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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

SESSÃO N.° 58

Presidencia do Exmo. Sr. Conselheiro Antonio de Azevedo Castello Branco

Secretarios — os Dignos Pares

Luiz de Mello Bandeira Coelho
Marquez de Penafiel

SUMMARIO.— Leitura e approvação da acta.— O Sr. Presidente informa a Camara de uma representação dos proprietarios das fabricas de alcool do Porto, Gaia e Algarve.— O Digno Par Sr. Eduardo José Coelho occupa-se da nomeação dos juizes substitutos de Mirandella. Responde lhe o Sr. Ministro da Justiça. — O Digno Par Sr. Dias Costa requer que entre em discussão o projecto relativo ao centenario da guerra peninsular. É approvado e na mesa é lido o referido diploma.— O Digno Par Sr. Teixeira de Sousa fala sobre a questão dos juizes substitutos de Mirandella — O Digno Par Sr. Eduardo José Coelho pede que seja consultada a Camara para poder u ar da palavra sobre o mesmo assunto. A Camara consente e o Digno Par tem a palavra, falando ainda depois o Sr. Ministro da Justiça.

Primeira parte da ordem do dia.— Eleição de dois vogaes da Junta do Credito Publico. — Corre o escrutinio, saindo eleitos os Dignos Pares Moraes Carvalho e Marquez do Lavradio.

Segunda parte da ordem do dia.— Continuação do projecto relativo á lista civil. Usa da palavra o Digno Par Sr. Alexandre Cabral, ao qual se segue o Digno Par Sr. Pimentel Pinto, que não termina o seu discuro. - O Digno Par Sr. Eduardo José Coelho manda um requerimento para a mesa. — O Sr. Presidente nomeia a deputação que tem de entregar a Sua Majestade alguns autographos das Côrtes. — O Sr. Presidente do Conselho previne do dia e hora em que a referida deputação será recebida. — Acessão é encerrada, designando-se a ordem do dia para a immediata.

Pelas 2 horas e 2õ minutos da tarde, o Sr. Presidente abriu a sessão.

Feita a chamada, verificou-se estarem presentes 28 Dignos Pares.

Lida a acta da sessão antecedente, foi approvada sem reclamação.

Não houve expediente.

O Sr. Presidente: — Foi presente á mesa da camara a representação que vae ler-se e que depois será enviada á commissão de fazenda.

Dignos Pares do Reino.— Os abaixo assinados, proprietarios das fabricas de alccol do Porto, Villa Nova de Gaia e Algarve, tiveram a honra de enviar á Camara uma representação pedindo-lhe que conferisse ás suas fabricas o que lhes é devido, em face do decreto ditatorial de 10 de maio de 1907, que, sem rebuço nem attenção pelos haveres alheios, lhes prohibia o exercicio da sua industria; e fê-lo com tanto mais aggravamento das boas normas da verdadeira equidade e justiça, que para as fabricas das Açores conferia-lhes o citado decreto, como compensação, um differencial sobre a importação do açucar produzido naquellas ilhas, emquanto que para as fabricas do continente nada de compensação se mencionou naquelle decreto!

Ora. como a commissão do bill não &e tenha occupado d'este assunto, vêem os signatarios d'esta representação pedir de novo o cumprimento de um direito previsto nas leis do país, em casos identicos de coarctamento da liberdade de exercicio, acrescentando a circunstancia de já estar votado pela Camara passada na base 7.ª do projecto vinicola a medida e os respectivos direitos das fabricas, faltando portanto apenas adoptar esta resolução e determinar a forma da indemnização, a qual poderá ser, ou em prazos., digamos de um a cinco annos, comtanto que esses prazos cessem logo que o Estado, pela importação do alcool, tenha receita para satisfazer, ou por meio de um insignificante imposto de fabrico, sobre as aguardentes, pago por manifesto ou licença, que tambem cessará logo que se dê a importação acima, ou ainda por um qualquer differencial tambem tirado do açucar, ou finalmente pela projectada Companhia Vinicola do Sul, de cujo programma faz parte a preparação do commercio das aguardentes.

E d'esta forma resolve-se o assunto sem encargos para o Thesouro, e na espectativa de poder auferir de futuro receita com a importação do alcool que haja a fazer-se mais anno menos anno.

Assim, que cesse o attentado feito á propriedade alheia, por uma resolução qualquer que ella seja, é o que os signatarios d'esta representação pedem e esperam da Camara, por um acto de verdadeira justiça.

Porto, 8 de agosto de W08.= J. H. Andresen, Successores = André Michou, Successores = Barreto, Filho & Genro = José da Motta Marquês = Pompeu da Cunha Leão = Manuel Pinto dos Santos Barrote = João Antonio Judice Fialho = Francisco Borges & Irmão.

O Sr. Eduardo José Coelho: — Sr. Presidente: pedi a palavra para chamar a attenção do Sr. Ministro da Justiça, para um assunto que é de interesse publico, porque são sempre de interesse publico os assuntos que dizem respeito á boa ou má administração da justiça.

Não é pois uma questão de interesse meramente local, como poderia parecer, aquelle de que vou occupar-me.

E bem o pode comprehender hoje o Sr. Ministro da Justiça, porque ainda hontem eram colligadas todas as potencias politicas militantes do concelho de Santo Tirso, uma verdadeira sublevação, por causa da transferencia, arguida de arbitraria e injusta, do delegado do procurador regio; e, ao que parece, o Governo capitulou perante ella.

Sr. Presidente: no Diario do Governo, de 30 do mês de julho findo, publicava-se a lista dos juizes de direito substitutos da comarca de Mirandella, e devo declarar á Camara que me surprehendeu tal publicação, e que por isso me determinei a pedir explicações ao Sr. Ministro da Justiça.

Não desejo nem. peço que o illustre Ministro capitule, mas tenho o direito, e d'elle não abdico, de pedir explicações ao titular da Justiça e depois de as ouvir e procurar informar-me, tenho

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2 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

o direito de esperar que S. Exa. resolverá, como a lei exige.

Sr. Presidente: devo á Camara uma declaração. A maioria dos cavalheiros que fazem parte da lista publicada no Diario do Governo já foram meus amigos pessoaes e politicos, e posso afirmar que o foram devotadamente, apaixonadamente. Não cogito, nem quero saber o que são hoje, e o que serão ámanhã.

O que sei, é que desde sempre repelli a theoria das suspeições politicas, applicada ao exercicio de funcções, que cada um tem a desempenhar em nome e por força da lei.

Mas ha suspeites impostas pela lei; ninguem pode affrontá-las, e quardo se recorre ao sofisma para as illudir, as suas consequencias são inevitaveis.

Vamos aos factos.

O Diario do Governo publicou a seguinte lista de juizes de direito substitutos:

Mirandella

Olimpio Guedes de Andrade.

Antonio de Oliveira Gomes.

Alberto de Araujo Leite.

Francisco da Costa e Sá.

Direcção Geral dos Negocios da Justiça, 29 de julho de 1908. = O Director Geral, Albano de Mello.

A copia integral da proposta que existe no Ministerio da Justiça confirma esta Lista com uma alteração: passou para o quarto logar o primeiro da lista, o bacharel Francisco da Gosta e Sá.

Por esta alteração é já responsavel o Sr. Ministro da Justiça. S. Exa. explicará por que ordem de considerações collocou num serviço de inferioridade, na ordem material, o primeiro indicado, desrespeitando o Presidente da Relação do Porto ; e porque, na ordem moral, desconsidera o primeiro substituto.

Acontece, porem, que o unico da proposta que pode ser juiz substituto, é exactamente o precipitado para o ultimo grau da escala.

Sr. Presidente: eu quero ser muito sóbrio por ora, em considerações. Narro os factos, e pouco mais.

Sem duvida o Sr. Presidente da Relação ouviu o juiz de direito da comarca de Mirandella, e quero crer que se limitou a adoptar a proposta, que este lhe enviou, e que sem alteração remetteu ao Ministerio da Justiça. Ora o direito vigente neste assunto é de todos sabido.

O teor das circulares expedidas aos juizes de direito de todas as comarcas é o seguinte:

Para satisfazer ao disposto no artigo 17.° e seus paragraphos do decreto n.º 3 de 29 de março de 1890, torna-se necessario que V. Sa. remetia, com urgencia, a esta Presidencia uma relação contendo os nomes de quatro individuos que estejam nas circunstancias s de o substituir nos seus impedimentos, preferindo bachareis formados em direito que não sejam advogados no auditorio d'esta comarca, e bem assim que não sejam parentes em grau prohibido dos empregados do juizo, nem exerçam empregos incompativeis com o cargo d? substituto.

Ora o 1.° da lista, segundo e Diario é conservador e advogado, duas incempatibilidades; o 2.° e 3.° são advogados profissionaes.

Quem induziu em erro o Sr. Ministro da Justiça?

Não creio que fosse o distincto magistrado que preside á Relação do Porto. Ao Sr. Ministro cumpre inquirir. Note a Camara e note o Sr. Ministro da Justiça que eu não quero que as minhas informações de facto prevaleça m contra quaesquer outras que cheguem ao Ministerio da Justiça; mas ao que tenho direito, e d'elle não abdico, é a exigir que essas informações se peçam; e se ellas estiverem em harmonia com o que tenho por verdadeiro, aguardo então a resolução do illustre Ministro da Justiça, para definir a sua responsabilidade.

(O Digno Par não reviu}.

O Sr. Ministro da Justiça (Campos Henriques): — Sr. Presidente: antes de me referir propriamente á nomeação dos juizes substitutos para, a comarca de Mirandella, devo desfazer um erro de facto.

O Digno Par alludiu, ao principio das suas considerações, á transferencia que eu ha pouco fiz do delegado de Santo Tirso, dizendo que tinha sido inconveniente e inopportuna, e que eu, reconhecendo essa inopportunidade, tinha não sei como que reparado o mal que havia feito.

Não fiz essa transferencia — mais uma vez devo dizê-lo categorica e precisamente— não usei d'esse direito que a lei me confere senão com o maximo escrupulo, e depois de ouvir um magistrado isento de toda a suspeita, que fora encarregado de uma syndicancia.

A commissão de Santo Tirso que, a esse respeito, veio ha dias conferanciar commigo e com o Sr. Presidente do Conselho, foi a primeira a reconhecer a justiça, o cuidado e a prudencia com que procedi.

Com respeito aos juizes substitutos da comarca de Mirandella, assunto de que se occupou principalmente o Digno Par, em muito poucas palavras; poderei responder a S. Exa.

Effectivamente a lei dispõe que os juizes substitutos sejam annualmente nomeados pelo Ministro da Justiça, em virtude de propostas dos presidentes das Relações, preferindo-se es bacharéis formados em direito.

Esta e só esta a disposição da lei. D'aqui se conclue: primeiro, que a nomeação pertence ao Ministro sob proposta dos presidentes das Relações; segundo, que é annual; terceiro, que não podem alterar-se os nomes das propostas, mas pode alterar-se a ordem dos nomes contidos nas propostas.

Todos os Ministros da Justiça o teem feito sem a menor impugnação.

Ora, eu. Sr. Presidente, pus em primeiro logar, na lista dos juizes substitutos para a comarca de Mirandella, o conservador d'aquella comarca, porque sei que elle á muito conhecedor de assuntos judiciaes e, justamente por ser conservador da comarca, dá garantias de bem desempenhar as funcções para que foi nomeado.

Creio que o meu procedimento foi o mais correcto possivel.

E foi por estas razões que fiz a alteração que tanto incommodou o Digno Par.

O Sr. Eduardo José Coelho: — Eu não me incommodei nada; o Sr. Ministra da Justiça é que está muito incommodado.

O Orador: — Creia o Digno Par que não o estou. Procedi guiando-me pela lei. O que desejo é mostrar ao Digno Par e á Camara que só tive em vista manter a boa administração da justiça. Do que o Digno par pode ter a certeza é de que não tenho interesse algum no assunto.

Affirmou ainda a S. Exa. que os inviduos nomeados são advogados nos auditorios da comarca e, por isso, não podiam ser nomeados juizes substitutos.

Semelhante incompatibilidade não vem expressa na lei e, alem d'isso eu não podia nomear outros; seria uma censura ao Presidente da Relação.

Se o Presidente da Relação entender porem que os substitutos não são dignos de exercer o cargo e apresentar outra proposta, não terei duvida em a attender.

Creio ter respondido aos pontos a que o Digno Par se referiu, mas se mais alguma explicação é necessaria, estou pronto a novamente pedir a palavra.

(O Digno Par não reviu).

O Sr. Eduardo José Coelho: — Sr. Presidente: eu desejo replicar ao Sr. Ministro da Justiça, porque S. Exa. não respondeu ao ponto concreto sobre que o interpellei.

O Sr. Presidente: — Mas eu não posso dar já a palavra ao Digno Par porque ainda estão inscritos os Dignos Pares Srs. Arroyo e Teixeira de Sousa.

O Sr. Dias Costa: — Sr. Presidente: peço a V. Exa. se digne consultar a

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SESSÃO N.° 38 DE 10 DE AGOSTO DE 1908 3

Camara, sobre se permitte que entre já em discussão, o projecto n.° 30 relativo á emissão de moeda de prata especial commemorativa do primeiro centenario da guerra peninsular.

Lido e approvado este requerimento, é lido e approvado o parecer, que é do teor seguinte:

PARECER N.° 30

Senhores.— Á vossa commissão de fazenda foi presente a proposição de lei n.° 11, autorizando o Governo a fazer uma emissão de moeda de prata até a quantia, de 300 contos de réis, e a applicar o producto liquido d'esta operação ás despesas com a celebração do primeiro centenario da guerra peninsular.

Os sentimentos patrioticos e os elevados intuitos que inspiraram os illustres iniciadores da commemoração de epoca tão gloriosa da nossa historia impõem-se á consideração e applauso de todos os portugueses.

Desde a Roliça até Tolosa, desde a violação do territorio nacional até o congresso que restabeleceu a paz na Europa, ennobreceu-se a nossa patria com os mais altos feitos militares e com as manifestações do mais brilhante civismo.

Commemorar taes glorias e virtudes é preceito de gratidão e de justiça aos que nos legaram inegualaveis exemplos de patriotismo, e incitamento a que se mantenham impereciveis a consciencia do direito e a vontade irreductivel de sermos um povo independente.

E, pois, com verdadeiro enthusiasmo, que a vossa commissão emitte o parecer de que a mencionada proposição deve ser convertida em lei.

Sala das sessões da commissão de fazenda, em 24 de julho de 1908.= Moraes Carvalho = F. Beirão = Luciano Monteiro = Pereira de Miranda = Frederico Ressano Garcia = J. de Alarcão = Teixeira de Sousa = Eduardo Villaça = Alexandre Cabral = F. F. Dias Costa, relator.

PROPOSIÇÃO DE LEI N.° 11

Artigo 1.° É o Governo autorizado: 1.° Á mandar cunhar e fazer emittir até a quantia de 300:000$000 réis, em moeda de prata especial e commemorativa da celebração do primeiro centenario da guerra peninsular, applicando o producto liquido d'esta operação ás despesas a fazer com a solemnização de epoca tão gloriosa para a historia portuguesa.

2.° A, por conta das receitas liquidas que se apurarem nos termos do D.° 1.° d'este artigo, adeantar e entregar á commissão nomeada por portaria de 2 de maio do presente anno, até a. quantia de 20 contos de réis, a fim de occorrer ás despesas inherentes á missão que lhe foi incumbida.

§ unico. O Governo regulará, por decreto especial, os termos em que usar d'esta autorização e ás Côrtes dará contas do uso que d'ella fizer.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das Côrtes, em 5 de junho de 1908. = Libanio Antonio Fialho Gomes = Amandio Eduardo da Motta Veiga = Antonio Augusto Pereira Cardoso.

Senhores. — Inicia-se no presente anno o centenario de uma epoca que representa, por todos os titulos, uma das mais lidimas glorias da nação.

A guerra peninsular, segundo a denominação consagrada pelo uso, marca, sem duvida, no cyclo que vae de 1808 a 1814, a maior das nossas epopeias militares modernas.

Mas não só os feitos militares assinalaram esse glorioso periodo da nossa historia; o movimento puramente nacional que provocou a expulsão do invasor, e a unanime dedicação de todas as classes do país na organização da luta pela independencia e libertação da patria portuguesa, revelam a existencia de um levantado espirito nacional, vibrando com o mais acrisolado patriotismo até as mais recônditas localidades das provincias.

Ora, taes exemplos são, por certo, a melhor lição de educação civica que se pode apresentar a um povo para que nelle revigore o seu patriotismo, consagrando na sua memoria os feitos e as acções que em tão elevado numero illustraram para sempre um país que, por ser pequeno, não preza menos a sua independencia; e ao mesmo tempo a commemoração condigna das nossas glorias d'essa epoca constituirá um grande incentivo ao culto das tradições historicas de civismo e intrepidez do nosso povo, as quaes são o meio mais poderoso para alimentar e conservar sempre vivido o sentimento da nacionalidade, indispensavel condição da existencia de um país.

Na convicção de que cumprimos um alto dever patriotico, com o fim de, sem gravame para a Fazenda Nacional, criar fundos destinados a uma condigna commemoração, temos a honra de apresentar vos o seguinte

Projecto de lei

Artigo 1.° É o Governo autorizado: 1.° A mandar cunhar e fazer emittir até a quantia de 300 contos de réis em moeda de prata epecial e commemorativa da celebração do primeiro centenario da guerra peninsular, applicando o producto liquido d'esta operação ás despesas a fazer com a solemnização de epoca tão gloriosa para a historia portuguesa.

2.° A, por conta das receitas liquidas, que se apurem nos termos do n.° 1.° d'este artigo, adeantar e entregar á commissão nomeada por portaria de 2 de maio do presente anno, até a quantia de 20 contos de réis, a fim de occorrer ás despesas inherentes á missão que lhe foi incumbida.

§ unico. O Governo regulará, por decreto especial, os termos em que usar d'esta autorização e ás Côrtes dará contas do uso que d'ella fizer.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da Camara dos Senhores Deputados, 5 de julho de 1908. = Affonso Costa = Alberto Pinheiro Torres = Ernesto de Vasconcellos = João Pinto dos Santos = Malheiro Reymão = Francisco Xavier Correia Mendes = João Carlos de Mello Barreto.

O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Digno Par Sr. Arrojo.

O Sr. João Arroyo: — Como ha alguns Dignos Pares que se querem occupar do assunto versado entre o Sr. Eduardo José Coelho e o Sr. Ministro da Justiça, peço a V. Exa. me reserve a palavra para depois.

O Sr. Presidente: — Se houver tempo. Tem a palavra o Sr. Teixeira de Sousa.

O Sr. Teixeira de Sousa: — Sr. Presidente: permitta-me V. Exa. e a Camara que eu, a respeito d'esta questão dos juizes substitutos da comarca de Mirandella venha dar á Camara alguns esclarecimentos.

Sr. Presidente: a meu ver, o Sr. Ministro da Justiça procedeu no cumprimento exacto da lei, embora eu não tenha procuração alguma para defender S. Exa., nem tão pouco direito de increpar o meu digno collega Sr. Eduardo José Coelho.

Em outubro de 1907, ainda não era Ministro da Justiça o Sr. Campos Henriques, um respeitavel commerciante de Mirandella, o Sr. José Mendes Bragança, que não é meu correligionario, e é adversario do Sr. Eduardo José Coelho, foi pronunciado e tinha de responder em processo criminal. Quis prestar fiança para evitar ser preso na rua, porque a isso estava arriscado.

Era então juiz substituto, em Mirandella, um cavalheiro que passa por ser, politicamente, representante do Sr. Eduardo José Coelho naquella região.

O Sr. Mendes Bragança fez deslisar uma boa parte da população de Mirandella perante o juiz, sem conseguir que elle acceitasse, como idóneos, os fiadores que apresentava.

Assim, teve que estar sete ou oito

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dias sem sair de casa, com receio de ser lançado nas enxovias da terra.

D'aqui resultou que o commerciante, dirigindo-se ao Presidente da Relação e ao procurador regio, pediu-lhes providencias.

O Presidente da Relação mandou que o juiz effectivo se apresentasse na comarca e o procurador regio procedeu da mesma forma a respeito do seu delegado na comarca de Mirandella.

Escusado será dizer que, mal o juiz effectivo chegou á comarca, foi acceito o fiador que o commerciante apresentava.

Sendo o juiz incumbido de fazer um relatorio sobre os acontecimentos, expôs singelamente que tudo derivava da falta de competencia do substituto, visto que dos quatro bacharéis formados, que tinha proposto, nenhum havia sido acceito.

O Presidente da Relação mandou que o juiz fizesse uma nova proposta. Essa proposta teve a mesma sorte da primeira, o que levou, o juiz, que é um magistrado integerrimo, a declarar que não fazia mais propostas.

Mais tarde, dos quatro nomes que figuraram na segunda proposta, o que estava em quarto logar passou para n.° 1.

Claro está que o Sr. Ministro da Justiça tem o direito de nomear quem quiser; mas ha uma circunstancia especial neste caso, que eu vou referir á Camara.

A lista publicada no Diario ao Governo é composta dos seguintes nomes:

Olimpio Guedes de Andrade.

Antonio de Oliveira Gomes.

Alberto de Araujo Leite.

Francisco da Costa e Sá.

Este ultimo cavalheiro é uma autoridade politica na comarca de Mirandella e que já foi recebedor em Macedo de Cavalleiros, tendo deixado de o ser por virtude de exigencias da politica então feita no districto de Bragança.

O motivo do Sr. Costa e Sá passar a quarto juiz substituto não foi certamente maguar o Digno Par Eduardo José Coelho, mas a verdade é que o conservador reunia todas as qualidades para exercer o logar, emquanto que o Sr. Costa o Sá vive a uma grande distancia da sede da comarca e é um individuo que conta mais de 70 annos, comprehendendo-se que não estava nas melhores circunstancias de frequentar a sede da comarca.

Julguei opportuno dar á Camara estes simples esclarecimentos, e remato dizendo ainda que isto de juizes substitutos em Mirandella é cousa difficil e complicada.

O Sr. Ministro da Justiça respeitou, e muito bem, o decreto que dá autoridade e força para nomear juizes substitutos, mas certamente não conhece todas ás providencias de que os Srs. Ministros podem lançar mão para proceder a essas nomeações.

Ahi por 1905 tambem houve juizes substitutos em Mirandella, com a differença de que os dois primeiros, em logar do serem correligionarios do Sr. Eduardo José Coelho, militavam no partido a que tenho a honra de pertencer. Um era illustre membro da outra casa do Parlamento, e o outro era meu amigo e correligionario.

Mas, Sr. Presidente, um bello dia, tendo o juiz da comarca pedido licença, e tendo-lhe sido concedida, recebeu um telegramma directo, ordenando-lhe que não entregasse a vara ao primeiro substituto, porque exercia logar incompativel, nem ao segundo, que ia ser syndicado, e que entregasse ao terceiro, que não era meu correligionario.

Para que V. Exa. comprehenda que isto de juizes substitutos faz dar volta ao miolo a muita gente, dir-lhe-hei que estas cousas até se fazem com completo desconhecimento do Ministro da pasta.

Quem assim procede não sei eu, mas os anjos que lhe respondam.

(O Digno Par não reviu).

O Sr. Eduardo José Coelho: — Requeiro a V. Exa. que consulte a Camara sobre se permitte que eu use da palavra para responder ao Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Presidente: — Eu não posso dar agora a palavra a V. Exa., porque já chegou a hora de se entrar na ordem do dia.

O Sr. Eduardo José Coelho: — Então peço a V. Exa. que mo inscreva para antes de se encerrar a sessão.

Vozes: — Fale, fale.

O Sr. Eduardo José Coelho: — Faço V. Exa. arbitro d'esta questão, na certeza que sei defender as minhas prerogativas, como membro d'esta Camara.

Eu pedi a palavra para responder ao Sr. Ministro da Justiça, antes de a ter pedido o Sr. Teixeira de Sousa. Eu não posso ficar debaixo da objurgatoria amigavel do Digno Par.

Era dever de V. Exa. dar-me a preferencia, visto que eu sou o interpellante.

O Sr. Presidente: — Nesse caso fica V. Exa. inscrito para antes de se encerrar a sessão, notando ao Digno Par que o assunto de que se trata não era uma interpellação, mas sim um simples incidente. V. Exa. fica inscrito para antes de se encerrar a sessão.

O Sr. Eduardo José Coelho: — Já declarei a V. Exa. que pedia para ficar com a palavra reservada para antes de se encerrar a sessão, visto que o meu requerimento para usar immediatamente da palavra se torna impertinente.

O Sr. Presidente: — Eu estava consultando a Camara sobre o requerimento do Digno Par, quando S. Exa. disse que preferia usar da palavra antes de se encerrar a sessão.

O Sr. Eduardo José Coelho: — O Sr. Ministro da Justiça acaba de me dizer que não pode assistir ao final da sessão.

O Sr. Presidente: — Os Dignos Pares que permittem que se dê a palavra ao Sr. Eduardo José Coelho tenham a bondade de se levantar.

A Camara resolveu affirmativamente.

O Sr. Eduardo José Coelho: — Sr. Presidente: serei parco nas minhas considerações, embora o assunto merecesse larga explanação.

Tudo eu podia esperar, mas confesso que fui surprehendido pelo facto do Digno Par Sr. Teixeira de Sousa vir intercallar na minha interpellação, que versa um facto concreto, assuntos a ella estranhos e alguns factos, segundo a sua narração, succedidos ha annos, e a respeito dos quaes o Digno Par fez largas considerações.

S. Exa. entendeu que assim cumpria o seu dever, e eu não tenho que o arguir por esse facto. A Camara não pode apreciar este debate sem compulsar os documentos que a elle respeitam. Eu não gosto de falar em questões parlamentares sem documentos á vista, e por isso pedi a proposta integral do Presidente da Relação.

Estranhei tambem a resposta do Sr. Ministro da Justiça. S. Exa., que é quasi sempre tão suave e tão doce, respondeu-me com uma acrimonia que não está em harmonia com os seus habitos, nem a minha pergunta merecia tanta vehemencia, nem tantas susceptibilidades. A verdade é que ò Sr. Ministro da Justiça não se sente bem collocado.

S. Exa. attribuiu-me um estado de irritação que a Camara decerto não presenceou, e para o seu testemunho appello.

A esse respeito louvo-me no criterio da Camara.

O Digno Par Sr. Teixeira de Sousa veio depois fazer declarações que reputo gravissimas, declarações relativas ao Presidente da Relação do Porto e que me levam a pedir sem detença ao Sr. Ministro da Justiça que me envie as informações que vou pedir.

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SESSÃO N.° 38 DE 10 DE AGOSTO DE 1908 5

O Sr. Teixeira de Sousa dizia que, tendo o juiz de Mirandella feito uma proposta de quatro individuos para juizes substitutos, o Presidente da Relação lhe estranhara que não houvesse em Mirandella, quatro bachareis, e que nem a primeira nem a segunda relação fora approvada.

O Sr. Teixeira de Sousa: — V. Exa. dá-me licença? O que affirmei foi que o juiz de Mirandella fez primeira e segunda proposta para substitutos do juiz de direito, não lhe sendo acceitas nem a primeira nem a segunda.

O Orador: — Isto é uma questão de facto e eu estou informado que ainda ha poucos dias foi para Mirandella uma circular, .que foi para todos os juizes.

Se se dessem os factos que o Sr. Teixeira de Sousa narrou com referencia ao Presidente da Relação do Porto, se se dessem em Lisboa e eu tivesse, como ainda ha pouco tinha, a honra de ser Presidente da Relação de Lisboa, S. Exa. teria no dia immediato de assinar o decreto da minha exoneração.

Como V. Exa. sabe, os bacharéis não podem exercer o logar de juiz substituto de uma comarca onde exerçam a profissão de advogados.

Eu não quero alongar-me nestas considerações, mas isto é tão razoavel que o Sr. Dias Ferreira, annotando a Reforma Judiciaria, depois de descrever a evolução por que tem passado a nomeação dos juizes substitutos, diz que em nenhuma comarca podem exercer o logar de juiz substituto os advogados que ali exerçam a sua profissão.

Ora creio que não foi este o procedimento do Sr. Ministro da Justiça.

Mas ha uma outra parte importante d'esta questão, que eu alas não quero aggravar: foi a alteração da proposta que tem os nomes dos candidatos, passando para cima um, e atirando para o enxurro outro, sem dizer os motivos de preferencia.

Isto é um acto que desprestigia, e que o Sr. Ministro da Justiça não podia praticar.

Se S. Exa. mantiver esta proposta, a questão reveste outro caracter; quer dizer, até ali foi legal o seu procedimento, e d'aqui em deante não é.

Ao Digno Par Sr. Teixeira de Sousa, direi que prefiro sempre as lutas abertas, violentas, ás insidias, embora com palavras benévolas, e creia S. Exa. que encontrará sempre em mim um adversario leal para Lhe responder.

Para honra d'esta Camara, peço ao Sr. Ministro da Justiça que solicite do Presidente da Relação esclarecimentos fundados nas aifirmações que^o Digno

Par Sr. Teixeira de Sousa fez nesta Camara.

As affirmações que S. Exa. fez já não são suas, pertencem a esta Camara e constituem a base legal por onde o Sr. Ministro da Justiça tem de se regular.

Essa historia dos juizes substitutos de 1905 e a historia do negociante de Mirandella a que o Digno Par se referiu, virá a seu tempo.

S. Exa. dirá o que isso é.

Eu affirmo ao Digno Par que os juizes de direito de Mirandella entram e saem da comarca sem receber um bilhete de visita meu.

Prefiro ser descortês.

Que haja juizes bons ou maus, isso não é indifferente, mas segundo o que se passa, chegamos á conclusão de que os magistrados não podem ir para a comarca de Mirandella senão depois de se fazer uma escolha.

O Digno Par Sr. Teixeira de Sousa disse que era por motivo de despeito que eu falava.

O Sr. Teixeira de Sousa (interrompendo): — Eu não disse tal cousa.

O Orador:—Eu disse que punhado parte as suspeições politicas.

Se elles foram meus correligionarios politicos a ponto de sacrificarem a sua vida, isso não quer dizer que ámanhã não defendam outros principios.

Eu fiz elogios a todos e não quero suspeições politicas por caso nenhum.

O Sr. Ministro da Justiça (Campos Henriques): — Sr. Presidente: eu tambem appello para o testemunho de V. Exa. e da Camara, para que me digam se nas considerações que fiz pronunciei qualquer palavra, se fiz qual qner gesto, se tomei uma attitude, que pudesse desluzir da cortesia parlamentar que sempre mantenho neste logar. Se nas minhas considerações houve alguma palavra, algum gesto que destoasse do meu procedimento correcto, S. Exa. que o indique. Se não houve, então o Digno Par não me pode accusar de falta de correcção que é indispensavel manter nesta logar.

O Sr. João Arroyo: — O Digno Par Sr. Eduardo José Coelho não se queixou da falta de cortesia, queixou-se da falta de mimo.

O Orador: — Liquidado este incidente eu quero assegurar que o meu procedimento foi inteiramente correcto.

O Sr. Eduardo José Coelho: — Não é d'isso que eu ma queixo; o que eu queria é que V. Exa. fizesse o que devia ser.

O Orador: — A lei não diz que os bachareis formados em direito sejam incompativeis com a funcção de juizes substitutos por serem advogados.

O Digno Par pode ver a lei, o que de resto sabe muito bem.

Nas comarcas de Lisboa e Porto e até nos tribunaes commerciaes, onde se litigam os maiores interesses, os juizes substitutos são muitas vezes advogados.

O Sr. Eduardo José Coelho: — Eu não digo mais nada.

O Orador: — Eu não tenho duvida nenhuma em mandar os documentos que V. Exa. deseja, e estou sempre pronto a dar-lhe as explicações que o Digno Par carecer.

ORDEM DO DIA.

PRIMEIRA PARTE

Eleição de dois vogaes para a Junta do Credito Publico

O Sr. Presidente: — Vae passar-se á primeira parte da ordem do dia: eleição para vogaes da Junta do Credito Publico.

Feita a chamada, corrido o escrutinio e lendo servido de escrutinadores os Dignos Pares Srs. Mar que z de Ávila e Conde do Cartaxo, apurou-se, terem entrado na uma 34 listas, ficando eleitos, para vogal effectivo, por 34 votos, o Digno Par Sr. Alberto Antonio de Moraes Carvalho, e para vogal substituto o Digno Par Sr. Marquez do Lavradio, por 32 votos.

O Sr. Presidente: — Vae passar se a segunda parte da ordem do dia.

SEGUNDA PARTE

Continuação da discussão do projecto de lei relativo á lista civil

O Sr. Presidente: — Continua no uso da palavra o Digno Par Sr. Alexandre Cabral.

O Sr. Alexandre Cabral (relator): — Quando, na sessão passada; S. Exa. o Sr. Presidente o preveniu de que tinha dado a hora, estava referindo-se ao § 1.° do artigo 2.° do projecto em discussão, tendo feito as considerações convenientes para completo esclarecimento do Digno Par a quem tem a honra de estar respondendo.

Relativamente ao § 3.° do mesmo artigo, facilmente se afigura, a quem o ler com attenção, que ficam por elle acautelados os interesses do Estado, porquanto a conservação e reparação dos paços, que permanecem na posse da Coroa, só podem ser feitas mediante os orçamentos previamente approva-

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dos pelas estancias competentes e até i á importancia das verbas que, para esse fim e com designação especial, se inscrevam no orçamento do Ministerio das Obras Publicas.

Em relação aos concertos e reparações dos paços reaes o velho regime estava estabelecido pelo artigo 85.° da Carta Constitucional e pela lei de 16 de julho de 1855. Os concertos e reparações de palacios e jardins faziam-se pela verba annual de 6 contos de réis; as mudanças ou novas construcções faziam-se com previa approvação das Côrtes; os reparos nos predios que podiam ser arrendados pela Casa Real eram encargo d'ella, nos termos das regras geraes de direito relativas ás obrigações dos usufrutuarios. As grandes reparações, que excediam estes limites, faziam-se pelas forças da verba destinada annualmente a edificios publicos.

Disse tambem o Digno Par Sr. Sebastião Baracho que se gastaram verbas exorbitantes com obras nos paços reaes; mas o Digno Par deve saber que taes gastos teem toda a desculpa, porquanto se justificam na necessidade que houve de atalhar importantes crises de trabalho.

Era necessario evitar que muitos operarios morressem de fome, attentas as grandes faltas de trabalho que houve.

Mas — e isso é que é necessario precisar — pelo projecto em discussão acautelam-se perfeitamente os dinheiros do Estado, porque não poderão de futuro fazer-se quaesquer reparações nos paços reaes, sem que os respectivos orçamentos sejam approvados pelas estancias competentes, e as verbas, que sempre terão designação especial, competentemente inscritas no orçamento do respectivo Ministerio.

Não poderá, portanto, haver quaesquer abusos sobre tal assunto; e o Governo, se quiser sair para fora do que está estatuido na lei, terá de vir ao Parlamento pedir novas providencias, pelo que os representantes do país poderão, como lhes compete, fiscalizar e acautelar os interesses da nação.

Quanto ao artigo 3.°, que trata das despesas com as viagens officiaes que o Rei tiver de fazer dentro ou fora do país, e com a recepção official de Chefes do Estado Estrangeiros, taes despesas serão pagas pelo Thesouro até a importancia das verbas que para esse fim forem legalmente autorizadas.

Esta disposição é tão razoavel e tão justa, que por ninguem tem sido impu-la.

Por isso passará já ao artigo 4.° dó projecto, cuja disposição estava tambem estabelecida nus leis similares referentes aos reinados de D. Maria II e dos Reis D. Pedro V, D. Luiz e D. Carlos I, E elle? orador, não conhece termos mais categoricos, e inofismaveis do que os que estão escritos no artigo 4.°, que diz claramente que nenhuma outra quantia, alem das mencionadas nos artigos antecedentes, será abonada para despesas da Casa Real, qualquer que seja a sua natureza ou denominação.

É impossivel estabelecer uma regra, mais categorica do que esta. Tem-se dito que disposição igual das leis anteriores não bastou para evitar abusos, mas nesse caso é mester reformar os costumes e não a lei, que é terminante e clara.

Está certo de que não mais serão abonadas á Casa Real quantias indevidas; e depois da carta que El-Rei o Senhor D. Manuel II fez publicar no Diario do Governo, declarando não querer receber quaesquer quantias que não fossem sanccionadas pelas Côrtes, é de prever e ter a certeza de que no futuro se não darão factos identicos aos praticados até hoje.

Estranhou tambem S. Exa. que o Sr. Ministro da Fazenda tivesse dito que El-Rei continuava a receber as rendas a que se tem alludido.

Or,j deve dizer, El-Rei não receberá nem deixará de receber ,as rendas por virtude d'esta ou da lei similar anterior. El-Rei recebe-as por virtude da lei civil, e de uma lei especial, como mostrará no decorrer das considerações que está fazendo.

No tocante ao artigo 6.° do projecto, ficam, como diz o artigo, em vigor as disposições da carta de lei de 16 de julho de 1855, em tudo que não for especialmente derogado peia lei que está em discussão.

O Digno Par Sr. Dantas Baracho disse ignorar quaes as disposições d'essa lei que ficam vigorando, e considera derrogados o seu § unico do artigo 5.°, o artigo 4.° e o artigo 8.°, que manda concluir o inventario judicial dos bens da Coroa, o qual, apesar das suas instancias, ainda não está feito.

Não lhe parece difficil verificar quaes os preceitos da lei de 1855 que ficam revogados.

Alem da parte do artigo 1.° que agora se não revoga, porque é caduca desde a morte da Imperatriz Duquesa de Bragança, ficam revogadas ou modificados, em parte, os artigos4.° e 5.° da referida lei.

O § unico do artigo 3.° continua em pleno vigor, como tambem o está o artigo 8.°

Em relação a este dirá que o inventario judicial dos bens da Corça corre pelo l.° ofiicio do tribunal da Boa Hora, sendo inventariante o administrador da Fazenda da Casa Real, e consta-lhe que se está continuando para proximo conclusão.

Convem effectivamente que depressa se ultime, mas o Governo não é culpado da demora, e já recommendou rapidez na sua conclusão.

Tendo chegado a esta altura das suas considerações analysará agora o artigo 5.°

Este artigo tem sido o mais invectivado e discutido; e todavia, em vista dos ultimos acontecimentos, a sua disposição é tão natural e tão simples que não sabe como pudesse prescindir-se d'ella.

O Sr. João Franco Castello Branco, antes de enveredar pelo caminho tortuoso da ditadura que o levou ao exilio e provocou a morte do Rei, fez, na Camara dos Senhores Deputados, a declaração de que haviam sido feitos supprimentos á Casa Real, protestando resolver essa questão no Parlamento.

Mas, depois de tal declaração, encerrou as Côrtes, publicando o decreto de 30 de agosto de 1907, pelo qual liquidava essa questão, tendo, antes, feito a promessa solemne de que tal assunto havia de ser tratado e resolvido em Côrtes.

Tal é a chamada questão dos adeantamentos, e essa maneira de resolvê-la foi o maior erro do Ministerio do Sr. João Franco.

A questão dos adeantamentos, que a Camara não tem agora de discutir, pois ha de ser tratada na devida altura, está agora affecta á commissão parlamentar de inquerito aos actos do anterior reinado; mas as opposições teem querido conjugá-la com o projecto em debate e, a tal ponto, que, se não existisse o artigo 5.°, ellas clamariam por elle.

Vêem de longe as difficuldades financeiras da Casa Real, para as quaes teem concorrido varias causas, entre as quaes citará o exercicio da caridade, apanagio constante da Coroa portuguesa, e que se traduz por varias formas, as redacções voluntarias da lista civil e o aumento das despesas de representação.

É bom que se diga e repita, quando a Casa Real é tão censurada por explorar os dinheiros do Thesouro, que teem sido mais avultados os auxilios por ella prestados aos cofres publicos do que os que d'elles tem recebido.

Fazendo obra pela mesma lista publicada na imprensa conclue-se que até ao fim do remado de El-Rei D. Luiz as desistencias da lista civil attingem réis 2.070:200$000. El-Rei D. Carlos, a Rainha Senhora D. Amelia e Suas Altezas desistiram de 20 por cento das suas dotações desde abril de 1892 até j unho de 1900j de onde resultou entrarem no Thesouro, por deducção nos respectivos conhecimentos, 567:900$000 réis.

Assim haverá já a totalidade de réis 2.638:100$000; mas esta quantia é incompleta, e a Camara, que ouviu o

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desenvolver dos minuciosos calculos do Digno Par Sr. Ressano Garcia sabe que a verba de desistencias se eleva a 3:925 contos de réis.

Isto é, muito mais do que a somma dos auxilios prestados pelo Estado á Fazenda da Casa Real.

Estes foram, no tempo de El-Rei D. Luiz, de 967 contos de réis, segundo a autorização da lei de 2 de maio de 1885.

No reinado de El-Rei D. Carlos esses soccorros,- representados em reclamações antigas e modernas da Casa Real, em rendas correntes de predios do usufruto da Coroa que estão na posse do Estado, e em supprimentos legalizadas e não legalizados, sobem, segundo o calculo do Sr. Baracho, a 2.196:688$598 réis.

Ora é de notar que este calculo, que julgo errado, é tambem exageradissimo.

A maior parte d'esta quantia recebeu-a a Casa Real por ter direito a isso; mas, que assim não fosse, a somma dos auxilios do Estado seria ainda inferior em 761:311$402 réis áquelles que elle recebeu da Fazenda da Casa Real.

Bastava, pois, que os Soberanos nunca desistissem de parte da lista civil em favor da nação, para que a fazenda da Casa Real fosse prospera, sem carecer dos soccorros do Estado.

As despesas de representação tambem teem aumentado consideravelmente.

Durante o reinado do Senhor D. Luiz, se bem se lembra, apenas vieram a Portugal o Principe de Galles, o Rei de Espanha Affonso XII e o Imperador do Brasil; mas no decorrer do reinado da fallecido Rei D. Carlos recebemos as visitas dos Soberanos da Inglaterra, da Allemanha e de Espanha, do Presidente da Republica Francesa, do Rei de Saxe, da Rainha de Inglaterra e do Principe de Hohenzollern.

Houve, portanto, no reinado do Senhor D. Carlos maiores despesas, que affectaram tambem a fazenda da Casa Real.

Taes são as causas principaes que teem concorrido para os embaraços financeiros da Casa Real.

O Estado tem procurado remediar esses embaraços por successivas medidas. Para isso foram promulgadas as leis de 23 de maio de 1859, 30 de julho de 1860, 23 de maio de 1863 e 12 de abril de 1876, que permittiram a venda de diamantes da Coroa, para o seu producto ser convertido em inscrições cujos juros fossem usufruidos pelo Chefe do Estado, e as leis de 25 de junho de 1864 e 7 de abril de 1877, permittindo para igual fim o aforamento, sobrogação e venda de terrenos da Coroa.

O producto total d'essas operações deu em resultado a acquisição de inscrições do valor nominal de 2:029 contos de réis.

Os embaraços continuaram; as leis de 7 de abril de 1877, 14 de maio de 1880 e 12 de agosto de 1882 autorizaram a Casa Real a contrahir emprestimos na totalidade de 900 contos de réis.

Encontrando-se esta quantia, com os seus juros, elevada a 967 contos de réis, a lei de 2 de maio de 1885 autorizou a Junta do Credito Publico a adeantar á Casa Real a quantia precisa para o seu pagamento, mediante a caução de inscrições no valor preciso para o seu reembolso, ficando autorizada a aliená-las, de acordo com o Governo, para seu pagamento.

Quanto á questão das reclamações antigas e modernas da Casa Real e das rendas dos predios da Coroa na posse do Estado, faz a sua historia desde 1879, chegando á conclusão de que a commissão nomeada apurou em favor da Casa Real os creditos de 120:328$828 réis e 507:698$998 réis, e, abatendo-se as dividas da Casa Real ao Estado, ficou o saldo a favor d'esta reduzido a 401:980$381 réis.

Feita largamente a historia das reclamações antigas e modernas, passará á das rendas de predios, da Coroa.

O Sr. Baracho considerou e fez bem, em igualdade de circunstancias todos os predios arrendados. O Sr. Ressano, porem, encontrou differenças entre os antigos paços reaes e de que provieram da extincção da Casa do Infantado, entendendo que estes não pertencem á Coroa emquanto não for renovada a lei de 16 de julho de 1855.

Não teve S. Exa. razão quando tirou esse argumento do artigo 1.° d'essa lei, que sem duvida não leu até o fim. Esse artigo não foi para dar a El-Rei D. Pedro V os palacios do Infantado: foi para lhe tirar provisoriamente o Palacio da Bemposta. Os outros pertenciam-lhe já, como pertencem a todos os successores do Rei, nos termos do artigo 85.° da Carta Constitucional a que se refere o decreto de 18 de março de 1834. Assim se deduz das leis e assim se entendeu sempre, como se vê pela parte final do decreto de 9 de dezembro de 1850.

Explicando e desenvolvendo a doutrina dos diplomas citados, em rosposta a varias interrupções do Digno Par Sr. Ressano Garcia, conclue que tanto os antigos como os palacios que vieram para a Coroa depois da extincção da Casa do Infantado, estão em iguaes circunstancias — na posse da Fazenda Nacional para usufruto da Coroa.

As rendas por varios predios que fazem parte ou são dependencias d'esses palacios foram cedidas em 1894. Louvados os predios, foram arbitradas as rendas segundo 5 por cento do valor da avaliação, começando o pagamento em 12 de outubro de 1894, autorizado por despacho ministerial d'esse mês, á razão de 27:654$000 réis annual, subindo em 1895 a 28:903$992 réis por serem arrendadas então dependencias do Palacio de Queluz.

O arrendamento é legal, segundo as disposições da lei civil. Desde que a Casa Real usufrue estes predios da nação, desde que a lei de 16 de julho de 1865 claramente permitte que possam ser arrendados, com exclusão dos jardins e palacios, nada obsta a que a Casa Real, usufrutuaria, os arrendasse ao Estado, proprietario. São até vulgares os contratos d'essa natureza, e perfeitamente legaes.

Pelo que diz respeito aos pagamentos, dirá que tanto os das reclamações antigas, como os das modernas, como os das rendas correntes estão legalizados pelas leis orçamentaes de 13 de maio de 1896 e 12 de junho de 1901.

A disposição da primeira é effectivamente pouco clara, mas a da segunda é extremamente intelligivel.

Desde que essas leis foram votadas, as responsabilidades do pagamento passaram para o poder legislativo: deixa1 ram de ser dos Governos.

Entende que o pagamento das rendas correntes é extremamente regular e justo.

Quanto ao das antigas parecia-lhe melhor não tivesse sido pedido; mas deve confessar-se que esse assunto foi tratado com as formalidades devidas, por uma commissão competente, e encontra-se legalizado e autorizado pelas Côrtes.

E assim esclarecida a questão das reclamações e das rendas continuará a tratar das difficuldades financeiras da Casa Real.

As causas que as motivaram, o aumento de despesas de representação, sobretudo, aggravaram-se nos ultimos annos do passado reinado e os Governos, por motivos que não vêem para aqui, e a seu tempo se hão de esclarecer, fizeram supprimentos á Casa Real até o valor de 771:715$700 réis.

Fez-se a tal respeito uma nova liquidação pelo decreto de 30 de agosto de 1907, o que representa um grande erro politico.

O certo é que esse decreto, tão nocivo, não liquidou a questão. Suspenso esse decreto, a questão ficou de pé.

Poderia tê-la liquidado a morte de El-Rei D. Carlos, se não fossem as declarações tão nobres e tão levantadas do actual Monarcha.

Assim o affirma, porque se não fosse a vontade de El-Rei, a nação não poderia exigir-lhe o pagamento dos supprimentos feitos a seu Pae, em virtude

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de quasi nullo valor da sua herança. Da casa do Bragança o Rei é mero administrador: o restante é muito inferior ás dividas. Que a situação da Casa Real não é desafogada prova-o o proprio facto do contrato do emprestimo realizado entre ella e o Banco de Portugal, a que se reportou, no decorrer das suas considerações, o Digno Par Sr. Baracho.

A herança legada ao novo Rei, por um lado é bastante pesada, mas por outro lado extremamente leve.

Seja porem como for, a verdade é que, em relação aos adeantamentos, nada nos compete resolver.

É uma questão que tem de ser apreciada mais tarde, e acêrca d'ella os interessados dirão da justiça que lhes assiste.

Tem de fazer-se inteira luz sobre o assunto. Tal é a vontade da nação, tal é a vontade de nós todos, tal é a vontade do Governo já claramente manifestada ; e está certo de que se apurarão irregularidades, mas não crimes: e que os homens publicos que intervieram no assunto não são por maneira nenhuma indignos de continuarem a prestar ao país os serviços que ha a esperar da sua intelligencia e da sua dedicação. (Apoiados).

Na terminalogia juridicia ha as nullidades sanaveis e as insanaveis. As primeiras não teem valor e, quando remediadas, o processo segue até final; as outras annullam por completo o processo que ficará extincto e sem valor. Está certo de que nesta questão as irregularidades dos Ministros não são d'aquellas que estigmatizam e annullam os homens publicos: são de natureza sanavel, (Apoiados).

Está intimamente convencido de que os cavalheiros que teem passado pelas cadeiras do poder podem ter praticado irregularidades, incorrido em faltas, mas nunca perpetraram crimes que os inhabilitem para a continuação da vida publica (Vozes: — Muito bem).

Este assunto tem de ser versado com bastante desenvolvimento, e não com referencias ligeiras.

Disse ainda o Digno Par Sr. Baracho que considera o artigo 5.° imperfeito, porque se não sabe quando o Parlamento terá de discutir e votar a lei que ha de approvar a quantia resultante da liquidação de contas entre o Estado e a Fazenda da Casa Real.

A discussão e votação d'essa lei, a epoca para tal fim escolhida são attribuições do Parlamento e não do Governo.

Este não poderia, sem offensa para as Côrtes, determinar o prazo em que ellas hão de exercer o que é attribuição sua.

Sente-se fatigado, não quer abusar por mais tempo da paciencia e attenção da Camara, mas não dará por concluido o seu discurso sem alludir ás accusações vehementes com que o Digno Par Sr. Baracho accusou despiedosamente os partidos rotativos.

Os grandes partidos politicos são uma força indispensavel ao Governo de uma nação. (Apoiados).

Mal irá aos Governos que se não apoiam em fortes agremiações partidarias. Terão uma vida curta e infecunde. Assim succedeu na epoca que decorre de 1834 a 1851, em que os Ministerios duravam ás vezes apenas tres dias.

O projecto que se discute tem sido aproveitado para uma discussão politica, no intento de excitar a opinião; mas a verdade é que a opinião publica queda-se perfeitamente indifferente e tranquilla.

Quando foi da ditadura do Governo transacto a excitação era enorme, e todos nós sabemos a que ponto foi levado esse irrequietismo; e todavia, não havia Parlamento, estava suspenso o direito de reunião e amordaçada a imprensa.

Actualmente nem os inflammados tropos de que usam os oradores populares nos comicios, nem as objurgatorias da imprensa, nem os debates apaixonados do Parlamento logram pendeante do Governo embaraço serio, ou obice desagradavel.

O orador, ouvindo dizer ao Digno Par Sr. Alpoim, em um áparte, que a agitação nos animos não e agora inferior á que existia no tempo da ditadura, accentua que os tempos de hoje em nada se comparam aos de então, e dá por concluidas as suas considerações. (Vozes: — Muito bem).

(O orador foi muito cumprimentado).

O Sr. Pimentel Pinto: — Sr. Presidente: entro neste debate unicamente para que o meu voto fique registado nos annaes parlamentares e para mais nada.

Nenhuma outra aspiração me é permittida, e nenhuma outra aspiração eu tenho. Desejo apenas que a minha opinião seja conhecida.

Não quero que um dia se possa dizer de mim que, desvairado por essa onda de pavor que a tantos está dementando, ou arrastado pó r essa corrente de odio que a outros allucina, deixei de cumprir o meu deve:: de Par do Reino, occultando do país, por fraqueza de animo ou por mal intencionado proposito, o que penso da nossa actual situação politica.

E tambem não quero, Sr Presidente, que mais tarde, se a proposta trazida ás Côrtes pelo Governo produzir os effeitos que logicamente d'ella se devem esperar, com apparencias de verdade se possa dizer que ninguem no Parlamento se lembrou de que as mesmas causas produzem em geral os mesmos effeitos.

Falando, porem, só em meu nome, representando o meu parecer um voto isolado e nada mais, abstenho-me de mandar para a mesa propostas de emendas que de antemão sei que seriam rejeitadas.

Pela mesma razão e porque, no assunto que se discute, não desejo tomar partido, nem pela opposição, nem pelo Governo, abstenho-me, tambem, de responder ás considerações feitas pelo illustre orador que me precedeu no uso da palavra.

Pedindo desculpa a S. Exa. d'esta minha deliberação, absolutamente estranha á pessoa do Sr. Conselheiro Alexandre Cabral, a quem eu presto a homenagem do meu mais sincero respeito, cumpro gostosamente o dever de felicitar S. Exa. pelo bello discurso que acaba de proferir, no qual mais uma vez evidenciou os seus distinctos dotes parlamentares. (Apoiados).

Infelizmente, porem, os argumentos até agora allegados a favor da proposta do Governo, incluindo os do Digno Par Sr. Alexandre Cabral, não me convencem de que ella deva ser approvada pela Camara, e as razões contra a proposta adduzidas não são precisamente aquellas que me obrigam a mim a combatê-la.

Isto dito, Sr. Presidente, passo a ler a moção que vou ter a honra de mandar para a mesa.

«A Camara dos Dignos Pares do Reino, não se julgando habilitada a fixar definitivamente a dotação de Sua Majestade El-Rei. por não lhe serem presentes os elementos necessarios para a determinar, declara que pela approvação do artigo 1.° do projecto de lei que está em discussão, não se considera inhibida de opportunamente alterar a quantia de 1:000$000 réis estabelecida n'aquelle artigo, se, por documentos autenticos, lhe for demonstrado que ella é insufficiente para El-Rei manter o decoro da sua alta dignidade.

Sala das sessões, 10 de agosto de 1908. = O Par do Reino, Pimentel Pinto.

Antes de defender a moção que acabo de ler — a qual, aliás, quasi não carece de defesa, porque nella apenas se affirma o facto incontestavel-, de ter vindo esta proposta á Camara desacompanhada de quaesquer documentos que a esclareçam, e o corolario que d'esse facto resulta, que é a impossibilidade em que todos estamos de, em consciencia, approvar ou rejeitar a proposta —; antes de defender a minha moção e antes de discutir o pa-

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recer que está na ordem do dia, consinta V. Exa., Sr. Presidente, que eu fale da questão chamada dos adeantamentos illegaes.

Não a venho encarar sob qualquer aspecto novo por que não tenha sido já considerada, e não trago para o debate nenhum valioso, elemento de informação ou de apreciação que ainda não seja conhecido.

É claro, pois, que das palavras que vou proferir não irradiará a luz precisa para que o assunto fique perfeitamente esclarecido.

Entendo, porem, que nenhum homem publico que tenha feito parte das administrações passadas tem hoje o direito de se conservar silencioso.

É preciso, é forçoso, até, que todos confessem publicamente as suas proprias responsabilidades, e muito expressamente declarem se acceitam, ou repudiam, as que lhes possam caber dos actos praticados pelos seus collegas.

Sei que, no dizer da opposição, essas responsabilidades são enormes, gravissimas; mas, convencido como estou de que nos gabinetes presididos por Hintze Ribeiro — unicos de que eu fiz parte — nunca houve Ministro que no desempenho das suas funcções officiaes praticasse acto algum moralmente reprehensivel e que não se possa plenamente justificar, todas as responsabilidades eu acceito sem a mais pequena hesitação.

Ponho-me, pois, ao lado dos arguidos e não ao lado dos accusadores.

Eis a minha primeira declaração.

E agora, antes de fatiar das minhas proprias responsabilidades, permitta-me a Camara que eu lhe exponha algumas considerações que talvez não sejam inteiramente descabidas nesta occasião.

Sr. Presidente: a nossa vida politica atravessa neste momento uma crise difficil, perigosa e que nos impõe deveres especiaes.

No meu entender, todos os que fomos Ministros com El-Rei o Sr. D. Carlos temos estricta e rigorosa obrigação de, em tudo que pudermos e em tanto quanto pudermos, defendermos a sua memoria, dizendo lealmente ao país a verdade, toda a verdade ainda que ella seja contra nós; e impende-nos o dever de com a mesma lealdade lhe dizermos o que pensamos da nossa actual situação politica, que a mim se me afigura gravissima.

Nós, porem, os que sob a presidencia de Hintze Ribeiro fomos Ministros no ultimo reinado, temos ainda um outro dever a cumprir, não menos impreterivel, qual é o de zelar a honra do homem eminente que foi nosso chefe.

O Sr. Conselheiro José Luciano de Castro, chefe illustre do partido progressista, pode vir aqui elle proprio...

O Sr. João Arroyo: — Mas não vem...

O Orador: — Não sei; não posso informar V. Exa.; o que sei é que o Sr. José Luciano pode vir aqui, se quiser, defender os actos da sua administração e responder, justificar-se, de quaesquer accusações que lhe sejam dirigidas; e que, por desgraça, Hintze Ribeiro já não pode fazer ouvir nesta sala a sua voz autorizada e eloquente para confundir os seus detractores.

É preciso, pois, que nós, os que em vida fomos seus collegas e amigos, defendamos a sua memoria. Exige-o a nossa honra politica e com certeza nenhum de nós faltará ao seu dever.

Disse que, a meu ver, nenhum homem publico que tenha responsabilidade nas administrações preteritas, se pode julgar hoje dispensado de dizer lealmente ao país o que pensa e o que sabe do passado e do presente.

É esse dever que eu venho cumprir. Não pretendo fazer um discurso ; quero apenas fazer o meu depoimento.

Sr. Presidente: ha mais de tres annos que em Portugal se não faz administração; que a vida economica do país está, por assim dizer, paralysada; e que nos movemos todos numa atmosphera saturada de politica, não de uma politica boa, sã e util para a nação, mas de uma politica deleteria que a todos nos envenena.

Ha mais de tres annos que se descuram inteiramente os interesses essenciaes do Estado. A nossa situação financeira aggrava-se dia a dia; secam-se varias fontes de receita que existiam e não se abrem outras que as substituam; as despesas publicas (veja-se o orçamento trazido á Camara pelo Governo) aumentam á medida que as receitas decrescem, e ninguem pensa em lhes pôr um dique que as detenha na sua louca expansão (Apoiados); a agricultura definha; o commercio retrae-se; a industria desespera de progredir; a nossa balança commercial cada vez mais se desequilibra, não produzimos os generos de que carecemos e não temos mercados para os que produzimos; a vida do cidadão está exhorbitantemente cara e difficil para todos; o descontentamento é geral e em ninguem se confia, nem nos Governos, nem nas opposições; na imprensa, em comicios e em conferencias publicas insulta se a religião do Estado, injuriam-se as instituições, infamam-se os homens que as defendem e engana-se e desmoraliza-se o povo; no dia 1 de fevereiro mata-se o Chefe do Estado na rua publica, na presença de centenas de pessoas, ninguem acredita que os regicidas não tenham cumplices e hoje, decorridos mais de seis meses, não se sabe ainda quem elles são; consentem-se manifestações vergonhosas, como as dos dias 5 e 6 de abril, e romarias infames, só proprias de selvagens, que nos envergonham á face de todo o mundo civilizado; e para que nada nos falte, a ordem publica é só apparente, no fundo está a desordem, que ninguem reprime.

Tudo isto é profundamente triste e profundamente verdadeiro. Parece, porem, Sr. Presidente, que tudo isto pouco importa!

O que importa, o que é preciso antes de tudo e succeda o que succeder, é inutilizar os adversarios politicos. The strugle for life é hoje a lei suprema, e o país que se aguente como puder.

Desenterram-se, trazem-se a lume e avolumam-se os erros do passado. Para quê? Para os remediar? Não, com certeza. Para acautelar o futuro? Ainda menos, esta proposta o demonstra. Para purificar e sanear a atmosphera? Quem pensa nisso?! Então para quê? O que se deseja? O que se pretende? O que se quer? O que se quer e o que se deseja é que esses erros sejam grandes e que sejam muitos, na esperança de que os adversarios fiquem esmagados debaixo d'elles.

É triste, bem sei; mas na luta pela vida o que importa é vencer.

Se a má sorte quer que, para vencer, seja preciso sacrificar o país onde se nasceu, ou a reputação de homens que no fundo da consciencia se respeitem, é sem duvida uma necessidade dolorosa; mas a lei suprema é implacavel, ha de fatalmente cumprir-se, custe o que custar.

Quer y. Exa. um exemplo d'esta verdade ?

Na Camara dos Senhores Deputados, de acordo com um preceito da lei fundamental do Estado, elege-se uma commissão para examinar a administração do ultimo reinado, a fim de se providenciar sobre quaesquer abusos que se tenham introduzido na administração geral do Estado. Muito bem, não é verdade? A opposição, porem, insurge-se ; não é isto o que ella quer. É preciso que, antes de tudo, a commissão estude em especial a questão dos adeantamentos. Porque? Porque é de todas a mais urgente, a que mais interessa ao país, aquella de onde pode ,vir o resurgimento das nossas finanças? Não; mas porque ella é o filão do escandalo e esse é o õ1ue convem explorar! (Apoiados).

E o Governo o que faz? Oppôs-se? Resiste? Não, Sr. Presidente, cede, transige; apressa-se a ceder e a transigir, porque lutando pode arriscar a sua preciosa existencia. Sempre a luta pela vida!

As opposições não teem, creio eu e sinceramente o digo, a noção exacta do mal que estão fazendo ao país; mas

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para dizer a verdade, não é contra ellas que eu mais me insurjo. Ou queiram derruir a monarchia, ou pretendam unicamente, esfacelar os velhos partidos historicos, não se lhes pode levar a mal que se aproveitem da erros e da fraqueza dos adversarios.

É sabido que «quem acha molle, carrega». É da sabedoria das nações.

As opposições estão, pois, no seu direito e o seu procedimento é logico.

Onde não ha logica, nem previsão, nem energia, nem firmeza de vontade é no espirito do Sr. Presidente do Conselho.

É S. Exa. que, por fraqueza de animo, por egoismo, por commodismo e por amor ao poder foge da luta, porque d'ella se arreceia.

Curvando-se sempre ás imposições dos adversarios mais intransigentes da. monarchia, condescendendo em tudo com elles e elogiando-os à tort et à travers, como é seu costume, o Sr. Presidente do Conselho, com grave prejuizo do regime que lhe cumpre defender e dos partidos que o sustentam no Governo, tem contribuido e está contribuindo poderosa e efficazmente para o descredito e desprestigio das instituições e para que cada vez mais se avolume o escandalo que as opposições exploram, que S. Exa. poderia e deveria ter evitado e que nem sequer pretendeu estorvar.

Os adeantamentos são a chaga que lhe entretem a vida e S. Exa. não quer morrer.

Se nenhuma responsabilidade eu tivesse nas administrações passadas, pediria á Camara que attentasse bem na gravidade do momento que atravessamos e que reflectisse detidamente nas consequencias provaveis, quasi certas, de uma discussão violenta e apaixonada na questão dos adeantamentos; e pedi ria, rogaria até aos meus collegas, em especial áquelles que a paixão não cega, que nos unissemos todos no empenho de evitar o descalabro que nos ameaça de quanto nos cumpre zelar e defender: os interesses do país e do Rei, a honra das collectividades e o brio pessoal dos homens. (Apoiados}.

Tendo sido, porem, Ministro por tres ou quatro vezes, estou inhibido de fazer pedidos que supplicas poderiam parecer.

Limito-me, pois, a dizer: apure-se a verdade, mas apure-se depressa; caia todo o rigor das leis sobre os delinquentes, se os houver; mas que a justiça se não faça esperar.

Luz, Sr. Presidente, é preciso que a luz se faça sem demora, porque a luz não só allumia, tambem purifica.

Nesta, ordem de ideias, querendo eu que a verdade se esclareça e tendo dito logo que comecei a falar que os homens publicos que fizeram parte das administrações passadas deviam todos confessar publicamente as suas proprias responsabilidades, vou dizer quaes são as minhas.

Tenho a declarar á Camara que, nem como Ministro da Guerra, que fui por varias vezes, nem como Ministro do Reino, que tambem fui durante algum tempo, nunca dei, emprestei ou adeantei quantia alguma, por minima que fosse, a El-Rei o Senhor D. Carlos ou a qualquer pessoa da sua familia. Como Ministro da Guerra, em cumprimento de um antigo contrato feito com a administração da Casa Real. autorizei o fornecimento de algumas munições de caça requisitadas ao Arsenal do Exercito por aquella administração.

E alem d’isso, apenas autorizei o pagamento de algumas refeições e de alguns comboios para El-Rei asssistir a differentes serviços militares fora de Lisboa.

Mais nada.

Folgo de fazer esta declaração muito positiva e muito categorica, não para me eximir de quaesquer responsabilidades que queiram impor-me, mas para mais uma vez desmentir a velha e famosa lenda de grandes supprimentos, ou como melhor lhes queiram chamar, feitos á Familia Real pelo Ministerio da Guerra. Nem eu, nem os meus antecessores os fizemos nunca,

O Sr. Ministro da Guerra (Sebastião Telles): — Apoiado.

O Orador: — Nem eu, nem os meus antecessores os fizemos e creio bem que o Sr. Conselheiro Vasconcellos Porto não os iniciou.

Outra declaração ainda, a terceira:

Pelo mesmo modo declaro tambem muito positiva e muito categoricamente que nunca recebi adeantamento algum do Thesouro, nem pelo Ministerio da Guerra, nem por qualquer outro Ministerio; nem pela Caixa Geral de Depositos, nem por qualquer outra repartição publica. Nunca pedi. nem recebi do Estado senão o que me era devido por lei.

Não faço estas declarações para ir ao encontro de quaesquer boatos que me tenham attingido; quis fazê-las para dizer a verdade e para poder falar mais desassombradamente ainda na questão chamada dos adeantamentos illegaes.

Creio, Sr. Presidente, que alguns Dignos Pares pediram a palavra para antes de se encerrar a sessão, e como falta apenas um quarto de hera para ella terminai1, talvez seja melhor que eu ponha hoje termo ás minhas considerações, reservando-me V. Exa. a palavra para a proximo sessão.

O Sr. Presidente: — Só o Digno Par Sr. Eduardo José Coelho pediu a palavra para antes de se encerrar a sessão, e como a Camara consentiu que S. Exa. falasse antes da ordem do dia, desistiu do pedido que tinha feito; mas. se V. Exa. não quer hoje continuar, reservo-lhe a palavra para ámanhã.

O Orador: — Não, Sr. Presidente, muito obrigado a V. Exa. Foi só por justa deferencia para com os meus collegas que eu fiz aquella observação. Vou continuar.

Sr. Presidente: entro na questão dos adeantamentos, sem o minimo proposito de maguar, e muito menos de aggravar, seja a quem for; mas firmemente resolvido a dizer a verdade.

É provavel, pois, que a ninguem agrade o que vou dizer, não só porque esse é o grande defeito da verdade, mas tambem porque no Parlamento só são ouvidos com agrado os grandes oradores, ou áquelles que, não o sendo, se põem aberta e francamente ao lado do Governo ou aberta e francamente o combatem; e eu, Sr. Presidente, não estou com o Governo, nem contra elle. Eu me explico.

Não estou com o Governo porque, por mais que eu tenha querido convencer-me de que a conservação do Sr. Conselheiro Ferreira do Amaral ali, naquelle logar, é util para o país, ainda o não consegui.

S. Exa. é, sem duvida, um illustre official da armada que tem prestado ao seu país muito bons serviços; mas. em politica, é tambem, sem a mais pequena duvida, um timido, provadamente incapaz de bem se desempenhar da dificil missão que lhe confiaram.

S. Exa. que em 1892 foi um bom Ministro da Marinha — bom Ministro dos Negocios Estrangeiros Dão digo eu que o tenha sido. porque me recordo bem das dificuldades graves que legou ao seu successor — S. Exa. que foi, repito, um excellente Ministro da Marinha em 1892, poderia ser tambem um bom Ministro do Reino ou um soffrivel Presidente do Conselho numa qualquer situação normal; nas na difficil conjuntura que atravessamos, ninguem que conhecesse as qualidades e os defeitos do Sr. Conselheiro Ferreira do Amaral se poderia lembrar de S. Exa. para exercer os cargos em que o investiram, nos quaes, como era de prever e tem succedido, só os seus defeitos tem revelado.

É aos defeitos do Sr. Presidente do Conselho que exclusivamente se deve a nossa actual situação politica que, ao contrario do que pensa o Digno Par Sr. Alexandre Cabral, é sem duvida peor e muito mais grave do que era em fevereiro d’este anno, quando o illustre

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SESSÃO N.° 38 DE 10 DE AGOSTO DE 1908 11

almirante ascendeu aos Conselhos da Coroa.

A nossa divergencia de opiniões é completa, absoluta. Nós, o Sr. Conselheiro Ferreira do Amaral e eu, nem sequer estamos de acordo na significação das palavras que ouvimos ou que pronunciamos.

A palavra — acalmação — por exemplo, quando alguem com o meu applauso a proferiu no dia 2 de fevereiro, significava para mim o restabelecimento da normalidade constitucional, a immediata convocação das Côrtes (Apoiados), a annullação tambem immediata de todos os decretos publicados em ditadura pelo Governo transacto, as providencias necessarias para restabelecer e assegurar a ordem publica, e o exacto cumprimento da lei, benevolamente interpretada, como sempre o deve ser, mas fielmente observada e justamente applicada, quaesquer que fossem as pessoas que ella ferisse ou as que ella beneficiasse. (Apoiados).

Para o Sr. Presidente do Conselho a palavra — acalmação — tem valor muito differente: significa, como todos nós sabemos, subserviencia para todos os que teem ou fingem ter alguma força, por minima que seja; transigencia com os elementos avançados que ameaçam e combatem as instituições; uma quasi cumplicidade na infame romaria de 16 de fevereiro, que só foi levada a effeito por S. Exa. da consentir; e a mais plenaria indulgencia para todos os que no Parlamento, na imprensa, nas ruas, em toda a parte emfim, fazem a mais activa e a mais violenta propaganda de descredito contra tudo e contra todos: homens, partidos e instituições.

É por isso que eu não estou com o Governo.

Mas contra o Governo tambem não estou, porque considero os outros Ministros á altura dos cargos que exercem, porque faço inteira justiça aos seus merecimentos, e ainda porque o partido regenerador está brilhantemente representado no Governo por dois dos seus mais illustres estadistas, os Srs. Campos Henriques e Wenceslau de Lima, ambos meus antigos collegas e amigos muito queridos.

É certo que nos ultimos tempos me tenho afastado um pouco de S. Exas., e vou dizer porquê.

S. Exas. sabem, teem a certeza de que a nau do Estado, falando á antiga, não navega, porque o navio chefe a não deixa navegar; mas, porque vêem nelle a bandeira do almirante, não querem metê lo no fundo, como por tantas vezes eu lhes tenho aconselhado.

Deploravel illusão a de S. Exas.! A bandeira que vêem oscillando, fluctuando sempre á mercê dos ventos, não é a nossa, não é a de S. Exas., não é a minha; é a bandeira dos makavencos.

O Sr. Sebastião Baracho: — É boa gente.

O Orador: — Não sei. V. Exa. e eu, felizmente não o somos.

O Sr. Sebastião Baracho: — Tenho pena de não ter sido.

O Orador: — E eu nenhuma; mas isso pouco importa para o que quero dizer.

O que é certo é que o Sr. Conselheiro Ferreira do Amaral declarou aqui na Camara, e por sinal com certa' vaidade, que makavenco era e makavenco queria continuar a ser.

O Sr. Sebastião Baracho: — Foi, foi; já não é, ao que se conta.

O Orador: — A confusão, ou antes a distincção, feita por V. Exa. nos tempos do verbo, não está de acordo com as palavras do Sr. Presidente do Conselho.

O Sr. Sebastião Baracho: — O que eu ainda não confundo são os sexos. (Risos).

O Orador: — Eu nem os sexos, nem os tempos dos verbos, nem a bandeira do Sr. Presidente do Conselho com a do partido regenerador. E é exactamente porque não confundo as duas bandeiras, que eu deveras sinto que os meus amigos Srs. Wenceslau de Lima e Campos Henriques, depois da sensacional declaração feita nesta Camara pelo Sr. Conselheiro Ferreira do Amaral, continuem fazendo parte de um Governo presidido por S. Exa.

Singular declaração a do Sr. Presidente do Conselho! Não vale a pena averiguar se ella é mais lisonjeira para S. Exa. sob o ponto de vista pessoal ou sob o ponto de vista politico; o que, porem, se pode affoitamente affirmar, sem receio de desmentido, é que, sob qualquer d'aquelles aspectos, ella com certeza significa, ou uma grande coragem, ou uma perfeita inconsciencia.

Quando a ouvi, lembrei-me de procurar o Sr. Fernando de Lacerda, que ha pouco publicou uns livros muito interessantes, para lhe pedir que me pusesse era communicação com os espiritos de Hintze Ribeiro, de Fontes Pereira de Mello, de Anselmo Braamcamp, do Duque de Loulé, do Marquez de Sá, de todos os mortos illustres que, antes do Sr. Conselheiro Ferreira do Amaral, occuparam aquella cadeira.

Queria perguntar a cada um de per si o que pensava da declaração feita pelo illustre almirante, e queria saber o que seria preciso para que um d'elles, sendo Presidente do Conselho, se declarasse makavenco em plena Camara dos Pares.

Desisti, porem, do meu intento. Não é bom fazer perguntas indiscretas, nem admittir hypotheses absurdas; e só no Gran-Ducado de Gerolstein e com musica de opereta, um chefe de Governo se lembraria de fazer a declaração que, com pasmo nosso, ouvimos ha dias ao Sr. Conselheiro Ferreira do Amaral. ! (Advertido pelo Sr. Presidente de que deu a hora, pede que lhe seja permittido continuar na sessão seguinte).

O Sr. Presidente: — Está a dar a hora e, portanto, vou encerrar a sessão, ficando S. Exa. com a palavra reservada para ámanhã.

Devo declarar á Camara que a commissão que ha de Apresentar a El-Rei as leia já votadas é composta dos seguintes Dignos Pares :

José Luciano de Castro.

Julio Marques de Vilhena.

Francisco Antonio da Veiga Beirão.

Alberto Antonio de Moraes Carvalho.

Luiz Augusto Pimentel Pinto.

Conde das Galveias.

Francisco Simões de Almeida Margiochi.

Tem a palavra o Digno Par Sr. Eduardo José Coelho.

O Sr. Eduardo Jos Coelho: — Eu tinha pedido a palavra para antes de se encerar a sessão, mas desisto d'ella, limitando me a enviar para a masa o requerimento seguinte:

Requeiro que, pelo Ministerio da Justiça, seja enviada a esta Camara toda a correspondencia trocada entre o juiz de direito proprietario e substituto, relativamente á proposta dos individuos que deviam ser nomeados juizes substitutos, na comarca de Mirandella para o anno de 1908, e que designadamente se satisfaçam os seguintes requisitos:

1.° Se na Relação do Porto deu entrada primeiro uma proposta feita pelo juiz substituto, e se essa proposta foi feita em obediencia á circular enviada pelo Presidente da Relação, e data era que ella foi expedida para a comarca de Mirandella;

2.° Se posteriormente a esta proposta foi enviada outra, que é a publicada no Diario do Governo de 30 de julho proximo findo;

3.° Copia integral d'esta proposta enviada á Presidencia da Relação, ou declaração se o juiz de direito proprietario nella omittiu se todos ou alguns dos individuos eram advogados na comarca;

4.° Se a proposta enviada pelo juiz proprietario de Mirandella ficou registada na correspondencia respectiva, e data constante do respectivo registo;

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12 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

5.° Que, pelo Ministerio da Justiça, se peçam todas as informações a quem competir dá-las sobre os factos que, a titulo de esclarecimentos, expôs á Camara o Digno Par Sr. Teixeira de Sousa, sobre a administração de justiça na comarca de Mirandella.

Sala das sessões, Lisboa, 1 de agosto de 1908. = O Par do Reino, Eduardo J. Coelho.

O Sr. Presidente: — Será expedido.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino (Ferreira do Amaral): — É para participar que El-Rei receberá a deputação ámanhã, pela uma hora da tarde.

O Sr. Presidente: — A sessão é ámanhã com a continuação da ordem do dia que vinha para hoje.

Está encerrada a sessão.

Eram 5 horas e 25 minutos da tarde.

Dignos Pares presentes na sessão de 10 de agosto de 1908

Exmos. Srs.: Antonio de Azevedo Castello Branco, Marquezes de Avila e de Bolama, de Penafiel, de Pombal; Condes: das Alcaçovas, de Arnoso, do Bomfim, do Cartaxo, de Castello de Paiva, das Gral veias, de Sabugosa; Visconde de Athouguia; Alexandre Cabral, Pereira de Miranda, Costa e Silva, Sousa Costa Lobo, Teixeira de Sousa, Campos Henriques, Augusto José da Cunha, Eduardo José Coelho, Mattozo Santos, Dias Costa, Ferreira do Amaral, Francisco José Machado, Francisco José de Medeiros, Simões Margiochi, Ressano Garcia, Gama Barros, João Arroyo, Joaquim Telles de Vasconcellos, Vasconcellos Gusmão, José de Alpoim, Silveira Vianna, Julio de Vilhena, Luciano Monteiro, Pimentel Pinto, Bandeira Coelho, Affonso de Espregueira, Sebastião Telles, Sebastião Dantas Baracho e Wenceslau de Lima.

O Redactor, F. ALVES PEREIRA.

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