SESSÃO N.° 38 DE 28 DE ABRIL DE 1896 493
car decretos sobre decretos, desorganisando todos os serviços, pondo tudo tumultuariamente em desordem, e alevantando sem o pensar e sem o saber uma questão politica, ainda pendente, andando o governo a agarrar-se ás paredes, fazendo e desfazendo leis e decretos, sem saber como ha de remediar o que remedio não tem?
Em verdade muito melhor era que o governo, se fora reflectido, em vez de ter posto tudo em desordem, desde o continente até a quasi todas as nossas possessões ultramarinas, tivesse aproveitado a boa disposição de todos e a pacificação do paiz, que lhe mostrou estar prompto para todos os sacrificios necessarios, e no interesse do paiz caminhar na reconstrucção das finanças, restabelecimento do credito e levantamento do paiz, para poder dizer-nos hoje, que uma administração honesta, pensada e economica tinha vencido as difficuldades.
Mas, disse com vehemencia o orador, perturbar tudo, aggravar tudo, esbanjar, que outra cousa não foi, os dinheiros do estado, crivar o paiz de novos encargos, augmentar-lhe as dividas, e absorver com despezas o acrescimo das receitas, para vir neste documento (o relatorio) dizer que a dictadura, que tudo perturbou, estabelecendo um mau precedente, influiu na vitalidade do thesouro, é necessario, ou o convencimento de que ninguem vae ler tal affirmativa, ou uma desorientação a mais completa, e só igual á orientação do governo nos seus processos administrativos e financeiros.
Que, elle orador, acha o relatorio tão extraordinario e incrivel, que não sabe o que imperou no espirito illustrado e intelligente do sr. ministro da fazenda.
Será um grito da sua consciencia maguada? Se o é, não tem ainda o sr. presidente do conselho desculpa, nem fica, na opinião d'elle orador, attenuado o seu procedimento, porque o sr. Hintze Ribeiro por mais de uma vez esteve nos conselhos da corôa, e assumindo a responsabilidade de formar um governo devia logo saber que todas as responsabilidades da situação haviam de pesar, por completo, sobre a sua cabeça, e necessitava meditar bem antes de executar, e tempo tinha e largo, para se ter assenhoriado das circumstancias difficeis e do valor dos homens e das cousas, para não ter que arrepender-se, e ter que ser empurrado á pratica de todos os desvarios, que são o distinctivo mais caracteristico na administrarão feita pelo governo.
Se tudo o que tem succedido ha tres annos a esta parte tem sido contra a vontade do sr. presidente do conselho, e filho de circumstancias a que s. exa. se não póde tornar superior, ainda assim a responsabilidade vae inteira sobre a cabeça do sr. Hintze Ribeiro.
Que, elle orador, sabe que os homens publicos levados aos conselhos da coroa, muitas vezes são forçados a seguir por caminhos tortuosos, sem preverem os funestos resultados que vão incidir desastradamente sobre o paiz, e a responsabilidade pesa sobre elles, mas pergunta, elle orador, como é que essa responsabilidade se torna effectiva?
Não vê elle, orador senão que, exasperada a opinião publica, o ministro deixa os conselhos da coroa, unica pena para desvairamentos com que administrou o paiz, o povo soffre resignado as agruras das administrações, que obedeceram, ou ás paixões desenfreadas, ou ás ambições desmedidas, ou ás precipitações de quem é dotado de genio irrequieto e pouco reflectido, e a quem a inexperiencia muitas vezes leva ao desconhecimento da responsabilidade.
Que elle, orador, faz votos por que dictaduras como aquella a que se referiu o sr. ministro da fazenda não voltem mais, para que o paiz não tenha que envergonhar-se da paciencia com que tem assistido aos commettimentos mais ousados, onde sobretudo brilha a precipitação, e a dedicação a uma politiquice condemnavel, que nunca póde acceitar-se como norma de governo.
(O orador fez muito largas considerações e o seu discurso será publicado na integra quando o digno par o restituir depois de por elle revisto.}
O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): - O digno par e meu amigo o sr. Telles de Vasconcellos acaba de verter as mais puras lagrimas sobre o estado da fazenda publica, decadente e aggravada, entrecortando-as de considerações sentidissimas ácerca das aberrações do proceder do orador, que s. exa. lamenta como bom amigo, e tudo entremeado com os vaticinios mais sombrios e das cores mais carregadas ácerca do futuro que se nos prepara.
N'este ponto ouviu ao digno par que quasi podia desesperar da salvação publica, porque do seu trabalho, dos seus esforços como ministro da fazenda, só ficava um montão de ruinas e de desillusões.
A habilidade e ao mesmo tempo a suavidade com que s. exa. tomara mão do relatorio de fazenda e a poucos traços o desfizera, confrangia-lhe profundamente o coração.
Era sempre triste e desanimador para aquelles que empregam longas horas da sua actividade a bem do serviço publico, vir um espirito illustrado e uma auctoridade indiscutivel, como a do digno par, arrasar tudo, de fórma que nada fica, nem no conceito nem na esperança dos homens.
Encheu-se, porém, de animo para poder responder ao digno par. Confessa que estava moralmente impressionado e alquebrado de forças ao ver s. exa. desfolhar, como se fossem pétalas de uma rosa murcha, $s tristes paginas do relatorio de fazenda.
Pois uma cousa que tambem o pungira profundamente em seu espirito, era que nem ao menos estava em accordo com os seus amigos, nem encontrava para as suas palavras a sancção dos membros d'esta camara, que tinham dado parecer sobre o orçamento que se discutia.
O digno par collocou-o na mais dura das difficuldades vindo aqui com o relatorio da commissão de fazenda perguntar quem era que fallava verdade, se o orador, se os representantes d'esta camara. Porque, ao passo que a commissão de fazenda desta camara dizia que o problema não estava resolvido, o orador dava todas as difficuldades como supperaveis e o futuro revestido das cores mais salientes e brilhantes.
Tem o profundissimo sentimento de annunciar ao digno par que entre as suas palavras e as da commissão de fazenda ha o mais absoluto e completo accordo.
Póde ser que o digno par não goste de ouvir isto, mas quer ouvir o que diz a commissão d'esta camara no seu seu relatorio?
(Leu.)
E no relatorio de fazenda depois de enumerar os resultados já obtidos:
(Leu.)
Parece-lhe que isto não é dizer que o problema financeiro estava resolvido. E acrescentava:
(Leu.)
Ora, quem diz que tudo isto está para resolver, não dá por liquidado o problema financeiro.
Ha, porém, uma cousa que o orador disse, e que o digno par commentou hoje com palavras as mais acerbas, foi o seguinte:
(Leu.)
Vem depois o parecer da commissão e diz:
(Leu.)
É esta a contradicção que o digno par nota entre as suas palavras e o parecer da commissão?
Porque foi, porém, que s. exa. teve hoje palavras tão sentidas e commentarios tão acerbos? Foi porque, dissera-o s. exa., soffreu uma completa desillusão; porque, lendo o relatorio de fazenda, acreditou que a situação tinha melhorado; mas, examinando depois todos os elementos que n'esse relatorio se ministravam teve o desengano mais completo; e com o entono e auctoridade que lhe são pro