SESSÃO N.º 38 DE 28 DE ABRIL DE 1896 491
notára que não se descrevesse a despeza com o ministro que vae á Russia assistir ás festas, e que, em epochas de tanta desolação e tristeza, não eram muito acceitaveis taes despezas, nem ellas se compadeciam com a pobreza do paiz e com o assolamento produzido pela fome, que começava de alastrar-se pelo paiz.
Quer ainda admittir a falta d'esta verba, a qual poderá considerar-se extraordinaria; mas o preço do material para os caminhos de ferro não o é, e nem por isso se encontra em parte alguma, como tambem não está no orçamento verba para os encargos da conversão, nem os que hão de resultar do celebre emprestimo, cuja realisação é de per si só uma ruina.
Que ao sr. ministro lhe pesava ter na posse da fazenda as obrigações dos tabacos, e era necessario alienal-as para maior descanso, e seria caso para perguntar: quando chegar a execução da sentença de Berne, .com que é que se paga?
Que as despezas com as nossas expedições á Africa j tambem não são dignas de figurar no orçamento, e estão nas operações de thesouraria para irem avolumar a divida fluctuante.
Com orçamentos calculados por esta fórma, não é difficil arranjar saldos, e se bem que tal procedimento não seja novo, é, até certo ponto, vergonhoso e ridiculo.
Que feitas todas as correcções e sommadas as verbas, que deviam estar descriptas no orçamento, a despeza não é de 29 contos de réis como se propõe e calculou, mas de 53:000 a 54:000 contos de réis.
Que a illusão do sr. ministro é completa, com grande magua delle, orador, e por certo de toda a camara, que desejaria que a fazenda publica fosse num caminho que assegurasse a reconstituição das nossas finanças, e que por certo desejaria tambem ver bem calculado o orçamento, que está na téla do debate.
Que ninguem poderia .esperar umas apreciações da fazenda publica, como as que se encontram no. famoso e difficil relatorio, nem um plano financeiro tão contrario ao aconselhado pelas circumstancias, e pela nossa situação fazendaria, plano que de certo está muito abaixo das qualidades do sr. ministro da fazenda, que teve má comprehensão, de certo, da situação difficil que atravessâmos, e da orientação politica que o governo seguiu.
Que o sr. ministro, nem sequer se lembrou, que propondo o malfadado emprestimo, dava logar ao que se tem dito no estrangeiro fazendo reviver desgostos passados, e estabelecer de novo a propaganda do nosso descredito.
O orador leu periodos de um jornal estrangeiro em que se dizia, entre outras cousas pouco amaveis, que Portugal voltava ao systema dos emprestimos ruinosos, com garantias e cauções, inventando dividas privilegiadas, cujas obrigações não poderá cumprir.
Que tudo o que se tem dito era de prever, e a ultima cousa de que o sr. ministro se podia lembrar era, por certo, um emprestimo sobre as obrigações dos tabacos.
Qae esta falta de reflexão, ou pouco cuidado, em acceitar conselhos de amigos, era muito condemnavel em qualquer ministro inexperiente, mas muito mais no sr. Hintze, que já tem largo tirocinio da vida publica, e que com o que não é nosso mas do paiz, e de todos, todo o cuidado é pouco, para obviar a males como-os que vão resultar da mal fadada operação; não era só o desfazer-se o governo do unico valor representado em oiro, que na posse do estado garantia a solução de qualquer crise imprevista, mas o sobrecarregar o thesouro com o encargo annual e permanente de 640 contos de réis em oiro, sujeito o pagamento ás contingencias do agio.
Elle, orador, desconfia mesmo que a operação nas condições em que vae ser feita será mais um desastre financeiro, por qualquer lado que se considere.
Que na opinião d'elle, orador, a compra dos navios é um pretexto para o emprestimo, pois que 2:800 contos de réis para empregar em navios, não lhe parede demandasse a operação determinada pelo governo, e já votada peia camara dos senhores deputados, pois fazer um emprestimo de 9:000 contos de réis, só e unicamente por causa de 2:800 contos de réis para navios, dá logar a que se pergunte para que é o resto do emprestimo; naturalmente para applicar, como de costume, ás despezas correntes e ordinarias, e imaginar depois saldos positivos.
Crê elle, orador, que nem mesmo em circunstancias mais vantajosas tal operação era licita, e pede ao sr. ministro que pense bem emquanto é tempo, pois que depois de uma reducção de juro é necessario que a administração da fazenda seja tão economica e nitida, que não desperte desconfianças de favoritismos, ou menos cuidado em pensar bem nas consequencias que podem seguir-se de qualquer resolução mal pensada, e o emprestimo está n'este caso.
Que no parecer delle, orador, quando um paiz chega ao estado em que Portugal se encontra financeiramente, e necessario, é dever de quem governa, não gastar senão o estrictamente indispensavel, procurando á custa da rigorosa economia e do desenvolvimento de algumas forças vivas reconstituir as nossas finanças e restabelecer o nosso credito.
Que franca e sinceramente dizia que pelos processos empregados pelo sr. ministro da fazenda nada se póde fazer de proveito; que o jogo das cifras já não illude hoje, nem portuguezes nem estrangeiros, e que o dizer-se que as nossas finanças estão prosperas, não sendo esta a verdade, nem lhe parece correcto para um estadista, nem digno de louvor.
Que hoje, em relação a Portugal, nem ha jogo de cifras que illuda portuguezes ou estrangeiros, nem phrases enganadoras, por mais sonoras e bem pronunciadas ou escriptas que sejam, que calem no espirito e obscureçam a rasão. Hoje, a verdade, a clareza e a firmeza nos processos de administração, obedecendo á mais restricta economia, será indubitavelmente o verdadeiro caminho a seguir; Que elle, orador, não podia deixar de ler á camara os periodos de um jornal do Porto, affeiçoado ao governo, periodos escriptos por uma das pennas mais distinctas da actualidade, e em que se aprecia muito desfavoravelmente o systema financeiro do sr. ministro da fazenda, chegando a dizer-se que parece impossivel que ainda haja animo para difficultar mais a vida, aggravando as circumstancias de todos e de cada um, e reduzindo á miseria a classe mais pobre, pois que ainda vão tributar o assucar, o sabão, e até a pobrissima vela de cebo com que o albergue se ha de alumiar, que tudo isto é triste, que o grito do fisco já é iniquo e immoral, o que o sr. ministro da fazenda não quiz ver no seu plano financeiro.
Disse que vendo nos periodos, que lera á camara, toda a verdade como ella era, não sabe se esta produziu no animo do sr. ministro, e da camara, a impressão que actuou no espirito d'elle, orador.
Que é possivel não se impressionar o sr. ministro com a descripção do estado do paiz, e da applicação do plano financeiro architectado por s. exa., pois que o governo tomou a orientação da politica apaixonada, attendendo pouco á administração e procurando crear adeptos e partidarios á custa dos redditos do thesouro, quando as circumstancias demandavam outro criterio, que não o de baratear o dinheiro do thesouro, para atirar sobre o paiz encargos com que não pôde, e exigir dinheiro que o paiz não tem nem póde dar.
Que o governo se não lembrou, durante o seu consulado, que administrava um paiz que não tem pão para mais de meio anno, e não é de certo com o augmento inconsiderado das despezas, nem com a creação de questões politicas, dividindo uns e irritando outros, que o pão se póde conseguir, e o governo tinha salutares exemplos a seguir, se a sua orientação fosse a da reconstituição das nossas