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N.º 38

SESSÃO DE 27 DE JUNHO DE 1887

Presidencia do exmo. sr. João Chrysostomo de Abreu e Sousa

Secretarios — os dignos pares

Frederico Ressano Garcia
Conde de Paraty

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta. — Correspondencia. — Foi nomeada a commissão encarregada de rever o regulamento da camara quando constituida em tribunal de justiça. — O digno par Vaz Preto chamou a attenção do governo para os serviços prestados pelo coronel Palma Velho na tomada de Tungue. — O sr. ministro dos negocios estrangeiros disse que o governo tencionava premiar esses serviços. — Foram lidas na mesa duas proposições de lei vindas da camara dos senhores deputados. — Consultada a camara, resolveu passar á ordem do dia. — Ordem do dia: projecto de conversão da divida externa. — Continuou e concluiu o seu discurso o sr. ministro da fazenda. — O digno par Mendonça Cortez, por parte da commissão de fazenda, apresentou o parecer relativo á lei de meios para 1887-1888. — O digno par conde de Linhares participa achar-se constituida a commissão de marinha e pediu que lhe fossem aggregados os dignos pares Henrique de Macedo e Carlos Testa. — A camara approvou esta proposta. — Foi approvada a generalidade do projecto sobre a conversão da divida externa, e em seguida foi approvada a especialidade sem discussão. — O digno par Ressano Garcia, por parte dás commissões de fazenda e de obras publicas, apresentou o parecer relativo á proposição de lei que tem por fim habilitar o governo a concluir a rede de estradas reaes e districtaes. — O sr. presidente disse que, sendo a lei de meios negocio urgente, poderia entrar em discussão na sessão seguinte se a camara dispensasse o regimento. — A camara assim o resolveu. — O sr. presidente levantou a sessão, dando para ordem do dia de 28 do corrente o parecer relativo á lei de meios.

Ás duas horas e tres quartos da tarde, estando presentes 41 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.

Lida á acta da sessão precedente, julgou-se approvada, na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.

Mencionou-se a seguinte:

Correspondencia

Officio do ministerio dos negocios estrangeiros, remettendo os documentos pedidos pelo digno par Barbosa du Bocage na sessão de 11 do corrente.

(Estavam presentes os srs. ministros da fazenda e dos negocios estrangeiros.)

O sr. Presidente: — Em conformidade com a resolução da camara a respeito da proposta do sr. visconde de Moreira de Rey, ficou adoptado que a mesa nomeasse uma commissão para rever o regulamento da camara dos pares quando constituida em tribunal de justiça.

Vou portanto nomear essa commissão, a qual será composta dos dignos pares visconde de Moreira de Rey, José Pereira, Sequeira Pinto, Couto Monteiro, e Fernandes Vaz.

O sr. Vaz Preto: — Sr. presidente, eu pedi a palavra porque, como está presente o sr. ministro da marinha e dos negocios estrangeiros, desejo aproveitar esta occasião para ouvir de s. exa. algumas explicações, e chamar a attenção dos poderes publicos sobre assumptos importantes.

Na occasião em que se discutiu a resposta ao discurso da corôa, o sr. Coelho de Carvalho, meu particular amigo e correligionario, notou que a falla do throno, referindo-se á tomada de Meningane e de Tungue, elogiava só a nossa marinha pela parte que tinha tomado n’esses gloriosos feitos, esquecendo outros, entre elles o governador do Cabo Delgado, José Raymundo de Palma Velho, principal obreiro d’aquella brilhante acção. Para evitar, pois, que a camara dos dignos pares caísse tambem em similhante falta e praticasse uma grave e flagrante injustiça, mandou para a mesa aquelle digno par uma moção que foi acceita pela camara, na qual propunha que fossem louvados todos aquelles que concorreram para a tomada de Meningane e de Tungue, e principalmente o ex-governador de Cabo Delgado, a quem se deve a parte mais importante daquelle acontecimento, de verdadeiro arrojo e bravura. Aquelle digno par prestou homenagem, e a camara acceitando a sua proposta, ao valor e lealdade de portuguezes, que em paragens longinquas arriscaram a sua vida para sustentarem os direitos e o brio da nação portugueza. Não basta porém isto. É mister galardoar tão brilhantes e assignalados serviços.

Não me consta porém, sr. presidente, que até hoje fosse recompensado o merito, a lealdade e valor do ex-governador do Cabo Delgado, que tanto se assignalou durante é seu governo como depois de demittido, dirigindo ainda os ataques a Meningane e Tungue, que elie tomou á frente de um punhado de valentes.

Sr. presidente, os feitos gloriosos dos nossos antepassados enthusiasmaram-me sempre, e quando hoje, n’esta epocha de rebaixamento moral, encontro ainda portuguezes que os imitam, o meu enthusiasmo sobe de ponto 5 por isso n’aquella occasião em que o meu amigo fazia a sua proposta para lembrar os valentes, os benemeritos, que tinham sido esquecidos, eu desejei unir os meus esforços aos seus, e levantar a minha humilde voz para prestar homenagem a tão relevantes e assignalados serviços.

Não pude, porém, realisar os meus desejos e cumprir um dever, porque ainda estavam inscriptos vinte dignos pares, e a questão que de preferencia se discutia era a da concordata. N’esta conjunctura era impossivel caber-me a palavra, e por isso resolvi discutir este importantissimo assumpto n’uma sessão especial, e aproveitar a occasião em que estivesse presente o sr. ministro da marinha, para chamar a attenção de s. exa. para os acontecimentos que eu vou narrar á camara. Pará que a camara possa dar verdadeiro valor á minha narrativa, e avaliar a responsabilidade do governo pelo seu esquecimento e falta1 de zêlo, antes de começar vou dirigir duas perguntas ao sr. ministro, cujas respostas lançarão bastante luz na discussão e por ellas poderá a camara Conhecer qual tem sido o procedimento do governo.

Eis as perguntas:

l.ª Eu desejava saber se o ex-governador de Cabo Delgado, José Raymundo de Palma Velho, e outros militares, que se distinguiram na tomada de Meningane e de Tungue já foram recompensados e premiados por tão relevantes e assignalados serviços?

2.ª Desejava tambem saber se, depois d’estes brilhantes feitos de armas, os indigenas têem respeitado o nosso dominio e posse, e se o sultão de Zanzibar tem reconhecido o nosso direito?

Interrompo aqui o meu discurso para dar ensejo a que

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o sr. ministro da marinha responda as minhas perguntas, e de os todos esclarecimentos com que se possa elucidar a questão. O sr. ministro pediu a palavra, e eu imponho-me silencio para o ouvir, pedindo a v. exa., que, logo que o sr. ministro conclua, me de de novo a palavra, para continuar com as reflexões que interrompi, e que tenho a fazer sobre o assumpto.

O sr. Ministro da Marinha (Barros Cromes): — Eu não tenho duvida, sr. presidente, em responder desde já ao digno par, habilitando-o assim a poder continuar no uso da palavra para dirigir ao governo quaesquer reflexões que entenda por convenientes sobre o assumpto de que se trata, ainda que o governo seja o competente para escolher a occasião em que deve fallar; mas o meu desejo de ser agradavel ao digno par, e a muita consideração que tenho por s. exa., leva-me a satisfazer desde já aos desejos de s. exa.

Posto isto, devo dizer ao digno par que o governo, quando se levantou aqui pela primeira vez esta questão, por occasião da resposta ao discurso da corôa, declarou que não esquecia nem podia esquecer os serviços prestados na tomada das povoações de Tungue e Meningane, por ser, não só- um brilhante feito das nossas armas; como tambem porque eram a final reivindicação de direitos disputados por mais de trinta annos, reivindicação em que estava empenhada a honra nacional.

N’estas condições o governo não podia nem quereria deixar de ter para com estes leaes servidores da nação, que tanto se distinguiram por occasião d’aquelle feito, a demonstrações de reconhecimento que saio de justiça n’estas circumstancias, tendo aguardado apenas para o fazer a melhor opportunidade do momento, e a mais completa informação dos factos.

Ora essa opportunidade posso eu hoje asseverar ao digno par que já existe, podendo assim dentro em breve serem satisfeitos os justos desejos de s. exa.

Emquanto á segunda parte da pergunta de s. exa., devo dizer-lhe o seguinte: que os documentos de todas as negociações que precederam, acompanharam e seguiram a tomada da bahia de Tungue, virão em tempo competente á camara, a qual apreciará o procedimento do governo nas circumstancias muito difficeis em que se encontrou.

Devo tambem dizer a s. exa. que o sultão de Zanzibar, quando ainda não estava tomada a bahia de Tungue, dirigindo-se ás duas potencias, Inglaterra e Allemanha, se offereceu para dar uma satisfação condigna ao Rei de Portugal, promptificando-se a cumprir o que promettera, isto é, a nomear um commissario que procedesse com o nosso á demarcação definitiva dos limites, e n’estas circumstancias esperava que por nossa parte se suspendesse todo e qualquer movimento de hostilidade contra territorios seus, e, alem d’isso, que se lhe restituisse a presa de guerra que fizeramos, se assim se póde chamar, do vapor Kilva, visto que elle, sultão, se achava disposto a acceder aos justos desejos do governo portuguez.

N’estas circumstancias, o governo portuguez, mas já depois de tomadas Tungue e Meningane, resolveu por seu lado acceder ás instancias amigavelmente expressas pelas duas potencias, visto que o sultão já tinha nomeado um commissario, e o governo mantinha a occupação já realisada de toda a bahia de Tungue até Cabo Delgado.

Esta occupação foi respeitada pelo sultão,

É certo que por mais de uma vez houve algumas incursões capitaneadas, segundo parece, pelo ex-walli de Tungue; mas esse movimento que poderia parecer suspeito de obedecer á ordem do governo de Zanzibar, não tinha essa origem, protestando o sultão ter sido inteiramente alheio a

elle.

Effectivamente a circumstancia de terem terminado immediatamente essas correrias indicou desde logo que fo-raui um simples movimento espontaneo dos arabes; e não um plano, que seria grave se tivesse sido inspirado pelo governo de Zanzibar.

D’aquelle movimento, que não teve importancia, resultou apenas por nosso lado a perda de um homem.

Não me consta que contra Tungue tenha havido nova tentativa.

Pergunta o, digno par se o sultão reconheceu já os nossos direitos?

A esse respeito posso dizer a s. exa. que o governo nomeou um commissario, o sr. Brito Capello, para proceder definitivamente á demarcação dos territorios.

Esse commissario, tendo chegado a Moçambique, foi informado de que não era a occasião mais propria para encetar essa negociação, por isso que o sultão tinha entrado no Ramaden, periodo de jejum que é rigorosamente observado por todos, os mussulmanos, e durante elle, não podia tratar negociações.

Em virtude d’isto, o sr. Brito Capello permaneceu em Moçambique, partindo apenas ha poucos dias para Zanzibar o sr. visconde de Castilho, nosso consul n’aquella localidade, para reatar as relações officiaes, deixando por isso de ficar a cargo do consul da Allemanha a protecção dos interesses de Portugal, que lhe estavam confiados.

Restabelecidas assim as relações officiaes, logo que cesse a causa que já mencionei, o sr. Brito Capello partirá de Moçambique na corveta Bartholomeu Dias, que será acompanhada pela Affonso de Albuquerque, para proceder ás negociações diplomaticas e ultimar e assignar o tratado de limites para que vae auctorisado.

Com estas explicações creio ter respondido ás interrogações do digno par. Todavia, se s. exa. entender que, ellas não foram completas, usarei novamente da palavra para ver se posso, lograr satisfazer o digno par.

O sr. Vaz Preto: — Agradeço ao sr. ministro da marinha e dos negocios estrangeirosas explicações que s. exa. acaba de me dar, e á camara.

Emquanto á primeira pergunta que eu fiz, respondeu s. exa. que o ex-governador de Cabo Delgado, José Raymundo; de Palma Velho, havia de ser premiado a seu tempo; e que o não tinha sido já porque até agora não tinha recebido informações officiaes ácerca dos feitos praticados por s. exa., e pelas forças do seu commando!!!

Não teve até hoje informações, officiaes ácerca da tomada de Meningane e de Tungue! Não se acredita.

E admiravel este descuido, e não menos admiravel a sua resposta, embora inacreditavel!

Pelo que respeita á segunda pergunta, com- relação ao reconhecimento do nosso dominio e posse n’aquelle territorio, onde, apesar do nosso direito não tremulavam as quinas de Portugal ha mais de quarenta annos, respondeu s. exa. que têem havido algumas excursões da parte dos indigenas, que suppõe não terem a approvação nem o consentimento do sultão, mas que o governo ia entrar em negociações com o sultão de Zanzibar, com o fim de se fazer um tratado que ponha termo áquelle estado pouco regular.

Esta resposta não é menos admiravel e extraordinaria! S. exa. não sabe o que vae pelas nossas possões de Zanzibar; suppõe apenas!

Por esta resposta vê-se e rceonhece-se o descuido e desmazelo com que este governo trata as cousas de Africa.

O sr. ministro não sabe o que se passa n’aquellas regiões, ignora completamente tudo o que devia saber!!

Sr. presidente, deixarei por agora as varias e serias considerações que poderia fazer sobre este assumpto tão importante, e só pedirei ao sr. ministro que não esqueça e que não falte com mantimentos e munições aos valentes, soldados que na Africa tão heroicamente continuam á arriscar a vida, para sustentar os direitos de Portugal. Sr. presidente, o meu fim hoje, chamando a attenção da camara e do governo para os feitos de Meningane e de Tungue, é reparar a falta indesculpavel de não terem até hoje sido galardoados aquelles relevantes serviços.

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Eu admiro, e a camara deve estar surprehendida, que se praticasse um feito tão ousado, feito tão importante e tão valioso para Portugal, e que até agora esse acto não fosse recompensado por qualquer fórma pelo nosso governo! Feitos d’esta ordem, de bravura e de coragem, pouco vulgar, premeiam-se immediatamente no campo da batalha, ou logo em seguida.

V. exa., sr. presidente, que é militar, e um general distincto, sabe perfeitamente que, quando ha uma guerra, e qualquer official do exercito se distingue no campo da batalha, por qualquer acto de coragem, por qualquer feito assignalado, é immediatamente recompensado. E para estes casos, e n’estes casos que se dão os postos por dintincção. É arriscando a vida e praticando actos de verdadeiro arrojo e de valor incontestavel, que se ganham os postos por distincção. Sr. presidente, não premiar logo, não ter ainda participações officiaes, ignorar o que se passou na Africa, tendo declarado guerra ao sultão de Zanzibar, guardar para as kalendas gregas as recompensas aos valentes, aos .bravos que o governador de Moçambique elogiou nos boletins officiaes, é caso novo e unico, que imprime caracter a este governo progressista. Como querem que as nossas colonias prosperem e se desenvolvam, como querem que o exercito de Africa seja disciplinado e aguerrido, quando o governo da metropole, pela bôca do actual sr. ministro, declara que não sabe o que lá se passa e que nem tem relatorios officiaes de acontecimentos importantissimos, que são já perfeitamente conhecidos de França, da Inglaterra e Allemanha! Estas tres nações sabem melhor o que se passa em Zanzibar do que nós, que lhe declarámos guerra, e lhe tomamos em dois reencontros tres peças de artilheria e algumas bandeiras! Sr. presidente isto é assobrosoy mas é verdadeiro! Como, porém, o sr. ministro parece ignorar as circumstancias que se referem aos altos feitos a que alludo, e carece ainda de informações officiaes para commemorar, e premiar os bravos que os praticaram, eu vou narral-as e expol-as á camara com toda a singeleza.

Para que a camara possa aprecial-as devidamente e todas as circumstancias que os acompanharam, começarei a minha narrativa do seu começo.

A historia e a exposição de factos um pouco mais remotos é necessaria e conveniente, a fim de que a camara e o publico fique, conhecendo os assignalados serviços feitos pelo ex-governador de Cabo Delgado, José Raymundo de Palma Velho, a cuja intelligencia, denodo e lealdade, deve a posse e dominio de toda a bahia de Tungue até á bahia de Mocimboa. Passemos á narração dos factos, para melhor se conhecerem os serviços d’este distincto official. O sultão de Zanzibar, recusando sempre a demarcação de limites, não reconhecia os direitos incontestaveis que nós tinhamos delonga data ao territorio de que hoje estamos de posse pela iniciativa audaz do ex-governador de Cabo Delgado. Havia mais de quarenta annos que a bandeira portugueza não fluctuava n’aquellas paragens, e que o nosso dominio não se tornava effectivo. Os adiamentos e as delongas eram o resultado de diplomacia e influencias estrangeiras junto do sultão. Não era possivel trazel-o a uma solução definitiva. O caso para nós tornava-se mais serio e urgente depois da conferencia de Berlim. Estavamos collocados n’este duro dilemma: ou renunciar completamente aos nossos direitos, ou pela força tornar effectiva a occupação.

Optámos, pois, por este ultimo alvitre, e declarámos guerra ao sultão de Zanzibar.

O governo portuguez tinha empregado todos os esforços para que se fizesse um tratado e se marcassem definitivamente os limites do que pertencia a Portugal e a Zanzibar, mas não o pôde conseguir.

Ha mais de quarenta annos que as cousas estavam n’este pé, porque ha mais de quarenta annos que os nossos esforços tinham sido inuteis e infructiferos.

Não sei se este estado de cousas era effectivamente devido á pertinacia e teimosia do sultão de Zanzibar, se ao desmazelo e incuria dos nossos governos; o que sei é que as cousas achavam-se n’este estado e que as nações principaes, na conferencia de Berlim, lançavam já os seus olhos cubiçosos para aquellas remotas regiões.

O que sei é que a França, a Inglaterra e a Allemanha espiavam os nossos passos e aconselhavam, ou, pelo menos, mostravam parcialidade a favor do sultão, parcialidade que fazia com que elle não cedesse e se recusasse ao reconhecimento do nosso direito.

N’esta conjunctura e difficil situação não havia outro meio senão realisar immediatamente a occupação, embora fosse necessario o emprego da força.

Foi, pois, usando da força e occupando militarmente o territorio que nos pertencia de direito, que o ex-governador de Cabo Delgado prestou, pela sua firmeza, prudencia e denodo, um dos mais valiosos serviços a Portugal.

A conferencia de Berlim estabeleceu certas regras e principios para o reconhecimento dos direitos a possessões no ultramar.

Era necessario, pois, que Portugal, para poder allegar os direitos que tinha áquelle territorio, tratasse de o occupar.

Vejamos, pois, como as cousas correram até que se tornou effectiva a nossa occupação, e os relevantes serviços do coronel de cavallaria José Raymundo de Palma Velho, ex-governador de Cabo Delgado.

Em 1886 o ministro da marinha regenerador, que então estava no poder, deu ordem ao governador geral de Moçambique que occupasse a parte meridional do rio Meningane; mas conjunctamente com essa ordem determinava-lhe que evitasse todo e qualquer conflicto com as forças do sultão.

O governador geral de Moçambique transmittiu esta ordem ao governador de Cabo Delgado, deu-lhe as instrucções que tinha recebido do governo e encarregou-o de ir hastear a bandeira portugueza na margem sul do rio Meningane.

O governador de Cabo Delgado encarregou o official que estava de guarnição em Mocimba de executar a ordem.

Sabe v. exa. como foi acolhido pelos arabes e pelos indigenas áquelle official, que apenas levava comsigo dezeseis soldados?

Foi acolhido a tiro, ameaçado e repellido.

O governador de Cabo Delgado foi immediatamente prevenido d’este acontecimento, que presagiava sinistros resultados, e, apesar de ser grave e difficil a conjunctura, logo se apresentou ali em pessoa, firme e resolvido a cumprir a commissão de que estava encarregado.

Depois de ter esgotado todos os meios de prudencia e de cordura procurou, pelos seus intermediarios, convencer-o sultão em consentir que ali fosse arvorada a bandeira portugueza; e nada tendo podido obter resolveu, custasse o que custasse, cumprir as ordens superiores que tinha recebido, embora perdesse a vida.

Sr. presidente, é conveniente que o publico e a camara saibam como este valente official cumpriu rigorosamente as ordens superiores que tinha recebido, tendo ao mesmo tempo a recommendação de evitar todo e qualquer conflicto com as forças do sultão de Zanzibar.

O arrojo e a firmeza que desenvolveu em circumstancias tão difficeis, mostra bem o que vale áquelle valente e distincto official portuguez, que para se desempenhar da difficil e escabrosa commissão de que estava encarregado, correu grande perigo, arriscando, com a maior indifferença e sangue frio, a propria vida.

A attitude dos arabes era hostil e a dos indigenas não menos hostil. O official que tentou o desembarque para arvorar a bandeira portugueza foi recebido a tiro. Que fazer, pois, para levar a effeito o fim desejado? Ardua era a tarefa, difficil o caso, e precaria a situação do governador do Cabo Delgado. Precaria era a situação d’aquelle offi-

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cial, porque ao mesmo tempo que lhe mandavam executar uma ordem difficil, tiravam-lhe os meios de a tornar effectiva. Era mister arvorar a bandeira portugueza na margem meridional do rio Meningane, mas era necessario ao mesmo tempo evitar conflicto com ás forças do sultão. O animo dos arabes e dos indigenas era effectivamente hostil e começava a tornar-se impaciente e irrequieto. Como, pois, arvorar a bandeira e defendel-a sem o emprego da força? Nestas condições o problema parecia irresoluvel, tornava-se quasi impossivel. N’esta conjunctura o brioso governador de Cabo Delgado, vendo que o prestigio do seu poder e do seu nome ficaria aniquilado se retirasse diante da attitude ameaçadora dos arabes e dos .indigenas, e vendo ao mesmo tempo que as ordens superiores eram difficeis de cumprir, desde que não podia em pregar à força, tentou um esforço supremo e de um arrojo inaudito, arriscou temerariamente a sua vida para desempenhar a commissão plenamente, sem deslisar um apice da recommendação que se lho tinha feito, de evitar qualquer conflicto com ás forças do sultão.

Sr. presidente, eu comprehendo perfeitamente aquella situação inquietadora para um official cheio de brio e do valor, a quem prendem os braços e tolhem os meios de acção. Sr. presidente, eu comprehendo a situação afflictiva d’aquelle official, pontualissimo no desempenho dos seus deveres, diante de uma ordem absurda e impossivel. Elle não hesitou pois em arriscar a sua vida, tornando-se escravo das instrucções que recebera. Preferiu regar com o seu sangue o solo da Africa a que se dissesse que o governador de Cabo Delgado, vendo arvorada a bandeira de Zanzibar em territorio que pertence de direito a Portugal, se retirou sem castigar a ousadia. Sr. presidente, similhante procedimento exalta-me, enthusiasma-me e enleia-me.

É por isso que tudo o que eu diga é pouco para o que elle merece. Eis o caso como se passou.

A bandeira do sultão de Zanzibar estava arvorada em Macoloe, na casa do destacamento arabe.

O governador de Cabo Delgado, não lhe consentindo o animo um similhante desacato, um tão grande insulto na sua presença, metteu-se no bote do hiate, e mandou remar para a praia onde desembarcou acompanhado só de um interprete, é dirigiu-se immediatamente para o sitio onde estava o destacamento arabe, é na sua presença elle proprio arreiou a bandeira do sultão, substituindo-a pela bandeira de Portugal.

E a nossa bandeira foi respeitada, conservou-se arvorada, e os arabes não a arriaram, não lhe tocaram sequer! Tal foi o respeito e temor que o governador lhes incutiu pelo seu sangue frio, coragem e denodo.

Sr. presidente, este desprezo pela vida, este acto de verdadeira temeridade, ao qual poucos se abalançariam, foi o argumento mais poderoso e efficaz para conter em respeito os espiritos irrequietos dos arabes. Eu, sr. presidente, hão cesso de admirar, e de pedir galardão para tão nobre é elevado feito.

Este official é tão modesto quanto brioso. Nós seus relatorios só elogia os outros, guardando reserva e procurando até desfarçar o valor dos proprios feitos; nunca falla de si.

Eu tenho aqui o seu relatorio, onde se encontra a narração do feito que acabo de mencionar, e a camara vae ver com que simplicidade elle i narra, procurando occultar até a coragem do seu proceder.

Para nós é incontestavel, é fica-se sabendo, que para elle a vida vale pouco ou nada quando0 se trata de cumprir e executar ordens superiores no serviço da patria.

Sr. presidente, estes factos que estou narrando passaram-se um anno antes da tomada de Meningane e de Tungue; são o preludio dos outros factos gloriosos que eu quero narrar. Estes serviços, posto que fossem feitos ha mais de anno e meio e constem dos boletins officiaes, não me consta que até este momento fossem devidamente galardoados. Este acontecimento ousado de que acabei de fallar passou-se em janeiro de 1866, e para que à camara possa avaliar bem o valor d’elle, e; a modestia do valente official que o praticou, vou ler-lhe à parte do relatorio singela e simples em que elle é narrado:

«No dia 22, logo de manhã, dirigi-me para aquelle ponto, só, acompanhado pelo interprete no bote do hiate, a ver o que se passava e tirar as devidas conclusões d’este facto inesperado.

«Fiquei surprehendido por encontrar, não só a força armada, mas até á bandeira do Zanzibar arvorada na casa que servia de quartel aquella força.

«Intimei o sargento arabe a arriar immediatamente aquella bandeira, que não podia ser arvorada em territorio portuguez, e igualmente que todos se retirassem para Tungue. Tudo se executou sem difficuldade, nem murmurio, e sem que eu tivesse qualquer cousa para os intimidar, de onde conclui que aquelle facto foi mais devido á ignorancia dó sargento do que ao fim de se opppr á nossa occupação.»

Vejam v. exa. e a camara como elle tira todo o valor que teve este glorioso feito!

Todas as informações extra-officiaes são concordes em affirmar que 5 acto é da maior temeridade, e que elle, governador, foi só porque ninguem o quiz acompanhar, por julgarem que iria ser victima do seu arrojo. Arrancou a bandeira do Zanzibar, plantou em seu logar a das quinas, e ha presença do destacamento arabe conservou-se desde manhã até ás seis da tarde na guarda d’aquelle precioso penhor, até que o director da alfandega e o almoxarife, presagiando uma grande desgraça e receiando que aquella audaz provocação aos arabes tivesse immediatas e funestas consequencias desembarcaram e vieram arrancal-o d’aquelle altivo enleio a que o patriotismo o tinha levado.

Todos estes promenores elle occulta, posto que verdadeiros.

A sua modestia levou-o a desfigurar os factos e a dizer que os arabes se retiraram de boa vontade, quando a reluctancia era manifesta e a attitude hostil e ameaçadora; por isso tanto mais custou a arrancal-o de ao pé da bandeira que estava confiada á sua defeza.

Foi este pundonoroso official, sr. presidente, que por um acto de desusada bravura fez tremular a nossa bandeira, as quinas altivas de Portugal, n’aquellas paragens longinquas onde não tremulavam havia já mais de quarenta anhos. E, pois, a elle que se deve mais este relevante serviço.

Em Africa, hão só de agora, como de longa data, muitos outros serviços pela coragem e bravura tem elle prestado, sem sequer receber dos poderes publicos uma palavra de reconhecimento, sem sequer se fazer menção d’elles! Os nossos governos são assim. Falla-se muito de Africa, das nossas colonias, e hão conhecem nem sabem o que se passa no ultramar; por isso tudo ali corre á revelia e com a maxima incuria.

Visto que o governo não sabe nem conhece o que devia saber e conhecer, visto que ignora os serviços relevantes feitos durante a sua administração pelo coronel de cavallaria José Raymundo de Palma Velho, vou eu agora mencionar tambem os serviços scientificos feitos por esse distincto official a fim de se quizer premial-os, não allegar ignorancia.

É provavel que o sr. ministro da marinha tenha conhecimento d’estes trabalhos importantes. Se o não tem, ficará onhecendo-os pela minha narração.

Eu, já que não posso galardoar tão importantes serviços por outra fórma, presto lhe ao menos aqui a minha sincera homenagem e consideração, tornando-os conhecidos da camara e do publico. Levantou a planta topographica da villa do Ibo. Fez o mappa geographico, para conhecimento de limites, comprehendendo: do lado norte o parallelo 9°, a leste o oceano indico, a oeste o lago Niassa e o rio Chire, ao sul o Zambeze. Fez a carta chorographica da costa e ilhas

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do districto, desde Cabo Delgado até á bahia do Lurio, na extensão de 320 kilometros.

Fez o recenseamento de todas as povoações marcadas na dita carta, e alem d’estes trabalhos importantes fez durante quatro annos observações meteorologicas n’aquellas paragens. Todos estes trabalhos scientificos são de grande valor não só para o governo, mas para a sociedade de geographia.

E qual foi o premio conferido áquelle activo e solicito governador?

Nenhum.

Até agora os seus relevantes serviços e trabalhos scientificos não têem merecido a menor prova de apreço da parte dos governos, serviços que, como já disse não são de agora sómente, mas de ha muito, não fallando já no acto heroico de hastear a bandeira de Portugal em Macaloé, em janeiro de 1886, arrancando ao destacamento arabe a do sultão que tremulava ali na casa do quartel. Tudo isto parece ainda ignorado do governo, pois não consta que o mais pequeno premio lhe tenha sido conferido.

Ignora porventura ainda o sr. ministro da marinha estes serviços?.

Não tem s. exa. ainda conhecimento d’aquelles trabalhos scientificos na Africa, que está ainda pouco explorada, civilisada, e deficientemente conhecida?

D’aquella região apenas me consta que ha uma carta geographica allemã, muito imperfeita, o que deixa ver bem o valor que deve ter o trabalho voluntario e espontaneo do nosso compatriota, o sr. Palma Velho.

Parece incrivel que o governo ignore todos estes factos, que são notorios, do dominio publico e authenticados por documentos officiaes.

A modestia d’aquelle illustre official tem-lhe feito occultar na sombra o que deve estar patente á luz do sol.

Se tão grande modéstia procura attenuar e esconder tão brilhantes feitos, era ao governo que competia engrandecel-os, conferindo-lhe o premio condigno e devido.

Se o governo tem tido a incuria e à negligencia, de ignorar ainda os trabalhos scientificos d’aquelle illustre governador, é conveniente ao menos que os fique conhecendo por minha intervenção, no que tenho muito prazer e orgulho.

Sr. presidente, s. exa. o sr. ministro da marinha deve saber quão deficientes e inexactas são em geral as cartas de Africa e portanto quanta importancia deve ter um trabalho d’este genero.

Sr. presidente como eu sou avaro em elogios, tudo. o, que estou dizendo deve ter algum merecimento para o. sr. Palma Velho, porque é o tributo de homenagem que presto aos seus gloriosos serviços altamente patrioticos. Se os governos do paiz têem, praticado a indesculpavel falta de os não commemorar, sirvam ao menos estas sinceras e convictas palavras para os fazer conhecer da camara e do publico, que lhe fará a justiça devida.

Sr. presidente, quer v. exa. saber e a camara qual foi o galardão que teve aquelle valente e brioso official por tão relevantes serviços? Foi uma demissão secca! No decreto que o demittiu nem sequer vinham as palavras do estylo «serviu a meu contento!

Sr. presidente, a compensação dada áquelle illustre militar pelos relevantes serviços que tem prestado, foi demittil-o a 4 de janeiro de 1887, transmittindo-se pelo telegrapho essa demissão ao governador de Moçambique; o qual immediatamente a communicou áquelle official. Nem uma palavra de louvor, nem uma palavra de consideração, nem a justiça que lhe era devida acompanhou áquelle decreto de demissão secco, e inconveniente.

É muito, é demais, custa acreditar similhante proceder, mas é a verdade!!! A demissão foi lhe pois communicada, mas o governador de Moçambique, que tinha recebido ordem para tomar Meningane e Tungue, entendeu não dever para esse fim prescindir da cooperação deste valente, corajoso e intelligente militar, que era tambem homem de conselho, e mandou-lhe pedir para se encarregar d’aquella difficil e arriscada empreza, e fazer immediatamente os preparativos para ser levada a cabo.

O sr. Palma Velho, que tinha sido gravemente desconsiderado ante o serviço da patria, esqueceu o seu resentimento, e prestou-se como soldado a fazer parte da força expedicionaria. Não o consentiu o governador geral da provincia de Moçambique, confiou plenamente n’elle, e entregou-lhe a direcção e o commando das forças! Sr. presidente, elle já não era governador e por consequencia escusava de arriscar a vida em favor de um paiz que não sabia reconhecer os seus serviços. Mas apesar de ter deixado de ser governador, e ter sido tão desconsiderado, quiz confundir o governo que não lhe soube fazer justiça e apreciar o merecimento, e por isso, elle proprio em pessoa, poz se á frente das forças que tomaram Meningane e Tungue.

Sr. presidente, tão solicito foi sempre este official, que apenas foi chamado para executar aquelle espinhoso emprego partiu a toda apressa no hiate, que recebeu em viagem um rombo tão forte, que naufragou. Felizmente, poderam salvar-se todos, porque a maré desceu e o barco ficou em secco. Era mister tomar pelas armas Meningane e Tungue, para reivindicarmos as possessões a que tinhamos direito. Difficilima e arriscada era a empreza, mas o animo guerreiro e brioso d’aquelle militar, perigo algum o entibiava.

Sabia e conhecia bem as difficuldades, e o risco que corria, tendo á sua disposição tão poucas e limitadas forças para desalojar de posições fortes e defendidas quatrocentos arabes aguerridos, e as forças do regulo macua Mapeta, que auxiliava o vali de Tungue, que estava já disposto a tomar a iniciativa do ataque. Alem d’estas noticias aterradoras e graves, o commandante de Mocimboa participou-lhe que o poderoso regulo de Mussacá estava combinando com Said e Alibo, governador de Tungue, a fazer ao mesmo tempo a guerra em todo o territorio, desde a bahia de Mocimboa até á de Meningane. Aqui está a situação em que se achava o coronel de cavallaria, José Raymundo de Palma Velho, que tinha ordem de tomar Meningane e depois Tungue.

S. exa. entendeu que, n’esta difficilima conjunctura, só um acto de grande arrojo e de verdadeiro heroismo podia dar resultado proficuo; entendeu que no momento em que os arabes estavam ousados e provocadores, era mister responder-lhes immediatamente com a maxima energia e denodo, e atacar, antes que elles o fizessem. Resolveu, pois, por si só, tomar a responsabilidade toda, dar o assalto á aldeia de Meningane, defendida por muitas arabes, e tres peças de artilheria. Preparou tudo com a maior pericia, zelo e prudencia, combinou a hora de desembarque com as horas da maré, para os barcos não ficarem em secco, prevenindo assina qualquer desastre na occasião do reembarque. Embarcou nos escaleres da canhoneira Douro o destacamento de caçadores n.° l, composto de 30 praças, e uma força da canhoneira Douro, de trinta homens, foi com este punhado de valentes que mandou remar para Meningane. Os soldados iam desconfiados, porque o fogo era vivissimo e eram poucos para tão arriscada e importante empreza. O commandante, porém, que não contava o numero, más sabia qual a sua responsabilidade, e o que mandava o dever, disse-lhes que aquelle que voltasse para a retaguarda lhe deitaria os miolos fóra. Animados todos com o exemplo do bravo commandante, que se lançou á agua, todos se lançaram, e com maior ardor responderam ao fogo vivissimo, avançando sempre a marchemar-he para Meningane. O valor e coragem foi de tal ordem, que em pouco tempo os arabes foram desalojados, fugindo para o mato, deixando em poder dos nossos a aldeia de Meningane, que breve foi pasto das chammas, tres pecas de artilheria e duas bandeiras. Esta aldeia ficou tendo o nome

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de Palma, para relembrar o feito heroico do ex-governador do Cabo Delgado, José Raymundo de Palma Velho, À principio o governador atacou o posto das tropas, e depois de tomada a aldeia, veiu para o escaler dirigir o reembarque, de fórma que não houvesse alguma surpreza ou cilada.

Com todo o sangue frio dirigiu a acção, tanto no ataque como no reembarque1 não esquecendo providencia alguma. Deu sempre a tempo as ordens mais acertadas. Depois de reduzida a cinzas Meningane, e dos arabes e indigenas se terem retirado para o mato com grandes perdas, e depois de hastear n’aquelle territorio quasi perdido a bandeira das quinas, mandou retirar todas as forças, e foi elle proprio levar a noticia ao governador geral, que estava a muita distancia, e que ficou verdadeiramente surprehendido com este tão ousado e arriscado feito. E não era de esperar outra cousa.

Sinto, sr. presidente, não ter imaginação, nem talento, para dar a este bello feito o relevo que elle merece. Tenho, porém, um coração portuguez, que palpita e estremece com tudo que recorda as tradições gloriosas dos nossos antepassados.

Simples e singella é a minha narração, mas nem por isso tira o valor e a importancia ao acontecimento que acabo de fazer conhecer á camara. Sem duvida os meus collegas hão de apreciai-o em toda a sua grandeza.

Sr. presidente, parte do programma militar estava já executado e póde-se dizer com a mesma celeridade com que foi concebido.

O governador geral da provincia de Moçambique, voltando a si da surpreza, reuniu em seguida conselho de officiaes para apreciar as vantagens e resultados de feito tão brilhantemente praticado e resolver o que mais convinha fazer-se.

Concluido o conselho, e ponderadas as difficuldades, o governador disse-lhe que era necessario concluir e pôr remate á obra tomando Tungue, mas que para esse fim era mister mandar vir o batalhão de caçadores n.° l, que estava em Moçambique.

O governador geral, que conhecia a posição de Tungue, forte e bem defendida, pareceu-lhe que as forças não eram sufficientes, e que não convinha arriscal-as a qualquer revez ou desastre, e portanto o mais conveniente era mandar vir de Moçambique o batalhão de caçadores n.° 1. O heroe de Meningane ouviu o conselho e o governador e partiu, mas no outro dia preparou a mesma força de 35 praças de caçadores n.° l, e com ellas se dirigiu para Tungue, e da Affonso de Albuquerque foram-lhe mandados 30 marinheiros. A 200 metros de distancia da praia atirou-se ao mar com a força de 35 soldados e 30 marinheiros, tanto era o enthusiasmo e o ardor do combate ao ouvir sybillar as ballas que batiam nos escaleres.

O fogo de Tungue, abrigado por traz do mato, era bem sustentado e entretido, o que incitava mais os nossos soldados que com todo o denodo e bravura escalaram a forte e bem defendida posição. O governador, sempre incansavel, e dando exemplo, marchava a frente, e foi o primeiro que chegou ao alteroso alcaçar onde estava a bandeira do sultão de Zanzibar, que fez arrear, para hastear a bandeira de Portugal que sempre gloriosa durante seculos tremulou n’aquellas regiões longinquas, onde levou a fé e o imperio.

Desde esse momento ficámos senhores de todo o districto de Cabo Delgado, desde a bahia de Tungue até á bahia de Mocamboa. Por aquelles assignalados feitos reivindicámos todo o territorio a que tinhamos direito, e de que estamos hoje de posse.

A bandeira de Portugal tremula altiva, respeitada e temida em todo o districto do Cabo Delgado, do nascente ao poente, do norte ao sul, onde ha mais de quarenta annos não era hasteada;

Aqui tem v. exa. é a camara, como aquelle nobre caracter, aquelle valente militar deu uma lição dura, e confundiu um governo, que não soubera apreciar os seus serviços, é o desconsiderara. Aqui tem v. exa. a nobre isenção de um portuguez, que arriscou com todo o sangue frio a sua vida para servir o seu paiz, e fazer respeitar a nome de Portugal.

Aqui tem v. exa. os feitos levantados praticados em paragens um pouco selvagens por aquelle valente militar, de mais a mais quando não era obrigado a entrar em campanha, por isso mesmo que já estava exonerado da sua commissão!

Sr. presidente, se ao governo fizesse tanta impressão estes actos de valor praticados em terras que foram regadas com o sangue dos nossos antepassados, não teria o coronel de cavallaria José Raymundo de Palma Velho sido desconsiderado. Teria sido reconhecido o seu alto merecimento, e ter-lhe-ia sido immediatamente offerecido um governo geral. Homens d’estes, que têem dado provas da sua aptidão, é que convem na Africa. Mas infelizmente é por isso mesmo que elle foi demittido e não serviu.

Sabe v. exa. e a camara qual foi o premio que teve em seguida a todos estes feitos? Foi vir para Portugal sem que ao menos o governo lhe pagasse a passagem!!! E por isso que eu venho chamar a attenção dos poderes publicos e do governo para ser premiado este militar e todos os outros que se distinguiram, mas este principalmente, porque a elle se deve a tomada de Meningane e de Tungue. Elle foi é principal obreiro, como o proprio governador geral affirma.

Quer v. exa. saber como o governador de Moçambique aprecia o procedimento d’este official?

«Tendo eu tido conhecimento do ataque, tomada e destruição da povoação de Meningane na margem esquerda do rio daquelle nome, levado a effeito em 23 de fevereiro, sob a direcção do coronel governador do districto, pelas praças de marinhagem da canhoneira Douro, e pelas de caçadores n.° 1 depois do activo bombardeamento, que teve logar a bordo da dita canhoneira n’aquelle e nos precedentes dias, e do vivissimo fogo do inimigo, especialmente na occasião do desembarque;

«Tendo eu presenceado tambem o ataque, tomada e destruição da povoação arabe de Tungue, realisado em 27 de fevereiro, tambem sob a direcção do dito coronel governador do districto, pelas praças da marinhagem da corveta Affonso de Albuquerque, e pelo mesmo destacamento de caçadores n.° l, depois do bombardeamento executado por aquelle navio nos anteriores dias, e do tiroteio feito de terra n’aquelle dia, e em alguns dos anteriores em reconhecimentos feitos junto á praia pelos nossos escaleres;

«Tendo estes satisfactorios acontecimentos trazido como natural e legitima consequencia a definição da nossa fronteira como nós a desejavamos e como o citado diploma europeu nol-o reconhecia, o que foi devido á coadjuvação unanime das forças de mar e terra que n’elle collaboravam:

«Hei por conveniente louvar em meu nome todos os officiaes, officiaes inferiores, marinheiros das guarnições dos navios Affonso de Albuquerque e Douro, e soldados da guarnição do districto do Cabo Delgado, e em especial:

«O coronel de cavallaria do exercito de Portugal, governador do districto, José Raymundo de Palma Velha, pela intelligencia, serenidade, e denodo com que planeou, dirigiu, e executou os dois ataques de Meningane e Tungue, sendo assim por si só o principal obreiro de tão brilhante feito...

«Palacio do governo geral da provincia de Moçambique, 12 de março de 1887. = 0 governador geral, Augusto de Castilho.»

São expressivas e levantadas as palavras do governador geral, quando relembra e commemora os factos brilhantes de Meningane e de Tungue. Valha-nos ao menos isso. Este reconhece a importancia do feito, e faz a justiça devida ao merecimento e coragem do principal obreiro.

Não sou eu que o digo, é o governador que affirma que

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o auctor de similhantes façanhas é o coronel de cavallaria José Raymundo de Palma Velho.

Sirva ao menos a tanta ingratidão de lenitivo estes rãs gados e merecidos louvores feitos por uma testemunha occular d’aquelle commettimento. Esta justiça prestada pelo governador geral põe bem em relevo a injustiça revoltante do governo. Sr. presidente, é uma vergonha que serviços d’esta ordem fossem esquecidos pelos poderes publicos. E uma vergonha que seja necessario lembral-os ao governo. Os postos por distincção são para se premiarem aquelles que se distinguem no campo de batalha, são para os casos que eu acabo de narrar e referir. Se galardoassem aquelles importantes serviços com o posto de distincção não faziam nada de mais do que merece o ex-governador de Cabo Delgado.

Os governos das provincias do ultramar deviam ser para aquelles que os merecessem pelos seus serviços e aptidões no ultramar.

Sr. presidente, a rasão por que vão tão mal as cousas no ultramar é porque os governadores geraes são despachados por empenhos e influencias poderosas em geral pouco competentes e quasi sempre despotas.

Parece que deviam ser collocados n’aquelles governos os homens que se distinguissem pelo seu talento, e competencia pelo seu saber, pela sua bravura e pela sua aptidão, e conhecimento do ultramar. Não succede porém assim. Aos homens que dão provas da sua aptidão succede-lhe o mesmo que succedeu ao sr. Palma Velho, regressar á Portugal á sua custa!

Parece me que o sr. Palma Velho tinha dado provas de sobejo para poder e dever occupar um logar elevado no ultramar, um logar de governador geral.

N’outro paiz assim succederia, no nosso a recompensa que obteve, foi uma demissão secca, sem elogio algum, e nem ao menos lhe pagarem a passagem para Portugal!

Não cesso de tornar bem patente o procedimento pouco digno e decoroso do governo, para ver se elle com brevidade resgata por um nobre galardão a sua falta altamente censuravel.

Custa a crer que, quando ha homens que praticam relevantes serviços, derramam o seu sangue e arriscam a sua vida para fazer respeitar o nome portuguez, sejam assim esquecidos, e se diga: «não é agora occasião; mais tarde lhes daremos o galardão!!!» E diz se isto, quando vemos todos os dias á folha official cheia de condecorações para estrangeiros é portuguezes, condecorações que não premeiam nem um unico serviço, e em geral agraciam insignificantes especuladores, e muitos que deviam talvez passear pela Africa com á grilheta aos pés! Não são estas condecorações achincalhadas que eu peço para o heroe de Meningane e Tugue, pois não desejo vel-o confundido n’essa turba de insignificantes, especuladores, e de parvenus. Se fallo, pois, n’essas condecorações, é para censurar o governo, que é tão prodigo em premiar injustos e falsos serviços e em esquecer os que são dignos de louvor e relevantes.

Sr. presidente, custa bastante, causa uma impressão dolorosa, ver e sentir que descemos a tamanho abatimento moral e a humilhação tão grande; confrange-se o coração por ver que n’este paiz de glorias e de tradições, se pavoneiam hoje os parvenus os espertalhões e os traficantes, emquanto os homens de bem, de merecimento e de serviços passam ignorados é ficam esquecidos.

Sr. presidente, um paiz onde se adora o bezerro de oiro, onde a honra, a virtude e a dignidade são chimeras, é um paiz perdido. Oxalá que eu seja falsa Cassandra. Ao sr. coronel de cavallaria José Raymundo dá Palma Velho, ex-governador de Cabo Delgado, dir-lhe-hei, porém, que não o entristeça nem magoe a injustiça e o esquecimento dos poderes publicos, porque os boletins officiaes do governo geral de Moçambique e o padrão immorredouro collocado em Meningue, onde está gravado o glorioso nome de Palma, atravessará os seculos e attestará aos vindouros os feitos assignaaldos de mais um- bravo, de mais um illustre portuguez.

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros: — Sr. presidente, em breves palavras vou responder ás observações apresentadas pelo digno par, o sr. Vaz Preto.

Não é a este governo que cabe a censura que s. exa. acaba de fazer, porque elle segue com attenção, respeita e procura premiar os serviços prestados ao paiz, e estes a que o digno par se referiu não hão de ficar sem premio. E folgo de que já tivesse tido occasião de fazer esta mesa ma declaração muito antes do digno par o sr. Vaz Preto chamar a attenção do governo para este assumpto, pois que já a fiz quando respondia a um membro d’esta camara, o sr. Coelho de Carvalho, ao discutir-se a resposta ao discurso da corôa.

Quando ha pouco, no decurso da minha oração, me referi a opportunidade, alludindo tambem á conveniencia de se tornar diplomatica, não expremi talvez de modo bastante claro o pensamento do governo e d’ahi nasceriam os reparos do digno par.

É dever do governo premiar todos os serviços prestados ao paiz, mas cumpre-lhe tambem informar-se cabalmente dos factos para poder apreciar, ajustar a elles quaesquer remunerações, premiando aquelles que tiverem exposto a vida e derramado o seu sangue pela patria, reivindicando assim a gloria do nome portuguez.

E se esta informação conscienciosa é sempre um dever, de mais rigoroso cumprimento se torna esse dever, quando, hypothese que se verifica no caso citado, os feitos chamaram a attenção do estrangeiro.

Felizmente para Portugal estes actos de valor repetem-se em Africa. Não vimos nós ha dois dias na retirada de Matibane, a qual, como questão militar, não teve a gravidade que se lhe quiz attribuir; dar occasião a algumas demonstrações de um valor verdadeiramente heróico e digno de todo o elogio e apreço, que a opinião publica lhe dispensou, para premio dos que assim arriscam a vida?

Não vimos nessa retirada, um guarda marinha ainda creança atravessado por duas balas em uma das coxas continuar dando a voz de commando? E este realmente um acto digno de todo o louvor, que o governo não ha de deixar um premio. (Apoiados.) Não vimos nós tambem n’essa mesma retirada um simples marinheiro ser ferido por uma bala que lhe fez perder um dos olhos, puxar do lenço, limpar o sangue que, lhe corria pelo rosto e continuar á fazer fogo sobre o inimigo, ajudando ao mesmo, tempo a transportar o seu official ferido?

Não ha nada mais digno, mais heróico, nem mais susceptivel de ser exaltado em uma assembléa d’esta ordem. Emquanto a serviços passados prestados pelo governador Palma Velho, por occasião de ser occupada a margem sul do Meningane, e á recompensa que lhes deveria ter sido attribuida, nada quero affirmar definitivo n’este momento porque a minha memoria é fraca, mas tenho idéa de já ter na interinidade de ministro da marinha apresentado á assignatura do soberano o decreto que lhe conferia uma commenda como recompensa aos serviços a que o digno par alludiu. Creio que o sr. coronel Palma Velho recusou a commenda por circumstancias attendiveis, pois todos nós sabemos o onus pesado que anda ligado á acceitação daquellas distincções; mas o governo fez o que devia fazer, dando a esse bravo militar a manifestação mais completa do reconhecimento aos serviços por elle praticados. A distincção não foi acceita, mas a manifestação de apreço por parte do governo verificou-se:

O sr. Vaz Preto: — Foi a commenda da Torre Espada com que o quizerem agraciar?

O Orador: — Não affirmo, mas creio que era a commenda da Conceição.

O governo, conhecedor das circumstancias que tinham acompanhado os factos, julgou se bem me recordo, dever

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Acceitar a proposta do proprio governador, de Moçambique, rio qual depositava confiança.

Quanto a dizer-se que o coronel Palma Velho, ao elogio do qual me associo intimamente, e com quem tive a satisfação de estar ha pouco tempo, aproveitando a occasião para lhe mostrar a intenção em que o governo estava de o distinguir; emquanto a dizer-se, repito, que elle, havia sido injusta e seccamente demittido, responderei que, havendo-lhe cabido no exercito do reino e por effeito da vaga a promoção a coronel, a sua continuação no ultramar tel-o-ia elevado a general; este, posto não estava de accordo com a sua conservação á frente de um governo secundario como o do Ibo, e foi esta a rasão unica que actuou no animo do meu antecessor o sr. Henrique de Macedo, para o exonerar, d’esse governo.

O gabinete tem, pois manifestado de uma fórma clara e positiva o modo por que aprecia os serviços que aquelle prestimoso funcionario tem prestado ao paiz no desempenho do cargo que lhe foi confiado, e creia, o digno par, o governo procederá de accordo com a proposta official que lhe foi formulada pelo sr. governador, de Moçambique, e não regateará o galardão que compete áquelle bravo militar.

O governo, não descura o assumpto, e a verdade é que só ha pouco tempo é que
Só ha pouco tempo é que se adquiriu o conhecimento official, completo, dos factos occoridos; e a camara comprehende bem quanto seria inopportuno tomar qualquer resolução a este respeito antes de terem chegado á metropole aquellas noticias officiaes, e de as haver confirmado e completado com todos as investigações a que julgou dever proceder sobre o assumpto.

Tanto n’esta como na outra casa do parlamento, o governo associou-se já e com muito agrado ás palavras de louvor em que se registraram os brilhantes feitos dos nosso soldados, de mar e terra, e, conservando-se na intenção de galardoar devidamente e por outra fórma esses feitos, crê que cumpre um dever e que satisfaz assim as aspirações geraes.

O se. Presidente: - Vão ler-se duas proposições de lei vindas da camara dos senhores deputados.

Leram-se na mesa:

1.ª Auctorisando o governo a proceder á cobrança dos impostos e demais rendimentos publicos relativos ao exercicio de 1887-1888 e a applicar o seu producto ás despezas ordinarias do estado, correspondentes ao mesmo exercicio.

2.ª Auctorisando o governo a celebrar com o banco de Portugal, ou com qualquer outro estabelecimento bancario, um contrato para á constituição do banco emissor.

O sr. Presidente: — Vão á commissão de fazenda. A primeira, que se refere -á lei de meios, será enviada com urgencia. Devo observar que já terminou o tempo que o nosso regimento marca para as discussões antes, da ordem do dia, e que por isso não posso conceder a palavra aos oradores inscriptos, sem uma resolução da camara. Vou, pois, consultar à: camara.

Os dignos pares que entendem que se deve passar immediatamente á ordem do dia, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O sr. Presidente: — Em vista da votação da camara, vae entrar-se, na ordem do dia, e tem a palavra o sr. ministro da fazenda.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do parecer n.° 54, sobre o projecto de conversão da divida externa

O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): — Começo por pedir, desculpa, á camara de ter chegado um pouco mais tarde, mas a minha demora, longe de ser
uma falta de consideração para com a camara, foi determinada apenas por motivo urgente de serviço publico.

O sr. presidente do conselho, o sr. ministro das obras publicas, alguns srs. deputados e eu, estivemos assistindo a uma conferencia pedida por uma commissão de directores dos bancos do Porto.

Dada, pois, a rasão da minha demora, e voltando, ao assumpto que está na téla do debate, direi que pouco tenho a responder ao sr. conselheiro Antonio de Serpa e não muito ao digno par, o sr. Hintze Ribeiro.

O discurso do digno par o sr. Hintze Ribeiro, teve duas, partes; uma essencialmente politica, e outra em que s. exa. se occupou da questão de fazenda.

Da primeira não me occuparia eu, e deixaria que o digno par usasse livremente do direito de dizer o que quizesse a respeito de uma phrase proferida pelo illustre relator, da commissão, se a resposta a essa phrase não fosse acompanhada de outras allegações, que poderiam attingir-me;

S. exa. protestava com grande vehemencia contra o pensamento de que, durante a sua administração financeira, tivesse estado o nosso thesouro enfeudado a qualquer banqueiro.

Quando s. exa. protestava energicamente, contra este pensamento, dizia ao mesmo tempo que não perguntava ao governo a quem estava hoje enfeudado o thesouro portuguez, porque tinha, toda a consideração pelo meu caracter e pela rectidão das minhas intenções.

Agradeço estas palavras de s. exa., e creia s. exa. que presto igual homenagem ao seu caracter. Mas essas ultimas palavras do digno par, põe a questão em taes termos, que não tenho motivo nem para resentimento, nem para pedido de explicações.

Deixando, por isso, de parte este importantissimo assumpto, vou entrar na discussão do projecto que está na téla do debate.

O digno par, o sr. Hintze Ribeiro, em quasi todo o seu discurso acompanhou o digno par, o sr. Serpa Pimentel.

Embora o illustre relator da commissão tenha já resppndido, a meu ver mui cabalmente, ao segundo d’estes dois cavalheiros, em todo o caso eu posso ainda usar da palavra para explicação cabal, de qual é o pensamento do governo a respeito do projecto que se discute.

Tanto p digno par, o sr. Hintze Ribeiro, como o digno par, o sr. Serpa Pimentel, acceitaram o pensamento fundamental do projecto, mas diversificaram no modo, nas condições, na amplitude, da auctorisação dada ao governo. Alem d’isso o digno, par, o sr. Serpa, acrescentou que a rasão principal contra o projecto estava dada na parte do meu relatorio, em que eu não approvava, na totalidade, o systema de amortisação consignado na lei de 10 de abril de 1876.

Reconheceu o digno par, o sr. Serpa, e repetiu ha pouco o digno par, o sr. Hintze Ribeiro, ambos com a sua natural eloquencia e com a sua grande auctoridade, que, continuando o thesouro a comprar constantemente inscripções para amortisar, havia o perigo de se dar uma alta consideravel n’esses fundos; mas que essa alta, caso se désse, tinha um correctivo na necessidade de emissões novas, para acudir ás necessidades do thesouro.

Permittam-me s. exas. que lhes diga que se contradizem nos seus argumentos, e alem d’isso eu peço desculpa de dizer ao digno par, o sr. Serpa, que o seu argumento nem no fundo é exacto.

Era que consiste o argumento de s. exa.?

O argumento de s. exa. consiste em que, sendo verdade que a subida successiva do fundo interno pela sua amortisação, acarretaria graves, prejuizos para quem comprasse a 60, a 65, a 70, a 75 titulos emittidos a 35, a 40, a 45, a 50, o, mesmo succederia exactamente com a compra dos fundos externos pelo effeito da conversão.

Eu tenho pena de não ter trazido os calculos que tinha

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feito com relação á quantidade de inscripções que se podem amortisar pelos lucros annuaes computados em rei 100:000$000 da caixa geral de depositos, mas, tanto quanto me posso recordar, direi que estando os fundos a 54, podemos amortizar 190 e tantos mil contos, mas que, se elles subirem, como fatalmente subirão, pela amortisação, quando nos acharmos forçados a compral-os a 70 ou a 75 por cento, já não podemos amortisar mais de réis 60.000:000$000 a 70.000:000$000.

Logo, á medida que as cotações do fundo interno subirem, a quantidade dos fundos que o governo póde converter por intermedio da caixa geral de depositos, diminue rapidamente. Isto segundo a lei de 1876.

Vejamos agora se as vantagens da operação que eu proponho são, ou não superiores ás do systema da lei de 1876.

(Leu.)

O systema que eu proponho, que não se póde dizer dependente da cotação successiva dos fundos de 3 por cento, porque, subindo estes, sobem conjunctamente as obrigações amortisaveis, estabelecendo-se compensação, que no systema da lei de 1876 não existe.

Supponhamos que os fundos externos de 3 por cento attingiram a quota de 64,865 por cento. N’esse caso, a podermos emittir obrigações de 4 ½ por cento ao par, poderemos ainda converter, e, portanto, amortisar réis 95.646:000$000 da divida externa sem mais despendio que os 100:000$000 réis annuaes de lucros da caixa geral de depositos.

Estando o 3 por cento a 63 e podendo emittir obrigações de 4 l/2 por cento a 85$798 réis podemos converter e amortisar 114.188:000$000 réis de divida externa.

Com os fundos a 70,5 por cento se podermos emittir obrigações de 4 por cento a 89$426 réis, poderemos converter e amortisar toda a nossa divida externa, e se não podermos emittir as obrigações a mais de 85$4S4 réis, ainda empregando os 100:000$000 réis de lucros da caixa geral de depositos, poderemos converter e amortisar réis 79.387:000$000 da divida externa.

Vê-se, portanto, que o projecto em discussão é superior á lei de 1876, porque com esta os prejuizos são inevitaveis, e com o projecto se evitam, subindo a cotação das obrigações amortisaveis á proporção que subir o fundo consolidado.

O sr. Serpa e o sr. Hintze Ribeiro accentuaram que a baixa do juro é um facto necessario, fatal, e que se ha de accentuar com o progresso da sociedade.

Eu não discuto a questão n’este momento, mas não estou convencido que o facto se de necessariamente. Basta para isso examinar os factos proximos e remotos, presentes, passados e futuros.

Todos sabem que a paralysação do trabalho e da industria, constitue hoje uma crise industrial e commercial, que tem feito baixar o juro do dinheiro a proporções quasi inacreditaveis.

Supponham v. exas. que d’aqui a um mez, ou um anno, cessa esta crise, a taxa do juro eleva-se consideravelmente, por isso que o dinheiro agora disponivel estará então empregado nas operações industriaes e commerciaes. Assim a propria lei do progresso produzirá alta na taxa do juro.

Disse o sr. Hintze Ribeiro que se lembrou d’esta idéa da conversão para se extinguir a nossa divida. Não foi uma idéa nova. Outros a tiveram antes, nomeadamente o sr. Dias Ferreira, em 1868. Mas velha ou nova, pouco importa; a questão está em ser uma idéa pratica. Ora, a idéa do sr. Hintze Ribeiro foi a conversão do titulo de 3 por cento em 6 por cento, e, dizia s. exa. bem, dentro de certos limites, que o estado não garante o capital da divida mas só o juro d’ella, pelo que tanto vale dar ao prestamista um titulo de 50$000 réis com juro de 6 por cento, como um titulo de 100$000 réis com o juro de 3 por cento.

Permitta-me s. exa. dizer-lhe que o seu raciocinio não é totalmente exacto, pois que o titulo de 6 por cento não tem á mesma elasticidade para as cotações que tem o titulo de 3 por cento. Portanto, o portador ficaria um pouco prejudicado com a idéa de s. exa., e tão verdade é isso que s. exa. teve de pôr de parte o seu pensamento por não poder vencer as resistencias que encontrou.

Logo, a sua idéa não era pratica, e em governação publica, idéas que não são praticas, não são nada.

Ora, eu não desejava fazer uma conversão platonica; pretendia fazer uma conversão praticamente possivel e de interesse para o estado.

Pensamento similhante teve o sr. Dias Ferreira em 1868 a respeito das corporações de mão morta, mas esse, só era mais proficuo, tambem era mais violento, porque reduzia o capital e o juro igualmente não era plano pratico.

Para tudo ser velho aqui e lá fóra, tambem é velha a idéa das rendas vitalicias, como base de emprestimos.

Em 1801 houve um emprestimo de 12.000:000 de cruzados, que comprehendia titulos amortisaveis é pensões vitalicias.

Todos, os piados de conversão e amortisação da missa divida, são hoje difficeis por causa do erro que praticámos emittindo titulos de 3 pôr cento muito abaixo do par. Quasi sempre o presente é obrigado a pagar as consequencias dos erros passados.

Más, n’esta situação desfavoravel, o meu projecto tem uma certa originalidade, de que não me vanglorio, muito.

Em geral as conversões praticam-se, esperando que um titulo attinja o par, e depois convertendo-se em titulo €e juro inferior com vantagem do thesouro. À originalidade do meu pensamento está em converter sem prejuizo do typo inferior o juro para o typo superior, graças aos lucros da caixa geral de depositos, creada pelo sr. Serpa, porque se eu hão tivesse os 100:000$000 réis de lucros da caixa, de certo não me abalançaria a fazer a conversão, porque não ia sobrecarregar o thesouro com esse encargo.

O digno par, o sr. Hintze Ribeiro, tambem explicou á camara que o motivo por que tinha preferido para o seu grande emprestimo os titulos de 3 por cento aos de 5 por cento, foi porque lhe offereceram melhor preço para aquelles, o que e uma rasão acceitavel para quem conhece o paiz em que vive como s. exa. conhece e eu tambem, mas que primeiramente é um mau argumento, do igual resulta uma operação má.

A meu ver, devia-se preferir os titulos de 5 por cento, embora o juro custasse mais caro, porque o futuro daria largamente compensação ao prejuizo Apresente.

Bem sei que o ministro da fazenda que escolhesse a operação que acho preferivel, incorreria em graves censuras, mas isto não obsta a que eu diga á camara que não hesitaria se tivesse de contrahir aquelle emprestimo ou preferir os titulos de 5 por cento aos titulos de 3 por cento.

Os ministros da fazenda fizeram-se para serem tanto mais calumniados, quanto melhor sirvam o paiz. Ora entre o meu dever e as calumnias, nem hesito nem recuo.

O sr. Serpa Pimentel fallou largamente, dos, seus emprestimos, e eu não trago estes emprestimos á discussão senão por causa da questão do concurso, e no que vou dizer não ha espirito de censura para s. exa.

Toda a camara sabe, que muitas vezes, quando se pretende realisar um emprestimo, é impossivel abrir concurso, e isto para não obrigar o paiz a um fiasco. Mas quem não póde fallar de concursos para emprestimos é o digno par, porque contrahiu no decurso da sua administração onze emprestimos na importancia total de 185.000:000$000 e tantos contos, e d’estes onze emprestimos só houve um, o
dos navios de guerra, para o qual s. exa. abriu concurso, e era um emprestimo insignificante de 1.750:000$000 réis. Em onze emprestimos s. exa. só abriu concurso para um

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de 1.750:000$000 réis, e isto sem que houvesse lei que o obrigasse a fazel-o, e só porque s. exa. entendeu que as circumstancias se prestavam, por que, como a camara sabe não houve nunca lei que impozessem a condição de concurso para emprestimos.

Succedeu, pois, que de onze emprestimos por quantias avultadas, s. exa. só abriu concurso para um insignificante. Succedeu, mais, que s. exa. nunca acceitou a imposição legal do concurso para os seus emprestimos.

Como vem agora exigir concurso para tudo e até para operações mais difficeis que simples emprestimos? Como quer impor aos outros em caso mais difficil, o que para si reputou impossivel em hypotheses mais faceis?

Aqui vem a proposito lembrar que o sr. Serpa e o sr. Hintze acharam amplissima e, por isso mesmo, perigosa, a auctorisação pedida n’este projecto de lei.

Ora vejamos se esta auctorisação será ampla, comparada com aquellas que se davam outrora a outros governos.

Em regra as auctorisações para emprestimos limitam-se a designar com largueza o limite maximo dos encargos., Tudo mais fica ao arbitrio do governo) Não se exige concurso, nem publicidade. Nem se tem cuidado de defender os interesses d’estes ou d’aquelles banqueiros, nem de procurar que alguns não sejam favorecidos. Trata-se unicamente do que o bem publico exige.

Tão amplas têem sido as auctorisações, que tem dado logar a operações não cogitadas pelos parlamentos que as votaram. Tal foi a auctorisação para, levantar dinheiro para a construcção dos caminhos de ferro do Minho e Douro, a qual contra a espectativa geral deu origem á celebre conversão, de 1881. Quem diria estar uma conversão no fundo da auctorisação de pedir dinheiro emprestado para o Minho e Douro?

Pois os dignos papes deram e receberam taes auctorisações sem o minimo reparo, e. agora, todos são escrupulos contra uma auctorisação restricta como a presente, tão restricta que está ahi o seu principal defeito.

Será esta, com effeito uma auctorisação ampla, debaixo do ponto de vista, financeiro?

Não me parece; pelo contrario, hão de os dignos pares permittir que lhes diga. que é uma auctorisação restricta e que por ser tão restricta não dará todas as vantagens que poderia dar.

Não se ha de disputar mais com juro, e pelo que respeito a amortisação não é licito ir alem 0,0379 por cento do capital nominal convertido. Que mais restricções se hão de impor?

O sr. relator da projecto que se discute já mostrou cabalmente quanto a auctorisação é restricta, e eu vou fazer ver de novo á camara que, de facto essa auctorisação não é ampla como pareceu, aos dignas pares, os srs. Serpa e Hintze Ribeiro.

Tomemos como primeiro exemplo a cotação do dia 18.

No dia 18 o 3 por cento portuguez estava em Pairs-a 58,55-,

(Leu.)

Supponhamos que um banqueiro quer converter um 1.000:000 de libras em titulos de divida publica, e vejamos as duas situações em que elle se póde encontrar. Essas situações são: vender titulos de 3 por cento e ir ao mercado comprar obrigações de 5 por cento, ou entregar ao governo os titulos de 3 por cento e receber as obrigações nas condições d’este projecto.

Em primeiro o banqueiro vae ao mercado e vende os seus titulo de 3 por cento por 2.54:860$000 réis.

Com este dinheiro compra pela cotado do dia 18 as obrigações para que elle chega.

Qual é o lucro que elle tira d’esta operação?

O lucro é 1:940$665 réis. Pergunto se este negocio é vantajoso, se paga ao menos a despeza da compra e venda. Não me merece.

Vamos a ver o que elle lucra fazendo a operação com o governo, nos termos do projecto.

Sendo a cotação dos nossos fundos a do dia 18.

(Leu.)

Portanto, empregando 1.000$000 de libras na compra de obrigações de 5 por cento, ganha apenas uma quantia que não chega a 4:000$000 réis.

Assim ha de alguem arriscar uma operação de réis 2.500:000$000 para tirar tão pequeno lucro. Logo a auctorisação é restrictissima.

Agora pergunta-se: mas porque acceita o governo uma auctorisação tão restricta? É porque me parece que o primeiro dever do governo não está em propor o optimo, mas contentar-se com o bom e até mesmo com o soffrivel; é porque eu conheço a terra em que vivo; é porque, se pretendesse uma auctorisação mais ampla, sei o que se levantaria contra mim, contra este governo e contra todos os governos.

Contento-me este anno em fazer vingar a minha idéa que reputo boa, mas de que não espero grandes resultados por ser a amortisação muito restricta. Provada pelos factos essa excessiva restricção, em epocha proxima será ampliada a auctorisação e então se tirarão todos os fructos da idéa. Vou mais seguro caminhando de vagar.

Agora convém tambem dizer á camara porque é importantissimo ter uma auctorisação permanente.

Eu acabei de demonstrar que n’este momento, feita a conversão, o lucro do1 banqueiro seria insignificante.

Quer v. exa. saber o que succederia se houvesse esta auctorisação; permanente, se tivesse vingado a operação que intentei com a caixa geral de depositos, e a que chamaram dos titulos falsos?

A caixa alienava titulos de 5 por cento para adquirir titulos de 3 por cento. Como aquella caixa pertence ao estado, resultava que o thesouro lançava no mercado titulos de 5 por cento e retirava os de 3 por cento. Era uma conversão como a que proponho.

Ora, convertidas ás 11:110 obrigações approximadamente, que tinha a caixa geral de depositos em fundos de 3 por cento, a caixa, quero dizer, o estado, lucrava uma annuidade de mais de 2:000$000 réis.

Destinava pouco mais de metade d’essa annuidade a amortisar todos os titulos, e ainda lucrava quasi 1:000$000 réis de rendimento por anno. Era, portanto, uma excellente operação) porque as differenças das cotações a favoreciam então.

Pois precisâmos ter a auctorisação permanente1 para aproveitar taes ensejos, que de outro modo se perdem.

Volto agora á questão do concurso. O sr. Serpa insistiu na commissão pelo concurso, mas depois abandonou-o um pouco desamoravelmente, deixou-o um tanto de lado. Fez muito bem.

Mas o sr. Hintze Ribeiro insistiu de novo pelo concurso, pretendendo demonstrar que o concurso, que era difficilimo para um simples emprestimo, era facil para uma conversão porque o emprestimo, é uma operação muitas vezes forçada, e a conversão é uma operação facultativa. O governo pôde fazel-a ou não, segundo lhe convenha.

Em primeiro logar nem sempre é forçado o emprestimo, porque se ha occasiões em que o governo necessita absolutamente de dinheiro, outras ha em que póde deixar de contrahir o emprestimo ilaquella occasião e transferil o para mais tarde.

O sr. Serpa, por exemplo, quando contrahiu os emprestimos do Minho e Douro, podia deixar de os contrahir, se quizesse, porque o thesouro, felizmente, não estava em condições taes que fizessem julgar inadiaveis emprestimos como aquelles, de 1.000:000$000 a 2.000:000$000 réis.

Entretanto; posto o sr. Serpa podesse deixar de contrahir n’aquella occasião esse emprestimo, s. exa. não abriu concurso para os primeiros.

E porque?

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SESSÃO DE 27 DE JUNHO DE 1887 543

Porque tinha a consciencia, e entendia muito bem, que era inopportuno abrir o concurso em tal occasião.

Mas se os factos da nossa historia financeira demonstram a quasi impossibilidade de concursos para simples emprestimos, o mais singelo raciocinio demonstra quão mais difficeis, senão impossiveis, seriam para a conversão.

A conversão é uma operação de paridade, no logar ou no tempo.

N'ella joga-se com a cotação de dois titulos e não com a de um só, como em qualquer emprestimo.

A conversão é uma operação de logar, num momento dado, quando a cotação, por exemplo, em Londres esteve mais baixa do que em Paris ou era Berlim.

N'esse momento, póde um particular, ou um banqueiro comprar em Londres titulos de 3 por cento, e simultaneamente lança titulos de 5 por cento nos mercados da França ou da Allemanha.

Ora, havendo o concurso, perder-se-ha e ensejo e ninguem comprará os titulos em Londres para os vender em Paris ou em Berlim, porque os mercados estarão já prevenidos pelo proprio concurso e as cotações se nivelarão, desapparecendo o lucro e ficando só o risco.

A conversão é uma operação de paridade no tempo, dada a seguinte hypothese;

Um banqueiro, calculando que, os fundos podem ter uma alta d'ali a tres mezes, por exemplo, compra 3 por cento em Londres para o entregar ao governo, e d'este receber obrigações que, passados os tres mezes, vá lançar nos mercados do continente quando a alta se effectuar. Mas quem se arriscará a comprar titulos, havendo em perspectiva um concurso? Ninguem, e, portanto, á força de concurso, falhará a conversão que todos reputam vantajosa.

Ora, eu acho preferivel, para evitar todos estes inconvenientes, que se aproveite a occasião todas as vezes que ella appareça favoravel para se fazer uma conversão vantajosa, venha ella quando vier e sem o tal annuncio de concurso.

Como disse, o sr. Serpa abandonou depressa a idéa do concurso, para substituil-a por outra, a de uma especie de publicidade que désse garantia a todos os banqueiros. O grande receio de s. exa. era que os lucros da conversão não fossem para o banqueiro A de preferencia do banqueiro B, ou ao banqueiro C. Mas para mim são indifferentes o banqueiro A, o banqueiro B, ou o particular C. Seja a operação vantajosa para o thesouro, e s. exas. concordam que o é, que pouco me importam esses banqueiros ou esse particular.

Reputo melhor fazer uma boa conversão sem o auxilio do concurso ou da tal publicidade, embora o, ministro da fazenda possa ser accusado, do que abrir um concurso que póde fazer falhar a operação, recaindo então sobre elle grande numero de censuras por não ter desejado o bem do thesouro. E os ministros que me succederem na gerencia da pasta da fazenda hão de tambem de certo desejar antes o bem do thesouro do que livrarem de censuras de qualquer especie, ou do que cuidarem do banqueiro A, do banqueiro B, ou do banqueiro C.

Não deixo ainda o segundo expediente proposto pelo sr. Antonio de Serpa. Este systema consistia no seguinte: o governo annunciava a conversão que quizesse fazer por meio de um decreto, no qual indicasse as condições em que a fazia; depois, durante o anno, admittiria diversas propostas e preferia sempre a mais vantajosa.

Este systema dá logar a uma serie de desastres e inconsequencias.

Em primeiro logar o governo publicava o seu decreto, e ninguem fazia caso d'elle nem concorria á conversão. Primeiro desastre.

Em segundo logar o governo annunciava no seu decreto, publicado, por exemplo, em junho, uma conversão de 1.000:000 libras, e em agosto deparavam-se-lhe condições favoraveis para fazer a conversão não de 1.000:000, mas 2.000:000, 3.000:000 ou 4.000:000 libra"; queria realisar a operação, mas não o podia fazer por causa do seu decreto. Segundo desastre.

Se queria remedial-o por antro decreto, não teria servido de nada o primeiro. Logo inconsequencia eu absurdo na exigencia do primeira decreto.

Logo, tambem não serve a segunda indicação do digno par.

O seu terceiro systema é o seguinte.

(Leu.)

Qual é o systema lembrada pele digna par? O governo acceita todas as propostas, dentro dos limites da recursos dos lucros da caixa geral de depositos, e acceita todas as propostas.

Mas n'esse caso não vem ninguem á conversão, a actual auctorisação é muito restricta.

Não virão a ella particulares, e digo porque.

Quem tiver 1:000$000 réis em titulos de divida póde ganhar até 300 réis por anno, e ninguem se incommoda para fazer uma conversão em que ganha 350 réis. Portanto, quem virá, fazer a conversão serão os banqueiros.

Pergunto eu agora: um banqueiro offerece ao governo a conversão de 6.000:000 libras em condições vantajosas e dentro da lei, o governo acceita, e esse mesmo banqueiro vae aos mercados continentaes emittir obrigações. Vem um segundo banqueiro e offerece a conversão de 500:000 libras, e o governo acceita. Apparece um terceiro e offerece-se para fazer a conversão de 100:000 libras, e o governo acceita tambem.

O resultado é que, ao mesmo tempo que o primeiro banqueiro quer fazer a sua emissão, encontra por toda a parte pequenas emissões que transtornam completamente a sua. Logo, ninguem se arriscará a tão absurdas e perigosas aventuras.

Portanto, não serve o terceiro expediente do sr. Serpa.

Ora s. exa. é muito illustrado, muito pratico, arde em desejos de achar processos de conversão, e só topa com impossiveis.

Portanto, é que não ha processo possivel que não seja, ao menos n'esse ponto, deixar alguma liberdade ao governo. Fique, pois, essa liberdade, embora chovam sobre o ministro insinuações e calumnias.

Entendo que nada mais preciso dizer em defeza do projecto que está em ordem do dia, o qual de resto, não foi atacado nos seus principios pelos dignos pares que me precederam, e aos quaes eu tive a honra de responder. Dos promenores disse muito o sr. relator, e alguma cousa julgo ter acrescentado.

O sr. Mendonça Cortez: - A commissão de fazenda, que eu tenho a honra de representar n'este momento, seguindo a indicação que lhe foi feita por v. exa., manda para a mesa o parecer sobre a lei de meios e pede a urgencia da discussão, attendendo á importancia do assumpto.

O sr. Conde de Linhares: - Pedi a palavra unicamente para declarar a v. exa. e á camara que está constituida a commissão de marinha, tendo escolhido para seu presidente o digno par o sr. Andrada Pinto e para secretario o sr. Franzini.

Aproveito a occasião de estar com a palavra para propor que sejam aggregados a esta commissão os dignos pares os srs. Henrique de Macedo e Carlos Testa.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que approvam a proposta do sr. conde de Linhares, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvada.

O sr. Presidente: - Não ha mais ninguem inscripio, e portanto vae por-se a votação o projecto a que se refere o parecer n.° 54.

Posto á votação foi approvado tanto na generalidade como na especialidade,

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O sr. Ressamo Garcia: - Mando para a mesa o parecer ácerca do projecto que tem por fim habilitar o governo a poder concluir dentro de um certo praso a rede das estradas districtaes e reaes.

Foi a imprimir.

O sr. Presidente: - Vou consultar a camara sobre se consente que entre em discussão ámanhã o parecer apresentado ha pouco pelo digno par o sr. Mendonça Cortez.

Os dignos pares que entendem que seja dispensado o regimento, para que o alludido parecer entre ámanhã em discussão, tenham a bondade de se levantar.

A camara resolveu affirmativamente.

O ar. Presidente: - A seguinte sessão terá logar ámanhã. Ordem do dia: discussão do parecer sobre a lei de meios.

Está levantada a sessão.

Eram quatro horas e vinte minutos.

Dignos pares presentes na sessão de 27 de junho de 1887

Exmos. Srs.: João Chrysostomo de Abreu e Sousa; João de Andrade Corvo; duque de Palmella; marquezes, da Foz, de Pomares, de Rio Maior, de Sabugosa; condes, de Alte, do Bomfim, de Castro, de Linhares, de Magalhães, de Paraty, de Valenças, de Gouveia; viscondes, de Arriaga, de Benalcanfor, de Bivar, de Carnide, da Silva Carvalho, de Borges de Castro; barão do Salgueiro; Adriano Machado, Ornellas, Agostinho Lourenço, Braamcamp Freire, Quaresma, Sá Brandão, Silva e Cunha, Barros e Sá, Senna, Serpa Pimentel, Telles de Vasconcellos, Barjona de Freitas, Cau da Costa, Augusto Cunha, Carlos Bento, Antunes Guerreiro, Carlos Testa, Sequeira Pinto, Pinheiro Borges, Hintze Ribeiro, Fernando Palha, Cardoso de Albuquerque, Francisco Cunha, Margiochi, Van Zeller, Ressano Garcia, Barros Gomes, Henrique de Macedo, Jayme Moniz, Jayme Larcher, Holbeche, Mendonça Cortez, Valladas, Andrada Pinto, Coelho de Carvalho, Gusmão, Gomes Lages, Braamcamp, Baptista de Andrade, Pedreira, Castro, Fernandes Vaz, Silva Amado, Teixeira de Queiroz, Lobo d'Avila, Ponte Horta, Sá Carneiro, José Pereira, Mexia Salema, Silvestre Ribeiro, Sampaio e Mello, Bocage, Camara Leme, Seixas, Pereira Dias, Vaz Preto, Franzini, Miguel Osorio Cabral, D. Miguel Coutinho, Gonçalves de Freitas, Calheiros, Thomás de Carvalho, Serra e Moura.

Redactor: - Alberto Pimentel.

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