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536 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

cial, porque ao mesmo tempo que lhe mandavam executar uma ordem difficil, tiravam-lhe os meios de a tornar effectiva. Era mister arvorar a bandeira portugueza na margem meridional do rio Meningane, mas era necessario ao mesmo tempo evitar conflicto com ás forças do sultão. O animo dos arabes e dos indigenas era effectivamente hostil e começava a tornar-se impaciente e irrequieto. Como, pois, arvorar a bandeira e defendel-a sem o emprego da força? Nestas condições o problema parecia irresoluvel, tornava-se quasi impossivel. N’esta conjunctura o brioso governador de Cabo Delgado, vendo que o prestigio do seu poder e do seu nome ficaria aniquilado se retirasse diante da attitude ameaçadora dos arabes e dos .indigenas, e vendo ao mesmo tempo que as ordens superiores eram difficeis de cumprir, desde que não podia em pregar à força, tentou um esforço supremo e de um arrojo inaudito, arriscou temerariamente a sua vida para desempenhar a commissão plenamente, sem deslisar um apice da recommendação que se lho tinha feito, de evitar qualquer conflicto com ás forças do sultão.

Sr. presidente, eu comprehendo perfeitamente aquella situação inquietadora para um official cheio de brio e do valor, a quem prendem os braços e tolhem os meios de acção. Sr. presidente, eu comprehendo a situação afflictiva d’aquelle official, pontualissimo no desempenho dos seus deveres, diante de uma ordem absurda e impossivel. Elle não hesitou pois em arriscar a sua vida, tornando-se escravo das instrucções que recebera. Preferiu regar com o seu sangue o solo da Africa a que se dissesse que o governador de Cabo Delgado, vendo arvorada a bandeira de Zanzibar em territorio que pertence de direito a Portugal, se retirou sem castigar a ousadia. Sr. presidente, similhante procedimento exalta-me, enthusiasma-me e enleia-me.

É por isso que tudo o que eu diga é pouco para o que elle merece. Eis o caso como se passou.

A bandeira do sultão de Zanzibar estava arvorada em Macoloe, na casa do destacamento arabe.

O governador de Cabo Delgado, não lhe consentindo o animo um similhante desacato, um tão grande insulto na sua presença, metteu-se no bote do hiate, e mandou remar para a praia onde desembarcou acompanhado só de um interprete, é dirigiu-se immediatamente para o sitio onde estava o destacamento arabe, é na sua presença elle proprio arreiou a bandeira do sultão, substituindo-a pela bandeira de Portugal.

E a nossa bandeira foi respeitada, conservou-se arvorada, e os arabes não a arriaram, não lhe tocaram sequer! Tal foi o respeito e temor que o governador lhes incutiu pelo seu sangue frio, coragem e denodo.

Sr. presidente, este desprezo pela vida, este acto de verdadeira temeridade, ao qual poucos se abalançariam, foi o argumento mais poderoso e efficaz para conter em respeito os espiritos irrequietos dos arabes. Eu, sr. presidente, hão cesso de admirar, e de pedir galardão para tão nobre é elevado feito.

Este official é tão modesto quanto brioso. Nós seus relatorios só elogia os outros, guardando reserva e procurando até desfarçar o valor dos proprios feitos; nunca falla de si.

Eu tenho aqui o seu relatorio, onde se encontra a narração do feito que acabo de mencionar, e a camara vae ver com que simplicidade elle i narra, procurando occultar até a coragem do seu proceder.

Para nós é incontestavel, é fica-se sabendo, que para elle a vida vale pouco ou nada quando0 se trata de cumprir e executar ordens superiores no serviço da patria.

Sr. presidente, estes factos que estou narrando passaram-se um anno antes da tomada de Meningane e de Tungue; são o preludio dos outros factos gloriosos que eu quero narrar. Estes serviços, posto que fossem feitos ha mais de anno e meio e constem dos boletins officiaes, não me consta que até este momento fossem devidamente galardoados. Este acontecimento ousado de que acabei de fallar passou-se em janeiro de 1866, e para que à camara possa avaliar bem o valor d’elle, e; a modestia do valente official que o praticou, vou ler-lhe à parte do relatorio singela e simples em que elle é narrado:

«No dia 22, logo de manhã, dirigi-me para aquelle ponto, só, acompanhado pelo interprete no bote do hiate, a ver o que se passava e tirar as devidas conclusões d’este facto inesperado.

«Fiquei surprehendido por encontrar, não só a força armada, mas até á bandeira do Zanzibar arvorada na casa que servia de quartel aquella força.

«Intimei o sargento arabe a arriar immediatamente aquella bandeira, que não podia ser arvorada em territorio portuguez, e igualmente que todos se retirassem para Tungue. Tudo se executou sem difficuldade, nem murmurio, e sem que eu tivesse qualquer cousa para os intimidar, de onde conclui que aquelle facto foi mais devido á ignorancia dó sargento do que ao fim de se opppr á nossa occupação.»

Vejam v. exa. e a camara como elle tira todo o valor que teve este glorioso feito!

Todas as informações extra-officiaes são concordes em affirmar que 5 acto é da maior temeridade, e que elle, governador, foi só porque ninguem o quiz acompanhar, por julgarem que iria ser victima do seu arrojo. Arrancou a bandeira do Zanzibar, plantou em seu logar a das quinas, e ha presença do destacamento arabe conservou-se desde manhã até ás seis da tarde na guarda d’aquelle precioso penhor, até que o director da alfandega e o almoxarife, presagiando uma grande desgraça e receiando que aquella audaz provocação aos arabes tivesse immediatas e funestas consequencias desembarcaram e vieram arrancal-o d’aquelle altivo enleio a que o patriotismo o tinha levado.

Todos estes promenores elle occulta, posto que verdadeiros.

A sua modestia levou-o a desfigurar os factos e a dizer que os arabes se retiraram de boa vontade, quando a reluctancia era manifesta e a attitude hostil e ameaçadora; por isso tanto mais custou a arrancal-o de ao pé da bandeira que estava confiada á sua defeza.

Foi este pundonoroso official, sr. presidente, que por um acto de desusada bravura fez tremular a nossa bandeira, as quinas altivas de Portugal, n’aquellas paragens longinquas onde não tremulavam havia já mais de quarenta anhos. E, pois, a elle que se deve mais este relevante serviço.

Em Africa, hão só de agora, como de longa data, muitos outros serviços pela coragem e bravura tem elle prestado, sem sequer receber dos poderes publicos uma palavra de reconhecimento, sem sequer se fazer menção d’elles! Os nossos governos são assim. Falla-se muito de Africa, das nossas colonias, e hão conhecem nem sabem o que se passa no ultramar; por isso tudo ali corre á revelia e com a maxima incuria.

Visto que o governo não sabe nem conhece o que devia saber e conhecer, visto que ignora os serviços relevantes feitos durante a sua administração pelo coronel de cavallaria José Raymundo de Palma Velho, vou eu agora mencionar tambem os serviços scientificos feitos por esse distincto official a fim de se quizer premial-os, não allegar ignorancia.

É provavel que o sr. ministro da marinha tenha conhecimento d’estes trabalhos importantes. Se o não tem, ficará onhecendo-os pela minha narração.

Eu, já que não posso galardoar tão importantes serviços por outra fórma, presto lhe ao menos aqui a minha sincera homenagem e consideração, tornando-os conhecidos da camara e do publico. Levantou a planta topographica da villa do Ibo. Fez o mappa geographico, para conhecimento de limites, comprehendendo: do lado norte o parallelo 9°, a leste o oceano indico, a oeste o lago Niassa e o rio Chire, ao sul o Zambeze. Fez a carta chorographica da costa e ilhas