental e occidental, para o interior d'aquelle continente procuram desempenhar o mais cabalmente possivel a sua missão.
Entre os exploradores que presentemente estão avançando de Bagamayo, no Zanzibar, para o interior em direcção ao lago Tanganika pelo 5° ou 6° parallelo austral, figuram os srs. Carter, Cambier, Popelin, Burdo e outros.
Pelo lado occidental marcha Stanley, que, como todos sabem, partiu da foz do Congo ou Zaire, á testa de uma expedição que vae por conta de uma sociedade particular composta de capitalistas e commerciantes, em que predomina o elemento inglez e belga.
As expedições que partiram do lado oriental encontraram a maxima protecção da parte do sultão Said-Bargasch, que já tem protegido outras expedições, e as aprecia muito, sobretudo depois da sua recente viagem á Europa.
Estas ultimas expedições têem sido organisadas de modo que disponham de todos os meios para tornar altamente productivos os seus resultados praticos. Compraram-se elephantes na Asia para acompanharem as expedições, e esses animaes têem servido de grande auxilio aos exploradores, não obstante o seu pequeno numero, pois tendo morrido dois, restam apenas outros dois, que fazem o serviço de carregadores e prestam outros auxilios muito valiosos.
N'um relatorio dirigido pelos expedicionarios ao comité belga da associação internacional, a que já me referi, assignalam-se os serviços feitos pelos elephantes, e diz-se que têem sido mais vantajosos em favor da exploração que todos os trabalhos anteriormente feitos com o mesmo intuito, pelas circumstancias particulares que se têem dado a tal respeito e que eu vou explicar.
Acontece, como é sabido de todos, que os elephantes de Africa não têem sido domesticados. Até hoje não foi possivel levar estes animaes á obediencia do homem, por falta de outros elephantes amestrados para a sua caça e ensino.
Ora as tribus selvagens de Africa, os negros do interior habituados a ver os elephantes d'aquelle paiz, sempre indomitos, acostumados a caçal-os, matando-os, e não sabendo aproveitar os seus serviços, imaginam que é impossivel domesticar aquelles monstros, e quando vêem que elles acompanham pacificamente as expedições, obedecendo á voz dos brancos, ficam impressionados de tal modo, que não hesitam mais em ajudar os exploradores, e servil-os em tudo que podem.
Vendo os negros que os elephantes se acham domesticados pelos brancos, ao ponto de servirem de carregadores, e ao mesmo tempo obedecendo a todos os seus acenos, consideram aquelles brancos como dominadores de todo o mundo, e julgam impossivel resistir-lhes. E assim tem acontecido.
As expedições, antes d'este recurso, passavam com difficuldade por entre os selvagens, sendo mesmo aggredidas por essas tribus.
Hoje, porém, acontece o contrario, e a superstição relativa ao dominio dos elephantes tem contribuido principalmente para isso.
Os elephantes resistem á terrivel mosca tsétsé, fatal para os outros animaes de carga; e alem do serviço de carregadores, equivalentes ao de sessenta ou setenta negros, os elephantes servem tambem para a caça, e para o ensino dos elephantes africanos, ao modo da Asia.
Os exploradores a que já me referi contam com resultados cada vez mais proveitosos para continuarem as suas operações no sertão africano. Têem elles estabelecido já, ou começado o estabelecimento de oito estações distanciadas de vinte a vinte e cinco leguas, (e esperam tel-as promptas até ao fim d'este anno) desde o Zanzibar até Karéma, junto ao lago Tanganika, a cerca de duzentas leguas da costa oriental, e n'uma longitude proximamente de 27°, o que é de uma alta conveniencia para a exploração d'aquellas regiões.
Ao mesmo tempo Stanley dirigir-se-ha para a parte oriental de Africa. Esta grande expedição, em vista das instrucções que tem da sociedade internacional africana, as quaes têem o caracter scientifico e commercial, deve acompanhar o percurso do rio Congo, e seguir por elle até ás suas origens, quer provenham do lago Tanganika, quer das proximidades da sua margem occidental; vindo assim, a encontrar-se com as expedições que partirão de Zanzipota, a qual se faz acompanhar dos meios necessarios para armar n'este lago um barco a vapor.
É assim que se estão preparando os trabalhos das duas grandes expedições: a do lado oriental e a do lado occidental.
D'este modo, é evidente que uma parte do commercio que se podia obter para o augmento de riqueza e do desenvolvimento das colonias de Moçambique e de Angola, será derivado para o norte d'estas nossas possessões, para os portos de Zanzibar e do Zaire, sem que nós tenhamos feito valer o nosso direito á posse exclusiva da foz d'este rio.
Necessariamente havemos de sentir essa falta, e para a reparar não temos senão a fazer o mesmo que está praticando a associação internacional africana.
Emquanto procurâmos resolver a questão do Zaire, podemos tambem enviar expedições á similhança d'estas a que me referi.
Façamos pelo sul das nossas possessões o mesmo que outros estão fazendo pelo norte. Sigamos o itinerario do major Serpa Pinto. O seu relatorio official póde ser um grande auxiliar n'este caso.
É sobre este ponto que eu tenho a honra de chamar a attenção do nobre ministro da marinha e do ultramar, para que em favor dos maiores estabelecimentos coloniaes que possuimos, Angola e Moçambique, se façam alguns sacrificios por parte da metropole, de modo que não sejam infructiferos os trabalhos emprehendidos e realisados n'aquellas regiões, não só por Serpa Pinto, mas pelos distinctos officiaes Capello e Ivens que o acompanharam e que fizeram importantes trabalhos n'outras direcções.
Eu desejava que, em relação aos recursos do thesouro, repetissemos e aproveitassemos trabalhos d'esta natureza, á similhança do que as nações, que não têem como Portugal os mesmos interesses na Africa, mas procuram tel-os, estão fazendo de um modo pratico e vantajoso.
Não digo mais nada sobre este assumpto, porquanto não é o que se discute. Foi apenas uma divagação. Volto a fallar ácerca do projecto Com muita satisfação lhe dou o meu voto. Como premio dos notaveis serviços feitos pelo distincto official Serpa Pinto, parece-me pouco. Como proposta para regularisar a posição do mesmo official no exercito, era necessaria, e é indubitavel que não devia deixar de ser apresentada.
Todos sabem que os officiaes do exercito portuguez, quando despachados para o ultramar, devem servir ali por tres annos para ter direito a conservar o posto de accesso que obtiveram sem prejuizo de antiguidade dos officiaes da sua classe.
Quando voltam sem haver completado esse tempo de serviço, ou têem de passar ao posto em que estavam anteriormente á sua partida, ou têem de voltar ainda ao ul-
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tramar para satisfazer ao preceito da lei. N'estas circumstancias, não devendo nem uma nem outra cousa ser exigida ao distincto official, de quem estou fallando, porque foram realmente importantes os serviços que elle fez, creio não ninguem deixará de reconhecer a indispensabilidade de regularisar, come disse, a sua posição no exercito por uma proposta d'esta natureza.
Sr. presidente, os postos da accesso no ultramar são, por assim dizer, uma phantasmagoria, porque têem apenas vantagem ephemera.
Folgo muito de saber que o nobre ministro da marinha e do ultramar, com o seu reconhecido zêlo pelos negocios do ministerio que lhe está confiado, já apresentou, na outra casa do parlamento, uma proposta de lei para a reforma de serviços no ultramar, proposta em que são substituidas as concessões de postos de accesso sem prejuizo do antiguidade, por vantagens mais positivas e reaes.
Estimo que s. exa. tomasse essa resolução, porque os postos de accesso, n'estas circumstancias, sem serem verdadeiramente uteis na carreira do official, perturbam de certo modo a promoção ordinaria no exercito da metropole. O official assim promovido não entrava no serviço de exercito com o posto que tinha ganho com a sua ida para o ultramar, sem chegar á sua altura na promoção ordinaria, e estava muitas vezes seis e oito annos sem poder entrar no serviço effectivo do exercito. Se gosava com antecipação o soldo do posto immediato, nem por isso deixava de ser prejudicado no seu regresso ao reino, porque não podia ter todas as vantagens correspondentes ao posto, como se estivesse na effectividade do serviço.
Em conclusão, sr. presidente, pelas considerações que tenho feito e debaixo do ponto de vista de regularisar a situação d'este official no exercito, concordo com o projecto, e dou-lhe o meu voto.
(O orador foi comprimentado por diversos dignos pares.)
O sr. Sequeira Pinto (sobre a ordem): - Pedi a palavra para mandar para a mesa dois pareceres: um, da commissão de verificação de poderes, sobre a carta regia que elevou á dignidade de par do reino o sr. José Maria Raposo do Amaral; e o outro, da commissão de fazenda, approvando o projecto que faz algumas modificações na lei actual da contribuição de registro.
Leram-se na mesa e foram a imprimir.
O governo associa-se a todas as palavras de elogio que o digno par acaba de proferir com relação aos tres illustres o [...] exploradores, Serpa Pinto, Brito Capello e Ivens, porque é o primeiro a reconhecer os relevantes serviços que prestaram ao paiz.
O projecto em discussão não trata de conceder um premio; é mais modesto, porque tem unicamente por fim regular a posição do distincto official a que diz respeito; mas o governo não fica inhibido de poder premiar os serviços feitos por este e pelos outros valentes exploradores, e já tem dado provas de quanto os aprecia.
Não posso tambem deixar de tornar bem patente a camara, que o pensamento do governo é não deixar [...] estas explorações, e ha de fazer com que se respeitam, para que se possa tirar d'ellas resultado proficuo, do mesmo modo que não ha de descurar os meios de fazer essa que o nosso dominio sobre o Zaire sois reconhecido, seguindo assim o exemplo dos governos que o procederam, que nunca deixaram de terem vista de importante assumpto.
(O orador não reviu este discurso.)
O sr. Visconde de Bivar: - Acabâmos de ouvir a voz do governo respondendo ao discurso do nosso collega o sr. Visconde de S. Januario.
Sr. presidente, nós como nação colonial temos importante designações a desempenhar, se não quizermos perder completamente as nossas possessões ultramarinas. Outros povos da Europa, que não têem interesses coloniaes tão grandes como nós, parecem querer tomar-nos o passo e seguir um caminho que nós ha mais tempo deviamos ter tomado.
Ouvi dizer ao governo, pela bôca auctorisada do sr. ministro da marinha, que elle estava disposto a não descurar os nossos interesses coloniaes e a continuar na vereda tão brilhantemente encetada pelo nosso illustre collega o sr. Andrade Corvo, quando estava á frente dos negocios do ultramar. Ainda bem. Deus queira que essas boas disposições continuem, que interesses tão importantes, como aquelles a que alludo, não sejam descurados, e que nós, verdadeiramente possuidos dos sentimentos do patriotismo que a todos nos deve guiar, tomemos bem a peito o proteger esses interesses.
Sr. presidente, eu não poderia dizer tão brilhantemente como acaba de fazer o nosso illustre collega o sr. visconde de S. Januario, quaes foram os serviços prestados pelo sr. major Serpa Pinto, nem tão pouco poderia fallar com tanto conhecimento de causa como s. exa. sobre o modo por que procedem as expedições da sociedade de geographia da Belgica. O digno par deu-nos noticia de factos importantissimos, e oxalá que nós possamos seguir, dentro da possibilidade dos nossos recursos, o caminho que s. exa. apontou.
Sr. presidente, ouvi fallar a par do nome do sr. Serpa Pinto, nos nomes dos sr. Capello e Ivens. Eu desejo pedir, e este foi o fim principal por que tomei a palavra, que o premio ou regularisação de petição, ou seja o que for, que se vae conceder ao sr. Serpa Pinto seja concedido tambem aos outros dois exploradores a quem me acabo de referir. Por isso folgaria de saber se o governo estava disposto, ainda n'esta sessão, a trazer ao parlamento um projecto em que se fizesse a respeito dos srs. Ivens e Capello o mesmo que por este projecto se vae fazer ao sr. Serpa Pinto.
O sr. Ministro da Marinha (Marquez de Sabugosa): - Trago na minha pasta, para apresentar á camara dos senhores deputados, uma proposta identica ao projecto
que se discute, mas com relação aos dois exploradores a que se discute, mas co relação aos dois exploradores a que o digno par se referiu.
O sr. Visconde de Bivar: - Folgo bastante de ouvir a declaração do sr. ministro da marinha; por consequencia, o fim principal das poucas palavras que tinha a dizer está conseguido.
Creio que os dois exploradores Capello e Ivens não fizeram serviços menos importantes que o sr. Serpa Pinto A uns e a outros o paiz deve-se mostrar agradecido, e por conseguinte é de justiça que o que se pratica com respeito a este se faça tambem com referencia áquelles cavalheiros.
O sr. Fontes Pereira de Mello: - Eu assignei sem declaração o projecto que se discute, e approva-l-o-hei tal qual está redigido, se acaso na camara não apparecer alguma proposta que conceda ao major Serpa Pinto vantagens mais consideraveis do que são as que vejo mencionadas no mesmo projecto. Foi isto o que declarei na commissão, em presença do nobre ministro da guerra, acrescentando que sómente o desejo de não prejudicar do modo algum os interesses d'este official me levava a proceder assim, porque, aliás, eu teria proposto alguma cousa que melhorasse as vantagens concedidas ao intrepido explorador.
Disse tambem que me reservava para apresentar na camara estas considerações.
Não faço proposta porque, pela minha posição n'esta casa, podia suppor-se que eu tinha um intuito qualquer em a fazer, quando o facto é que não o tenho.
Se, porém, algum dos meus collegas propozer maiores vantagens do que no projecto são concedidas pelo governo, hei de prestar-lhe o meu voto, e assim creio que pratico um acto de justiça.
Não ha duvida que o governo já fez uma importante concessão honorifica ao official de que se trata, mas, se me é licito apreciar devidamente essa concessão e a natureza d'ella, direi que me parece que se começou pelo fim.
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Que o major Serpa Pinto atravessou a Africa do lado occidental para o oriental, e que n'essa travessia praticou um acto de audacia a que corresponde um premio de certa importancia, é um ponto inquestionavel.
O governo, creio eu, agraciou com a commenda da esclarecida ordem de S. Thiago, destinada a premiar o merito scientifico, litterario e artistico, este official, cujos serviços, sob qualquer d'esses tres pontos de vista, eu não conheço por em quanto.
Parecia-me, pois, que a mencionada distracção era bem cabida, sómente quando houvesse conhecimento do valor scientifico, litterario ou artistico dos trabalhos do major Serpa Pinto; mas, começar pelo fim, isto é, premiar trabalhos que são desconhecidos ainda, e pôr de parte a audacia, o valor, a coragem que elle teve occasião de desenvolver, não está de accordo com o que eu entendo.
O que se vae dar ao major Serpa Pinto é insignificante, comparado com o arrojo que se precisa para praticar actos como elle praticou. Eu disse na commissão, e repito agora: se alguem propozesse que ao explorador Serpa Pinto fosse concedido o posto de major, sem a clausula de não serem prejudicados na antiguidade outros officiaes, eu não hesitava em approvar essa proposta. E votava-a, porque? Porque as nossas leis militares auctorisam a promoção com prejuizo de antiguidade, todas as vezes que se pratiquem actos de dedicação e coragem.
Eu julgo que os actos praticados pelo major Serpa Pinto não são inferiores a qualquer feito de bravura n'um dia de batalha: porquanto elle deu mostras de bravura e intrepidez, não sómente n'um dia, mas em dias, em mezes consecutivos.
Á vista d'isso, o que podia acontecer? Queixarem-se os capitães mais antigos? Eu digo a esses capitães: Fazei o mesmo que Serpa Pinto, praticae actos tão corajosos como elle praticou, e tereis, para obterdes igual concessão, o apoio do meu voto, que é o mais com que vos posso ajudar no parlamento.
Dispensar apenas de voltar a Africa o major Serpa Pinto, que já na Africa tanto tempo esteve, e tantos trabalhos supportou, prestando serviços reconhecidos não só no paiz, mas pelos estrangeiros, onde foi recebido nas sociedades de geographia pelos homens de sciencia, que trabalham de coração, parece-me, repito, uma recompensa insignificante, que está abaixo dos serviços feitos por aquelle official. Torno a repetir, eu não faço proposta alguma, e voto o projecto, porque é melhor do que não conceder nada; mas a fallar a verdade, eu desejaria que os poderes publicos, inspirando-se na importancia d'aquelles serviços, concedessem uma remuneração mais larga.
Disse ha pouco o nobre ministro da marinha, que o governo se reservava para fazer outra demonstração de apreço para com os serviços d'aquelle official, dando-lhe maior recompensa. Permitta-me s. exa. que lhe diga que o governo não poderá fazer isso sem lei que o auctorise.
O sr. Ministro da Marinha (Marquez de Sabugosa): - Apoiado.
O Orador: - Sem essa lei, só lhe poderá fazer alguma concessão honorifica, como já fez; eu desejaria, porém, recompensa de outro alcance, porque as honorificas podem aggravar um pouco a situação de um official pela rasão de importarem despezas consideraveis, como direitos de mercê, sêllo, etc.
A minha opinião, pois, é que a recompensa fosse mais solida e mais real, e essa não póde ser para um official do exercito senão a concessão de um posto na sua carreira. Não creio que isto seja uma cousa extraordinaria. Não quero fazer politica nem crear embaraços ao governo, se é que d'esta questão lhe poderia advir qualquer difficuldade, o que não é crivel.
Eu não conheço este official senão de o ver em uma conferencia que teve logar no salão da Trindade; mas conheço, como toda a gente, os seus grandes serviços, e dou-lhes toda a importancia que elles merecem.
Por ultimo direi que acompanho o sr. visconde de S. Januario nas suas observações ácerca das difficuldades do commettimento do sr. Serpa Pinto, e parece-me que esta camara se honrava dando a este official uma vantagem mais condigna e adequada aos serviços relevantes que elle prestou.
(O orador não reviu o seu discurso.)
O sr. Ministro da Guerra (João Chrysostomo): - Concordo com as idéas do digno par que acaba de fallar, e, como s. exa., entendo tambem que os actos praticados pelo major Serpa Pinto merecem alta remuneração; mas este projecto não tem por fim significar a unica recompensa devida áquelle distincto official. Do que principalmente se trata aqui, como muito bem disse o sr. visconde de S. Januario, é de regularisar a posição do mesmo official, pois é certo que elle, em vista da lei, tinha de cumprir uma obrigação que o governo não lhe podia dispensar por acto proprio. Era necessario que o parlamento interviesse e se fizesse uma lei para tal fim. Essa era a primeira condição a preencher emquanto ao posto do accesso, mas o governo tinha desde logo dado demonstrações do apreço e consideração que merecem os serviços do sr. Serpa Pinto, conferindo-lhe differentes mercês honorificas. A missão, porém, d'este distincto official ainda não está ultimada e não se limitou ao acto audacioso de atravessar o continente africano; nós conhecemos e avaliâmos esse acto de tanto arrojo, que conquistou desde logo ao sr. Serpa Pinto grande consideração, não só da parte dos poderes publicos e de todos os seus concidadãos, mas tambem da parte dos sabios estrangeiros e de todas as pessoas que sabem dar valor a similhantes actos. Mas a missão e serviços da major Serpa Pinto não consiste só n'isso. Elle realisou tambem trabalhos e observações scientificas que está colligindo, e o governo, sendo o primeiro a reconhecer que o distincto explorador patenteou a ousadia e resolução necessarias para os grandes commettimentos d'esta ordem, e que animado dos brios e enthusiasmo proprio para emprezas tão audaciosas como são as expedições atravez da Africa, só por isso merece grande consideração e apreço; esperava comtudo que aquelle official concluisse a sua missão e apresentasse o resultado dos seus trabalhos scientificos, não menos importantes, para então lhe dar a recompensa condigna e completa.
Para quem como o major Serpa Pinto executou aquella missão com enthusiasmo e desinteresse, desprezando os perigos a que se expoz, a verdadeira recompensa está na consideração e estima publica e geral, e no legitimo orgulho de ter praticado um acto meritorio a bem do progresso scientifico e da humanidade. Portanto, o residir no continente africano ou no continente europeu por alguns annos, e a maior ou menor altura na escala do accesso, são cousas por certo de pouca monta para este distincto official.
Mas deve concluir-se só pela pequena recompensa que resulta d'este projecto de lei, que o governo não esteja disposto a premiar mais condignamente os importantes serviços d'este illustre official? De certo que não.
Os trabalhos que o major Serpa Pinto tem a apresentar talvez não sejam de menor valia e importancia que o seu arrojo; esses trabalhos certamente deverão ser preciosos para a sciencia, e deverão mostrar que o seu auctor é digno de maior remuneração. (Apoiados.) Ora: por occasião da apresentação d'esses trabalhos, que hão de ser devidamente apreciados, é que os poderes publicos poderão melhor proporcionar a remuneração devida.
Por consequencia a approvação d'este projecto não importa mais do que regularisar a situação d'este official e não inhibe que se apresentem propostas, em tempo opportuno, para que se dê o devido galardão a todos os serviços e trabalhos praticados por este benemerito portuguez.
O sr. Conde de Rio Maior: - Sr. presidente, as re-
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compensas honorificas são de certo importantes e deve ser muito considerado por este distincto official o modo por que são apreciados os seus serviços á patria; mas ha mais alguma cousa a considerar, como muito bem disse o digno par, o sr. Fontes Pereira de Mello, e este projecto tem apenas por fim conservar ao major Serpa Pinto esse posto, sem que elle tenha de voltar á Africa, onde elle já passou tantos annos da sua mocidade, prestando serviços tão activos á sua patria e á sciencia. Mas do que se trata? Trata-se de se dar a este official a recompensa que de direito elle merece como um galardão do paiz.
Sr. presidente, eu entendo por consequencia que as ultimas phrases do projecto desde as palavras «mas sendo mantidas todas as demais disposições e clausulas do referido decreto» devem ser eliminadas. É esta á minha proposta que julgo digna da approvação da camara. (Apoiados.)
O sr. Barros e Sá: - Quando a commissão de guerra tratou d'este negocio, eu fui da opinião que o sr. Serpa Pinto era credor de distincção maior que a que se lhe concede por este projecto, mas declarei que não faria nova proposta, porque não desejava embaraçar de modo nenhum o andamento d'este assumpto; como porém o sr. conde de Rio Maior acaba de fazer uma que é muito acceitavel debaixo de todos os pontos de vista, eu declaro a v. exa. e á camara que, por parte da commissão de guerra, estamos de accordo em acceitar a proposta do digno par o sr. conde de Rio Maior.
O sr. Corvo: - Quando pedi a palavra tinha o intuito, que a camara comprehende bem, de accentuar de um amaneira clara e positiva a minha opinião a respeito do projecto em discussão, que considero inferior aos denodados serviços que, com coragem e intelligencia, prestou o sr. Serpa Pinto; a proposta que acaba de fazer o digno par o sr. conde de Rio Maior exprime a minha idéa, e com o maior, prazer a vi acceita pela illustre commissão de guerra, traduzindo por esta fórma o sentimento que o proprio governo tem de certo de attender de uma maneira mais digna aos altos serviços que prestou aquelle insigne militar, o que não só o honra a elle mas ao proprio paiz.
Tendo, pois, visto a commissão de guerra acceder áquella idéa e o governo, nada mais tenho a acrescentar, senão reconhecer o bem merecida que é uma recompensa d'esta ordem feita a quem prestou serviços tão relevantes, e que servirá igualmente de incentivo a outros officiaes que de futuro possam prestar iguaes serviços.
O sr. Ministro da Guerra (João Chrysostomo): - Sr. presidente, eu pedi a palavra para declarar por parte do governo, que nós não temos a menor duvida em acceitar da melhor vontade a proposta do sr. conde de Rio Maior; todos estamos de accordo no mesmo fim; apenas a discussão versa emquanto ao modo e a occasião de conceder ao major Serpa Pinto a recompensa que merece; mas uma vez que se julga conveniente desde já expressar a idéa d'esta recompensa n'esta proposta de lei, o governo não se oppõe, e os sentimentos d'elle acompanham os da camara.
O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Anselmo Braamcamp): - Sr. presidente, fui prevenido pelo meu illustre collega, o sr. ministro da guerra; não quero comtudo deixar de acrescentar algumas palavras ás de s. exa.
Sr. presidente, diante de um commettimento d'esta ordem, diante de um arrojo tão audacioso e elevado como foi o do sr. Serpa Pinto, todos devemos unir-nos, sejam quaes forem as nossas divisões politicas, para manifestarmos aquelle valente portuguez o nosso respeito, a nossa consideração pelos altos serviços que elle prestou não só ao seu paiz, como á sciencia e á civilisação.
O governo folga de ouvir a proposta formulada pelo digno par, o sr. conde de Rio Maior, e associa-se ás elevadas considerações com que s. exa. a sustentou.
Se o governo apresentou esta proposta de lei que se discute, pelo modo por que está redigida, foi por ser o que mais se coadunava com as disposições legislativas em vigor; mas logo que no seio do parlamento se levanta uma voz tão auctorisada a pedir uma recompensa mais elevada, e que esta camara manifesta tão claramente igual desejo, não ha de ser de certo o governo actual que a negue ao sr. Serpa Pinto, a quem sempre procurou dar todas as provas de consideração pelos serviços que elle prestou.
Portanto, sr. presidente, n'este ponto todos devemos estar de accordo, e tenho a convicção de que a camara dos senhores deputados ha de acceitar esta proposta com o mesmo apreço pelos serviços do sr. Serpa Pinto com que approvou unanimemente o projecto apresentado pelo governo.
Aos dignos membros d'esta casa devo lembrar que o governo não regateou ao explorador portuguez as demonstrações da sua consideração, e se alguma cousa ha mais honroso que o projecto, são de certo as elevadas considerações que o precedem, e que devem ser para o sr. Serpa Pinto mais alto galardão do que as recompensas que se propõem.
Effectivamente nas palavras com que os meus illustres collegas da guerra e da marinha justificam a proposta, que submetteram ao parlamento, manifesta-se bem claramente todo o alto apreço em que são tidos pelo governo os serviços prestados por aquelle nosso brioso e arrojado concidadão.
Nada mais tenho a dizer, e limito-me a affirmar novamente á camara, que o governo acceita a proposta do sr. conde de Rio Maior e a que o digno par, o sr. Fontes Pereira de Mello, já se havia referido nas declarações que s. exa. apresentou á camara.
O sr. Visconde de S. Januario: - Sr. presidente, com a apresentação d'este projecto, o intuito do governo, como disseram os srs. ministros da guerra e da marinha, era principalmente regular a situação d'este official no exercito.
Reservava-se de certo o governo para depois da apresentação dos seus trabalhos scientificos, galardoar os serviços prestados por este official, como entendesse conveniente.
Debaixo d'este ponto de vista eu approvava, como disse, o projecto; mas desde o momento em que o governo acceita desde já o alvitre apresentado, eu não tenho senão a applaudil-o, e desde já declaro que me conformo inteiramente com a alteração proposta.
O sr. Presidente: - Vae ler-se o projecto e a proposta.
Leu-se, e consultada a camara foi approvado unanimemente o projecto, com a alteração proposta pelo sr. conde de Rio Maior.
Leu-se o parecer n.° 48, que é do teor seguinte:
Parecer n.º 48
Senhores. - A vossa commissão de fazenda examinou detidamente o projecto de lei n.° 31, vindo da camara dos senhores deputados, e que tem por fim modificar os direitos de importação e exportação de alguns artigos da pauta geral das alfandegas, e a vossa commissão:
Considerando que o direito de 30 réis por cada 15 kilogrammas de cortiça em bruto ou em pranchas, por muito modico e inferior ao que actualmente estabelece a pauta hespanhola para a maior parte da sua producção, não póde prejudicar de maneira alguma este valioso ramo da nossa exportação;
Considerando que o direito mais elevado de 100 réis por cada 15 kilogrammas, a que fica sujeita a cortiça fabricada em quadros, e a isenção de direitos para a cortiça em rolhas, constituem uma protecção rasoavel e um incentivo ao desenvolvimento de uma industria importante, assente em condições muito favoraveis, mas luctando já com pesados direitos nos paizes consumidores;
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Considerando que a preferencia dada no projecto ao direito fixo sobre o direito ad valorem é perfeitamente justificada no intuito de evitar contestações nas casas fiscaes, facilitando ao mesmo tempo o despacho, e auctorisada com a opinião dos proprios interessados, e em especial com o voto da associação commercial de Lisboa;
Considerando que o direito de 300 réis por cada tonelada de carvão de pedra, não deve entorpecer o nosso movimento industrial, não só em vista dos preços d'este genero actualmente baixos, mas attentas as vantagens de facilidade de transporte, barateza de frete, e proximidade dos mercados inglezes, onde exclusivamente nos abastecemos;
Considerando, mais, que o direito de 150 réis por tonelada, que, por via do drawback, fica apenas pagando o carvão de pedra que for embarcado para o fornecimento das embarcações a vapor nacionaes e estrangeiras, não póde de modo algum afastar a navegação a vapor dos nossos portos, porquanto, sendo o direito actual em Hespanha de 450 réis por tonelada, não é acreditavel que os navios a vapor prefiram fazer escala pelos portos, onde este artigo está sobrecarregado com um imposto duas vezes maior;
Considerando que as disposições do § 1.° do artigo 2.° e do artigo 3.°, pelas quaes tem de ser os direitos sobre o carvão de pedra e o coke cobrados em relação ao peso que constar dos manifestos e conhecimentos, não tendo logar a pesagem senão quando haja suspeita de fraude nas declarações, importa mais presteza e facilidade no despacho, com vantagem manifesta para o commercio;
Considerando que o direito de 600 réis por cada tonelada de coke tende a collocar em uma situação normal de producção as fabricas de gaz, já tributadas com o novo imposto sobre o carvão;
Considerando que no direito imposto sobre o oleo de sementes de algodão se attende ás justas reclamações por vezes dirigidas ao governo, no duplo interesse da nossa agricultura e da saude publica;
Considerando que o augmento de 20 réis por cada kilogramma de café importado, devendo produzir um acrescimo de receita, não póde, por ser moderado, influir no preço do genero por fórma que vá diminuir o seu consumo;
Considerando que, attentas as circumstancias pouco favoraveis que nos ultimos annos tem affectado um tanto a agricultura e o commercio das nossas possessões ultramarinas, e em especial a ilha de S. Thomé, mui acertadamente se mantem no projecto, para o café importado das mesmas possessões, a protecção de 50 por cento, de que ao presente gosam; e
Considerando, finalmente, que a elevação a 2 por cento da taxa complementar sobre o valor das mercadorias importadas e despachadas para consumo, creada pela carta de lei de 18 de março de 1873, com exclusão das mercadorias já exceptuadas, e bem assim do carvão e do coke, se é pouco admissivel em principio, se justifica todavia em presença das circumstancias graves da fazenda publica, e por ser um sacrificio temporario, que deve produzir uma receita avultada, sem que augmente a despeza com a sua cobrança e fiscalisação:
É de parecer a vossa commissão, de accordo com o governo, que por todas estas ponderações, approveis o presente projecto de lei, a fim de subir á real sancção.
Sala da commissão, em 7 de abril de 1880. = Diogo Antonio C. de Sequeira Pinto = Thomás de Carvalho = Antonio de Serpa Pimentel (vencido quanto ao artigo 2.°) = João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens = Mathias de Carvalho Vasconcellos = João José de Mendonça Cortez = Conde de Castro, relator.
Projecto de lei n.° 31
Artigo 1.° A cortiça que saír do reino, quer seja para os paizes estrangeiros pelos portos seccos ou molhados, quer para as possessões portuguezas ou ilhas adjacentes, pagará os seguintes direitos;
Cortiça em bruto ou em pranchas, 30 réis por cada 15 kilgrammas.
Cortiça fabricada em quadros, 100 réis por cada 15 kilogrammas.
Cortiça em aparas e virgem, 5 réis por cada 15 kilogrammas.
§ unico. É livre de direitos a exportação de cortiça fabricada em rolhas.
Art. 2.° O carvão de pedra que for importado no continente do reino e ilhas adjacentes, pagará o direito de 300 réis por tonelada.
§ 1.° Os direitos serão cobrados em relação ao peso que constar dos manifestos e conhecimentos, dispensando-se a pesagem; quando, porém, a auctoridade fiscal tenha fundado motivo para suppor que não ha exactidão no peso declarado, procederá então nos termos que as instrucções regulamentares determinarem.
§ 2.° Por cada tonelada de carvão de pedra que seja embarcada para o fornecimento das embarcações a vapor nacionaes ou estrangeiras será restituida a importancia de 150 réis por tonelada.
Art. 3.° O coke que for importado no continente do reino e ilhas adjacentes, pagará 600 réis por tonelada, applicando-se as disposições do § 1.° do artigo 2.°
Art. 4.° O oleo de sementes de algodão, que for importado no continente do reino e ilhas adjacentes, pagará 700 réis por decalitro.
Art. 5.° O café em casca ou descascado, que for importado no continente do reino e ilhas adjacentes, pagará 120 réis por kilogramma; e o mesmo genero, torrado e moido, e suas imitações, incluindo a chicoria, pagará 140 réis por kilogramma.
§ unico. O café de producção propria das possessões nacionaes ultramarinas, transportado directamente em navios nacionaes, pagará nas alfandegas do continente e ilhas adjacentes, metade dos direitos de importação fixados n'este artigo.
Art. 6.° Até 30 de junho de 1881, a taxa complementar creada por carta de lei de 18 de março de 1873, será leevada a 2 por cento, unicamente sobre o valor das mercadorias importadas o despachadas para consumo.
§ 1.° Ficam exceptuadas do augmento da taxa complementar as mercadorias a que se refere o § unico do artigo 1.° da carta de lei de 18 de março de 1873, e de toda a taxa o carvão e o coke.
§ 2.° Sobre o augmento da taxa complementar tambem não serão contados os 3 por cento de emolumentos.
Art. 7.° Fica revogada a legislação em contrario.
Palacio dos côrtes, em 1 de abril de 1880. = José Joaquim = Fernandes Vaz, presidente = Antonio José d'Avila, deputado secretario = D. Miguel de Noronha, deputado vice-secretario.
Proposta de lei n.° 65-L
Artigo 1.° É livre de direitos a importação e exportação de gado pela raia.
§ unico. Exceptua-se o gado vaccum, o qual, quando exportado pela alfandega de Valença e suas delegações, pagará o direito de 1$500 réis por cabeça.
Art. 2.° O gado vaccum exportado pelas alfandegas maritimas pagará o direito de 3$000 réis por cabeça.
Art. 3.º A cortiça que saír do reino, quer seja para os paizes estrangeiros pelos portos seccos ou molhados, quer para as possessões portuguezas ou ilhas adjacentes, pagará 100 réis por cada 15 kilogrammas.
Art. 4.° Os combustiveis fosseis e seus productos, não especificados, que forem importados no continente do reino e ilhas adjacentes, pagarão 500 réis por tonelada.
Art. 5.º O oleo de sementes de algodão, que for importado no continente do reino e ilhas adjacentes, pagará 500 réis por decalitro.
Art. 6.° Os generos e mercadorias de producção propria das possessões nacionaes ultramarinas, transportados dire-
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ctamente em navios nacionaes, pagarão nas alfandegas do continente e ilhas adjacentes 75 por cento de direitos de importação marcados na pauta geral.
Art. 7.° Fica revogada a legislação em contrario.
Ministerio da fazenda, gabinete do ministro, 13 de janeiro de 1880. = Henrique de Barros Gomes.
Entrou em discussão na generalidade.
O sr. Vaz Preto: - Sr. presidente, pedi a palavra sobre a generalidade do projecto, porque desejo apresentar algumas reflexões á consideração da camara apesar de não ser o mais competente e o mais habilitado para tratar assumptos d'esta ordem.
Não quero deixar, comtudo, de manifestar a minha opinião, porquanto no projecto vejo um attentado aos bons principios e sãs doutrinas.
O sr. ministro da fazenda deve saber que as theorias, ainda que era absoluto, sejam acceitaveis, nem sempre dão bom resultado na pratica. Assim, um principio que se nos afigura, muito rasoavel em these, póde na pratica não dar o resultado que se suppõe. Mas, nem isso se dá com o projecto que se discute, nem mesmo com as alterações que lhe têem sido feitas, como demonstrarei.
O projecto primitivo do sr. ministro foi todo alterado, até alguns artigos lhe foram supprimidos, e o sr. ministro teve a docilidade de se sujeitar, o que lhe é muito louvavel.
Oxalá que s. exa. seja tambem docil com esta camara acceitando-lhe modificações que devem melhorar consideravelmente o projecto. Não fica mal a um ministro ceder das suas idéas em proveito do publico.
O artigo 1.° do projecto primitivo foi supprimido, e com rasão, porque o sr. ministro da fazenda tinha commettido a falta indesculpavel de querer legislar em absoluto para Portugal, sem se lembrar que ligado a elle está a Hespanha, que aproveitava consideravelmente em detrimento nosso, se fosse approvado o 1.° artigo que se referia á exportação de gado vaccum pela raia secca.
Será bom, pois, que o sr. ministro de hoje para o futuro, fique convencido, que, em tudo o que disser respeito a exportação e importação pela raia secca, não póde, nem deve legislar em absoluto para Portugal, mas sim attendendo tambem ás circumstancias de Hespanha. Para que esta minha asserção se torne ainda mais intuitiva, se é possivel, entre muitos exemplos eu vou apresentar um bem frisante.
Cada cabeça de gado suino que nós importâmos de Hespanha paga a modica quantia de 40 réis, e cada cabeça que exportâmos a de 5 duros, o que equival a pouco mais ou menos a 4$600 réis. isto quer dizer que, todas as vezes que houver carestia em Hespanha, por falta de montados, nós não podemos ali concorrer com os creadores Hespanhoes senão pagando aquelle avultado direito, emquanto elles no caso contrario pagam um tributo insignificante.
Ora já vê a camara que, ao passo que a nação vizinha protege aquella industria, nós não damos nenhuma protecção á nossa.
O resultado é que nós não podemos concorrer, n'esta parte, com os hespanhoes, que alem d'isso têem mais extensos, abundantes e productivos montados.
Ora o que se dá com relação aos gados, dá-se tambem a respeito de outros generos, como por exemplo o azeite. Emquanto este genero cuja importação, supponho que está prohibido em Hespanha, o resultado é peor, pois n'este caso só ali entra por contrabando. Nós temos um ministro em Hespanha, e muito habil, que prestaria relevantes serviços ao paiz, removendo ali estes obstaculos às nossas industrias.
Chamo, pois, a attenção do sr. ministro da fazenda para este assumpto, a fim de ver se chega a um accordo com o governo hespanhol, de modo que as cousas se harmonisem em ordem a collocar em melhor situação as industrias a que fiz referencia. Sem esse accordo não póde s. exa. fazer alterações na pauta que não tragam comsigo inconvenientes graves para os nossos productores.
Passarei agora a occupar-me do ponto sobre o qual principalmente eu desejava fazer varias considerações. Alludo ao artigo 1.° do projecto em discussão. A proposta apresentada pelo governo tributava toda a cortiça, sem distincção, com o imposto de 100 réis. A commissão de fazenda da outra camara modificou profundamente essa proposta, estabelecendo o imposto de 100 réis para a cortiça fabricada em quadros, o de 30 réis para a cortiça em pranchas, e o de 5 réis para a cortiça em aparas e virgem.
Por esta fórma os proprietarios, os productores de cortiça ficaram, talvez, em peior situação, pois o artigo é uma manifesta protecção á industria rotheira, sem attenção alguma para a producção da cortiça, que lucta hoje com grandes difficuldades.
É certo que a proposta primitiva havia de trazer grandes inconvenientes, porque lançava o imposto de 100 réis sobre toda a cortiça quer fabricada, quer não, quando, na verdade se tratava de um genero que varia consideravelmente de valor, segundo a sua qualidade e o seu fabrico. N'este ponto, a proposta, alem de injusta, era pouco rasoavel. D'ahi proviria, certamente, grande prejuizo para as fabricas de rolhas, que já no estrangeiro têem de concorrer com productos altamente protegidos, e para os proprietarios tambem, que só exportariam a cortiça de primeira qualidade.
O projecto do governo era mau e muito mau, revelava falta de estudo e de conhecimento do assumpto; por consequencia, era de conveniencia modifical-o, mas de uma maneira que não offendesse outros interesses e outras industrias, que deviam ser respeitadas.
Mas que fez a commissão de fazenda com as modificações que propoz? Foi dar uma protecção completa, injustificavel, ás fabricas de rolhas, sacrificando lhe outra industria nascente, a da producção da cortiça, pois, como todos sabem, esta industria ha pouco que começou a desenvolver-se em Portugal, e a tomar certo incremento, devido aos erros da nossa vizinha Hespanha, como logo farei ver á camara. A modificação da commissão é, talvez, mais injusta ainda que a disposição do artigo primitivo do sr. ministro.
O imposto de 100 réis lançado sobre a cortiça fabricada vae fazer com que este genero não possa ser exportado, e d'ahi resultará que o seu valor abaixará, com grande proveito das fabricas de rolhas, e prejuizo para os proprietarios.
Sr. presidente, que o sr. ministro e a commissão da outra camara attendessem aos fabricantes de rolhas, comprehendo-o; que não lhes aggravassem o imposto, comprehendo-o tambem; que os exceptuassem do imposto que as rolhas até agora pagavam, e contra o qual elles não reclamavam, comprehendo-o ainda; mas o que eu não comprehendo, o que eu não sei explicar, nem á face dos principios, nem da justiça, é o imposto sobre a exportação, em detrimento de outra industria, que não devia ser aggravada em favor de outra que está florescendo. Sobre este ponto deve o sr. ministro explicar-se e expor o seu pensamento.
O sr. ministro da fazenda devia ter estudado e examinado com toda a circumspecção os factos, e sobre elles firmar a sua opinião. Não o fez assim, e por isso os estorvos lhe surgem a cada passo.
O sr. ministro da fazenda devia estar prevenido n'este ponto, e n'esse caso não devia acceitar modificações. S. exa. tinha obrigação de saber como esta industria nasceu em Portugal ha quarenta annos, e se começou a desenvolver.
S. exa. devia saber qual a causa primaria que deu origem em Portugal á cultura e exploração da cortiça. S. exa. devia saber, e com certeza sabe, que a Hespanha prohibiu a exportação da cortiça de Gerona com o intuito de proteger as suas fabricas de rolhas na Catalunha, e que foi en-
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tão que este genero de producção começou a desenvolver-se entre nós.
A principio os proprietarios começaram a vender a cortiça por muito baixo preço, porque não valendo até áquella epocha cousa alguma, ficaram espantados que lh'a comprassem. Foram por isso victimas dos exploradores, que fizeram grandes casas á custa dos incautos.
Esta industria teve de então para cá um grande desenvolvimento. A exportação da cortiça foi sempre crescendo até 1874. Depois começou a decrescer sensivelmente até 1878.
N'estas circumstancias o governo quererá caír no mesmo erro, na mesma falta, e fazer o mesmo que fez a Hespanha ha quarenta annos? Quererá o governo, por um direito protector elevado prohibir a exportação da nossa cortiça e fazer florescer e desenvolver esta industria em Marrocos e na Argelia? Quererá o governo, em detrimento do productor portuguez, que é o proprietario já onerado com altos tributos, proteger a concorrencia de productos que até agora não concorriam com os nossos?
A observação, a experiencia e a historia não nos servirão para ao menos não caír nos erros que notâmos aos outros?
Torno a repetir, o sr. ministro devia estudar os factos, os acontecimentos e as suas causas.
Como explica s. exa. o facto significativo da exportação da cortiça em 1878 ser tão insignificante que desceu abaixo da exportação de 1866?
Quer s. exa. saber a rasão d'este facto tão importante e significativo? Eu lh'a digo.
A cortiça em 1878 teve uma exportação muito insignificante em relação aos outros annos, porque até ha pouco tempo a cortiça portugueza não concorria senão com a pequena quantidade que era exportada de Hespanha, e que era a peior, porque a melhor, a de Gerona, estava-lhe prohibida a exportação, e tambem concorria com alguma franceza, o que fazia com que a nossa tivesse mais saída e melhor preço. Agora já não succede assim. Desde que se abriram as portas de Marrocos e de Argel, a cortiça d'aquellas regiões começou a concorrer com a nossa em boas condições, principalmente a de Constantina, que é de classe muito inferior. D'aqui resultou a circumstancia de que a exportação da nossa cortiça em 1878 foi apenas de 9.886:360 kilogrammas, emquanto que em 1866 era de 9.936:424 kilogrammas.
As causas d'este phenomeno foram: a primeira, o ter a Hespanha acabado em 1869 com a prohibição da exportação da cortiça de Gerona, a melhor da peninsula, concorrencia para nós terrivel; a segunda causa foi a concorrencia da cortiça de Argel e Marrocos; a terceira, e para este facto chamo a attenção do sr. ministro da fazenda, foi a perda que, pelas ultimas estiagens, tiveram os proprietarios de milhares e milhares de sobreiros, que não podem facilmente ser substituidos, o que causou graves prejuizos ao paiz.
E é n'estas condições, e n'esta occasião e com estas circumstancias, sr. presidente, que o governo vae lançar um imposto na cortiça! Ainda ha uma quarta causa que explica o motivo por que a exportação foi insignificante em 1878.
Essa causa foi a ignorancia dos proprietarios ácerca do producto que vendem. Essa ignorancia deu em resultado pessimos contratos, e em logar de venderem a cortiça por messas, venderam-a por um certo numero de annos, de fórma que os corticeiros, que tinham de tirar a corcha em 1874, tendo expirado o praso do contrato, tiraram de quatro, cinco e seis annos, corcha delgada, e que ainda não estava feita. Sem duvida esta extracção extemporanea d'aquella cortiça havia de influir nos annos, que se seguissem, e assim foi. São todos estes factos, são todas estas causas, são todas estas circumstancias, que o sr. ministro devia ter estudado e ponderado com maduro exame, e depois apresentar o seu projecto. Não fez assim, e por isso parece-me que eu estou dando novidades a s. exa.
É necessario saber bem o que é esta industria entre nós, e como se tem fomentado o desenvolvimento de cortiça.
Como eu, já disse, os proprietarios portuguezes não sabiam o valor que tinha a cortiça, não sabiam o melhor modo de a exportar, nem sabiam distinguir o valor que tinha cada uma das suas differentes qualidades, nem distinguir essas mesmas qualidades, e nem o sabem ainda.
D'aqui resultou serem enganados pelos especuladores e fazerem maus contratos. Elles nem sabiam quando a cortiça estava feita e devia vender-se. Na propria sobreira a cortiça não se cria toda com igual numero de annos, nem toda é igual e da mesma qualidade. A cortiça dos ares, como os corticeiros lhe chamam, que é a cortiça dos ramos, leva mais tempo a crear, mas ao mesmo tempo é melhor do que a dos troncos. N'estes o menos tempo que leva a crear é o espaço de sete annos, e quando ella está completa e perfeita é aos oito, nove e dez annos, emquanto a dos ramos aos doze, e d'ahi para cima.
Os proprietarios ignoravam a maior parte d'estas circumstancias, e por isso não faziam a venda da cortiça por messas, o que hoje já fazem. Até aqui, que elles não tinham os olhos abertos, foram explorados pelos especuladores, agora que elles começavam a ver claro, e a proteger os seus interesses, têem contra sim o governo, que não tem escrupulos de os sacrificar a outra industria. Para mostrar quanto este artigo 1.° é contrario aos principios, vou fazer á camara uma breve e succinta exposição do que se tem passado n'estes ultimos treze annos.
Começarei de 1866 até 1878. Examinando os dados estatisticos achei que a exportação de cortiça em kilogrammas foi sempre subindo até 1874.
Em 1866, foi de 9.936:424 kilogrammas, e em 1874, que duplicou, foi de 18.645:970 kilogrammas.
Desde 1874 até 1878 a exportação começou a resentir-se, a devido isto ás cousas que eu já enumerei.
O decrescimento verifica-se pela fórma seguinte:
Em 1875 exportados......... 12.239:347 kilogrammas
» 1876 » ......... 16.252:622 »
» 1877 » ......... 12.878:083 »
» 1878 » ......... 9.866:360 »
Estes factos são incontestaveis e revelam que esta industria, em logar de continuar a prosperar, começa, se não a retrogradar, pelo menos a parar.
E é n'esta occasião que o sr. Barros Gomes a vem mimosear com um imposto tão pesado!
Sr. presidente, é verdade que ainda que a exportação n'estes ultimos quatro annos, comparada com a do anno de 1874, foi muito mais diminuta, não obstante o valor do genero exportado, cresceu consideravelmente, como se vê dos algarismos seguintes.
N'estes annos rendeu a cortiça exportada as sommas que se vêem do mappa seguinte:
1875................................ 700:952$000
1876................................ 784:216$000
1877................................ 841:712$000
1878................................ 973:500$000
Estes phenomenos, que parecem obedecer a uma lei, e que se dão com a cortiça em bruto, dão-se igualmente com a cortiça manufacturada, como se evidenceia pelo mappa que se segue:
1875 exportados.............. 890:500 kilogrammas
1876 »............. 1.159:060 »
1877 »............. 751:500 »
1878 » ............ 420:362 »
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A esta exportação corresponderam os seguintes valores:
1875................................ 100:192$000
1876................................ 184:798$000
1877................................ 182:349$000
1878................................ 116:877$000
O que significam estes factos?
Significam claramente que se têem dado causas que, em logar de fazerem avançar esta industria, a fazem retrogradar.
Alem d'isto deve-se lembrar o sr. ministro, que este imposto vae recaír todo sobre o proprietario, pois quando lhe arrolam as propriedades calculam-se tanto de azeite, tanto de vinho e tanto de cortiça, de maneira que o proprietario tambem já fica pagando a sua contribuição pelo que lhe ha de render a cortiça.
Tanto esta industria da producção e exploração da cortiça começa a definhar, que alguns proprietarios da Beira Baixa, e entre elles eu, não têem podido fazer novos contratos de venda nos ultimos annos, porque este commercio está na mão de poucos, o que constitue um verdadeiro monopolio.
E é n'esta occasião e n'estas circumstancias que o governo vae lançar aquelle pesado imposto para favorecer o monopolio?
Eu desejava que o sr. ministro me explicasse porque attendeu só as representações do commercio e das fabricas e poz de parte a dos proprietarios?
Qual a rasão por que s. exa. favoreceu as outras industrias em detrimento da agricola, que é de todas a mais desfavorecida?
S. exa. deve-se lembrar que a industria agricola definha todos os dias, porque, alem de estar carregada com pesadissimos impostos, não póde obter capitaes baratos.
Os repetidos emprestimos feitos dentro do paiz têem impedido e impedirão que as industrias encontrem capitaes a preços rasoaveis, e sem elles é impossivel que qualquer industria se desenvolva, aperfeiçoe e prospere.
Ora aqui tem o sr. ministro os factos como elles são e se repetem todos os dias.
Os resultados que advem d'esta proposta são palpaveis.
A cortiça de 1.º classe ha de ser exportada em pranchas, porque a manufacturada em quadros não póde com o imposto, e emquanto á cortiça virgem é necessario não saber o que ella é, nem o que ella vale.
Torno a repetir, é necessario que o sr. ministro examine os factos com maduro estudo, e estou certo que se o fizesse ou o fizer, não cairá no erro de ir crear um monopolio a favor de certas fabricas e de certos negociantes, em detrimento dos proprietarios, que luctam com grandes difficuldades.
As fabricas de rolhas pagavam um imposto modico contra o qual nunca reclamaram. Se se quer crear receita para que as alliviaram d'elle?
É que o sr. ministro parece não ter pensamento fixo, nem plano estudado para organisar as finanças do estado.
A sciencia politica é, sobretudo, uma sciencia experimental, sciencia de observação, e por isso o estudo dos factos é essencialissimo, e a historia, esse deposito de innumeras e variadas experiencias, deve servir ao observador perspicaz para não caír nos mesmos erros e faltas que notou aos outros.
Se nós observâmos e criticâmos os erros de Hespanha para que havemos de ir repetil-os?
Porque havemos ir concorrer para o desenvolvimento d'aquella industria em Argel e Marrocos, que tanto nos ha de prejudicar? Pense o sr. ministro bem e reconhecerá que por uma receita tão insignificante não vale a pena de arriscar e comprometter interesses tão valiosos.
O sr. ministro da fazenda póde ter muito talento, e tem-o de certo, ter muitos conhecimentos; mas deve-se lembrar que as theorias em absoluto nem sempre podem ser applicadas e que na pratica dão maus resultados. É necessario estudar as circumstancias peculiares de cada paiz, as suas relações com os vizinhos e só depois proceder. Era conveniente em bem do interesse publico, que o sr. ministro fosse condescendente com a camara dos pares, assim como o foi com a commissão de fazenda da camara dos senhores deputados que lhe alterou completamente o seu primitivo projecto.
Sr. presidente, eu desejava que o sr. ministro condescendesse e concordasse que este artigo fosse illiminado, ou pelo menos que fosse consideravelmente reduzido o imposto na cortiça em quadros e pranchas, de fórma que fosse um imposto rasoavel e modico, de outro modo é prejudicar o productor, que aqui é o proprietario.
Sr. presidente, para mostrar quanto este imposto é excessivo eu vou apresentar o valor real tanto da cortiça em bruto como em obra nos ultimos tres annos.
Cortiça em bruto cada kilogramma em 1876, 48 réis, em 1877, 62 réis em 1878, 98 réis.
Em obra: 1876 foi de 108 réis, em 1877, de 242 réis e em 1878 de 278 réis.
Posto que a alta seja visivel, e se em vez d'esta media nós procurassemos a dos ultimos dez annos, não attingiria o kilogramma o valor de 40 réis. Ir, pois, lançar um imposto de 100 réis em cada 15 kilogrammas, em toda a cortiça boa e má, que é o que se chama a media, é um imposto de tal modo vexatorio, que com as despezas que demanda a collocação do genero no mercado é impossivel que os proprietarios possam pagal-o, a exportação da cortiça será muito diminuta, o que é bem evidente.
Quanto ás rolhas eu entendo que o governo não lançar imposto algum sobre a exportação para proteger a industria, era comprehensivel, e mesmo justo, mas o que o governo não deve fazer por fórma alguma é calcar aos pés certas industrias para proteger uma industria, que se não florece é por sua culpa, pois tem para isso o elemento principal que é a materia prima, em abundancia, e por assim dizer ao pé da porta e barata.
Como esta industria rolheira todas as outras industrias, que carecem de protecção, e têem igual direito a ella. Proteger industrias á custa de outras é mau principio e mau systema.
É necessario que se não esqueça, que a propriedade rustica vae definhando entre nós, e a rasão é porque os seus donos não podem fazer descer á terra os capitaes de que ella carece, pelo facto de que o estado, levantando emprestimos continuos, faz concorrencia aos capitaes particulares, que encontram maior lucro nas transacções com o governo.
Esta é uma das principaes causas por que á agricultura faltam os recursos precisos para ella florecer, e por que a propriedade definha de anno para anno. Não se podem introduzir melhoramentos nos processos agricolas, e vae-se seguindo a rotina que impede o desenvolvimento da nossa agricultura, e faz com que a propriedade produza muito pouco.
N'estas circumstancias é conveniente que o governo não discure os interesses do proprietario. Chamo para este ponto a attenção do sr. ministro da fazenda, e quando se tratar da especialidade hei de fazer novas considerações, restrictas ao artigo 1.° do projecto. E creia s. exa. que tudo quanto disse, e quanto disser ainda, é sem intuito algum politico, porque n'esta questão, que tanto prende com os interesses mais vitaes do paiz, é necessario que todos os homens publicos só desprendam de considerações partidarias.
O sr. Conde de Castro: - Talvez me antecipasse um pouco pedindo a palavra n'esta occasião, mas fil-o porque suppunha que o digno par o sr. Vaz Preto queria impugnar o projecto em todos os seus artigos. S. exa., porém, limitou-se a atacar o artigo relativo á cortiça. Todavia ainda que talvez tenha de responder a alguns outros di-
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gnos pares, cumpre-me n'este momento, visto ter a palavra, dar algumas explicações ao digno par que acabou de fallar.
Sr. presidente, a indole d'este projecto está mostrando que se não trata aqui da applicação rigorosa dos principios economicos que devem, presidir a uma alteração geral nos impostos aduaneiros. Estabeleceu-se este tributo sobre a cortiça, apenas no intuito de crear mais uma fonte de receita, porque o fim d'este projecto é completamente financeiro.
Sr. presidente, n'estas questões que dizem respeito aos interesses industriaes, quando se trata de lançar qualquer imposto que os possa affectar, apresentam-se sempre reclamações que se contrariam entre si. O antagonismo, que existe entre os interesses das diversas industrias, faz com que as suas exigencias sejam taes, que muitas vezes os poderes publicos se vêem em grande embaraço na adopção de qualquer medida, que se julga aliás conveniente para o thesouro, e ha uma grande difficuldade em determinar quaes são os queixumes d'essas classes industriaes que têm rasão de ser.
É certo, sr. presidente, que na outra casa do parlamento foram apresentadas muitas representações, não só por parte dos proprietarios dos montados, e d'aquelles que dão um certo preparo á cortiça em bruto, como tambem dos fabricantes de rolhas.
Os proprietarios dos montados, e aquelles que exportam a cortiça em pranchas, desejavam, é claro, que o seu genero fosse exportado sem pagamento de direitos, e pelo outro lado, os fabricantes das rolhas pretendiam que se impozesse um direito muito elevado sobre a exportação da cortiça em pranchas, porque sendo assim, difficultada a saída d'estas, o seu preço baixaria no paiz.
O que fez, pois, o governo n'este embate de pretensões das differentes classes productoras?
Estabeleceu, com relação á cortiça em pranchas, um certo direito, attendendo assim, em parte, ás reclamações feitas pelos fabricantes de rolhas, mas um direito muito modico, como hei de mostrar ao digno par.
Nós não fizemos, nem precisavamos fazer, (e no que digo refiro-me ás commissões das duas casas do parlamento, que deliberaram de accordo como governo) o que se fez em Hespanha em relação á cortiça em bruto exportada da provincia de Gerona, principal centro d'essa producção.
O governo e as commissões formularam assim este projecto, porque entenderam que não deviam imitar a Hespanha, em vista dos factos que n'esse paiz se deram. Esses factos, sr. presidente, provam bem que, para desenvolver a importante industria das rolhas, não é necessario elevar extraordinariamente os direitos sobre a cortiça em pranchas.
Em Hespanha, até 1869, e relativamente á producção da provincia de Gerona, foi prohibida a exportação da cortiça em pranchas, e comquanto sob esse regimen augmentasse consideravelmente a exportação das rolhas, é certo que ainda mais cresceu, depois de acabar a prohibição, como passo a demonstrar. De 1863 a 1868, em relação ao periodo de 1850 a 1862, subiu a exportação das rolhas 60 por cento. E de 1869 (anno em que findou a prohibição) a 1876 duplicou a exportação relativamente áquelle primeiro periodo. E em 1878 a estatistica dá mais do dobro, na quantidade e no valor, da maior exportação dos annos anteriores!
A contar de 1869 estabeleceu-se ali o direito de 5 pesetas ou 900 réis por 100 kilogrammas, o que equivale a 135 réis por 15 kilogrammas, direito muito mais elevado do que o nosso.
Sr. presidente, poderia, pois, haver no projecto, o intuito de prejudicar a nossa agricultura?
Não. Trata-se apenas de estabelecer um direito rasoavel. Nem se impõe um direito prohibitivo á cortiça em bruto, nem se deixa tambem de proteger a industria das rolhas.
Disse tambem o sr. Vaz Preto que o commercio da cortiça estava em poucas mãos, e que se abusava d'esse monopolio
Permitta-me s. exa. que lhe observe que este argumento não produziu em mim um grande peso. É a eterna questão da incidencia do imposto. Nós vamos por este projecto lançar um imposto sobre a exportação da cortiça em bruto, e é claro que a idéa do legislador, estabelecendo esse imposto, é que elle recáia sobre aquelle que a exporta.
Diz, porém, o digno par, que a incidencia real do imposto é sobre o proprietario, porque em consequencia do monopolio, quando lhe propõem o preço, acrescentam-lhe desde logo a differença do que tem que pagar a mais em consequencia d'esse imposto.
Ora este argumento, que á primeira vista póde, parecer rasoavel, não o é, por isso que o que o digno par nota com relação á cortiça, dá-se com quasi todos os generos de commercio.
O legislador estabelece uma certa incidencia, mas pela ordem economica dos factos, essa incidencia póde effectivamente ser outra. Supponhamos, porém, que realmente se dá esse terrivel monopolio, e que sobre o proprietario é que a final recáe o imposto. Não será isso o que succede em geral com os principaes artigos do consumo?
Quando se estabelece um direito, por exemplo, sobre o assucar ou arroz, o direito vae effectivamente incidir sobre o negociante de grosso trato, ou ainda sobre o commerciante a retalho?
Não, a final quem o paga é o consumidor. Mas que tem o legislador com os contratos particulares que faz o proprietario dos montados com o exportador?
É portanto este um facto que geralmente se dá, e que por consequencia não póde ser considerado como especial em relação ao genero de que se trata.
De mais a mais é preciso tambem attender ao valor da exportação, e ao direito que se vae estabelecer. O direito é de 30 réis por cada 15 kilogrammas de cortiça exportada, e o valor da exportação é de 1.200:000$000 réis. Ora devendo produzir esse direito, approximadamente, réis 12:000$000, ninguem poderá dizer que seja um imposto pesado em relação ao valor exportado.
Este direito poderá ser taxado de pouco productivo para o thesouro, mas não de vexatorio ou gravoso para o contribuinte.
(Interrupção do sr. Vaz Preto, que se não ouviu.)
Mas não póde haver vexame. Supponhamos que effectivamente a incidencia real do imposto seja sobre o proprierio dos montados.
É convicção minha, se bem que possa estar em erro, que em geral a grande propriedade não paga o que devia pagar, e se vamos a examinar o que n'esta parte succede relativamente a este ramo de industria agricola, á producção dos montados, reconheceremos que a contribuição respectiva não é proporcional ao alto preço que têem obtido nos ultimos annos os productos d'essa industria, isto é, que os proprietarios dos montados não pagam de contribuição predial o correspondente ao grande lucro que d'ella auferem. Parece-me, portanto, que com esta medida se vae de algum modo corrigir esse defeito que existe na contribuição predial.
Não se entenda, porém, que por similhante fórma protegemos desmesuradamente a industria das rolhas, porque não é assim, nem d'isso havia necessidade, como demonstram os factos succedidos em Hespanha e os algarismos que ha pouco referi, e que foram extrahidos de um officio importante que foi dirigido ao governo pelo digno representante de Portugal em Madrid, o nosso illustrado collega, o sr. conde do Casal Ribeiro.
S. exa., aproveitando uns dados estatisticos que encontrou n'uma obra recentemente publicada no paiz vizinho, e
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devida á penna de um estadista notavel que ha poucos annos fez ali parte de uma administração na qualidade de ministro da fazenda, o sr. Figuerola, enviou estes valiosos esclarecimentos a respeito do assumpto de que estamos tratando, e é sobre esses esclarecimentos que o sr. ministro da fazenda teve a bondade de me confiar, que eu fundo as minhas asserções.
Sr. presidente, é tambem necessario attender a uma circumstancia.
A industria da cortiça em pranchas e em quadros está em boas condições nos paizes que são bons consumidores, porque tambem lá está desenvolvida a industria rolheira. Ou são livres de direito ou pagam um insignificante.
Mas não succede o mesmo á cortiça em rolhas, que nas pautas das nações consumidoras está sujeita, na maior parte, a direitos muito elevados.
Temos, por exemplo: nos Estados Unidos pagam as rolhas 30 por cento ad valorem, em França 14 por cento; na Belgica 20 por cento, na Russia 20 por cento, e na Allemanha, por uma lei que começou a vigorar no principio d'este anno, 30 marcos, ou 7$000 réis por cada 100 kilogrammas, isto é, 70 réis por kilogramma, o que é realmente um direito prohibitivo!
Esses direitos, em todos os paizes, são pois exorbitantes, á excepção da Inglaterra, onde a importação das nossas rolhas é inteiramente livre.
Portanto é para notar que esta nossa industria das rolhas, que é uma industria nascente, porém já muito importante, lucta mais com os excessivos direitos de importação que se estabeleceram nos paizes consumidores, do que propriamente lacta com a concorrencia.
Nem me parece tambem que a nossa exportação da cortiça em pranchas tenha muito a temer da concorrencia hespanhola, nem da concorrencia de Argel.
Effectivamente, quanto á cortiça de Argel, ou porque são diversas das nossas as condições do clima, eu porque o preparo d'esse producto é ali inferior ao que nós fazemos, o que é certo é que a nossa é preferida.
Haveria algum risco de que ella não podesse concorrer com a de Hespanha se, em logar do direito modico estabelecido no projecto, impozessemos um direito mais elevado do que a cortiça paga n'aquella nação. Mas, ainda assim, segundo os esclarecimentos que pude obter, dá-se o caso, para nós favoravel, de que as principaes regiões que produzem a cortiça hespanhola, como são, por exemplo, a Extremadura e a Castolla Nova, acham-se a uma distancia dos portos de embarque muito maior do que está a cortiça que nós colhemos no Alemtejo, e, principalmente no Algarve; isto é, temos mais facilidade do que a Hespanha em exportar a cortiça das regiões onde ella se produz.
Disse o sr. Vaz Preto que um dos artigos que reputa mais gravosos é aquelle em que se estabelece o imposto de 100 réis por cada 15 kilogrammas sobre a cortiça fabricada em quadros.
Creio que n'este ponto estou inteiramente de accordo com o sr. ministro, quando entendo que a intenção com que se estabeleceu esse direito mais elevado foi a de dar uma certa protecção á industria rolheira.
É claro que a cortiça assim preparada, quando se exporta, vae receber lá fóra novo fabrico, pois d'esses quadros se fazem rolhas.
Ora, creio que não ha conveniencia alguma em que, tendo o nosso paiz fabricas de rolhas, onde esse trabalho se faz com muita perfeição e economia, se vá facilitar a saída da cortiça em quadros, prejudicando assim a industria nacional.
E eis aqui portanto o motivo por que se estabeleceu um direito mais forte sobre essa qualidade de cortiça.
O digno par, o sr. Vaz Preto, tambem se referiu á diminuição da exportação da cortiça no anno de 1878, e s. exa. attribuiu esse facto a diversas causas.
Comtudo, a verdade é que essa consideração não é de tanto peso como a s. exa. se afigura, porquanto se a exportação foi menor n'esse anno, o que é certo é que a cortiça valeu então muito mais, e que apesar da sua menor quantidade ella deu maior lucro aos productores.
Quanto ás alterações que a respeito da exportação da cortiça se fizeram á proposta inicial do governo, se alguma considerado haveria a fazer, seria a de que no projecto que se propõe á approvação da camara, n'esse, como n'outros pontos, se tinha attendido a todas as justas reclamações que se apresentaram, mas parece-me que isto não deve ser levado a mal.
Propunha, por exemplo, a associação commercial de Lisboa, com pequena differença, os direitos que foram adoptados em relação á cortiça, a saber:
Cortiça em Bruto. ........ 2 por cento ad valorem.
Cortiça fabricada......... 100 réis por 15 kilogrammas
Aparas de cortiça........ 5 réis por 15 kilogrammas
Cortiça virgem........
Cortiça em rolhas.....
Livres
Mas propunha tambem, em substituição ao direito ad valorem para a cortiça em bruto, o direito fixo de 30 réis por 15 kilogrammas, como no projecto, quando se reconhecessem inconvenientes no primeiro, como de facto foram reconhecidos, pois a cobrança dos direitos ad valorem offerece maior difficuldade. Igual a rasão houve para se arbitrar o direito de 5 réis por cada 15 kilogrammas de cortiça em aparas.
E tambem foi em virtude de justas reclamações, e de accordo com a representação da associação commercial de Lisboa, que se isentou de direitos a exportação da cortiça em rolhas, e que se procurou attender aos interesses dos proprietarios de montados, estabelecendo-se para a exportação da cortiça em bruto um imposto mais modico do que aquelle a que ficava sujeita, se a proposta do governo não tivesse sido alterada.
Termino por agora estas minhas observações, reservando-me para pedir novamente a palavra, se algum dos outros artigos do projecto for impugnado.
O sr. Conde de Valbom: - Sr. presidente, não tenciono fazer um longo discurso sobre este assumpto, mas unicamente apresentar algumas considerações que estão de accordo com o que já tive a honra de expor á camara n'outra occasião.
Eu lastimo que o governo não tenha estabelecido um principio de doutrina, um systema financeiro qualquer, que servisse de norma ás suas propostas para augmentar a receita publica, que é a necessidade de momento, sob cuja pressão se apresenta expedientes desconnexos, truncados e irreflectidos, pelos quaes muitas vezes, em logar de engrossar o reddito do thesouro, vae pelo contrario atrophiar os elementos d'onde elle póde derivar.
O projecto que se discute foi transformado na outra camara em cousa bem differente do que inicialmente era; o que nos mostra que o sr. ministro não tinha grande apego ás suas idéas, e até teve uma extrema facilidade em acceitar toda a especie de modificações que quasi lhe transtornaram o pensamento, só com a condição de que lhe dessem uma certa receita.
Ora, esta idéa unica de obter receita, sem escolha de meios para a conseguir, não me parece que possa symbolisar um systema financeiro nem que habilite alguem a governar; o que é necessario é ter assentado, pelo estudo e pela reflexão, na adopção das providencias mais adequadas e proficuas para attingir aquelle fim, obtendo o acressimo dos rendimentos do estado sem ferir a economia publica, embora se attenda, dentro de certos limites, ás representações dos povos e ás ponderações do parlamento no que ellas tiverem de justo e acceitavel.
Mas d'ahi a abandonar as proprias idéas, e conciliar a
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sua exautoração com a conservação do cargo do director superior dos negocios, ha uma distancia immensa.
Comprehendo que o sr. ministro da fazenda não faça questão de simples susceptibilidade pessoal para deixar de admittir a minima alteração aos seus projectos, mas essa tolerancia ou espirito de transacção não deve ir, como foi no caso sujeito, até ao ponto de os deixar mutilar e desnaturar, porque então outrem e não o ministro é quem governa.
O sacrificio pelo bem da patria pede que se criem meios de receita, mas este sacrificio tem um certo limite, e porque todos desejamos augmentar a receita publica, não se segue por isso que devamos abraçar todos os alvitres, todos os expedientes que se suggerem com esse fim, embora sejam inconvenientes e contrarios ás nossas convicções, cumprindo nos ter a hombridade de manter as nossas opiniões conscienciosas, quer sejamos ministros, quer não. (Apoiados.)
Emfim, seja como for, cada um entende as cousas a seu modo, e gradua até que ponto devo sacrificar-se em beneficio da patria, conservando-se sentado sobre os espinhos das cadeiras do poder. (Riso.) Com o que eu folguei muito foi por ter a camara dos senhores deputados introduzido modificações, ainda que no meu modo de ver incompletas, na proposta do governo; todavia ella vem melhorada. É n'esta occasião não posso deixar de ponderar que não obstante haver a idéa predominante de augmentar a receita, essa idéa não dispensa o sr. ministro da fazenda de ter certa coherencia nas suas opiniões.
Segundo os principios que eu já aqui sustentei e continuo a sustentar, e são aquelles que vem nos livros de economia politica e que são abraçados pelas nações cultas, o modo de proteger a industria de um paiz, de desenvolver os seus recursos e a sua prosperidade, não é tolher a sua exportação. (Apoiados.)
Os impostos em geral sobre a exportação dos generos de producção nacional são contraproducentes, (Apoiados.) porque tendem a atrophiar o desenvolvimento das industrias, a actividade do trabalho e o incremento da producção.
Deve-se estudar seriamente, antes de se ir crear impostos que pesem sobre os generos que o paiz exporta, e muito principalmente quando são productos da nossa industria agricola, que é a principal do paiz. (Apoiados.) É indispensavel antes de estabelecer novos impostos ou modificar os existentes com relação a esses generos, verificar se não é possivel recorrer a outro expediente para augmentar a receita.
O imposto sobre a cortiça está n'este caso. E com relação ao carvão de pedra consideral o-hei em circumstancias identicas por ser uma materia prima essencial para a industria. (Apoiados.)
O expediente da taxa complementar dos direitos da pauta, expediente que foi suggerido ao sr. ministro da fazenda, tambem tem gravissimos inconvenientes e só póde ser adoptado transitoriamente, sobretudo porque cria desigualdades e transtorna o pensamento da pauta. E não póde deixar de ter esses inconvenientes, porque essa medida vae indistinctamente aggravar os direitos que pesam sobre todos os artigos, incluindo as materias primas, sem attender a nenhuma circumstancia, de modo que póde ferir prejudicialmente e de um modo injustificavel algumas industrias.
É um tributo ás cegas, e não sei como se explique a sua adopção por parte do sr. ministro da fazenda. S. exa. tinha dito no seu relatorio que julgava que sobre os generos de importação não se podia lançar novos impostos, nem aggravar os existentes; portanto, era preciso prescindir de qualquer augmento de receita proveniente d'essa fonte, isto é, da reforma da pauta das alfandegas.
Agora vejo que o nobre ministro foi acceitar a taxa complementar, isto é, o tributo menos admissivel e mais inconviente que póde haver sobre os artigos que são introduzidos em Portugal para consumo. Esta contradicção de s. exa. é flagrante! N'esta parte, de certo, o sr. ministro faz um grande sacrificio pelo paiz conservando-se no poder e abdicando das suas idéas. (Riso.)
Em 1873, quando outro governo propunha a taxa complementar de 1 por cento, o sr. Braamcamp, actual presidente do conselho de ministros, insurgiu-se contra isso, e apresentou uma moção para o negocio voltar á commissão, afim de que ella, estudando-o maduramente, propozesse um imposto addicional aos artigos da pauta, de modo que não fossem lesadas differentes industrias.
S. exa. sustentou a boa doutrina, e lastimo que a tenha abandonado.
Sr. presidente, estimaria muito que certos factos, que se estão dando, servissem de lição a todas as opposições para não propagarem doutrinas, não estabelecerem principios, não fazerem exigencias que não estejam de accordo com as necessidades publicas e com o que é compativel de se poder fazer a bem do estado, porque depois dão o triste espectaculo de fazer no poder aquillo que censuravam na opposição.
O sr. Conde de Rio Maior: - Apoiado.
O Orador: - Isto desauctorisa os homens publicos. (Apoiados.)
Pois não será possivel, seguindo as idéas que então apresentou o sr. Anselmo Braamcamp, fazer um melhor estudo da pauta, achar alguns addicionaes a certos artigos que d'ella formam parte? Não será possivel fazer uma reforma da pauta em termos habeis e convenientes, attendendo aos interesses das diversas industrias, que produza uma receita igual? Parece-me que sim, e era esse trabalho que se deveria ter feito, se se entendia não ser possivel prescindir da taxa complementar. (Apoiados.)
Preferiu-se a pouco feliz idéa de tributar a cortiça. A cortiça, como todos sabem, foi uma industria que se levantou entre nós, que prosperou durante algum tempo, mas que ultimamente tem decaído.
Ora, n'estas condições, ir aggravar a situação d'esta industria, quando ella tem de luctar com a concorrencia de productos similares nos mercados estrangeiros, não me parece que seja prova de bom tacto administrativo. (Apoiados.)
Quando um paiz tem o exclusivo natural de uma certa producção, póde, até certo ponto, carregar impunemente o imposto de exportação, porque, n'esse caso, aquelle que tem de comprar o genero é que paga o encargo que pesa sobre elle.
Mas o producto que encontra concorrencia no mercado com outro, não se póde estabelecer para elle, que ao seu preço se acrescente a differença do imposto, pois que o preço não é arbitrario, e quem o gradua é a lei da concorrencia. Ora, desde o momento em que este imposto colloque o producto em condições desfavoraveis de poder concorrer ao mercado, é evidente o prejuizo para a industria e para o commercio.
É exactamente o que succede com a cortiça, e de mais a mais vae exactamente lançar-se este imposto no momento menos proprio, isto é, na occasião em que aquella industria lucta com embaraços e difficuldades.
N'estas condições, querendo mesmo pôr de parte o gravame que vae causar pergunto eu, o que se póde tirar d'este imposto para o thesouro?
Quer v. exa. e a camara saber a quanto monta esta somma? A 10:000$000 ou 12:000$000 réis, o que equivale a uma verdadeira gotta de agua lançada no oceano das nossas difficuldades financeiras!
Se os proprietarios e emprezarios d'esta cultura especial não pagam todo o imposto predial que lhe devia caber, procurem outros meios de lhe lançar directamente, mas não venham por esta fórma tolher o desenvolvimento do commercio e industria. (Apoiados.}
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Subirá, como disse, á grande verba de 12:000$000 réis, o que se poderá obter por este imposto sobre a cortiça, quer seja em pranchas, quer em aparar! Acho que tudo isto são verdadeiramente aparas, que não vale a pena apanhar, porque d'ellas não resulta cousa alguma que mereça consideração, a ponto de valer a pena sacrificar tão valiosos interesses.
Eu não quero entrar n'este momento na questão das protecções; tenho igual consideração pelas rolhas e pela cortiça em bruto (Riso.), mas não posso deixar de ponderar que a producção e movimento commercial da cortiça, como materia prima, é muito mais importante.
Eu vejo pelas estatisticas, que a nossa exportação tem sido a seguinte:
Em 1876 exportámos: cortiça em bruto l6.252$622 kilogrammas, em obra 1.159:060 kilogrammas: valor da primeira 784:216$000 réis, da segunda 184:798$000 réis.
Em 1877 exportámos: cortiça em bruto 12.678:083 kilogrammas, em obra 751:500 kilogrammas: valor da primeira 841:712$000 réis, da segunda 182:349$000 réis.
Em 1878 exportámos: cortiça em bruto 9.866:350 kilogrammas, em obra 420:362 kilogrammas.
Para uma exportação como a de 1866, o imposto do projecto em discussão daria mais 18:000$000 réis, para a de 1877 daria 12:000$000 réis, e para a de 1878 daria só 6:000$000 réis.
Tomando nós a média de 12:000$000 réis, ainda favorecemos o alcance d'esta medida, pois que não é de crer que a exportação augmente, nem mesmo que se mantenha, aggravando-se os direitos que vão pesar sobre ella.
D'esta nota estatistico se vê que a parte relativa á cortiça em obra é menos importante que a parte relativa á cortiça em bruto. Observa-se igualmente, que, apesar da diminuição successiva da quantidade de cortiça exportada, os valores não decretassem na mesma proporção, antes pelo contrario augmentam.
A rasão d'isto foi porque escasseou a producção e houve menor offerta; ora, sabe-se que o preço dos generos augmenta na rasão inversa da offerta. Quanto menor é esta, maior é aquelle; deu-se essa circunstancia accidental, que attenuou a concorrencia, eis a explicação do phenomeno economico.
Portanto, entendo que era melhor conservar o estado actual com respeito a esta questão da cortiça. Não valia a pena, para obter um resultado financeiro tão pequeno, ir lançar um tributo sobre aquelle genero; e tanto menos quanto o sr. ministro propunha um conjuncto de alterações na pauta, com o intuito de obter uma receita de réis 250:000$000, segundo calcula no seu relatorio, e só com a nova taxa complementar vae tirar 284:000$000 réis, que é somma superior áquella que o nobre ministro operava obter.
Por conseguinte era melhor prescindir da pequena verba que deva resultar d'esta medida; s. exa. ficava, em referencia á questão financeira, mais vantajosamente collocado com aquelles 284:000$000 réis, e o paiz ganhava com isso.
Não póde haver economia para o estado, nem bom regimen financeiro, nem chegar-se ao desejado equilibrio entre a receita e a despeza, senão quando a economia publica se desenvolver devidamente, e os elementos da riqueza nacional crescerem do mesmo modo, tornando a nação prospera. Só assim é que poderemos alcançar a regularisação duradoura das nossas finanças, porque então o paiz poderá supportar, sem sacrificio penoso, os encargos precisos para occorrer ás necessidades publicas.
Com referencia ao imposto sobre o carvão, devo declarar que tambem me parece que foi uma idéa infeliz. (Apoiados.)
Tem-se argumentado para defender este imposto, com o que se dá em Hespanha, onde este artigo paga um direito superior ao que se propõe aqui; mas é preciso notar que aquelle paiz tem minas de carvão de pedra, que nós não temos, quero dizer do carvão proprio para as fabricas e para a navegação a vapor, chamado hulha ou carvão gordo. Esse producto não ha cá no paiz; o que sim temos é linhite, a itraxite e outros carvões terrosos que não servem nem para a industria fabril, nem para a navegação a vapor.
Não temos pois necessidade alguma de proteger a exploração de um genero que não produzimos, o que já não acontece com a Hespanha; onde é mister attender a uma certa ordem de interesses que entre nós se não dão. Portanto, para que se o ha de ir augmentar o imposto sobre um artigo tão necessario a todas as fabricas como é o carvão de pedra, e quando, alem d'isso, ha toda a vantagem em que os vapores que vem ao Tejo se forneçam aqui d'esse genero? Pois não se pensa que por este modo se vae difficultar o movimento na navegação a vapor no nosso porto e augmentar-se-lhe os encargos de modo anti-economicos? (Apoiados.)
Pois em logar de difficultar, não nos diz a simples rasão que ha tudo a ganhar em facilitarmos esse movimento?
E será este um genero cujo transporte seja facil? Um dos argumentos que se apresenta é que nós estamos muito perto de Inglaterra, e por isso o carvão sae muito barato.
Pois sabe v. exa. a quanto sobe a conta, não só das companhias dos vapores, mas de todas as outras, do transporte seguro e armazenagem do carvão? Sobe a mais do valor do carvão, pois o seu custo em Inglaterra é de 2$220 reis por tonelada, termo medio, e aquellas despezas elevam-se a 3$200 réis por tonelada.
Eu bem sei que os preços variam conforme as fluctuações do mercado; mas o facto é que no carvão grosso estas despezas importam muitas vezes em 160 por cento do seu valor, e no miudo em 200 por cento. Por elle vir de Inglaterra parece que não custa nada. Pois custa isto. Custa mais do que o seu valor. Ora, um genero que está já onerado por esta fórma, como é que se quer ir ainda aggraval-o com um augmento de imposto, quando de mas a mais este genero é considerado materia prima que, como todos sabem, é necessaria para desenvolver as industrias?
A Hespanha é um paiz muito illustrado, e póde ter muitas cousas boas; mas póde tambem ter outras más, ou inconvenientes. Por consequencia, não podemos nós ir imitar certas cousas de Hespanha só porque ali existem. (Apoiados.)
É muito vantajoso para nós que o carvão de pedra seja livre, porque os vapores, em logar de irem onde paguem algum direito, vão onde não paguem nenhum, e onde estejam livres das alcavallas do fisco.
Todos sabem que os vapores têem tempo certo e determinado para estarem nos portos. Um vapor parado representa uma perda avultada. Elles não podem demorar-se muito tempo; time is money, têem um espaço curto para se fornecerem de carvão.
Sob o ponto de vista economico, sob o ponto de vista commercial e sob o ponto de vista da protecção rasoavel que se deve ás nossas fabricas, e que consiste em lhes proporcionar, pelo preço mais modico que seja possivel, as materias primas; sob todos estes pontos de vista eu entendo que este imposto sobre o carvão era o ultimo a que se devia recorrer. (Apoiados.)
Mas eu pergunto se, fazendo nós, conforme propoz o sr. Braamcamp em 1873, a revisão das pautas e estabelecendo alguns addicionaes n'um ou n'outro artigo, sem ferir a producção nacional, não tomariamos uma resolução muito mais conveniente, não só debaixo do ponto de vista da economia publica, mas tambem sob o aspecto financeiro, creando maior somma de receita?
O governo vae buscar o imposto onde é mais facil ir buscal o, mas onde é tambem mais inconveniente e mais nocivo. (Apoiados.)
Portanto, a respeito do carvão e de cortiça, o que eu
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entendo que de melhor havia a fazer era eliminar as disposições do projecto que se referem a estes artigos e deixar o statu quo.
Não digo isto porque desconheça a necessidade de augmentar a receita publica. O que eu acho mau é o systema de cortar a arvore para colher o fructo; julgo completamente contraproducentes essas medidas que vão atrophiar os elementos da industria, do trabalho, da riqueza nacional; que, em vez do melhorarem as nossas circumstancias financeiras, hão de aggraval-as. Se por um lado promettem certo rendimento, ha de todavia ser menor do que se calcula; e por outro lado, vão exhaurindo-se, ou pelos menos diminuindo outras fontes de receita.
Este imposto sobre o coke tambem não me parece que dê vantagem. Se bem me lembro, o direito estabelecido sobre esse artigo rende 300$000 réis, pois o coke estrangeiro entrado orça por 1:000 toneladas.
Ora 300$000 réis para as urgencias do estado não é uma somma digna de grande consideração. (Riso.)
Bem sei que por este modo se pretende proteger a companhia do gaz, porém não acho sufficiente essa rasão.
Eu desejaria que se protegessem todas as companhias, porque não sou inimigo de nenhuma, e n'esse caso o melhor era não estabelecer o novo imposto sobre o carvão de pedra, mas estabelecido elle, não vejo o motivo justo por que se ha de ir dar á fabrica do gaz uma compensação que se não dá a nenhuma outra. D'antes, quando opposição, eram inimigos das companhias, agora é o contrario; por exemplo da companhia do norte e leste, o que disseram, e hoje que entranhada amisade que lhe mostram!
Portanto não comprehendo a rasão por que se ha de ir proteger por excepção, uma companhia, tolhendo-se uma maior fonte de receita para a fazenda, e sem beneficio, antes em desvantagem, do publico, privando-o de se fornecer de um genero de primeira necessidade por um preço mais modico. Parece-me que esta protecção não é rasoavel, nem justificada. (Apoiados.)
Sr. presidente, eu termino aqui as ponderações que tinha a fazer, porque não quero cansar mais a attenção da camara.
O meu fim não é, nem ha de ser nunca, impedir que se vão buscar todos os meios convenientes de augmentar a receita publica, para attenuar quanto possivel o nosso deficit, porque a nossa situação financeira realmente é difficil e convem saír-se d'ella, approximando quanto possivel a receita da despeza; todavia, apesar de reconhecer esta necessidade, entendo que deve haver meditação e estudo na selecção das providencias que se adoptarem para conseguir aquelle fim, recusando quaesquer alvitres absurdos ou contraproducentes, que em vez de melhorarem a nossa situação a aggravam, como são os impostos sobre a cortiça e o carvão de pedra. (Apoiados.)
O sr. Barros e Sá: - Mando para a mesa o parecer da commissão de guerra dando a ultima redacção ao projecto de lei que garante ao sr. Serpa Pinto o posto de major.
O sr. Presidente: - Vae ler-se o projecto, mandado para a mesa pelo sr. Barros e Sá por parte da commissão de guerra, com referencia á garantia do posto de major ao sr. Serpa Pinto. A commissão reduziu o projecto a dois artigos, pela fórma seguinte:
Leu-se na mesa e é do teor seguinte:
Projecto de lei
Artigo 1.° É garantido a Alexandre Alberto da Rocha Serpa Pinto o posto de major, a que fui promovido por decreto de 8 de maio de 1877, independentemente do preenchimento das clausulas e condições contidas no mesmo decreto.
Art. 2.° A antiguidade d'este posto será contada para os effeitos militares da data da presente lei.
Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala da commissão, em 13 de abril de 1880. = Marquez de Fronteira = D. Antonio José de Mello e Saldanha = A. M. Fontes P. de Mello = D. Luiz da Camara Leme = Augusto Xavier Palmeirim = Barros e Sá.
O sr. Presidente: - Não sei se será preciso mandal-o imprimir; vou submettel-o á approvação da camara, se não houver duvida em se discutir; aliás mandar-se-ha imprimir.
Consultada a camara, approvou a ultima redacção da commissão, dispensando-se a impressão.
O sr. Presidente: - A ordem do dia para ámanhã é a mesma que estava dada para hoje.
Está levantada a sessão.
Eram cinco horas da tarde.
Dignos pares presentes na sessão de 13 de abril de 1880
Exmos. srs.: João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens; Duque de Palmella; Marquezes, de Fronteira, de Ficalho, de Sabugosa, de Vallada; Condes, de Cabral, de Castro, de Linhares, de Samodães, de Rio Maior, de Valbom, de Gouveia; Bispo eleito do Algarve; Viscondes, de Algés, de Alves de Sá, de Bivar, de Borges de Castro, de S. Januario, da Praia, de Soares Franco, de Villa Maior, de Valmor; Barão de Ancede; Ornellas, Mello e Carvalho, Quaresma, Barros e Sá, D. Antonio de Mello, Couto Monteiro, Fontes Pereira de Mello, Serpa Pimentel, Coutinho de Macedo, Barjona de Freitas, Xavier da Silva, Palmeirim, Carlos Bento, Sequeira Pinto, Montufar Barreiros, Fortunato Barreiros, Andrade Corvo, Mendonça Cortez, Mamede, Braamcamp, Baptista de Andrade, Castro, Mexia Salema, Matoso, Luiz de Campos, Camara Leme, Seixas, Vaz Preto, Franzini, Mathias de Carvalho, Miguel Osorio, Placido de Abreu, Calheiros, Thomás de Carvalho, Ferreira Novaes, Daun e Lorena, Costa Lobo.