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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

SESSÃO N.° 58

EM 11 DE MARÇO DE 1907

Presidencia do Exmo. Sr. Conselheiro Augusto José da Cunha

Secretarios - os Dignos Pares

Luiz de Mello Bandeira Coelho
José Vaz Correia Seabra de Lacerda

SUMMARIO. - Leitura e approvação da acta. - Expediente. - O Digno Par Sr. Fernandes Vaz justifica as suas faltas ás sessões anteriores. - O Digno Par Sr. Teixeira de Sousa apresenta algumas considerações sobre assumptos ultramarinos.

Ordem do dia - Continuação da discussão do projecto que regula a liberdade de imprensa. - Usa da palavra o Digno Par Sr. Eduardo José Coelho. - O Digno Par Sr. Teixeira de Sousa insiste pela remessa de documentos que pediu na sessão de 7 de novembro do anno passado - Encerra-se a sessão, e designa-se a immediata, bem como a respectiva ordem do dia.

Pelas 2 horas e 35 minutos da tarde o Sr. Presidente abriu a sessão.

Feita a chamada, verificou-se estarem presentes 22 Dignos Pares.

Lida a acta da sessão antecedente, foi approvada sem reclamação.

Mencionou-se o seguinte expediente:

Celorico de Basto, 9. - Exmo. Sr. Presidente da Camara dos Pares - Lisboa.

Fiados justiça nossa causa, rogamos V. Exa. para que presente sessão legislativa seja approvada reforma correios-telegraphos. = Encarregada, Bertha = Distribuidor, Pires = Guarda-fios; Lemos.

Mondim, 9. - Illmo. e Exmo. Sr. Presidente Camara dos Pares.

Encarregado e guarda-fios esta estação solicitam V. Exa. para que ainda esta sessão legislativa seja approvada reforma telegrapho-postal. = Encarregado, José de Mello = Guarda-fios, José Ribeiro Pereira.

O Sr. Fernandes Vaz: - Pedi a palavra para communicar a V. Exa., Sr. Presidente, e á Camara que, por motivo de persistentes incommodos de saude, de que ainda não estou inteiramente restabelecido, não me tem sido possivel vir tomar parte nos trabalhos parlamentares, nem reger a minha cadeira na Faculdade de Direito, para o que esta Camara se dignou conceder-me a necessaria autorização.

O Sr. Teixeira de Sousa: - Sr. Presidente: releve-me V. Exa. a minha impertinencia.

Eu por mais de uma vez tenho pedido a comparencia do Sr. Ministro da Marinha, antes da ordem do dia, para tratar de assumptos relativos á sua pasta, mas S. Exa. não tem podido comparecer.

Não julgue a Camara que ha da minha parte má vontade ou má disposição para com S. Exa.; pelo contrario, as nossas relações não podem ser melhores, mas ha casos que estão acima d'essas relações.

Eu, Sr. Presidente, entendo que é do meu dever citar factos e chamar insistentemente a attenção de quem possa intervir no sentido de obstar ao descalabro da situação administrativa e financeira que se vae dando nas nossas provincias ultramarinas, e; portanto, chamo a attenção da pessoa a quem compete providenciar; mas. se não providenciar, assume perante o paiz e perante a historia gravissima responsabilidade.

Não attribuo o facto ao Sr. Ministro da Marinha, nem aos governadores, nem a ninguem; cito-o deante do Parlamento e chamo para elle a sua attenção, cumprindo assim um dever.

Não tenho elementos precisos para calcular com exactidão o deficit das nossas provincias ultramarinas, mas parece-me que andará proximo de 2:000 contos de réis; se houver erro é por deficiencia e não por excesso.

Causou-me penosa impressão o que hontem li n'um jornal que se publica em Lisboa, o qual não é politico, e portanto nem favoravel nem adverso ao actual Governo.

E um jornal de caracter colonial, que durante muitos annos foi dirigido pelo Sr. Ministro da Marinha e que hoje ainda é orgão de S. Exa.: o Jornal das Colonias.

O artigo tem por titulo Do Lobito ao Lubango.

Segundo este jornal, n'esta parte importante do nosso dominio colonial abundam consideraveis débitos a funccionarios e fornecedores, a ponto de que estes, para obterem o pão de cada dia, se servem das folhas processadas dos seus vencimentos como se ellas fossem papel moeda, visto que o Governo lhes não paga.

Ainda hontem eu tive informações, que me parecem exactas, de que na provincia de Angola somente se paga aos funccionarios que teem vencimentos até 30$000 réis.

Ha mezes o Governo enviou para ali 300 contos de réis - por signal que o Tribunal de Contas recusou o visto á respectiva ordem de pagamento - mas esse dinheiro não chegou para occorrer á situação afflictiva d'aquella provincia.

Até aqui as outras provincias ultramarinas cobriam o deficit da provincia de Angola, principalmente a provincia de Moçambique; agora, porem, o saldo

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consideravel que se obtinha n'esta tornou-se n'um deficit muito importante.

Na provincia de Moçambique tambem já se não paga aos empregados e fornecedores, porque a esse resultado tem chegado o regimen, de consentir que cada um faça o que quer, como quer e quando quer.

Não é meu intuito censurar o governador de Angola, que reconheço ser um militar brioso e distincto, certamente animado do desejo de engrandecer o seu paiz; mas reconheço tambem que a administração ultramarina não é tratada como devia ser.

Em setembro de 1904 tivemos um revés serio no sul de Angola. Pois, desde então até hoje, tem-se feita guerra em toda aquella provincia, sem um plano firme, de onde resulta uma intranquilidade que prejudica seriamente o modo de ser economico de Angola e augmenta consideravelmente as despesas publicas.

O actual Governo criou o imposto de palhota na provincia de Angola, applicando ali, disposições identicas ás estabelecidas na provincia de Moçambique, sem cuidar na diversidade de costumes e de circumstancias em que estão as duas provincias, sem attender a que ao indigena de Moçambique é facil obter dinheiro, o que se não dá com o indigena de Angola.

Pelas difficuldades com que lucta a provincia de Angola pode recear-se que tal imposto origine graves perturbações de ordem publica.

Não "ei se já se terão dado ali taes perturbações, mas, trazendo o Boletim da provincia de Angola, de 2 de fevereiro ultimo, varias portarias louvando diversos officiaes pela maneira distincta e briosa como se houveram por occasião de rebelliões dos indigenas, é de crer que a cobrança do imposto de palhota tenha provocado perturbações de ordem publica, com o seu natural cortejo de difficuldades para a provincia.

Eu, quando Ministro da Marinha, fui increpado de usar e abusar do artigo 15.° do Acto Addicional de 1852. Effectivamente usei do Acto Addicional, mas foi para praticar actos como o da concessão do caminho de ferro de Benguella á fronteira leste da provincia de Angola, e porque tinha competencia para assim proceder. Chegou um Digno Par a dizer que devia ser cortada a mão do Ministro que referendava decretos pelo Acto Addicional na véspera da abertura das Côrtes; e, todavia, em nenhum dos decretos que eu referendei se tratava doutrina que não pudesse ser firmada por um patriota e por um homem honrado.

Hoje vemos no Boletim da provincia de Angola, de 2 de fevereiro, tres diplomas classificados de portarias e que se referem á contribuição industrial, a questões gentilicas e a questões commerciaes, isto no periodo em que as Côrtes estão abertas e sem que a pessoa que assigna taes diplomas tenha competencia legal para assim proceder. O diploma que se refere á questão gentilica é nada mais e nada menos do que um codigo civil para a provincia de Angola, assumpto sobre o qual só ao Parlamento competia legislar.

Pode esse diploma conter a melhor doutrina, mas o certo é que representa uma infracção da lei, pela incompetencia legal de quem o assigna.

Nem á sombra do Acto Addicional teria eu referendado tal medida quando fui Ministro da Marinha, pois que a resolução do assumpto pertencia ás Côrtes.

Então a voz dos meus antigos censores emmudece agora, perante medidas de caracter legislativo decretadas pela vontade e alvedrio de um governador geral?

Vamos em caminho de voltar á nossa antiga situação colonial.

Não vão passadas muitas horas sobre ter-me eu referido ao deposito de 35:000 libras deixado pelo Governo regenerador para a indemnização e expropriação da ponte neerlandeza de Lourenço Marques, deposito que desappareceu.

Hoje novos factos graves vento revelar á Camara.

O que representa isto?

O regimen de cada um fazer o que quizer e como quizer.

Tomara eu a peito a questão da concessão de terrenos no ultramar, prevendo os perigos da intervenção estrangeira.

Pois hoje, o Governo Inglez tem dentro de Lourenço .Marques largos e importantes terrenos.

Tenho lido quanto vale a descentralização e sei muito bem que a Inglaterra é a primeira a lançar mão d'esse processo administrativo.

Mas a Inglaterra, parallelamente, serve-se de outros processos: do respeito pela lei e da escolha dos melhores administradores.

Está provado que, sempre que no nosso paiz se dá largas á descentralização administrativa das colonias, resultam perturbações de ordem publica, sacrificios consideraveis nas finanças do paiz e, não raras vezes, difficuldades internacionaes.

O Boletim a que ha pouco me referi traz tambem um diploma que contem providencias de caracter legislativo relativas á contribuição industrial.

Quando foi Ministro da Marinha o Sr. Gorjão, o governador geral da provincia de Angola, que exercia o logar interinamente, entendeu que devia fazer o regulamento da cobrança da contribuição industrial.

Dizia-se então que o Ministro, aqui, longe das colonias e do meio onde g, contribuição se havia de cobrar, não podendo avaliar as circumstancias em que o contribuinte podia ser dispensado ou obrigado ao pagamento, não devia interferir no assumpto, o que foi objecto de larga correspondencia entre o Sr. Gorjão e o governador geral de Angola.

Por fim, q Sr. Gorjão auctorizou a publicação do regulamento.

Parece que desde o dia d'essa publicação as dificuldades deviam cessar; todavia, oito dias depois, publicava-se uma portaria mandando suspender a execução do regulamento, porque elle era inexequivel!

Agora, o Boletim da provincia de Angola traz novas disposições a esse respeito.

Eu já não sei a quem pedir providencias para o descalabro em que vejo as colonias.

Vozes: - Muito bem.

(O Digno Par não reviu).

O Sr. Presidente: - Vae passar-se á ordem do dia.

O Sr. Jacinto Candido: - Desejo saber se V. Es.3 me conserva a inscripção para antes da ordem do dia da sessão de ámanhã.

O Sr. Presidente: - V. Exa. está inscripto depois do Digno Par Sr. Alexandre Cabral.

O Sr. Alexandre Cabral: - Eu só usarei da palavra quando estiver presente o' Sr. Ministro das Obras Publicas.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de lei que reforma a liberdade de imprensa

O Sr. Eduardo José Coelho: - Dirá pouco para retomar o ponto em que na ultima sessão deixou as considerações que estava apresentando á Camara.

Como elle, orador, disse, e antes de fazer referencia ao projecto em discussão, é preciso reconstituir o pensamento e intuitos predominantes da lei actual, e depois apurar como tem sido applicada. Já disse, e repete, que a lei actual não tem sido, contra o que ella aliás preceitua, o unico diploma regulador do regimen da imprensa, pois que parallelamente com ella tem sido applicado com frequencia, e quasi normalmente, o Codigo Administrativo, artigo 251.° n.° 2.°

Demonstrou que a lei actual até pelos tribunaes judiciaes não tem sido

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applicada uniformemente, e só o foi no primeiro periodo, em seguida á sua promulgação; e discorreu largamente sobre este assumpto para chegar conclusão de que a lei actual não admitte recurso algum do despacho judicial que confirma ou não confirma a apprehensão, porque, de outra forma, ou se havia de estabelecer que houvesse o chamado segredo de justiça na interposição e seguimento dos recursos, ou teria de acontecer o que na verdade tem acontecido: chegar-se á publicidade, pela publicação das minutas e peças de processo, com violação da lei, que a prohibe nos casos taxativos do artigo 39.°

Pode dizer-se que entre a lei actual e o regime do Codigo Administrativo houve uma lucta constante, um como litigio porfiado nas discussões da imprensa, em successivos debates parlamentares; na Associação dos Advogados foram vehementes e apaixonadas essas luctas e doutissimas apreciações. Na Associação dos Advogados foi vencedora por um voto de maioria, se a memoria o não atraiçoa a elle, orador, a boa doutrina contra o parecer do notavel jurisconsulto Sr. Andrade, ao qual o Digno Par Sr. Campos Henriques alludiu no seu discurso, como quem cita a opinião do melhor quilate juridico.

Para comprehender bem e applicar com lealdade a lei actual, é preciso aprecia-la e interpretá-la, como a todas as leis, no seu conjuncto; e, interpretada assim, demonstrou que na lei actual não está a censura que expressamente repelle, sendo indispensavel definir o que constitue publicação e publicidade, seguido a letra e espirito da lei.

A lei de 1898, repete, não admitte a censura, não admitte as visitas domiciliarias. O jornalista na sua officina, no seu gabinete de trabalho, tem um asylo inviolavel; collocado ao lado de um tinteiro que lhe dá tudo o que pede, e de uma imprensa que recebe tudo o que lhe manda, não tem quem o opprima na sua inspiração boa ou má; mas ao querer dar á publicidade a sua obra, ao transpor essa obra o limiar da sua officina de trabalho, já na rua, a auctoridade policial intervem legal e legitimamente, e o jornal ou impresso não é expedido, não circula. Mas isso não é exercer a censura, emquanto a indole da lingua mantiver os seus foros e o senso commum o seu imperio.

A lei precaveu-se contra' os abusos possiveis, e d'ahi as garantias consignadas na lei, e suscitadas no decreto de 7 de dezembro de 1904.

Leu n'um livro intitulado Segredos do Segundo Imperio, publicado em 1892, que uma personagem, Rei ou Principe, viajara ou residira em Paris com o mais rigoroso incógnito; mas, em certa e alta noite, lembrou-se de fazer uma excursão a determinado bairro, distante da sua morada, ou palacio occasional, e, chegado lá, como quem perde a pista, e acompanhado do seu familiar, ambos acautelados com os .possiveis difarces, não atinavam com a morada, ou casa appetecida; ora avançavam, ora recuavam, e de repente um desconhecido distingue entre os dois vultos embuçados, qual o Principe ou Rei, e a este se dirige nos seguintes termos:

- Senhor! A casa que procuraes tem o numero tal: e desappareceu. Era um policia.

Applica o exposto ás apprehensões que a lei permitte.

A policia, que o sabe ser, não precisa de visitas domiciliarias, nem de invadir, no caso sujeito, a habitação ou officina do jornalista, para cumprir o seu dever.

Seguidamente o orador lê á Camara notas estatisticas e mappas, que crê demasiado elucidativos para se conhecer o regimen em que tem vivido a imprensa desde 1897 a 1905 (março), isto é, demonstra-se assim como a lei actual da imprensa e mesmo a anterior teem sido applicadas, parallelamente, e em frente do Codigo Administrativo.

Apreciou essas notas e mappas, e declarou que as notas e officio do juizo de instrucção criminal, que as acompanhou, foram publicados pela imprensa, e ao officio se alludiu já n'esta Camara, tendo lido parte d'elle o Digno Par Sr. Francisco José de Medeiros no seu douto e notavel discurso.

Pelo estudo reflectido das notas e mappas se conhecerá que, se é certo que os costumes influem nas leis, não é menos certo que por igual as leis influem e modificam os costumes.

Declara que fará transcrever nos Annaes parlamentares esses documentos, cuja leitura fez, pela ordem seguinte:

Nota das apprehensões desde 1897 e officio que acompanhou essa nota

Em 1897 A Marselheza 15 apprehensões
Em 1898 A Corja 9 "
Em 1899 A Carantonha 2 "
Em 1900 A Patria 2 "

Em 1901 A Vanguarda "

Em 1902 O Imparcial 14 "

Tenho a honra de enviar a V. Exa. a inclusa nota das apprehensões de periodicos, effectuadas por este juizo desde dezembro de 1897, de que se tem dado conhecimento ao juizo do crime. Alem das apprehensões indicadas, outras se teem feito, tanto até julho de 1900 como depois d'esta data, de que não se tem dado conhecimento em juizo, por não se terem effectuado nos termos do artigo 39.° da lei de 7 de julho de 1898, e serem auctorizadas somente pelo Codigo Administrativo por conveniencias de ordem publica. Os n.os 352, 353, 354, 355, 357 e 380 do Imparcial, que tambem vão juntos, foram apprehendidos por conveniencia de ordem publica, como V. Exa. se dignará de ver, porque n'elles se deram noticias falsas acercado convenio e outras. Algumas vezes se tem adoptado o systema de não deixar circular os jornaes sem previamente serem lidos. Isto praticou-se durante a administração do Governo transacto, e ainda ultimamente se fez com O Imparcial e O Mundo durante alguns dias, por se ver que a simples apprehensão nas das era inefficaz. Quanto tio Imparcial, nem isto foi sufficiente para evitar os seus desmandos, porque, tendo-se deixado de adoptar aquella medida preventiva, por se suppor ser já desnecessaria, logo nos dias 5 e 6 do mez passado, n.ºs 551 e, 552, que vão juntos, publicou artigos inconvenientes, que deram occasião a ser supprimido.

2.º

Nota dos jornaes supprimidos

[Ver valores da tabela na imagem]

Anno Titulo do jornal Data da suppressão

3.º

Mappa dos jornaes apprehendidos depois de publicados, desde outubro de 1904 até 20 de agosto de 1905

[Ver valores da tabela na imagem]

Numero do jornal Titulo Data Data da remessa ao poder judicial Data do despacho que confirmou a apprehensão

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4.°

Mappa dos jornaes apprehendidos desde 20 de agosto de 1905 até 20 de março de 1906

[Ver valores da tabela na imagem]

Titulo do jornal Data da apprehensão Data da remessa ao poder judicial Data do despacho que confirmou a ou não a apprehensão

O projecto que se discute agora tem muitos pontos de contacto com a lei de 1898; este projecto em debate é mais radicalmente repressivo, pois que só em casos muito excepcionaes admitte as apprehsnsoes.

O projecto nem eleva as penas, nem innova delictos; n'este ponto mantem o regimen da lei actual.

Quanto ás responsabilidades impostas pelo artigo 7.°, elle, orador, não liga grande importancia a esse assumpto, porque é o caso de se dizer que todos os caminhos conduzem a Roma.

A doutrina d'este artigo, repete, não o impressiona, porquanto a questão é apparecer alguem que responda pelo escripto incriminado, e desde o momento, que n'este projecto, como já nas leis anteriores, se legislou a applicação do direito commum (artigo 20.° do Codigo Penal) o juiz instructor do processo tem todos os meios, os mais amplos, para descobrir os auctores, cumplices e encobridores do crime.

Entretanto não deixaria de acceitar que a responsabilidade coubesse a mais entidades que o director politico do jornal.

Tal divisão de responsabilidades não seria para censurar nem offenderia o criterio scientifico.

Não ha estabelecimento de imprensa que não tenha uma serie de divisões ou de. secções. Cada secção ou cada divisão deve ter um director, e cada um d'elles assumiria a responsabilidade que lhe competisse. É o principio da divisão do trabalho, consagrado pela

philosophia positiva e applicavel a todas as manifestações da actividade humana.

Vae agora tratar mui perfunctoriamente do preceituado nos artigos 13.° e 14.° do projecto.

Não fará dissertações sobre a instituição do jury e sobre os delictos do pensamento.

O jury está consignado no projecto que se debate como já estava consignado na lei actual.

Pelo que se refere aos delictos de imprensa, o Digno Par Sr. Julio de Vilhena parece preconizar o systema de que taes delictos não existem.

Se assim fosse, teriamos irresponsabilidade absoluta, sendo portanto inutil discutir a preferencia do jury ou de outro tribunal.

Crê, salvo o devido respeito, que o Digno Par Sr. Julio de Vilhena foi mais audaz do que havia sido Emilio Girardin, pregoeiro paradoxal de taes doutrinas.

Não comprehende, sequer, a possibilidade de conceder-se que a injuria, a diffamação e a calumnia, que pelas leis penaes de todo o mundo, per todas as academias e faculdades de direito, por todos os codigos se definem com a maior precisão e nitidez, não comprehende que os elementos de um delicto possam transformar-se, ou mudar de natureza, tornarem-se innocentes por serem praticados por qualquer meio de publicação.

O crime de injuria, que tem os seus elementos constitutivos definidos na lei, os crimes de offensa e de calumnia não mudam de natureza por serem praticados por qualquer impresso; ha apenas mudança de pelourinho: a rua, a praça publica, ou o impresso.

Disse, e repete, que contra esses principios protestam os paizes que marcham na vanguarda da civilização.

Um, paiz notavel, que pelo seu movimento, riqueza e poderio causa assombro, os Estados Unidos do America do Norte, consigna na legislação respectiva á imprensa a mais ampla faculdade de se publicar seja o que for e como for.

N'aquella grande republica, n'aquelle paiz collossal, disposição alguma legislativa, impede o movimento da imprensa. Não se conhece, nem auctorização, nem caução, nem sêllo, nem qualquer advertencia; mas, no caso de abusos e offensas ás leia, que aliás existem, quasi se não applicam: o revolver suppre a applicação da lei. Ha jornaes, e dos mais importantes, no local dos quaes estão collocadas placas de marmore contendo o nome dos redactores mortos, assentados nas suas cadeiras de trabalho, na rua publica, ou em duello. E por isso que da imprensa americana se tem dito, o que se repete dos déspotas orientaes: - é o poder absoluto limitado pelo assassinio.

Disse o Digno Par Sr. Julio de Vilhena que o jury deve intervir nos crimes da imprensa, porque elle é o representante da opinião publica.

Afigura-se-lhe que esta asserção não é exacta.

Como é que podem ser tidos na conta de lidimos representantes da opinião publica homens que, em virtude de determinadas causas, se encontram dominados por uma excitação forte contra os homens publicos?

Que confiança podiam inspirar as decisões de um jury n'estas condições?

Porque será que o jury, applicado aos delictos da impressa, tem sido tão vivamente combatido?

Não quer alongar o debate; mas pede licença á Camara para citar as ultimas occorrencias da legislação franceza, e referir-se sobretudo ao que se deu no Senado em 1900, e a Camara verá como é que n'aquelle paiz existe a comprehensão do que na pratica importa á legislação sobre determinados delictos de imprensa.

A discussão do projecto de lei sobre a imprensa, modificando a de 1881, começou no Senado a 19 de junho e terminou em 21 (de 1900).

Este projecto tinha por fim deferir aos tribunaes correccionaes todos os ultrages dirigidos contra o Chefe do Estado, para obter (diz o relator, senador radical), uma repressão mais segura, mais rapida e mais exemplar, do que a

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obtida pelo jury. O segundo objectivo era tirar-se ao jury essa competencia em materia de julgamento de diffamação de homens publicos, ou revestidos de um mandato publico; e permittir a estes a escolha entre a acção publica e acção civil para as reparações a obter dos seus diffamadores; esta escolha era prohibida pela lei de 1881, que obrigava os diffamados a recorrer á jurisdicção dos Gour d'Assises.

O Ministro da Justiça (Moniz) defendeu o projecto, dizendo que a lei de 1881 tinha feito uma excepção ao direito commum a favor da imprensa, com effeitos lamentaveis; e accrescentou - a continuar assim, seria produzir a ruina do regimen actual.

Fechada a discussão geral, foi votada na especialidade, por 247 votos contra 67 o § 1.°, deferindo aos tribunaes communs os delictos de offensas contra o Chefe do Estado, e os outros artigos foram votados por 201 contra 72, e o complexo do artigo unico por 211 contra 41.

Concordou-se em que as offensas ao Chefe do Estado, e áquelles que exercem funcções publicas, não deviam nunca ser julgadas por um tribunal collectivo, e antes ser entregues a um tribunal correccional.

Waldeck-Rousseau, em um discurso que constituia como que o seu programma de Governo, discurso em que os homens pvblicos podem aprender como se defendem as instituições,- se bem que, no modesto criterio d'elle, orador, se encontrem alguns exageros pouco acceitaveis n'esse discurso - repete, defendia aquelle illustre estadista francez o projecto de lei relativo á imprensa, fazendo ver o perigo que para as instituições dimanava do facto de se deixar que diariamente circulassem contra ellas certas injurias, e se propalassem certas calumnias. N'esse projecto de 1900 ficou consagrada a necessidade de tornar effectiva a responsabilidade dos delictos da imprensa pelos julgamentos correccionaes.

Convem reproduzir quanto possivel as palavras do grande homem de Estado, no discurso de 28 de outubro de 1900, em Toulouse:

"Ferido por ver a diffamação erigida em systema, e a impunidade,, tornada certa (vejam que elogio ao jury), a desenvolver-se e a consagrar-se sem resultado, o que, ao passo que envilece as pessoas, por egual desacredita as instituições, o meu Governo póde conseguir, o que outros não tinham podido, sob o pretexto de moderados, mas em verdade fracos, ou que não tinham sequer ousado emprehender, isto é, o Governo póde obter de uma das Camaras um projecto de lei que, sem atacar sequer ligeiramente a liberdade de imprensa, consagra somente a sua responsabilidade."

Referia-se ao projecto . discutido e approvado no Senado e do qual já disse o seu objecto e alcance, que é de molde a poder invocar-se aqui.

Elle, orador, combateu os decretos dictatoriaes de 1890. Revendo os discursos que então proferiu, reconhece que nada tem que modificar ou alterar no que então expendeu.

Não o incommoda o jury, e acceita-o para intervir em certos crimes: mas, pelo que respeita aos abusos de imprensa, por crimes de injuria, offensa, diffamação e calumnia, prefere que elles sejam commettidos á apreciação e julgamento do tribunal correccional.

Tambem se tem discutido muito o artigo 16.°, mais conhecido pelo nome de gabinete negro.

E este um artigo dos que mais vehementes accusações tem merecido da parte d'aquelles que impugnam o projecto.

Allega-se que as disposições contidas n'este artigo são attentatorias da liberdade e da independencia dos agentes, do Ministerio Publico.

É evidente que os agentes do Ministerio Publico são dignos de elogios pela illustração de que teem dado exuberantissimas provas; mas não é menos certo que elles, por este projecto, não deixam de ser o que são, e em nada são prejudicados na sua independencia.

O projecto em ordem do dia não cerceia em nada as attribuições que competem aos agentes do Ministerio Publico. Prescreve-lhes a maneira por que se devem conduzir n'um caso especial; mas não lhes tira a independencia, e a prova está em que os mesmos termos do projecto prevêem a possibilidade de opiniões divergentes que possam surgir na apreciação de factos entregues ao seu exame.

O agente do Ministerio Publico, quando lhe seja entregue qualquer queixa, ha de promover; ou, não promovendo, apontará as razões em que assenta o seu procedimento.

Entendeu o Governo que, desde que ia cessar o regimen preventivo da lei em vigor, em casos especiaes, bom era fixar uma disposição compensadora, e por isso se indica ao agente do Ministerio Publico como tem de proceder no caso especial a que o projecto se refere.

Quando se quer discutir um projecto não se examina isoladamente qualquer das suas disposições.

N'um dos artigos do projecto estabelece-se que o agente do Ministerio Publico pode, por qualquer motivo, entender que se deve abster de fazer a promoção respeitante a certo abuso de liberdade de imprensa.

O agente do Ministerio Publico pode, a seu juizo, entender que essa abstenção é justa, mas isso não tira á parte queixosa as regalias que lhe competem.

Quando esta hypothese se realizar, isto é, quando alguem se julgue offendido na sua integridade moral, e o Ministerio Publico entenda que não ha motivo para desaggravo, vem derimir o pleito o despacho emanado de quem tem o direito de o proferir.

É preciso destruir o preconceito de que o Estado, ou quem o representa, tem sempre por si a verdade e a razão; ou, na phrase consagrada, que o Estado entra sempre com a sua intenção fundada em direito. O principio de igualdade perante a lei está na Carta, e quanto possivel no nosso Codigo Civil.

A lei civil, em todos os países, é a primeira lei politica. Da igualdade civil marcha-se a passos largos para a igualdade politica, e d'esta caminha-se, tambem a passos agigantados, para a igualdade social.

A assistencia judiciaria, que no projecto em discussão se concede ao pleiteante, é um principio altamente democratico e absolutamente justificado.

Tambem tem merecido criticas acerbas o artigo 19.°, que se refere ao corpo de delicto.

Á proposito do corpo de delicto adduziram se n'esta Camara asserções que chegaram a apavorado a elle, orador.

Afigura-se-lhe ser este um assumpto de uma simplicidade extrema e estreme; mas quasi viu elevar o corpo de delicto ás culminancias de uma instituição constitucional.

Elle, orador, confessa que julgou absolutamente incomprehensiveis muitas d'essas asserções a que se refere.

Que é o corpo de delicto?

É o acto mais substancial de todo o processo.

Que é o corpo de, delicto, pela lei que actualmente vigora? E que é o que está no projecto em discussão?

Se a razão acompanha áquelles que impugnam e combatem o projecto, de justiça é que se elimine o que n'este se consigna com referencia ao corpo de delicto ; mas se, ao contrario, essa razão pertence aos que o defendem, que motivo ha que justifique o nome de scelerado ao projecto em discussão? É pavoroso.

Que diz o artigo 27.° da lei que actualmente vigora?

Preceitua que todo o processo por abuso de liberdade de imprensa começará por uma petição em que o auctor formulará a sua participação e a que juntará o impresso.

O processo, como a Camara vê, inicia-se por uma petição; mas o artigo

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28.°, que completa o anterior, diz que, autuada essa petição, proceder-se-ha immediatamente ao corpo de delicto, que se haverá por constituido desde que a publicidade esteja comprovada pela distribuição de exemplares a mais de seis pessoas ou pela affixação em logares publicos de um ou mais exemplares.

Este corpo de delicto tem por fim mostrar a existencia material de um facto, qual é o da publicidade.

Mas este corpo de delicto constitue a investigação do crime e dos criminosos no seu sentido geral e technico?

Decerto que não, porque, se assim fosse, seria inutil a disposição do artigo 29.°, que diz que, constituido o corpo de delicto, serão os autos continuados ao auctor da causa para deduzir a accusação dentro de vinte e quatro horas, articulando o crime e suas circumstancias especiaes, apontando a disposição penal applicavel e indicando as testemunhas.

Não lhe parecem, pois, apropositadas as censuras feitas ao que se dispõe no projecto em ordem do dia, pelo menos com tamanha indignação.

Já teve occasião de dizer que discutiu com vehemencia o decreto dictatorial n.° 2, de 29 de março de 1890.

Teve a honra de o discutir com o illustre estadista que então geria a pasta da Justiça, Lopo Vaz, e deve dizer que nunca as divergencias politicas conseguiram amortecer ou quebrantar as boas relações de amizade que durante muitos annos manteve com o glorioso extincto.

Folga em que se lhe proporcione ensejo de render preito á memoria de Lopo Vaz, e confessa-se verdadeiramente arrependido de qualquer phrase mais violenta que porventura lhe tivesse dirigido no calor dos debates politicos.

Não se limitou a discutir esse projecto. Apresentou uma proposta de substituição completa, e defendeu-a com a convicção de que prestava um bom serviço ao seu paiz.

A sua larga experiencia, que não constitue um titulo de gloria e representa apenas um facto materia!, o da idade, diz-lhe que bom e util era o que então propunha. Não se arrepende do que expendeu em defesa da sua ideia, e hoje entende que é preciso ir mais longe.

Julga, pois, que não é conveniente applicar principios geraes a uai caso especial.

O Sr. Presidente: - Adverte o orador de que está proximo a hora do encerramento da sessão e de que está inscripto para falar ainda hoje o Digno Par Sr. Teixeira de Sousa.

O Orador: - Adverte-o S. Exa. de que deu a hora. É para elle, orador, uma advertencia muito desagradavel, porque não desejava fazer ao seu paiz mais este serviço de ficar com a palavra reservada; e quasi impossibilitado de collaborar como membro da commissão do regimento, fica, no entretanto, com a palavra reservada.

(O orador foi cumprimentado por muitos Dignos Pares).

(O Digno Par não reviu este extracto nem as notas tachygraphicas)

O Sr. Teixeira de Sousa: - Pedi a palavra para dizer a V. Exa. o seguinte.

Está distribuido o projecto de lei relativo á questão vinicola.

Eu desejo entrar n'essa discussão, mas para mim é absolutamente indispensavel o ter presente um documento que pedi pelo Ministerio das Obras Publicas.

Eu pedi aqui os documentos relativos ao arrolamento, feito nos termos da lei de 7 de novembro do anno passado, dos vinhos licorosos existentes em Villa Nova de Gaia, dentro e fora do Douro, nos termos preceituados n'essa lei.

Ha muito que requeri esse documento, e declaro a V. Exa. que, desejando entrar na discussão d'esse projecto, não posso prescindir d'esses esclarecimentos.

Portanto, peço a V. Exa. que empregue todas as suas diligencias para que esse documento me seja enviado.

O Sr. Presidente: - Vou mandar officiar novamente ao Sr. Ministro das Obras Publicas, pedindo para que seja enviado á esta Camara o documento que o Digno Par pede.

A proximo sessão é ámanhã. Ordem do dia a continuação da que estava dada para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram 5 horas e 25 minutos da tarde.

Dignos Pares presentes na sessão de 11 de março de 1907

Exmos. Srs.: Augusto José da Cunha; Marquezes: de Avila e de Bolama, de Penafiel, da Praia e de Monforte (Duarte); Condes: de Arnoso, de Bertiandos, do Bomfim, do Cartaxo, de Castello de Paiva, de Figueiró, de Lagoaça, de Monsaraz, de Paraty, de Sabugosa, de Valenças, de Villar Secco; Viscondes: de Athouguia, de Monte-São, de Tinalhas; Moraes Carvalho, Alexandre Cabral, Antonio de Azevedo, Eduardo Villaça, Santos Viegas, Costa Lobo, Teixeira de Sousa, Telles de Vasconcellos, Campes Henriques, Arthur Hintze Ribeiro, Palmeirim, Vellez Caldeira, Carlos Maria Eugênio de Almeida, Eduardo José Coelho, Ernesto Hintze Ribeiro, Fernando Larcher, Dias Costa, Ferreira do Amaral, Francisco Machado, Francisco de Medeiros, Francisco Maria da Ganha, Baptista de' Andrade, Gama Barros, Jacinto Candido, D. João de Alarcão, João Arrojo, Teixeira de Vasconcellos, Gusmão, Correia de Barros, José de Azevedo, Fernandes Vaz, José de Alpoim, José Maria dos Santos, José Vaz de Lacerda, Julio de Vilhena, Luciano Monteiro, Rebello da Silva, Pimentel Pinto, Pessoa de Amorim, Poças Falcão, Bandeira Coelho e Affonso de Espregueira.

O Redactor.

ALBERTO BRAMÃO.

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