8 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
de quasi nullo valor da sua herança. Da casa do Bragança o Rei é mero administrador: o restante é muito inferior ás dividas. Que a situação da Casa Real não é desafogada prova-o o proprio facto do contrato do emprestimo realizado entre ella e o Banco de Portugal, a que se reportou, no decorrer das suas considerações, o Digno Par Sr. Baracho.
A herança legada ao novo Rei, por um lado é bastante pesada, mas por outro lado extremamente leve.
Seja porem como for, a verdade é que, em relação aos adeantamentos, nada nos compete resolver.
É uma questão que tem de ser apreciada mais tarde, e acêrca d'ella os interessados dirão da justiça que lhes assiste.
Tem de fazer-se inteira luz sobre o assunto. Tal é a vontade da nação, tal é a vontade de nós todos, tal é a vontade do Governo já claramente manifestada ; e está certo de que se apurarão irregularidades, mas não crimes: e que os homens publicos que intervieram no assunto não são por maneira nenhuma indignos de continuarem a prestar ao país os serviços que ha a esperar da sua intelligencia e da sua dedicação. (Apoiados).
Na terminalogia juridicia ha as nullidades sanaveis e as insanaveis. As primeiras não teem valor e, quando remediadas, o processo segue até final; as outras annullam por completo o processo que ficará extincto e sem valor. Está certo de que nesta questão as irregularidades dos Ministros não são d'aquellas que estigmatizam e annullam os homens publicos: são de natureza sanavel, (Apoiados).
Está intimamente convencido de que os cavalheiros que teem passado pelas cadeiras do poder podem ter praticado irregularidades, incorrido em faltas, mas nunca perpetraram crimes que os inhabilitem para a continuação da vida publica (Vozes: — Muito bem).
Este assunto tem de ser versado com bastante desenvolvimento, e não com referencias ligeiras.
Disse ainda o Digno Par Sr. Baracho que considera o artigo 5.° imperfeito, porque se não sabe quando o Parlamento terá de discutir e votar a lei que ha de approvar a quantia resultante da liquidação de contas entre o Estado e a Fazenda da Casa Real.
A discussão e votação d'essa lei, a epoca para tal fim escolhida são attribuições do Parlamento e não do Governo.
Este não poderia, sem offensa para as Côrtes, determinar o prazo em que ellas hão de exercer o que é attribuição sua.
Sente-se fatigado, não quer abusar por mais tempo da paciencia e attenção da Camara, mas não dará por concluido o seu discurso sem alludir ás accusações vehementes com que o Digno Par Sr. Baracho accusou despiedosamente os partidos rotativos.
Os grandes partidos politicos são uma força indispensavel ao Governo de uma nação. (Apoiados).
Mal irá aos Governos que se não apoiam em fortes agremiações partidarias. Terão uma vida curta e infecunde. Assim succedeu na epoca que decorre de 1834 a 1851, em que os Ministerios duravam ás vezes apenas tres dias.
O projecto que se discute tem sido aproveitado para uma discussão politica, no intento de excitar a opinião; mas a verdade é que a opinião publica queda-se perfeitamente indifferente e tranquilla.
Quando foi da ditadura do Governo transacto a excitação era enorme, e todos nós sabemos a que ponto foi levado esse irrequietismo; e todavia, não havia Parlamento, estava suspenso o direito de reunião e amordaçada a imprensa.
Actualmente nem os inflammados tropos de que usam os oradores populares nos comicios, nem as objurgatorias da imprensa, nem os debates apaixonados do Parlamento logram pendeante do Governo embaraço serio, ou obice desagradavel.
O orador, ouvindo dizer ao Digno Par Sr. Alpoim, em um áparte, que a agitação nos animos não e agora inferior á que existia no tempo da ditadura, accentua que os tempos de hoje em nada se comparam aos de então, e dá por concluidas as suas considerações. (Vozes: — Muito bem).
(O orador foi muito cumprimentado).
O Sr. Pimentel Pinto: — Sr. Presidente: entro neste debate unicamente para que o meu voto fique registado nos annaes parlamentares e para mais nada.
Nenhuma outra aspiração me é permittida, e nenhuma outra aspiração eu tenho. Desejo apenas que a minha opinião seja conhecida.
Não quero que um dia se possa dizer de mim que, desvairado por essa onda de pavor que a tantos está dementando, ou arrastado pó r essa corrente de odio que a outros allucina, deixei de cumprir o meu deve:: de Par do Reino, occultando do país, por fraqueza de animo ou por mal intencionado proposito, o que penso da nossa actual situação politica.
E tambem não quero, Sr Presidente, que mais tarde, se a proposta trazida ás Côrtes pelo Governo produzir os effeitos que logicamente d'ella se devem esperar, com apparencias de verdade se possa dizer que ninguem no Parlamento se lembrou de que as mesmas causas produzem em geral os mesmos effeitos.
Falando, porem, só em meu nome, representando o meu parecer um voto isolado e nada mais, abstenho-me de mandar para a mesa propostas de emendas que de antemão sei que seriam rejeitadas.
Pela mesma razão e porque, no assunto que se discute, não desejo tomar partido, nem pela opposição, nem pelo Governo, abstenho-me, tambem, de responder ás considerações feitas pelo illustre orador que me precedeu no uso da palavra.
Pedindo desculpa a S. Exa. d'esta minha deliberação, absolutamente estranha á pessoa do Sr. Conselheiro Alexandre Cabral, a quem eu presto a homenagem do meu mais sincero respeito, cumpro gostosamente o dever de felicitar S. Exa. pelo bello discurso que acaba de proferir, no qual mais uma vez evidenciou os seus distinctos dotes parlamentares. (Apoiados).
Infelizmente, porem, os argumentos até agora allegados a favor da proposta do Governo, incluindo os do Digno Par Sr. Alexandre Cabral, não me convencem de que ella deva ser approvada pela Camara, e as razões contra a proposta adduzidas não são precisamente aquellas que me obrigam a mim a combatê-la.
Isto dito, Sr. Presidente, passo a ler a moção que vou ter a honra de mandar para a mesa.
«A Camara dos Dignos Pares do Reino, não se julgando habilitada a fixar definitivamente a dotação de Sua Majestade El-Rei. por não lhe serem presentes os elementos necessarios para a determinar, declara que pela approvação do artigo 1.° do projecto de lei que está em discussão, não se considera inhibida de opportunamente alterar a quantia de 1:000$000 réis estabelecida n'aquelle artigo, se, por documentos autenticos, lhe for demonstrado que ella é insufficiente para El-Rei manter o decoro da sua alta dignidade.
Sala das sessões, 10 de agosto de 1908. = O Par do Reino, Pimentel Pinto.
Antes de defender a moção que acabo de ler — a qual, aliás, quasi não carece de defesa, porque nella apenas se affirma o facto incontestavel-, de ter vindo esta proposta á Camara desacompanhada de quaesquer documentos que a esclareçam, e o corolario que d'esse facto resulta, que é a impossibilidade em que todos estamos de, em consciencia, approvar ou rejeitar a proposta —; antes de defender a minha moção e antes de discutir o pa-