O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 489

N.º 38

SESSÃO DE 18 DE ABRIL DE 1896

Presidencia do exmo. sr. Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa

Secretarios - os dignos pares

Jeronymo da Cunha Pimentel
Visconde de Athouguia

SUMMARIO

Leitura é approvação da acta. - Correspondencia. - O digno par conde de Thomar pede que a casa da moeda continue a sellar os impressos para os arrendamentos dos predios urbanos. Responde-lhe o sr. presidente do conselho.- O digno par conde de Lagoaça insta pela remessa de uns documentos que ha muito pediu ao ministerio da marinha. Dá explicações a este respeito o sr. presidente do conselho. - O digno par Jeronymo Pimentel manda para a mesa um parecer da commissão de fazenda. Foi a imprimir.

Ordem do dia: continuação da discussão do parecer n.° 39, sobre o projecto de lei n.° 45 (orçamento do estado). Usam da palavra o digno par Telles de Vasconcellos e o sr. presidente do conselho. - São lidas mensagens vindas da outra camara e enviadas ás commissões competentes. - O digno par conde de Carnide requer a prorogação da sessão até se votar o projecto em ordem do dia. É approvado este requerimento, depois de algumas palavras proferidas pelo digno par conde de Lagoaça.- O digno par Cypriano Jardim manda para a mesa um parecer da commissão de guerra. Foi a imprimir.- Sobre o projecto em discussão faliam os dignos pares conde de Lagoaça, Moraes Carvalho, Telles de Vasconcellos, depois o digno par conde de Lagoaça, o sr. presidente do conselho e, por ultimo, o digno par conde de Lagoaça. É approvada a generalidade e especialidade do projecto. - Encerra-se a sessão, apraza-se a immediata, bem como a respectiva ordem do dia.

Abertura da sessão ás duas horas e trinta e cinco minutos da tarde, achando-se presentes 20 dignos pares.

Foi lida e approvada sem discussão a acta da sessão anterior.

(Assistiu ao começo da sessão o sr. presidente do conselho, e entraram durante ella os srs. ministros da guerra e da justiça.)

O sr. Presidente: - Vae ler-se o decreto que proroga as côrtes geraes da nação portugueza até ao dia 9 de maio inclusivamente.

Leu-se na mesa, e é do teor seguinte:

Decreto

Usando da faculdade que me confere a carta constitucional da monarchia no artigo 74.° § 4.°, e a carta de lei de 24 de julho de 1885 no artigo 7.° § 2.°, depois de ter ouvido o conselho d'estado, nos termos do artigo 110.° da mesma carta: hei por bem prorogar as côrtes geraes da nação portugueza até ao dia 9 do proximo mez de maio inclusivamente.

O presidente da camara dos dignos pares do reino assim o tenha entendido para os fins convenientes. Paço, em 27 de abril de 1896. = EL-REI. = João Ferreira Franco Pinto Castello Branco.

O sr. Presidente: - Vae dar-se conta do expediente. Foi lido e consta do seguinte:

Officio da presidencia da camara dos senhores deputados, enviando a proposição de lei que tem por fim tornar definitivas as concessões provisorias do edificio, cerca, predios e igreja do supprimido convento do Desaggravo, de Villa Pouca da Beira, á camara municipal de Oliveira do Hospital e junta de parochia da freguezia d'aquelle nome, com destino a um hospital e igreja matriz, e enviando igualmente um exemplar do parecer da commissão de fazenda e do projecto de lei.

Para as commissões de fazenda e de administração.

Officio da presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo a proposição de lei que tem por fim auctorisar o governo a adjudicar em hasta publica a contracção e a exploração de um cães acostavel na cidade do Porto, e igualmente um exemplar do parecer da commissão de obras publicas, seguido do projecto de lei.

Para a commissão de obras publicas.

O sr. Presidente: - Não ha mais expediente.

Tem a palavra o digno par, o sr. conde de Thomar.

O sr. Conde de Thomar: - Sr. presidente, pedi a palavra para chamar a attenção do sr. ministro da fazenda sobre uma disposição do regulamento com relação aos sellos nos arrendamentos das casas. Ato aqui era costume os proprietarios fornecerem os seus arrendamentos aos inquilinos e eram os mesmos proprietarios que levavam esses impressos á casa da moeda para nelles ser posto o sello de 100 réis, se me não engano.

Pela nova disposição a casa da moeda não póde continuar a sellar, porque é a fazenda que fornece o papel, resultando d'aqui um prejuizo para os proprietarios e para as papelarias que vendiam esses arrendamentos e que possuem um grande numero d'esses impressos.

O pedido que faço é para os proprietarios e casas de commercio poderem continuar a fazer sellar na casa da moeda os arrendamentos que mandaram imprimir, pois nesta medida ha vantagem para o thesouro, que economisa o valor do papel que fornece para a impressão dos arrendamentos. Nada peior do que alterar todos os annos as leis fiscaes. Incommodo inutil para o contribuinte e desvantagem para o fisco.

Chamo para este assumpto a attenção do sr. ministro da fazenda.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): - Ouvi com toda a attenção as considerações feitas pelo digno par ácerca da maneira de sellar os escriptos particulares de arrendamentos provisorios.

Procurarei informar-me dos factos para que s. exa. chamou a minha attenção, a fim de providenciar convenientemente, não duvidando dizer desde já que, não havendo prejuizo para a fazenda publica, inconveniente para a fiscalisação e cobrança do sêllo e ao mesmo tempo commodidade para o contribuinte e para os negociantes, não terei duvida em annuir aos desejos do digno par.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Conde de Lagoaça: - Sr. presidente, não ha maneira de chegarem á camara os documentos que pedi.

Isto é extraordinario!

Já tenho dito muitas vezes que a opposição é pequena e que poucos pedidos tem feito; mas apesar de poucos não são satisfeitos.

Haverá no ministerio da marinha tanto trabalho que não

39

Página 490

490 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

possam dispor de um momento para enviar dois ou tres documentos que ha tanto tempo foram requisitados?!

Peço ao nobre presidente do conselho que inste com o seu collega da marinha para que os documentos que pedi me sejam remettidos com brevidade.

Francamente nunca imaginei que o sr. ministro da marinha fosse tão renitente; pelo contrario, com aquelle seu ar mavioso suppuz sempre que não deixaria de attender as minhas supplicas.

Peço a v. exa., sr. presidente, que pela sua parte empregue toda a sua valiosa diligencia, a fim de que os documentos me sejam enviados.

(S. exa. não reviu.}

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): - O sr. ministro da marinha não póde hoje vir a esta camara por se achar na outra casa do parlamento, assistindo á discussão de propostas que dizem respeito ao seu ministerio; todavia, dar-lhe-hei conhecimento da nova instancia do digno par, para que o mais breve possivel sejam satisfeitos os seus desejos.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Jeronymo Pimentel: - Por parte das commissões de fazenda e ultramar tenho a honra de mandar para a mesa o parecer que recaiu no projecto que tem por fim auctorisar o governo a levar em conta ao conego Marcellino Marques de Barros, ex-missionario da Guiné portugueza, o tempo que serviu como professor no collegio das missões ultramarinas, para computo do praso marcado no artigo 94.° dos estatutos do mesmo collegio, approvados por decreto de 3 de dezembro de 1884.

Lido na mesa, foi a imprimir.

ORDEM DO DIA.

Continuação da discussão do parecer n.° 39 sobre o projecto de lei n.° 45 (orçamento do estado)

O sr. Presidente: - Está esgotada a inscripção antes da ordem do dia.

Continua em discussão o orçamento, na generalidade, e tem a palavra o digno par, o sr. Telles de Vasconcellos. a quem ficou reservada da sessão anterior.

O sr. Telles de Vasconcellos: - Disse que seria breve nas considerações que tinha a fazer, porque não desejava cansar a attenção da camara.

Que na ultima sessão dissera que tinha graves apprehensões com respeito ao estado da fazenda publica, e que se havia proposto demonstrar, que eram menos exactas as tres afirmativas feitas pelo sr. ministro da fazenda no seu relatorio.

Quanto á primeira que se refere aos saldos positivos, e ao bem-estar do thesouro, havia por certo illusão ou engano na comparação das receitas com as despezas, e mau calculo em relação ao orçamento, e que, quanto ás outras as apreciações do sr. ministro, por certo se filiaram em más informações, ou declarações apaixonadas de quem quer que fosse, porque as asseverações feitas no relatorio não correspondiam á verdade dos factos.

Que a primeira diz respeito á conclusão a que chegou o sr. ministro de encontrar um saldo positivo de 20 contos de réis no orçamento de 1893-1894 e outro de 29 contos de réis no orçamento de 1894-1890.

Que já tinha demonstrado no dia anterior quanto tinha de augmento a divida fluctuante nos tres annos da administração do sr. ministro, que eram dez mil quatrocentos e tantos contos de réis, fóra a venda dos titulos na posse da fazenda que renderam cerca de 2:850 contos de réis; e que isto não era tudo, pois em sua opinião, contornando-se assim, em futuro muito proximo estariamos nas mesmas ou peiores circunstancias, do que eram aquellas em que estivemos em 1891 para 1892.

Confrontadas as despezas dos differentes ministerios e servindo-se dos dados que lhe eram offerecidos pelo relatorio e documentos do sr. ministro da fazenda, via claramente que a despeza tinha augmentado de anno para anno, e que esse augmento se accentuava no orçamento em discussão.

Que era verdade terem augmentado muito as receitas, pois que só no anno de 1895 se elevou esse augmento á quantia de 4.835:584$096 réis; 786:206$957 réis nos impostos indirectos, 488:733$987 réis no sello e registo, 942:320$856 réis nos bens proprios e rendimentos diversos, 152:023$563 réis augmento na receita dos caminhos de ferro, 17:918$250 réis rendimento dos conventos supprimidos, 99:479$375 réis do arsenal do exercito, réis 805:661-5819 verba de compensações de despeza, réis 1.109:014$651 lucros da amoedação realisados em 1890 a 1893, 237:846$038 réis parte nos lucros do banco de Portugal, 196:338$600 réis coupon, pelas obrigações do caminho de ferro, porém, tudo isto foi pouco, tudo isto desappareceu, tudo a despeza absorveu!!

Que lançando-se mão dos elementos que ao orador foram dados e fazendo-se a comparação da despeza por ministerios desde 1891-1892 a 1894-1895 chega-se ao seguinte resultado:

Fazenda: 1891-1892, 3:610 contos de réis; 1894-1895, 3:882 contos de réis, differença 272 contos de réis.

Reino: 1891-1892 a 1894-1895, 2:314 contos de róis; 1894-1895, 2:349 contos de réis, differença 35 contos de réis.

Justiça: 1891-1892, 962 contos de réis; 1894-1895, 998 contos de réis, differença 36 contos de réis. .

Guerra: 1891-1892, 5:123 contos de réis; 1894-1895, 5:530 contos de réis, differença 407 contos de réis.

Marinha: 1891-1892, 2:152 contos de réis; 1894-1895, 2:733 contos de réis, differença 581 contos de réis.

Ultramar: 1891-1892, 443 contos de réis; 1894-1895, 867 contos de réis, differença 424 contos de réis.

Estrangeiros: 1891-1892 448 contos de réis; 1894-1895, 883 contos de réis, differença 435 contos de réis.

Obras publicas: 1891-1892, 4:332 contos de réis; 1894-1895, 5:585 contos de réis, differença 1:253 contos de réis, o que dá o augmento de despeza nos differentes ministerios de 3:443 contos de reis!!

Poderá chamar-se a isto fazer economias e melhorar as finanças?

Mas tudo isto attinge proporções mais extraordinarias fazendo-se a comparação com o que se propõe para 1896, como se póde ver.

Reino: 1891-1892, 2:349 contos de réis; 1896, 2:564 contos de réis, differença para mais 215 contos de réis.

Justiça: 1891-1892, 962 contos de réis; 1896, 1:010 contos de réis, differença 48 contos de réis.

Guerra: 1891-1892, 5:123 contos de reis;.1896, 5:221 contos de réis, differença 98 contos de réis.

Marinha: 1891-1892, 2:595 contos de réis; 1896, 3:739 contos de réis, differença 1:144 contos de reis.

Obras publicas: 1891-1892, 4:332 contos de réis; 1896, 5:321 contos de: réis, differença 989.contos de réis, o que dá a quantia de 2:494 contos de réis de augmento de despeza no proprio orçamento, que se propõe; tudo parece phantastico, mas infelizmente é a realidade dos factos.

Pergunta se depois de terem sido tirados aos juristas 30 por cento do seu rendimento, o que foi affectar a economia de muitas familias, que viviam do rendimento das inscripções e que se sujeitaram a tão grande sacrificio, por patriotismo e pelo convencimento de que a necessidade era. absoluta e impreterivel, póde acceitar-se uma administração como a que tem sido feita? Respondam as consciencias dos proprios ministros e responda a consciencia de cada um dos dignos pares.

Que já se tinha referido ás verbas que não apparecem no. orçamento proposto, e o sr. conde de Thomar tambem

Página 491

SESSÃO N.º 38 DE 28 DE ABRIL DE 1896 491

notára que não se descrevesse a despeza com o ministro que vae á Russia assistir ás festas, e que, em epochas de tanta desolação e tristeza, não eram muito acceitaveis taes despezas, nem ellas se compadeciam com a pobreza do paiz e com o assolamento produzido pela fome, que começava de alastrar-se pelo paiz.

Quer ainda admittir a falta d'esta verba, a qual poderá considerar-se extraordinaria; mas o preço do material para os caminhos de ferro não o é, e nem por isso se encontra em parte alguma, como tambem não está no orçamento verba para os encargos da conversão, nem os que hão de resultar do celebre emprestimo, cuja realisação é de per si só uma ruina.

Que ao sr. ministro lhe pesava ter na posse da fazenda as obrigações dos tabacos, e era necessario alienal-as para maior descanso, e seria caso para perguntar: quando chegar a execução da sentença de Berne, .com que é que se paga?

Que as despezas com as nossas expedições á Africa j tambem não são dignas de figurar no orçamento, e estão nas operações de thesouraria para irem avolumar a divida fluctuante.

Com orçamentos calculados por esta fórma, não é difficil arranjar saldos, e se bem que tal procedimento não seja novo, é, até certo ponto, vergonhoso e ridiculo.

Que feitas todas as correcções e sommadas as verbas, que deviam estar descriptas no orçamento, a despeza não é de 29 contos de réis como se propõe e calculou, mas de 53:000 a 54:000 contos de réis.

Que a illusão do sr. ministro é completa, com grande magua delle, orador, e por certo de toda a camara, que desejaria que a fazenda publica fosse num caminho que assegurasse a reconstituição das nossas finanças, e que por certo desejaria tambem ver bem calculado o orçamento, que está na téla do debate.

Que ninguem poderia .esperar umas apreciações da fazenda publica, como as que se encontram no. famoso e difficil relatorio, nem um plano financeiro tão contrario ao aconselhado pelas circumstancias, e pela nossa situação fazendaria, plano que de certo está muito abaixo das qualidades do sr. ministro da fazenda, que teve má comprehensão, de certo, da situação difficil que atravessâmos, e da orientação politica que o governo seguiu.

Que o sr. ministro, nem sequer se lembrou, que propondo o malfadado emprestimo, dava logar ao que se tem dito no estrangeiro fazendo reviver desgostos passados, e estabelecer de novo a propaganda do nosso descredito.

O orador leu periodos de um jornal estrangeiro em que se dizia, entre outras cousas pouco amaveis, que Portugal voltava ao systema dos emprestimos ruinosos, com garantias e cauções, inventando dividas privilegiadas, cujas obrigações não poderá cumprir.

Que tudo o que se tem dito era de prever, e a ultima cousa de que o sr. ministro se podia lembrar era, por certo, um emprestimo sobre as obrigações dos tabacos.

Qae esta falta de reflexão, ou pouco cuidado, em acceitar conselhos de amigos, era muito condemnavel em qualquer ministro inexperiente, mas muito mais no sr. Hintze, que já tem largo tirocinio da vida publica, e que com o que não é nosso mas do paiz, e de todos, todo o cuidado é pouco, para obviar a males como-os que vão resultar da mal fadada operação; não era só o desfazer-se o governo do unico valor representado em oiro, que na posse do estado garantia a solução de qualquer crise imprevista, mas o sobrecarregar o thesouro com o encargo annual e permanente de 640 contos de réis em oiro, sujeito o pagamento ás contingencias do agio.

Elle, orador, desconfia mesmo que a operação nas condições em que vae ser feita será mais um desastre financeiro, por qualquer lado que se considere.

Que na opinião d'elle, orador, a compra dos navios é um pretexto para o emprestimo, pois que 2:800 contos de réis para empregar em navios, não lhe parede demandasse a operação determinada pelo governo, e já votada peia camara dos senhores deputados, pois fazer um emprestimo de 9:000 contos de réis, só e unicamente por causa de 2:800 contos de réis para navios, dá logar a que se pergunte para que é o resto do emprestimo; naturalmente para applicar, como de costume, ás despezas correntes e ordinarias, e imaginar depois saldos positivos.

Crê elle, orador, que nem mesmo em circunstancias mais vantajosas tal operação era licita, e pede ao sr. ministro que pense bem emquanto é tempo, pois que depois de uma reducção de juro é necessario que a administração da fazenda seja tão economica e nitida, que não desperte desconfianças de favoritismos, ou menos cuidado em pensar bem nas consequencias que podem seguir-se de qualquer resolução mal pensada, e o emprestimo está n'este caso.

Que no parecer delle, orador, quando um paiz chega ao estado em que Portugal se encontra financeiramente, e necessario, é dever de quem governa, não gastar senão o estrictamente indispensavel, procurando á custa da rigorosa economia e do desenvolvimento de algumas forças vivas reconstituir as nossas finanças e restabelecer o nosso credito.

Que franca e sinceramente dizia que pelos processos empregados pelo sr. ministro da fazenda nada se póde fazer de proveito; que o jogo das cifras já não illude hoje, nem portuguezes nem estrangeiros, e que o dizer-se que as nossas finanças estão prosperas, não sendo esta a verdade, nem lhe parece correcto para um estadista, nem digno de louvor.

Que hoje, em relação a Portugal, nem ha jogo de cifras que illuda portuguezes ou estrangeiros, nem phrases enganadoras, por mais sonoras e bem pronunciadas ou escriptas que sejam, que calem no espirito e obscureçam a rasão. Hoje, a verdade, a clareza e a firmeza nos processos de administração, obedecendo á mais restricta economia, será indubitavelmente o verdadeiro caminho a seguir; Que elle, orador, não podia deixar de ler á camara os periodos de um jornal do Porto, affeiçoado ao governo, periodos escriptos por uma das pennas mais distinctas da actualidade, e em que se aprecia muito desfavoravelmente o systema financeiro do sr. ministro da fazenda, chegando a dizer-se que parece impossivel que ainda haja animo para difficultar mais a vida, aggravando as circumstancias de todos e de cada um, e reduzindo á miseria a classe mais pobre, pois que ainda vão tributar o assucar, o sabão, e até a pobrissima vela de cebo com que o albergue se ha de alumiar, que tudo isto é triste, que o grito do fisco já é iniquo e immoral, o que o sr. ministro da fazenda não quiz ver no seu plano financeiro.

Disse que vendo nos periodos, que lera á camara, toda a verdade como ella era, não sabe se esta produziu no animo do sr. ministro, e da camara, a impressão que actuou no espirito d'elle, orador.

Que é possivel não se impressionar o sr. ministro com a descripção do estado do paiz, e da applicação do plano financeiro architectado por s. exa., pois que o governo tomou a orientação da politica apaixonada, attendendo pouco á administração e procurando crear adeptos e partidarios á custa dos redditos do thesouro, quando as circumstancias demandavam outro criterio, que não o de baratear o dinheiro do thesouro, para atirar sobre o paiz encargos com que não pôde, e exigir dinheiro que o paiz não tem nem póde dar.

Que o governo se não lembrou, durante o seu consulado, que administrava um paiz que não tem pão para mais de meio anno, e não é de certo com o augmento inconsiderado das despezas, nem com a creação de questões politicas, dividindo uns e irritando outros, que o pão se póde conseguir, e o governo tinha salutares exemplos a seguir, se a sua orientação fosse a da reconstituição das nossas

Página 492

492 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

finanças e não a creação de confrarias politicas, que para nada mais prestam do que para entorpecer e embaraçar a boa administração, com grave prejuizo para a causa publica.

Que no procedimento da Inglaterra e da Australia podia o governo encontrar orientação para fazer alguma cousa de utilidade, na passagem pelo poder, porém a desorientação foi tal, que os factos demonstram a desastrada situação a que somos chegados, de qualquer fórma que esta se aprecie ou commente.

Que elle, orador, crê ter provado á camara e ao paiz, que os saldos positivos desapparecem e só fica claro o augmento da divida fluctuante em 10:000 e tantos contos de réis, a venda dos titulos na posse da fazenda pela quantia de 2:850 contos de réis, e a absorpção do augmento das receitas desde 1892 a 1895 de approximadamente 10:000 contos de réis, sendo tudo isto averiguado nos documentos e dados officiaes, porque outros não tinha elle, orador.

Que a segunda afirmativa do sr. ministro da fazenda no seu relatorio, é que a crise economica quasi não existiu, pois o que tivemos foi uma crise financeira, mas que o illustre ministro era bastante illustrado para saber que dada a crise financeira, esta immediatamente actuava sobre a economia do paiz, e a crise economica manifestava-se desde logo; porem, o sr. ministro não podia escrever no seu relatorio similhante affirmativa, desde que a crise era e é permanente, e para o ser Basta a falta annual dos trigos que é necessario importar.

Que elle, orador, convidava o sr. ministro a dar um passeio pelo Minho, pelas Beiras e pelo Alemtejo, e a ver as difficuldades com que luctam os proprietarios, e ficará convencido não só da existencia da crise, mas do seu aggravamento.

Que o argumento do sr. ministro da fazenda ainda é mais extraordinario, que a sua affirmativa se funda na baixa do deficit commercial no anno de 1894 a 1895, porem o argumento não é verdadeiro, pois que o déficit commercial subiu com a entrada do actual governo para a cifra de 13:000 e tantos contos de réis, e baixou apenas para 11:000 e tantos contes de réis de 1894 a 1895, por causas diversas e principalmente porque escassearam nos nossos mercados differentes artigos, e não foi a baixa produzida pelo desapparecimento da crise, pelo contrario, a crise aggravou-se e apesar de não estarem ainda publicadas as estatisticas, pelos boletins officiaes já se póde bem apreciar o que será o déficit commercial de 1895 a 1896, e o sr. ministro verá que se illudiu para escrever o que escreveu no seu famoso relatorio; porem o sr. ministro necessita informar-se em relação ao que se passa no commercio e em relação á industria, pois que a crise economica nem sequer, se attenuou, quanto mais extinguir-se, e não sabe elle, orador, o que acontecerá no caminho em que as cousas vão.

Que não é só a crise agricola que se apresenta temerosa e assustadora, porque as terras de primeira ordem estão hoje plantadas de vinhas, a producção cresceu muito no ultimo anno e gradualmente ha de augmentar nos annos seguintes, e o que é certo é que os vinhateiros conservam os vinhos porque não poderam vender, sujeitando-se a queimar o vinho, o que é de um grande prejuizo e com grandes sacrificios do proprietario, mas em relação á industria e ao commercio, se o sr. ministro se quizer bem informar, o que é de todo o ponto necessario, ha de conhecer que as encommendas feitas ás fabricas foram em muito pequena escala,, e que estas estão barateando os seus productos, para poderem sustentar os seus operarios, que os negociantes têem os seus armazens cheios de fazendas que chegam para o inverno proximo, nada necessitam, nem encommendar nem comprar, o que desejam é vender e realisar o capital empatado.

Que estando as fabricas a baratearem os seus productos e as casas de commercio cheias de fazendas, e sem poderem realisar o capital empregado, pergunta elle, orador, como é que ha de sustentar-se o commercio e a industria e o que é que se tem feito por parte dos poderes publicos para remediar tão grande mal.

Julgará o sr. ministro, pergunta o orador, que se remedeia o mal com as asseverações imaginarias feitas no seu relatorio, e cuidando esmeradamente se convem que Ton-della faca circulo com Vouzella, que a aldeia de Paio Pires vá para este ou para aquelle circulo eleitoral?!

Que a crise economica está mais aggravada, e que o sr. ministro sabe que ella affecta mais ou menos toda a gente, mas vae com todo o seu peso sobre a classe trabalhadora e pobre, e crê elle, orador, que o homem pobre tem o direito de exigir que os poderes publicos olhem seriamente para a sua situação, e procurem os meios de lhe garantir o seu trabalho facilitando-lhe os meios da sustentação.

Que se o governo se convenceu de que debella o mal ordenando a admissão de operarios pelo ministerio das obras publicas, garantindo-lhes uns salarios para desfazerem edificios, e fazel-os de novo em muito peiores condições do que elles estavam, destruindo abobadas fortissimas que custaram muito dinheiro, e que desafiavam a eternidade, para as substituir pela argamassa, está o governo, na opinião d elle, orador, muito enganado, e pratica por uma fórma que só serve para aggravar a situação, sendo um mau exemplo, má pratica e poderá mesmo chamar-se um desperdicio.

Que em face de tudo isto lhe parece, que a segunda affirmativa do sr. ministro no seu relatorio não é verdadeira, e que a crise economica se aggravou com a administração do actual governo, e tende a augmentar, sem que por parte do governo se pratique qualquer acto que attenue o mal e previna o que poderá vir em virtude da perspectiva medonha com que se apresenta o anno que vae correndo.

A ultima affirmativa a que elle, orador, chamou esplendida, é de que documentos irrefragaveis mostram que a dictadura deu forca e vitalidade aos recursos do thesouro.

Que esta affirmativa é extraordinaria debaixo de todos os pontos de vista; que o governo seguisse a orientação infeliz e desgraçada que se conhece, era emfim uma má comprehensão da situação em que se encontrou, mas conhecido o erro pelos factos, depois de ter caminhado de precipicio em precipicio, gastando o que não devia, e aggravando tudo e a todos que não são seus compadres, vir dizer que a dictadura impossivel e nefasta deu vitalidade aos recursos do thesouro, é um cumulo.

Que os processos do governo eram novos e sem precedentes, e não podiam deixar de dar o que deram com detrimento da causa publica.

Que por certo ninguem se lembrava ao encontrar-se diante de questões difficeis, entrar ousadamente no caminho de perturbar a paz octaviana, que era ò elemento mais necessario para a boa resolução das mesmas questões.

Que aquella affirmativa está no relatorio, como elle orador acabou de ler á camara, mas que é facto tão extraordinario e reprehensivel, que quantas mais vezes a lê menos a acredita.

Que lhes seja permittido dizer, que a orientação do governo devia ser outra, completamente a opposta, aproveitar a paz e socego, congregar todas as forças, pequenas ou grandes, em volta de si, e com ellas seguir na resolução d'essas questões, que não comprehendeu, e que hão as sabendo resolver as aggravou ao ponto em que estão.

Pois alguem de boa fé, exclamou o orador, poderá dizer, que o remedio para resolver uma questão externa, uma questão financeira, ou uma crise economica, é dissolver uma camara que votou ao governo tudo quanto elle entendeu necessario, e lhe prestou todo o seu auxilio, o mais lealmente, rasgar a lei fundamental do estado, publi-

Página 493

SESSÃO N.° 38 DE 28 DE ABRIL DE 1896 493

car decretos sobre decretos, desorganisando todos os serviços, pondo tudo tumultuariamente em desordem, e alevantando sem o pensar e sem o saber uma questão politica, ainda pendente, andando o governo a agarrar-se ás paredes, fazendo e desfazendo leis e decretos, sem saber como ha de remediar o que remedio não tem?

Em verdade muito melhor era que o governo, se fora reflectido, em vez de ter posto tudo em desordem, desde o continente até a quasi todas as nossas possessões ultramarinas, tivesse aproveitado a boa disposição de todos e a pacificação do paiz, que lhe mostrou estar prompto para todos os sacrificios necessarios, e no interesse do paiz caminhar na reconstrucção das finanças, restabelecimento do credito e levantamento do paiz, para poder dizer-nos hoje, que uma administração honesta, pensada e economica tinha vencido as difficuldades.

Mas, disse com vehemencia o orador, perturbar tudo, aggravar tudo, esbanjar, que outra cousa não foi, os dinheiros do estado, crivar o paiz de novos encargos, augmentar-lhe as dividas, e absorver com despezas o acrescimo das receitas, para vir neste documento (o relatorio) dizer que a dictadura, que tudo perturbou, estabelecendo um mau precedente, influiu na vitalidade do thesouro, é necessario, ou o convencimento de que ninguem vae ler tal affirmativa, ou uma desorientação a mais completa, e só igual á orientação do governo nos seus processos administrativos e financeiros.

Que, elle orador, acha o relatorio tão extraordinario e incrivel, que não sabe o que imperou no espirito illustrado e intelligente do sr. ministro da fazenda.

Será um grito da sua consciencia maguada? Se o é, não tem ainda o sr. presidente do conselho desculpa, nem fica, na opinião d'elle orador, attenuado o seu procedimento, porque o sr. Hintze Ribeiro por mais de uma vez esteve nos conselhos da corôa, e assumindo a responsabilidade de formar um governo devia logo saber que todas as responsabilidades da situação haviam de pesar, por completo, sobre a sua cabeça, e necessitava meditar bem antes de executar, e tempo tinha e largo, para se ter assenhoriado das circumstancias difficeis e do valor dos homens e das cousas, para não ter que arrepender-se, e ter que ser empurrado á pratica de todos os desvarios, que são o distinctivo mais caracteristico na administrarão feita pelo governo.

Se tudo o que tem succedido ha tres annos a esta parte tem sido contra a vontade do sr. presidente do conselho, e filho de circumstancias a que s. exa. se não póde tornar superior, ainda assim a responsabilidade vae inteira sobre a cabeça do sr. Hintze Ribeiro.

Que, elle orador, sabe que os homens publicos levados aos conselhos da coroa, muitas vezes são forçados a seguir por caminhos tortuosos, sem preverem os funestos resultados que vão incidir desastradamente sobre o paiz, e a responsabilidade pesa sobre elles, mas pergunta, elle orador, como é que essa responsabilidade se torna effectiva?

Não vê elle, orador senão que, exasperada a opinião publica, o ministro deixa os conselhos da coroa, unica pena para desvairamentos com que administrou o paiz, o povo soffre resignado as agruras das administrações, que obedeceram, ou ás paixões desenfreadas, ou ás ambições desmedidas, ou ás precipitações de quem é dotado de genio irrequieto e pouco reflectido, e a quem a inexperiencia muitas vezes leva ao desconhecimento da responsabilidade.

Que elle, orador, faz votos por que dictaduras como aquella a que se referiu o sr. ministro da fazenda não voltem mais, para que o paiz não tenha que envergonhar-se da paciencia com que tem assistido aos commettimentos mais ousados, onde sobretudo brilha a precipitação, e a dedicação a uma politiquice condemnavel, que nunca póde acceitar-se como norma de governo.

(O orador fez muito largas considerações e o seu discurso será publicado na integra quando o digno par o restituir depois de por elle revisto.}

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): - O digno par e meu amigo o sr. Telles de Vasconcellos acaba de verter as mais puras lagrimas sobre o estado da fazenda publica, decadente e aggravada, entrecortando-as de considerações sentidissimas ácerca das aberrações do proceder do orador, que s. exa. lamenta como bom amigo, e tudo entremeado com os vaticinios mais sombrios e das cores mais carregadas ácerca do futuro que se nos prepara.

N'este ponto ouviu ao digno par que quasi podia desesperar da salvação publica, porque do seu trabalho, dos seus esforços como ministro da fazenda, só ficava um montão de ruinas e de desillusões.

A habilidade e ao mesmo tempo a suavidade com que s. exa. tomara mão do relatorio de fazenda e a poucos traços o desfizera, confrangia-lhe profundamente o coração.

Era sempre triste e desanimador para aquelles que empregam longas horas da sua actividade a bem do serviço publico, vir um espirito illustrado e uma auctoridade indiscutivel, como a do digno par, arrasar tudo, de fórma que nada fica, nem no conceito nem na esperança dos homens.

Encheu-se, porém, de animo para poder responder ao digno par. Confessa que estava moralmente impressionado e alquebrado de forças ao ver s. exa. desfolhar, como se fossem pétalas de uma rosa murcha, $s tristes paginas do relatorio de fazenda.

Pois uma cousa que tambem o pungira profundamente em seu espirito, era que nem ao menos estava em accordo com os seus amigos, nem encontrava para as suas palavras a sancção dos membros d'esta camara, que tinham dado parecer sobre o orçamento que se discutia.

O digno par collocou-o na mais dura das difficuldades vindo aqui com o relatorio da commissão de fazenda perguntar quem era que fallava verdade, se o orador, se os representantes d'esta camara. Porque, ao passo que a commissão de fazenda desta camara dizia que o problema não estava resolvido, o orador dava todas as difficuldades como supperaveis e o futuro revestido das cores mais salientes e brilhantes.

Tem o profundissimo sentimento de annunciar ao digno par que entre as suas palavras e as da commissão de fazenda ha o mais absoluto e completo accordo.

Póde ser que o digno par não goste de ouvir isto, mas quer ouvir o que diz a commissão d'esta camara no seu seu relatorio?

(Leu.)

E no relatorio de fazenda depois de enumerar os resultados já obtidos:

(Leu.)

Parece-lhe que isto não é dizer que o problema financeiro estava resolvido. E acrescentava:

(Leu.)

Ora, quem diz que tudo isto está para resolver, não dá por liquidado o problema financeiro.

Ha, porém, uma cousa que o orador disse, e que o digno par commentou hoje com palavras as mais acerbas, foi o seguinte:

(Leu.)

Vem depois o parecer da commissão e diz:

(Leu.)

É esta a contradicção que o digno par nota entre as suas palavras e o parecer da commissão?

Porque foi, porém, que s. exa. teve hoje palavras tão sentidas e commentarios tão acerbos? Foi porque, dissera-o s. exa., soffreu uma completa desillusão; porque, lendo o relatorio de fazenda, acreditou que a situação tinha melhorado; mas, examinando depois todos os elementos que n'esse relatorio se ministravam teve o desengano mais completo; e com o entono e auctoridade que lhe são pro

Página 494

494 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

prios, disse então o digno par, com toda a convicção e certeza, que o orador errou os calculos.

Ora, quaes foram esses calculos?

Foram os do orçamento que se discute, ou foram os dos exercicios já terminados em 1893-1894 e 1894-1895, que são da sua responsabilidade?

O digno par não o disse; e o orador quizera sabel-o, para poder responder bem a s. exa.

S. exa. disse que os calculos estão errados, mas não disse se eram os calculos do orçamento ou os dos exercicios. Ora, lembrará a s. exa. uma cousa muito simples: é que, quanto aos exercicios passados, não póde ser, porque dos passados não ha cálculos, ha contas, o que é differente. Os calculos são de previsão, são para o futuro, e as contas é que são das receitas e despezas já apuradas e já passadas.

Deve presumir, portanto, que foram os calculos orçamentaes a que s. exa. se referiu; mas, se o digno par lhe podesse, então, dizer o que é que quaesquer erros, que possa haver nos calculos do orçamento, têem com o deficit das gerencias passadas, era isso de vantagem e o orador não desgostava de sabel-o.

Ficou, porém, o orador deveras perplexo quando começou a ver onde tinha errado os calculos. Disse o digno par que os calculos no orçamento estão errados, porque não estão lá as despezas feitas em Africa; e s. exa., por mais que as procurasse, não encontrou.

Poderá! Como havia s. exa. de encontrar essas despezas no orçamento que vamos discutindo, se o orçamento é para 1896-1897 e as despezas se fizeram em 1894-1895 e 1895-1896?

Onde podem, pois, estar essas despezas? Parece-lhe que as despezas de 1894-1895 e 1895-1896 só poderão estar nos documentos referentes a esses annos. E se o digno par não as encontrou ahi, foi porque não procuro a, porque, se procurasse, ia a um documento, que está a paginas 155 do orçamento, e encontrava lá, perfeitamente especificadas, até por semestres, todas as despezas, que foram:

(Lê.)

Mas, não é só por isto que os calculos estão errados; é ainda por outra cousa. Perguntava o digno par: o Onde é que está no orçamento a verba relativa aos encargos da conversão e do emprestimo?"

Não está, é verdade; não está porque não póde estar, porque no orçamento não se póde descrever encargo algum senão quando auctorisado por lei. Não ha lei que auctorise a conversão nem o emprestimo dos tabacos; por conseguinte, é evidente que não se podiam inserir no orçamento que se está votando, despezas ainda não auctorisadas.

Mas, ha outra verba que tambem se não encontra no orçamento: é a receita resultante das leis sobre tributação de assucar e de outros generos, recentemente votadas.

Pela mesma rasão por que não está esta receita, pela mesma rasão não está a despeza que resultará de outras leis que teem ainda de ser sanccionadas.

Finalmente, ha outro ponto em que o orador commetteu profundos erros nos calculos.

Perguntava o digno par como quem queria collocal o em durissimas difficuldades para responder: "Onde é que está no orçamento o que deve custar a arbitragem de Berne?"

Como é que havia de estar, se não se sabe o que essa arbitragem custará, quando está pendente o respectivo processo e até ao ponto de nem haver sentença proferida?

O sr. Telles de Vasconcellos: - Eu creio que não disse que devia estar descripta no orçamento a verba para pagamento das despezas de execução da sentença de Berne; e só disse que seria muito prudente reservar para esse fim uma parte do emprestimo que se vae levantar, ou não fazer tal emprestimo e reservar na posse da fazenda as obrigações dos tabacos.

O que perguntei foi, onde estava no orçamento a verba para pagar a despeza do material que se tinha encommendado para os caminhos de ferro.

O Orador: - Quanto á verba relativa aos caminhos de ferro, ha uma auctorisação especial para essa despeza.

Quanto á arbitragem de Berne, pergunta o digno par o que é que se faz do emprestimo dos tabacos, se se não destina ás despezas por causa dessa arbitragem.

Então s. exa. imagina que pelo facto de se effectuar uma emissão de obrigações dos tabacos, o governo fica absolutamente desarmado para acudir a qualquer urgencia do estado, que não esteja prevista neste documento?

Não fica, de certo.

Disse o digno par, se bem o ouviu, que o orador de uma certa epocha para cá, ora augmentava a divida fluctuante interna e diminuia a externa, ora diminuia a divida fluctuante interna e augmentava a externa. Sés. exa. for ver o movimento da divida fluctuante interna e externa, encontral-o-ha perfeitamente accentuado, de fórma a mostrar que nos annos em que a divida interna fluctuante tem augmentado, tambem parallelamente tem augmentado a externa.

De tudo isto a resultante é o que interessa ao paiz; e muito mais do que saber qual dellas augmentou ou diminuiu.

A respeito da crise economica o digno par chegou quasi a irritar-se com o orador - o que em s. exa. não é vulgar dada a sympathia immerecida com que o digno par o distinguia - porque o orador disse que o déficit baixara.

Valha a verdade, quem o diz não é elle, são os numeros.

O digno par que em assumptos economicos é muito lido e versado comprehende bem a rasão d'isso, desde que leia este simples trecho.

(Leu.)

O orador tem aprendido que, quando os dois termos da balança commercial tendem a approximar-se, a situação economica melhora.

Julgar o contrario, julgar que ella peora, confessa que, para elle, é estranho e novo.

O digno par censurou-o acremente porque, affirma s. exa., dissera que não houve crise economica e que mesmo a crise financeira tinha passado.

Não disse isso; o que disse foi uma cousa muito differente. Queria o digno par saber? Foi o seguinte.

(Leu.)

Não disse, pois, o que s. exa. lhe attribuiu, não disse que não tinha havido crise economica, nem podia dizer similhante cousa; o que disse foi que a crise foi mais financeira que economica.

S. exa. citou o que a este respeito dizia um jornal do Porto. Não precisava fazel-o porque os conhecimentos de que o digno par dispõe sobre estes assumptos, a sua palavra, valem mais do qualquer artigo de jornal.

E s. exa. fel o para mostrar que se nós fossemos, n'aquella cidade, aos bairros mais populosos, mais pobres, encontrariamos a miseria, a lucta diaria, continua, pela existencia; encontrariamos scenas, quadros tão confran gentes para a sensibilidade quanto é difficil de momento encontrar amparo para aquelles que assim se acham desprovidos de recursos.

Pois s, exa. conclue daqui que a crise economica não melhorou?

É d'isto que o digno par quer tirar uma conclusão em absoluto?

Se o digno par, em Londres, fosse aos bairros mais populosos e pobres e visse o que se passa n'aquelles antros de miseria, de sujidade e de crapula, o que é que concluia em relação á situação economica da Inglaterra?

Página 495

SESSÃO N.º 36 DE 28 DE ABRIL DE 1896 496

Parece-me que não é assim que se tiram conclusões em absoluto.

Miseria, tem havido e ha, e não é porque este anno se annuncia mau, o que póde dar legar a providencias urgentes, não é simplesmente por isso que o digno par póde julgar da situação economica considerada nos seus elementos principaes, e muito menos porque, segundo o digno par disse, o pão não chega para um, anno, nem é tambem porque o vinho se queima.

O vinho queima-se quando elle é mau, e não porque não haja quem o compre.

O orador, desejava apenas responder a algumas observações feitas pelo digno par, áquellas que peior impressão possam ter produzido.

O digno par nem na situação economica, nem na situação financeira encontrou melhoras.

Ora, isto não é verdade, como o demonstram os numeros.

Como o digno par sabia, o actual governo formou-se em fevereiro de 1892.

Tinha sido já apresentado .á camara o orçamento, é esse orçamento annunciava um deficit para 1892-1893 de 5:062 contos de réis.

O governo pediu então p adiamento das camarás, rectificou-se o orçamento, cortou-se por muitas despezas e apresentou-se um orçamento em que a previsão era, ainda assim, de um deficit na importancia de 1:022 contos de réis.

Este era o primeiro resultado.

Mas não foi só isso.

Tambem o digno par concluiu, da comparação que fez entre as despezas é as receitas, que estas tinham diminuido.

Ora, os resultados mostram completamente o contrario do que o digno par affirmára.

(Leu.)

Por consequencia, houve um augmento de receita na importancia de 10:834 contos de réis.

Diz, porém, s. exa. que as despezas augmentaram muito mais que as receitas.

Queria o digno par saber qual foi a totalidade das despezas nesse mesmo periodo?

A somma das despezas relativas a encargos, divida, publica e differença de cambios foi a. seguinte:

(Leu.)

A totalidade das despezas dos ministerios em 1891-1892 foi de 26:000 contos de réis.

(Leu.)

Finalmente,

(Leu.)

Por consequencia, já o digno par vê que na totalidade das despezas dos ministerios houve tambem differença para menos.

Portanto, de 1892, para cá as receitas cresceram 10:000 contos de réis e as despezas diminuiram 2:000 contos de réis; e é isto que explica que, tendo havido em 1892 um deficit, haja agora saldo positivo. E ainda mais, um confronto apresentara, agradavel para todos; era o das receitas do anno passado com as d'este anno.

(Leu.)

Francamente, se este augmento não era em beneficio da situação da fazenda publica, não comprehendo que outra cousa seja.

Quanto á divida fluctuante, o orador passou tambem a demonstrar que não era exacto o augmento que o digno par lhe attribuia.

E esse augmento era devido a compromissos inadiaveis do estado, como o pagamento aos bancos do Porto, as despezas com as expedições de Moçambique e da India, etc.

Depois d'isto, o digno par lamentou amargamente que, sobre uma situação financeira aggravada, ainda se trate de um emprestimo de 9:000 contos de réis e de uma conversão.

Pois a verdade é que emquanto a não fizermos não leremos desafogada a nossa situação financeira, não teremos liquidado o passado, não teremos elementos fundados para nos podermos apresentar aos olhos de todos como uma nação que resgatou o seu passado.

Quanto ao emprestimo, o digno par, e todos os que fallam em colonias, esse florão da corôa portugueza, podem tambem ficar certos de que, ou havemos de renunciar a estas de todo, ou havemos de ter marinha de guerra. (Apoiados.)

Ora, se para ter colonias, e mantel as com honra e com firmeza, é preciso ter navios, para ter navios havemos de os pagar; e se os quizermos pagar, e pagar honradamente, havemos de lançar mão de reservas, pois os recursos ordinarios não chegam ao presente para essas despezas.

Esta é a verdade, inteira, e por isso é claro que o emprestimo se impõe como necessario.

Aqui tem o digno par a rasão por que o orador apresentou a proposta para o emprestimo de 9:000 contos de reis; e exposta a questão com inteira verdade, cabe a está camara o dever de proceder como entender.

(O digno par não reviu este extracto.)

O sr. Presidente: - Vão ler-se umas mensagens vindas da outra casa do parlamento.

Foram lidas, e acompanham os seguintes officios:

Officio da presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo a proposição de lei que tem por fim determinar que, emquanto não houver a cargo do ministerio da marinha e ultramar os estabelecimentos para ser cumprida a, pena de presidio militar, a que se refere o artigo 21.° do respectivo codigo, se applique essa pena, tanto no reino, como nas provincias ultramarinas, e, conjunctamente, em alternativa, a de encorporação em deposito disciplinar ou a de prisão militar, e enviando igualmente um exemplar do parecer da commissão do ultramar, seguido do projecto de lei.

Para a commissão do ultramar.

Officio da presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo a proposição de lei que tem por fim modificar o decreto de 24 de janeiro de 1895, pelo qual foram creadas dez brigadas de infanteria e duas de cavallaria; e igualmente um exemplar do parecer da commissão de guerra, seguido do projecto de lei.

Para a commissão de guerra.

Officio da presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo a proposição de lei que tem por fim auctorisar a camara municipal de Lourenço Marques a estabelecer nas posturas a pena de multa até 100$000 réis, e igualmente um exemplar do parecer da commissão do ultramar, seguido do projecto de lei.

Para a commissão do ultramar.

O sr. Conde de Carnide: - Requeiro a v. exa. que se digne consultar a camara sobre se permitte que a sessão seja prorogada até se votar o projecto em discussão.

O sr. Conde de Lagoaça: - Pedi a palavra sobre o modo de propor, simplesmente para protestar contra a violencia de se estar constantemente prorogando as sessões.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que approvam o requerimento do sr. conde de Carnide, tenham a bondade de se levantar.

(Pausa.)

Está approvado e, portanto, a sessão prorogada até se votar o projecto em discussão.

O sr. Cypriano Jardim: - Pedi a palavra para mandar para a mesa o parecer da commissão de guerra sobre

Página 496

496 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO EEINO

O projecto de lei que tem por fim fixar o contingente para o exercito, armada, guardas municipaes e fiscal para o anno de 1897.

Lido na mesa, foi mandado imprimir.

O sr. Conde de Lagoaça: - Não posso deixar de repetir o meu protesto contra este costume de se prorogarem as sessões, quando nenhuma necessidade reclama esta violencia. (Apoiados.)

Isto, repito, é extraordinario.

Porque não ha de ficar a approvação d'este projecto para ámanhã?

A opposição não tem sido violenta.

Já por varias vezes, se quizesse, poderia ter contrariado a vontade do governo e. da maioria. Bastaria ter-se ausentado algumas vezes da sala e impedir assim que a camara funccionasse por falta de numero, e alem d'este meio, restava tambem o de protestar, o de fallar continuamente, e o assumpto presta-se a largas considerações. Basta abrir o orçamento e lel-o. Talvez o faça.

Janto hoje perto da camara e d'aqui até á hora do jantar posso fazer largas referencias ao assumpto que está em ordem do dia.

Sr. presidente, eu não tinha tenção de tornar a palavra neste debate, e muito menos usar d'ella pela segunda vez, isto porque, como já disse em uma das sessões passadas, julgo perfeitamente inutil e escusada qualquer discussão do orçamento desde que o governo tem a faculdade de abrir creditos extraordinarios, para com elles fazer face ás despezas que creou.

Para que discutirmos este projecto?

O sr. ministro da fazenda, que eu ouvi, como sempre, com muito agrado, porque realmente s.º exa. falla muito bem, e nestas questões de fazenda, está, como vulgarmente se diz como o peixe na agua, o sr. ministro da fazenda, repito, olhando para mim com um certo ar de desdem pela minha incompetencia, diz-me: ò digno par pensa que o orçamento é um evangelho? está enganado.

O orçamento é uma simples previsão.

Perfeitamente de accordo, mas essa previsão deve approximar-se quanto possivel das despezas que ha a realisar e o governo deve cingir-se ao que foi previsto; mas ao contrario, não se importa com taes calculos e faz o que muito bem lhe apraz á phantasia.

O governo encommenda esta obra monumental, soberba, grandiosa como uma cathedral, ao principe dos sacerdotes e depois gasta o que lhe parece sem dar satisfações a ninguem.

Que conveniencia ha na analyse d'esta obra de arte, se o governo tem a faculdade de abrir creditos extraordinarios? Absolutamente nenhuma.

Dizia o sr. ministro da fazenda, que o governo podia abrir creditos extraordinarios.

Pois o que eu lamento é que o governo, á sombra dessa faculdade, abra creditos como quer, quando quer e para o que quer, e é por isto que eu disse e repito mais uma vez que não sei para que serve a discussão do orçamento. Mas ainda ha mais. O governo faz primeiro a despeza e depois é que abre o credito.

Pedi de novo a palavra porque o nobre ministro olhou-me com um certo ar desdenhoso, e disse que os meus discursos só continham palavras. Talvez s. exa. quizesse que eu me limitasse aos gestos e não empregasse palavras.

Por meio de palavras é que eu tenho de expressar as minhas idéas.

S. exa. antigamente não tinha tanta repugnancia pelas palavras, mas nestes ultimos tempos deu-lhe para revoltar-se contra os que fallam.

Já ha dois annos, antes de nos dar com as portas do parlamento na cara, disse v. exa. aqui que actualmente não é com palavras que se governa.

O paiz quer factos e não palavras, disse s. exa. Não me parece que lhe fique bem este odio contra a palavra.

Não digo que não tenha outros dotes na sua bagagem mas foi pela palavra que s. exa. se elevou na carreira politica. Se o nobre presidente do conselho se quer referir á pobreza da minha palavra, não é magnanimo nem generoso. Bem sei que a minha palavra é pobre e fraca, mas, e sobretudo no parlamento, mal seria que só fallassem aquelles que, sem custo, estragam as idéas em deslumbrantes galas de linguagem.

Disse o SR presidente do conselho que n'estas questões de fazenda torna-se indispensavel a citação de algarismos; mas eu, no meu primeiro discurso, largamente commentei o saldo de vinte e nove contos e não sei quantos réis, e disse que tal saldo era phantastico.

Respondeu-me o nobre presidente do conselho que era preciso demonstrar a minha asserção e que não bastava só apresental-a. Ha de perdoar s. exa., mas o nobre ministro é que não demonstrou o contrario do que eu disse.

Como representante do paiz, e no meu plenissimo direito, formulei accusações, e s. exa., na sua posição de ministro, tem o dever de responder ás minhas observações e apresentar argumentos que provem não ter augmentado a divida publica nem as despezas e que, por consequencia, o saldo, esse tal saldo que eu tenho na conta de phantastico, é positivo, real e tangivel. A que vem saldos da Inglaterra a que é sr. Moraes de Carvalho se referiu?

Temos um saldo, diz o sr. presidente do conselho; mas então para que é que s. exa. recorre ao credito e aggrava as tributações?

(Leu.)

Pois apesar d'estes lucros da amoedação houve ainda neste exercicio de 1894-1895 um deficit real e positivo. Estas cifras exprimem bem a realidade dos factos.

S. exa. apresenta-nos um saldo positivo, quando a final elle é negativo.

Pergunto mais ao sr. ministro da fazenda ou ao sr. relator da commissão: tem ou não tem augmentado a divida publica?

Se tem augmentado, como é que s. exas. explicam a existencia desse saldo?

Eu não creio que o sr. presidente do conselho, ou qualquer outro ministro da fazenda, se divirta em contrahir emprestimos.

Quem pede emprestado é porque necessita de dinheiro.

Faço ainda uma outra pergunta: não tem o governo vendido titulos para realisar uns certos e determinados capitães?

Se tem vendido titulos, peço ao illustre ministro que me diga o que se fez a esse dinheiro, e quem é que pagou os juros d'elles.

(Leu.)

Por consequencia, o augmento da divida foi o seguinte:

(Leu.)

Estas são as minhas asseverações; s. exa. tem de me demonstrar o contrario do que affirmo.

Se o sr. presidente do conselho me assegura, debaixo da sua palavra de honra, que a divida não augmentou durante a sua gerencia, eu acredito, não o ponho em duvida, attenta a consideração e respeito que tenho por s. exa., e dou por finda a discussão.

Dizer que, depois de feita a comparação da receita com a despeza, ha um saldo de 29 contos de réis, é só para os ingenuos, porque ainda ha alguns.

Não sei ainda o que farei, mas é possivel que só termine o meu discurso ás oito horas da noite.

Que necessidade havia de prorogar a sessão? Já não era a primeira vez que nos pediam que abreviassemos a discussão. Já o teem feito, e nós da melhor vontade temos annuido ao pedido.

Se o projecto se não votasse hoje, votava-se ámanhã.

De que serve estar a discutir o orçamento? -

Só por obstruccionismo, e como protesto ao requerimento do sr. conde de Carnide. Ha dias foi o sr. Arthur

Página 497

SESSÃO N.° 38 DE 28 DE ABRIL DE 1896 497

Hintze Ribeiro quem apresentou o requerimento para se prorogar a sessão, hoje foi o. sr. conde de Carnide. Esses sentimentos de familia ficam-lhe muito bem, mas nós nada temos com isso.

O proprio sr. ministro da fazenda disse, sorrindo-se - o que não é muito vulgar em s. exa.- que "o governo gastava o que queria". .

Se assim é; de que serve estar a discutir este amalgama de cifras, este labyrintho onde se não penetra facil mente, é eu ainda muito menos, que nenhuma pratica tenho d'estes assumptos.

Não me envergonho de dizer que ainda hontem fui consultar alguns amigos velhos, já experimentados nestas questões, e todos me disseram que o orçamento era uma trapalhada que ninguem entendia. Era necessario ter muita pratica para, depois de algumas horas de estudo, se perceber alguma cousa.

É tambem muito curioso ver a maneira como o sr. mi nistro da fazenda faz a comparação dos mappas. Isto não é serio, e por isso s. exa. se está a rir.

Vou fazer, por exemplo, uma pergunta ao sr. ministro da fazenda. Por esta carta de lei, que tenho aqui presente, foi o governo auctorisado a modificar o contrato Hersent.

(Leu.)

Effectivamente, o contrato foi renovado ainda no tempo do sr. Carlos Lobo d'Avila.

N'uma das clausulas do contrato estabelece-se o seguinte:

(Leu.)

Quem auctorisou o governo a pagar esta quantia?

Foi o principe dos sacerdotes, no remanso do seu gabinete, em toda a altura da sua posição, quem ordenou que se pagasse.

S. exa. provavelmente disse ao sr. presidente do conselho: "pague, que nós arranjámos uma saida qualquer, isto passa sem que elles percebam nada".

Acaso a carta de lei de 27 de julho de 1893 auctorisava o governo a pagar esta quantia?

Não.

Essa carta de lei auctorisou simplesmente o seguinte:

(Leu.)

Ora, esses 2:800 contos de réis deu-os o governo ao empreiteiro, e muito bem, em harmonia com as disposições d'esta lei, mas não lhe podia dar nem mais um real do que está aqui estipulado, porque não estava auctorisado para isso pelo parlamento.

Por consequencia, se o governo paga o que quer, como quer e a quem quer; se gasta com quem lhe parece, como entende e quando entende, sem dar satisfações a ninguem, para que havemos nós de estar aqui a discutir o orçamento do estado?

Não vale a pena, porque tudo isto é uma phantasmagoria e uma poeirada deitada aos olhos do publico.

Mas acautelem-se, porque elle póde levantar-se um dia para protestar solemnemente contra tudo isto.

A minha voz, apesar de fraca, não deixa de ser escutada lá fora. Sempre haverá um jornal que a reproduza, que conte tudo, e um dia virá que alguem se lembre de applicar o devido correctivo a tantos desmandos.

Estar tanta gente a trabalhar para meia duzia de amigos, afilhados ou protegidos andarem gosando, como se tivessem herdado uma fortuna de seus paes, não póde ser. Isto não são só palavras ou figuras de rhetorica, são verdades.

O sr. ministro da marinha ainda ha pouco tempo nomeou um individuo, com quem aliás sympathiso, para ir estudar as escolas de alumnos marinheiros.

Sinto não ver presente o meu amigo, o sr. visconde da Silva Carvalho, para tecer um elogio ao pae de s. exa., que ha vinte annos foi estudar esta questão com grande interesse e proficiencia.

Por consequencia, isto já foi estudado, não ha mais que estudar, absolutamente nada.

Se o paiz estivesse nadando em riquezas, comprehendia-se que, de vez em quando, para premiar qualquer serviço importante, se saísse um pouco da legalidade e se mandasse em commissões vistosas um ou outro cidadão que se tornasse realmente credor da benevolencia patria; mas quando estamos em vésperas de uma crise extraordinaria, se é que não estamos já n'ella, não.

Sei que isso não apavora o sr. presidente do conselho, porque s. exa. diz que não ha crise economica.

Ora, evidentemente s. exa. não diz isso convencido, porque a crise é deveras temerosa. Que o digam os dignos pares que são lavradores e que me estão escutando.

Houve já um anno terrivel, em 1863, mas dizem todos que o actual é muito peior, sendo talvez preciso importar em 1897,10:000 ou 12:000 contos de réis de trigo, porque não o ha no nosso paiz;. e eu desejava então saber onde vae o sr. ministro da fazenda buscar esse dinheiro. Se tivermos de pagar outras cousas extraordinarias, onde iremos buscar o dinheiro? O nobre ministro sabe de certo ao que me refiro.

Portanto, se não entrarmos no caminho da severa economia, da boa e sã administração das receitas publicas, não só para que com os saldos se possa fazer face a quaesquer despezas extraordinarias, como, mais principalmente, para que levantemos o nosso credito no estrangeiro porque é talvez a unica cousa que nos póde salvar; se não entrarmos nesse caminho, ficaremos sem dinheiro, sem credito, sem confiança e não poderemos navegar.

(Pausa.)

A final de contas, sr. presidente, eu sou boa pessoa. (Riso.)

O digno par sr. conde de Bertiandos está ao meu lado a pedir-me que não inflinja á maioria d'esta camara o castigo, aliás bem merecido, de fallar sobre o orçamento até ás sete horas e meia da noite. Por isso vou terminar. Em attenção, porem, a este favor que faço, peço á familia do governo, da qual tambem faço parte, porque tenho a honra de ser parente do sr. ministro das obras publicas; peço á familia do governo, digo, que não faça mais requerimentos para prorogar as sessões, a não ser quando esse pedido seja absolutamente justificado.

Dito isto, termino as minhas considerações.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Moraes Carvalho: - Responde ao orador que o antecedeu e, entre outras considerações, diz que o artigo 11.° do projecto indica os casos restrictos em que o governo póde abrir creditos extraordinarios.

(O discurso de s. exa. será publicado quando o orador restituir as notas tachygraphicas.)

O sr. Telles de Vasconcellos: - Estando a sessão prorogada e tendo já dado a hora, o orador não teria a coragem de contrariar os seus. collegas, desde que elles queriam votar, no emtanto só pedia licença para responder com duas palavras ao sr. ministro da fazenda.

Sentia ver que o sr. ministro da fazenda, seu collega duas vezes, se declarara maguado, mas nenhuma das phrases que pronunciou podiam maguar s. exa. O que naturalmente maguava o illustre ministro era a consciencia da posição infeliz em que se collocára, ou deixara collocar.

O illustre ministro attribuira lhe cousas que não dissera. Não disse que no orçamento de previsão devia estar descripta a verba para satisfazer o quantitativo da execução da sentença de Berne, e sim disse que o governo sacrificando as obrigações dos tabacos, ficava desprovido de reserva para satisfazer aquella despeza, que podia vir em breve.

Disse mais que bom era não fazer o emprestimo nas condições propostas, porque, ficava desarmado o governo o thesouro.

Página 498

498 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Tambem estranhara que no orçamento não estivesse a verba respectiva ao material encommendado para os caminhos de ferro que não estivesse o encargo da conversão,, e o encargo de 640 contos resultante do emprestimo, e que ás considerações com que commentou estas faltas é que o sr. ministro não respondêra.

Em resposta ao sr. ministro dizia que era uma necessidade instantemente reclamada a reforma da nossa contabilidade publica, acabar para sempre com os taes exercidos e acabar tambem com a distincção entre despezas ordinarias e extraordinarias, porque ordinario e bem ordinario estava sendo tudo.

Que era verdade haver miseria em alguns bairros de Londres, mas, apesar dessa miseria que não se podia extinguir, em. Inglaterra havia administração, e a riqueza apparecia em todo o paiz, ao passo que em Portugal fazia-se má politica e desgraçada administração, e a miseria que apparecia nas cidades, apparecia no resto do paiz.

Que o governo, em logar de estudar o meio de resolver á. crise economica, pedia impostos ao paiz, e impostos que não incidiam sobre quaesquer lucros, mas sobre o pouco capital de cada um, e a miseria crescia, e- a fome alastrava-se por toda a parte, e o governo entretinha-se a justificar a seu modo dictaduras, a fazer e a desfazer decretos provendo de remedio aos amigos, e entregando o paiz á sua triste sorte.

(O orador fez varias considerações e o discurso será publicado quando depois de revisto o digno par o entregar.)

O sr. Conde de Lagoaça: - Sr. presidente, como o sr. presidente do conselho tinha saido da sala, o sr. relator entendeu dever responder ás observações que eu tinha feito, e que muito agradeço a s. exa.

Tenho, porém, a declarar que uma das minhas perguntas ficou sem resposta, e é a que diz respeito ao pagamento de 500 e tantos contos ao empreiteiro das obras do porto de Lisboa.

Desejava saber qual foi a auctorisação que o governo tinha para fazer esse pagamento?

(S. exa. não reviu.)

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Hintze Ribeiro): - Se o digno par sr. conde de Lagoaça tivesse visto o Diario do governo, n.° 77, de 8 de abril do corrente anno, encontrava ahi um decreto auctorisando o governo a abrir um credito especial para o pagamento a que s. exa. se referiu.

Esse decreto diz o seguinte:

(Leu.)

Como o digno par sabe, uma lei de 1893 auctorisou o governo a liquidar as contas com o empreiteiro Hersent, e é evidente que, desde que as duas partes contratantes concordaram em que houvesse uma arbitragem e se conformaram com o que ella decidiu, o governo não tinha outra cousa á fazer senão pagar.

(8. exa. não reviu.)

O sr. Conde de Lagoaça: - Peço a palavra.

O sr. Presidente: - Tem o digno par a palavra, mas é a quarta vez que usa d'ella n'esta discussão.

O sr. Conde de Lagoaça: - Bem sei, sr. presidente; mas realmente não me posso conformar com a explicação do sr. presidente do conselho.

A carta de lei de 27 de julho de 1893 não. auctorisou o governo a dar ao empreiteiro Hersent mais de 2:800 contos de réis; e o governo foi dar-lhe mais 682 contos de réis. Portanto, se tudo se altera por decretos dictatoriaes, para que servem as côrtes, ou o que ellas decidem?

O que se conclue é que o governo excedeu a auctorisação parlamentar.

Para isto, ou não tenham côrtes, ou então se ellas gostam que sopeteiem.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Presidente: - Está esgotada a inscripção.

Os dignos pares que approvam o projecto de lei n.° 45, na sua generalidade, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvada a generalidade.

O sr. Presidente: - Como o orçamento foi largamente discutido na generalidade, vou pol-o, na especialidade, á discussão e votação por capitulos e correspondentes mappas, se a camara não resolver outra cousa.

Foram a seguir approvados successivamente todos os capitulos e respectivos mappas do orçamento, sem mais discussão.

O sr. Presidente: - A proxima sessão é na quinta feira, 30; a ordem do dia a continuação da que estava dada para hoje, mais os pareceres n.os 47, 48, 49, 50 e 54.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas e vinte minutos da tarde.

Dignos pares presentes á sessão de 28 de abril de 1896

Exmos. srs. Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa; Marquezes, de Fronteira, das Minas, da Praia e de Monforte (Duarte); Arcebispo de Evora; Condes, da Azarujinha, de Bertiandos, de Cabral, de Carnide, de Lagoaça, de Magalhães, de Thomar; Viscondes, de Athouguia, da Silva Carvalho; Moraes Carvalho, Sá Brandão, Serpa Pimentel, Telles de Vasconcellos, Arthur Hintze Ribeiro, Ferreira Novaes, Palmeirim, Cypriano Jardim, Sequeira Pinto, Ernesto Hintze Ribeiro, Fernando Larcher, Costa e Silva, Frederico Arouca, Jeronymo Pimentel, Gomei Lages, Baptista de Andrade, Pessoa de Amorim.

O redactor = João Saraiva.

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×