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CAMARA DOS DIGNOS PARES.

EXTRACTO DA SESSÃO DE 22 DE MARÇO DE 1858.

PRESIDENCIA DO EXMO. SR. VISCONDE DE LABORIM,

VICE-PRESIDENTE.

Secretarios, os Srs. Conde de Mello

Visconde de Balsemão.

(Assistiam os Srs. Ministros, da Fazenda e Obras Publicas; e depois o Sr. Presidente do Conselho.)

Depois das duas horas da tarde, tendo-se verificado a presença de 26 Dignos Pares declarou o Ex.mo Sr. Presidente aberta a sessão.

Leu-se a acta da antecedente contra a qual não houve reclamação.

O Sr. Conde de Mello — Existe sobre a mesa um requerimento de Affonso d'Athouguia de Sousa Coutinho, que pede sejam remettidos á commissão de guerra, que tem de dar um parecer sobre uma pretenção do supplicante, que já veio da outra Camara, diversos documentos que acompanhavam aquelle requerimento quando o diri-

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giu á Camara dos Srs. Deputados: afim de que a referida commissão os tome em consideração, e fiquem depois sobre a mesa para serem examinados pelos Dignos Pares que o quizerem fazer. Não ha mais correspondencia.

ORDEM DO DIA

Continua a discussão da proposta apresentada pelo Sr. Conde de Thomar.

O Sr. Presidente—O Sr. Ministro da Fazenda tem a palavra.

O Sr. Ministro da Fazenda—Sr. Presidente, a discussão, que teve logar na sessão passada já produziu um grande resultado: o Digno Par o Sr. Aguiar que tomou a iniciativa neste debate, e que por consequencia era nelle o principal campeão contra o Ministerio, retirou-se do combate ás primeiras observações que fiz contra a proposta de S. Ex.ª O Digno Par retirou essa proposta sem dizer uma só palavra em defeza della: das duas bandeiras que estavam pois desfraldadas nesta batalha, só ficou tremulando a do Sr. Conde de, Thomar, e eu felicito a S. Ex.ª por este grande triumpho, que S. Ex.ª ganhou sobre o seu aluado, que leve a modestia de renunciar á cathegoria de chefe, a que aspirava, para se contentar com o papel de subalterno do Digno Par. Do Sr. Aguiar, e da sua proposta, não tenho pois já necessidade de me occupar. (O Sr. Aguiar — Peço a palavra.) Resta-me só a proposta do Sr. Conde de Thomar. Mas, antes de entrar na sua analyse cumpre-me dar a demonstração solemne de um facto, que apresentei nesta Casa, e que vi que escapou ao Sr. Conde de Thomar.

Eu tinha sustentado que sendo membro do Ministerio presidido por S. Ex.ª, e sendo tambem Ministro nessa época um antigo amigo meu, o Sr. Felix Pereira de Magalhães, que se acha presente, ambos na qualidade de Conselheiros de Estado, tinhamos funccionado na Secção Administrativa. O Digno Par não se lembrava deste facto, e se se lembrasse teria redigido a sua proposta de outra fórma. Aqui tenho o relatorio e os documentos mandados publicar, e distribuir em 1850 por S. Ex.ª nas duas Casas do Parlamento sobre a liquidação da Companhia das Obras Publicas. Entre esses documentos se encontra a Consulta da Secção Administrativa do Conselho de Estado de 21 de Agosto de 1849 (a data da organisação do Ministerio, que S. Ex.ª presidiu, e de que fiz parte com o Digno Par o Sr. Felix Pereira de Magalhães, é de 18 de Junho desse anno), e esta Consulta está assignada pelos Srs. Duque de Pamella, Duque da Terceira, Cardeal Patriarcha, Rodrigo da Fonseca Magalhães, José Bernardo da Silva Cabral, Felix Pereira de Magalhães, e Antonio José d'Avila. Depois desta Consulta julgou S. Ex.ª dever mandar de novo este negocio á Secção Administrativa, a qual consultou em 9 de Abril de 1850, funccionando os mesmos cavalheiros, menos o Sr. Duque de Palmella, que nessa occasião se achava doente. Eu derivo destes documentos duas consequencias, a primeira é a verdade do facto, que referi, e a segunda é que a Secção Administrativa do Conselho de Estado composta de homens todos eminentes, excepto eu, entendeu que dois Conselheiros de Estado que eram Ministros, não estavam, por esta circumstancia, privados de funccionar naquella qualidade. Dou isto em resposta ás observações, que aqui se fizeram, de que os Ministros estavam inhibidos de funccionar como Conselheiros de Estado: o contrario porém é uma cousa julgada, a que ninguem se oppoz, e tem a auctoridade do proprio Sr. Conde de Thomar, porque se deu durante a Administração presidida por S. Ex.ª

Tambem disse eu nesse debate, que uma disposição, que vinha no projecto de S. Ex.ª de 1843, era que a Secção Administrativa funccionava dando ás suas deliberações a fórma de consultas, que só poderiam obrigar sendo approvadas pelo Governo; e observei a este respeito, que esta disposição era inutil, porque a Secção Administrativa estava exactamente na situação, em que está o Procurador Geral da Corôa, o Conselho Ultramarino, o Conselho das Obras Publicas, e, n'uma palavra, qualquer funccionario, ou corporação, que o Governo consultar. O Digno Par admirou-se de que só agora fizesse eu esta observação, e o não tivesse feito em 1845: responderei, que nessa occasião era desnecessario faze-la, porque S. Ex.ª já tinha retirado essa idéa, e não havia vantagem alguma em analysar um projecto, que tinha sido retirado pelo seu auctor.

Agora vou occupar-me da proposta do Digno Par o Sr. Conde Thomar. Diz esta proposta o seguinte (leu):

«A Camara dos Pares, ouvidas as explicações «do Governo sobre o modo por que providenciou «para funccionarem as Secções Administrativa e «do Contencioso Administrativo do Conselho de «Estado, e não as julgando satisfactorias, passa á «ordem do dia. — Conde de Thomar.»

Coméço por declarar, que acho esta redacção demasiadamente laconica.

A Camara está interpretando uma Lei, e o Digno Par propõe á Camara que declare, que o Governo, na execução que deu a essa Lei andou inconvenientemente, e então o Governo tem direito, sendo approvada a proposta, de perguntar qual é a razão porque andou inconvenientemente, e parece-me que esta circumstancia devia vir tambem declarada na proposta; mas não acontece assim. Pediria, portanto, >ao Digno Par que formulasse melhor a sua proposta, mas sobre tudo pedia-lhe no seu interesse como homem publico, que riscasse della o que diz respeito á Secção Administrativa, porque S. Ex.ª não póde inflingir censura alguma a este Ministerio, em relação a essa Secção, que não recaia tambem sobre S. Ex.ª

Porém talvez que o Digno Par tenha motivos que eu ignoro, para dizer que a Secção Administrativa do Conselho de Estado está funccionando inconvenientemente, e neste caso tenho direito para perguntar a S. Ex.ª quaes são esses motivos: será porque foram chamados dois Conselheiros de Estado extraordinarios a funccionar nessa occasião? Se é por isto, não tem razão alguma o Digno Par, porque vieram para substituir dois Conselheiros effectivos que teem legitimo impedimento: um é o Sr. Conde de Lavradio, que se acha em Londres, e o outro é o Sr. Rodrigo da Fonseca Magalhães, tambem impedido por motivo de uma grave doença, o que sinto bastante, porque sou amigo deste cavalheiro, e faço votos para que este impedimento cesse quanto antes: mas este é o facto por que S. Ex.ª não funcciona naquella Secção, de que é um dos melhores ornamentos. Ha porventura aqui irregularidade? Não. -

Será porque um desses Conselheiros de Estado extraordinarios é actualmente Ministro? Tambem não é de esperar, que o nobre Conde censure esta Administração, por ter feito o que S. Ex.ª fez, e que por consequencia tem á auctoridade do seu nome e dos seus actos. Espero" pois que S. Ex.ª se explique a este respeito, porque me acho n'uma situação difficil, combatendo esta proposta por conjecturas, e afigura-se-me que o Digno Par ha de começar por eliminar esta parte da sua censura, que S. Ex.ª não poderá sustentar sem se pôr em contradicção manifesta com o seu proprio procedimento como Ministro.

Agora segue-se o que diz respeito á Secção do Contencioso Administrativo, e já se vê, Sr. Presidente, que se o Digno Par entendeu, durante o seu ultimo Ministerio, que dois Conselheiros de Estado podiam funccionar na Secção Administrativa sendo Ministros, é consequencia rigorosa, que um Conselheiro de Estado, que é Ministro, póde presidir esta Secção, porque o artigo da Lei, que o auctorisa a funccionar, o não inhibe de presidir. E se esta hypothese se podia verificar na Secção Administrativa, não sei como se possa sustentar, que o que era regular na Secção Administrativa o não seja na do Contencioso. A questão volta pois sempre ao mesmo campo, isto é, se a Secção do Contencioso Administrativo é um Tribunal superior, independente do Governo, tendo uma jurisdicção propria, ou se consulta só sobre os assumptos da sua competencia, mas sem jurisdicção propria, não tendo por consequencia o Governo obrigação de se conformar com as suas consultas. Esta é que é a questão vital, que já aqui foi tractada, e só depois que ella fosse resolvida é que poderia discutir-se a proposta, que foi mandada para a mesa.

Mas como se insistiu aqui na mesma incompatibilidade de funccionarem os Ministros, sendo Conselheiros de Estado na secção administrativa, eu pediria aos Dignos Pares que reflectissem um pouco sobre as funcções que tem a exercer a secção administrativa: essas funcções estão mencionadas nos diversos Decretos que tem organisado o Conselho de Estado. A secção administrativa é ouvida, por exemplo, sobre todos os regulamentos de administração publica, póde ser ouvida sobre todos os projectos que o Governo tem que submetter ao Parlamento, e póde ser ouvida sobre quaesquer negocios graves de administração, sobre que o Governo tiver duvida que deseje esclarecer. Pois que mal faz para o andamento destes negocios, que um Ministro ou todo o Ministerio esteja nessa secção? Poder-se-ha dizer, que ha inconveniente em que o Ministro da Fazenda, que quer apresentar um projecto de lei para o melhoramento do systema das contribuições, faça parte da secção administrativa, e discuta com ella esse projecto? Ninguem por certo o dirá; porque o Ministro vai fornecer a essa secção uma massa de esclarecimentos, fructo da experiencia que tiver adquirido, e vai por outra parte esclarecer-se com o debate, que ha de ter logar na mesma secção. A questão que nos occupa, deve pois reduzir-se, torno a dizer, a examinar se a secção do contencioso administrativo em logar de ser um Tribunal superior, que funcciona independentemente, tendo jurisdicção propria, e sendo o Governo obrigado a conformar-se com os Decretos que acompanham as suas consultas, é pelo contrario um corpo méramente consultivo, como o é a secção administrativa, com cujas consultas o Governo póde deixar de se conformar. Se fôr esta a sua natureza, não ha o menor inconveniente em que os Ministros de Estado, Conselheiros de Estado, façam parte dessa secção, como o não ha em que façam parte da secção administrativa.

O Digno Par sustenta que a secção do contencioso é um Tribunal independente, e eu sustento que é méramente consultivo. O Digno Par soccorre-se para sustentar a sua opinião ao regulamento de 9 de Janeiro de 1850, e eu respondo, que esse regulamento não póde revogar a Lei de 3 de Maio de 1845; porque a Lei de 11 de Julho de 1849, que auctorisou o Governo a fazer esse regulamento, revendo o de 16 de Julho de 1845, tinha por condição essencial, que as alterações que se fizessem, fossem conformes com as bases daquella Lei. Logo a Lei de 3 de Maio de 1845 não póde ser interpretada pelo regulamento de 1850: mas sim é este regulamento que deve ser interpretado por essa Lei. Ora a Lei de 1845 diz expressamente o seguinte (leu):

«Art. 15.° Por qualquer modo que o Conselho «de Estado funccione, as suas deliberações serão «reduzidas á fórma de consultas, as quaes sómente obrigarão depois de resolvidas pelo Governo; mas nos casos em que pelo Decreto do «1.° de Agosto de 1844 se exige voto deliberativo do Conselho de Estado, não poderá ter logar «a transferencia dos Juizes de segunda instancia, «nem a demissão dos professores de instrucção «superior, sem que a consulta seja affirmativa e «tomada em Conselho de Estado politico.»

Este artigo contém duas prescripções, uma regra geral e uma excepção. Qual e a excepção? A excepção diz ao Governo: não podeis transferir um Juiz fóra de tempo, contra sua vontade, sem voto affirmativo do Conselho de Estado, isto é, tendo obrigação de vos conformar com esse voto. Não podeis igualmente demittir um professor sem voto affirmativo do Conselho de Estado.

Para que vem aqui esta excepção, Sr. Presidente? Vem para firmar a regra geral, que é: que por qualquer modo que o Conselho de Estado funccione, as suas deliberações serão reduzidas á fórma de consultas, que sómente obrigarão depois de resolvidas pelo Governo. O Governo póde pois conformar-se ou deixar de se conformar com essas consultas, e isto tanto em relação á secção administrativa como á do contencioso, porque a Lei não faz distincção alguma entre ambos, antes diz muito terminantemente, que esta regra se applica ao Conselho de Estado, qualquer que seja a fórma porque elle funccione.

Mas, disse o Digno Par, o pensamento do Governo, o meu pensamento, era o contrario disso, quando se fez essa Lei. Peço perdão ao Digno Par para repetir, que S. Ex.ª tinha em 1843 o pensamento que sustenta hoje, o de constituir no Conselho de Estado uma secção que resolvesse em ultimo recurso as questões do contencioso administrativo, e as resolvesse pelos seus accordãos. Não ha duvida, e fui eu o primeiro que referi á Camara esta circumstancia, lendo o projecto que o Digno Par apresentou nessa época na Camara dos Srs. Deputados; mas não é menos exacto que em 1845 reconheceu S. Ex.ª que este principio era um erro em administração, e retirou o seu projecto, annuindo a uma substituição da commissão de administração publica, em que vinha estabelecido uma doutrina diametralmente opposta, e é essa doutrina a que vem exarada na Lei de 3 de Maio de 1845, que acabei de expôr á Camara.

E se eu carecesse de levar agora este negocio á ultima evidencia, bastava recorrer de novo á discussão que teve logar na outra casa do Parlamento sobre o mesmo assumpto, e estou certo de que nenhum dos Jurisconsultos, que me ouvem, deixará de reconhecer, que a discussão que teve logar á respeito das disposições d'uma lei é o meio o mais competente para a interpretar, quando houver alguma obscuridade a respeito della.

Ora eu já demonstrei que o artigo 15.º da lei dê 3 de Maio de 1845, que resolve a questão de que tractamos, foi objecto de uma larga e luminosa discussão, em que tomaram parte varios oradores, sendo o Sr. José Maria Grande o que mais o combateu. Nesse debate foi demonstrado, que o pensamento do artigo era que a secção do contencioso era tão consultiva como a secção administrativa; que o Governo tinha o direito de se não conformar com as consultas da secção do contencioso, e que resolver as questões do contencioso era administrar. Esta doutrina foi tambem sustentada pelo Digno Par o Sr. Ferrão, e pelo Digno Par o Sr. Conde de Thomar, que mais tarde, como Ministro veio a reformar essa lei.

S. Ex.ª esquecido porém das doutrinas, que então sustentára, está hoje a accumular argumentos sobre argumentos para refutar as sua proprias opiniões dessa época, e a doutrina contida nos seus proprios actos. Um desses argumentos é que seria absurdo, que o Ministro que manda levantar um conflicto seja quem ha de resolver esse conflicto. A este argumento respondi já, allegando entre outras razões, que o contencioso da fazenda publica pertencia, por virtude de varias providencias legislativas do tempo de uma das administrações do Digno Par, ao tribunal do Thesouro publico, antes de passar para o Conselho de Estado, e que esse tribunal tomava conhecimento dos recursos interpostos pelos collectados e pela fazenda publica, quando se julgavam lesados pelo excesso ou diminuição das collectas: que quem mandava interpor os recursos por parte da fazenda publica era o Ministro da Fazenda; que quem presidia aquelle tribunal, e que tomava conhecimento desses recursos, era ainda o Ministro da Fazenda: e que quem resolvia as consultas desse tribunal sobre esses recursos era ainda o proprio Ministro da Fazenda. O Digno Par fugiu de responder a este argumento de paridade, nem o podia fazer, a não ter S. Ex.ª de confessar, que esta doutrina, estabelecida em leis suas, era tambem um grande, absurdo, como S. Ex.ª qualifica a doutrina, que eu sustento, que se deriva da actual legislação sobre o Conselho de Estado.

O Sr. Conde de Thomar fugindo da lei de 1845, para que o hei de chamar sempre, foi asylar-se no Decreto de 9 de Janeiro de 1850, e disse: — mas o Ministro da Fazenda não vê que nesse Decreto se determina que o Ministro, ou os Ministros são os Presidentes natos das commissões do Conselho de Estado, que funccionam junto a cada um dos Ministerios, e que se a lei quizesse que os Ministros presidissem á secção administrativa e á do contencioso administrativo havia dizel-o. —Nisto ha grande confusão de idéas. Este Decreto quando diz que os Ministros são Presidentes natos das commissões, tracta de Ministros que não são Conselheiros de Estado/ e que mesmo sendo Conselheiros de Estado não presidem por serem Conselheiros de Estado, mas por serem Ministros: tanto é assim que na falta delles preside o Conselheiro de Estado mais antigo da commissão. Esta disposição do regulamento não tem pois applicação á questão presente; porque não ha aqui nenhum Ministro de Estado presidindo a uma secção por ser Ministro, mas ha o Ministro presidindo a essa secção porque é Conselheiro de Estado, e a lei não diz que o Conselheiro de Estado que é Ministro não possa fazer parte de uma das secções do Conselho de Estado. (O Sr. Ferrão—Peço a palavra sobre a materia). Esta é a questão: o Decreto de 9 de Janeiro de 1850 não diz que um Ministro que é Conselheiro de Estado está inhibido de funccionar nas secções em que se divide o Conselho, diz antes o contrario; porque declara no artigo 7.º que as funcções de Conselheiro de Estado não são incompativeis com o exercicio de qualquer outro emprego publico. A não ser assim o Sr. Conde de Thomar tinha que vir pedir perdão á Camara por ter violado a lei, consentindo que Conselheiros de Estado, que eram Ministros, funccionassem n'uma das secções do Conselho de Estado.

Se a mente do legislador fosse a que pertende o Sr. Conde de Thomar far-se-ia nesse artigo 7.° uma excepção a favor das funcções de Ministro de Estado, dir-se-ía: — As funcções de Conselheiro De Estado não são incompativeis com o exercicio de qualquer outro emprego publico, á excepção do de Ministro de Estado. Mas tal excepção não está na lei, e o que a lei não distingue ninguem tem direito de distinguir. É uma regra de hermeneutica juridica.

Quando eu digo, que funcciono na secção do contencioso, não como Ministro, mas como Conselheiro de Estado, responde o Digno Par, que não comprehende esta distincção. Pois devia comprehende-la, porque está no Decreto, que S. Ex.ª está aqui sempre a citar. Que diz esse Decreto no artigo 24.°? Diz o seguinte (leu):

«Os Ministros e Secretarios de Estado effectivos podem assistir ás sessões da Assembléa geral do Conselho de Estado, e propôr os negocios da sua competencia, mas não poderão votar, salvo se forem Conselheiros de Estado effectivos.»

Pergunto—o Conselheiro de Estado que é Ministro, e que leva um negocio á Assembléa geral do Conselho de Estado, em que qualidade vota? Vota na qualidade de Ministro, ou na de Conselheiro de Estado? Vota na qualidade de Conselheiro de Estado. Pois é exactamente o que me acontece agora—funcciono na secção do contencioso, não como Ministro, mas como Conselheiro de Estado: e funcciono, porque o artigo 7.° do Regulamento de 9 de Janeiro de 1850, copiando a Lei de 3 de Maio de 1845, não declara incompativeis as funcções de Conselheiro de Estada com as de Ministro.

Sustento que mesmo quando houvesse obscuridade a este respeito, deviamos procurar desvanece-la, consultando a discussão, que teve logar entre nós sobre este assumpto, consultando a legislação franceza, de que a nossa é copiada, quanto á organisação do Conselho de Estado. Ora em relação ao primeiro meio tenho levado esta questão á ultima evidencia; e quanto ao segundo peço á Camara me permitta fazer ainda a respeito delle algumas observações.

Começarei pelo Decreto Imperial de 11 de Junho de 1806, porque se me affigura que os Dignos Pares não julgarão applicavel a legislação da republica, á nossa situação actual. Diz elle o seguinte (leu).

DECRETO DE 11 DE JUNHO DE 1806.

Dos negocios contenciosos. «Artigo 24.° Haverá uma commissão presidida «pelo grão-Juiz, Ministro das Justiças, e composta de seis maitres des requêtes e de seis auditores.

«Art. 25.° Esta commissão instruirá e preparará o relatorio de todos os negocios contenciosos sobre os quaes o Conselho de Estado tiver «de resolver, ou estes negocios sejam apresentados pelo relatorio de um Ministro, ou a requerimento das partes interessadas.»

Que quer isto dizer? Quer dizer, que o exame dos negocios contenciosos começa n'uma commissão composta de empregados amoviveis, a qual ' é presidida pelo Ministro das Justiças.

Vejamos agora o que diz a este respeito o Decreto de 23 de Novembro de 1815. Diz elle o seguinte (leu):

«Artigo 1.° Quando o Presidente do nosso Conselho de Ministros, e, na sua falta o nosso Guarda Sellos, estiver impedido de presidir ao Conselho de Estado reunido, serão substituidos por um dos nossos Ministros Secretarios de Estado, se um delles estiver presente, e seguindo a ordem dos Ministerios se muitos estiverem presentes.

«Artigo 2.° No caso de não estar presente nenhum dos Ministros e Secretarios de Estado ao «Conselho de Estado reunido, o mesmo Conselho «será presidido por um dos Conselheiros de Estado por nós nomeado, por um anno.»

O Decreto de 31 de Agosto de 1824 diz o seguinte (leu):

«Artigo 1.° O nosso Conselho de Estado compõe-se:

Dos principaes da nossa familia, quando julgarmos a proposito de o presidir, e que nós os «chamarmos, dos Ministros Secretarios de Estado; «dos Ministros de Estado, quando os chamarmos; «de Conselheiros de Estado; de maîtres des requétes de Auditores.

«Artigo 32.° O Conselho de Estado, quando não julgarmos a proposito de o presidir, será presidido por um dos nossos Ministros e Secretarios de Estado.

«Na nossa ausencia, a presidencia pertence ao Presidente do Conselho de Ministros, e, na falta deste, ao nosso Guarda Sellos, Ministro Secretario de Estado na repartição das Justiças.

«Na falta do nosso Guarda Sellos, a presidencia pertence aos nossos Ministros Secretarios de Estado na ordem de seus Ministerios.»

O Decreto de 25 de Setembro de 1839 diz o seguinte (leu):

«Art. 21.° As deliberações do Conselho de Estado são tomadas em assembléa geral, e á maioridade de votos. A assembléa geral é composta dos Ministros Secretarios de Estado, dos Conselheiros de Estado em serviço ordinario, e dos Conselheiros de Estado em serviço extraordinario, auctorisados a participar dos trabalhos e deliberações. Ella é presidida, na ausencia do Guarda-sellos, por um dos Ministros presentes na sessão. No caso de empate, o voto do Presidente decide.

«Art. 29.° Os negocios contenciosos são relatados no Conselho de Estado em assembléa geral, e em sessão publica; os Conselheiros de Estado, e Maîtres des requêtes em serviço ordinario assistem unicamente a estas assembléas geraes: os Auditores tambem alli são admittidos. «Depois dos relatorios, os Advogados das partes podem apresentar observações oraes. O Commissario do Rei dá o seu parecer.»

A Lei de 19 de Julho de 1845 diz o seguinte (leu):

«Artigo 1.° O Conselho de Estado é compostos

1.° Dos Ministros Secretarios de Estado;

2.° De Conselheiros de Estado;

3.° De Maîtres des requêtes;

4.° De Auditores.

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«Art. 2.° O Guarda-sellos, Ministro Secreta rio de Estado da Justiça, é Presidente do Conselho de Estado.

«Um Vice-Presidente é nomeado pelo Rei.

«Elle preside aò Conselho de Estado na ausencia do Guarda-sellos e dos Ministros. Elle preside igualmente ás differentes commissões quando julgar conveniente.

«Art. 14.° As deliberações do Conselho de Estado são tomadas em assembléa geral á maioridade de votos.

«A assembléa geral é composta dos Ministros Secretarios de Estado, dos Conselheiros de Estado em serviço ordinario, e dos Conselheiro de Estado em serviço extraordinario, auctorisados a tomar parte nos trabalhos e deliberações do Conselho.

«Ella é presidida, na ausencia do Guarda-sellos, por um dos Ministros presentes á sessão na falta destes, pelo Vice-Presidente do Conselho de Estado.

«Art. 21.° O relatorio dos negocios contenciosos é feito no Conselho de Estado em sessão publica.

«Os Conselheiros de Estado e os Maitres des requetes em serviço ordinario teem unìcamente o direito de tomar assento; os Auditores assistem á sessão.

«A sessão é presidida pelo Guarda-sellos, e na sua ausencia, pelo Vice-Presidente do Conselho de Estado.

«Art. 24.º A deliberação não é publica. O parecer do Conselho de Estado é transcripto pelo processo verbal das deliberações, qual faz menção dos membros presentes que deliberaram.

«A disposição que intervier é referendada pelo Guarda dos sellos.

«Se a disposição não fôr conforme com o parecer do Conselho de Estado, ella não poderá «ser tomada senão com o parecer do Conselho «de Ministros; deve ser motivada e inserida no «Monitor, e no Boletim das Leis.»

Deixando porém de parte todas estas Leis to memos unicamente por ponto de partida a Lei de 19 de Julho de 1845, por ser uma Lei da Monarchia de Julho, por ter sido largamente discutida nas Camaras, e porque a respeito della ninguem poderá dizer, que se tinha por fim, promulgando-a, calcar aos pés as liberdades publicas, e despresar todos os direitos e garantias constitucionaes dos cidadãos, como aqui se disse a respeito dos principios que tenho sustentado. Segundo essa Lei, como acabo de fazer vêr, os Ministros são membros natos do Conselho de Estado, e funccionam nas suas secções, quando lá querem ir. Os negocios contenciosos são resolvi dos em assembléa gera], que é presidida pelo Ministro da Justiça, e o Governo tem o direito de se não conformar com a consulta respectiva, apesar de assignada por um Ministro. Aqui tem pois a Camara como todos esses absurdos, segundo a qualificação do Digno Par, se dão em França, e parece-me que não é sufficiente resposta a este argumento o dizer-se, que em França se não seguem os bons principios.

Quando em 1845 teve logar entre nós a famosa discussão do projecto, que foi convertido na Lei de 3 de Maio desse anno, o illustre relator da commissão, procurando justificar a substituição ao projecto apresentado em 1843 pelo Digno Par o Sr. Conde de Thomar, foi basear os seus argumentos não só na doutrina dos jurisconsultos francezes, cujas idéas eu já tambem tive a honra de expôr nesta Camara, mas na opinião do Sr. Persil, desenvolvida no luminoso relatorio que apresentou sobre este importante assumpto na Camara dos Pares. Tractava-se então de saber, se no exercicio das suas attribuições judiciarias o Conselho de Estado devia ter as garantias de independencia que offerece a magistratura ordinaria; se devia por consequencia ser posta fóra da administração, e constituido como um Tribunal separado e independente da auctoridade administrativa. No relatorio do Sr. Persil encontram-se a este respeito as considerações seguintes (leu):

«Quando, pela primeira vez, em 1833, o Governo chamou as vossas meditações sobre esta importante materia, o Conselho de Estado, que illustres recordações, e brilhantes serviços toariam devido victoriosamente defender de toda a prevenção desfavoravel, era ainda o objecto de numerosos ataques. A publicidade de suas sessões no contencioso, a defeza oral e contradictoria introduzidas em 1831, tinham começado a desarmar a critica, mas suscitava ainda duvidas sobre a utilidade do Conselho de Estado, e sobre a sua Constitucionalidade. Propunham assegurar a sua independencia pela inamovibilidade, e mesmo substituil-o por um Tribunal que definitivamente julgasse os negocios contenciosos de administração.

«Não vos esquecestes, Senhores, do sabio relatorio do primeiro Presidente, o Sr. Conde Portalis. Vós vos lembrais da séria discussão que elle provocou "neste recinto. A utilidade do Conselho de Estado, ou, para melhor dizer, a sua necessidade, foi universalmente reconhecida— a sua constitucionalidade posta ao abrigo de toda a objecção pela definição exacta de seu caracter. O Sr. Conde de Portalis dizia nesse relatorio:

«O Conselho de Estado não é por si mesmo um «poder publico, não é senão o instrumento de «um dos poderes publicos definidos pela Carta. «Quando não existisse o Conselho de Estado, a «maior parte dos negocios, que são sujeitos ao «seu exame, não deixariam por isso de ser da «competencia administrativa. Não é por causa «delle que esta competencia existe, é, pelo contrario, por causa desta competencia que elle foi «instituido.» Mais adiante diz o Sr. Persil o seguinte (leu): «Os partidarios do Tribunal administrativo discorrem da maneira seguinte.

«Se o Governo nos seus actos fere unicamente interesses, só elle é juiz da reclamação que lhe é dirigida. Deve acontecer o contrario, se elle se julgar offendido por um direito privado, e que derive de uma Lei, ou de um contracto; a parte lesada, ou que se julga lesada, não tem sómente a faculdade de representação, e de supplica, compete-lhe um direito legal, uma verdadeira acção; não é já uma questão de simples administração, é negocio de justiça. ¦ Ora, toda a justiça torna necessario um juiz. Aonde terceiros teem direitos a sustentar, deve haver sentença, e não consulta. A Carta assim o intendeu, quando disse (artigo 48.°), que toda a justiça devia ser delegada sem admittir a distincção entre a justiça ordinaria, e a justiça administrativa. Não se póde objectar que a justiça administrativa não é susceptivel de delegação, pois que nós a vemos delegada ao Tribunal de Contas, e aos Conselhos de prefeitura. Eis-aqui a resposta:

«É uma regra elementar, que cada podér deve «conservar-se na sua esphera, e conhecer de seus «próprios actos. Se os Tribunaes podessem annullar os actos administrativos, ou a Administração «os actos do podér judiciario, teriamos perdido «o grande beneficio da separação dos poderes, «pela qual, durante cinco annos, se tem dado justos louvores á Assembléa constituinte. Não ignoramos que aquelles que pedem a creação de um «Tribunal especial, e lhe dão o titulo de Tribunal administrativo, julgam collocal-o fóra do alcance do podér judiciario, deixando-o na ordem «administrativa. Vã tentativa! A verdade vencerá «sempre a subtileza da lingoagem.» Qual seria a missão deste Tribunal, senão a de julgar, unicamente, a de julgar? Qual seria a sua posição perante o Governo? Não seria, como os outros Tribunaes, independente da sua acção, quer se lhe desse a inamovibilidade, quer se estabelecessem unicamente condições ao direito de destituição? Não formaria sómente uma variante do podér judiciario, seria como os Tribunaes do commercio que não entram menos neste podér, ainda que se não occupem senão de materias especiaes. O Tribunal administrativo usurparia as funcções da Administração, e tomaria o logar della. A Administração não acaba quando emitte o acto, ou pronuncia a decisão, sobre a qual póde elevar-se mais tarde a acção contenciosa. A decisão é ainda acto da Administração, como os accordãos que intervêm sobre julgamentos dados em primeira instancia são sempre um exercicio do podér judiciario. O acto não é completo senão quando elle póde vencer todas as resistencias, e ter execução. Só aquelle, que definitivamente o póde deixar subsistir, tem direito de lhe dar outra interpretação, ou substituil-o por um acto inteiramente opposto. — «Dar similhantes attribuições a um Tribunal inamovível (ou não), dizia «o honrado relator de 1834 (o Sr. Conde Portalis), seria elevar acima da Administração um podér que não póde ser independente della, sem «que ella Seja dependente delle. Único no reino «este Tribunal fiscalisará a universalidade dos «actos administrativos. Se elle fica estranho ao «systema, e á marcha do Governo, elle poderá «deshonrar os agentes da Administração que não «tiverem perdido a confiança do Rei, e do seu «Conselho; elle poderá mesmo, arrastado pela «vantagem ou inconveniencia da sua posição, «exercer, sobre os Chefes da Administração, uma «censura tanto mais temível, quanto que, separada do direito de os accusar, tornaria sua justificação legal impossivel. Se, pelo contrario, «este Tribunal podesse ser iniciado no systema a marcha da Administração, tenderia incessantemente a dominal-a. Seria introduzir no Estado «uma terceira camara, especie de commissão intermediaria, cujas sessões seriam permanentes, «cujos membros, tendo as tradições de todas as «Administrações, e velando pela execução de toadas as Leis, derivariam da sua posição uma força, «e do conhecimento dos factos uma vantagem, «contra a qual nenhuma instituição poderia luctar.»

Nesse mesmo relatorio se lê mais adiante o seguinte (leu):

«Outra objecção foi proposta. Diz-se: se, em ultima analyse, é o Governo que fica juiz do contencioso administrativo, se não recebe senão conselhos, elle é juiz ria sua propria causa, e, o que é peior, juiz soberano.

«Não é uma distincção subtil, a que obsta a que se confunda o Governo, ente collectivo, moral, politico, e os homens aos quaes a Carta e a vontade do Rei confiam o exercicio delle. O Governo, isto é, a sociedade, em favor da qual o Governo actua, tem todo o interesse na contestação, pois que é quem della tira proveito, e que as rasões para a decisão, devem sempre ser baseadas na sua maior vantagem; mas não acontece o mesmo a respeito daquelles que, como Ministros são chamados a pronunciar. Nenhum interesse pessoal os liga á contestação, nem mais nem menos do que aconteceria a quaesquer outros cidadãos; nem podem ser arguidos de menos parciaes do que quaesquer outros. Ninguem lhes faria a injuria de os recusar, tornando por fundamento que o amor proprio advogaria a favor da decisão que elles tivessem tornado. A sua posição elevada, o cuidado da sua consideração, a missão que preenchem, os torna superiores a uma tal censura.

«Por outro lado, as nossas leis dão satisfação aos mais incredulos aos mais supeitosos, quando ellas exigem a intervenção do Conselho de Estado. O publico assiste á instrucção do negocio, é na sua presença que se expõem os factos. Os advogados desenvolvem os aggravos; respondem ás objeções do commissario do Governo, e o Decreto real preparado pelo Conselho, que é estranho á administração activa, e não tem tomado parte na decisão combatida é depois lida publicamente. Não ha porventura neste processo todas as garantias de imparcialidade, e de recta administração? Contentar-se-hião, sem duvida, se nós não pedissimos para o Governo, o que tem sempre logar, o direito de não se submetter. Nós já demos as rasões disto. A principal é esta: que com a submissão obrigada aos pare

«ceres do Conselho, o Conselho de Estado seria posto á testa da administração activa; embaraçaria a acção do Governo e usurparia as suas funcções.

«Habitualmente, ou pelo menos quasi sempre, o Governo abraça os pareceres do Conselho de Estado; aproveita-se de suas luzes, e se appropria a sua profunda experiencia, mas o principio que reserva a decisão ao governo deve ser mantido, como uma suprema garantia dos interesses geraes, para assegurar a liberdade da acção e a independencia da administração, para motivar a sua responsabilidade. De que se não tem exigido esta responsabilidade conclue-se, que ella é uma garantia illusoria, porém isto o que prova, é que o Governo não ferio interesse algum, nem desconheceu nenhum direito. Occorrendo, o que Deos não permitta, qualquer caso de flagrante injustiça, ou de prevaricação, ver-se-ha o que é a responsabilidade ministerial e que arma ella se póde tornar. Resumamo-nos.

«A opinião unanime de vossa commissão, conforme ao voto emittido pela Camara em 1834 é que a decisão dos negocios contenciosos administrativos pertence ao Governo que não poderia delegar sem abdicar. O conselho de Estado é o instrumento de que elle se serve para dar essa decisão (a administração pede, e recebe os seus pareceres); mas em ultima analise, o Governo só é que deve decidir.

«Este principio tem sempre prevalecido em França, antes e depois da revolução de 1789. Deriva do artigo da Carta que dá ao Rei (só) o podér executivo. O Governo deve conservar a suprema auctoridade sobre os actos da sua competencia. Atribui o conhecimento delle a um podér qualquer, administrativo ou judiciario debaixo de qualquer designação que seja, Conselho ou Tribunal, é um superior que vós tereis creado.

«O Governo, depois disso só terá no Estado, «o segundo logar, cessará de ser governo.» «Mas objecta-se, que estas doutrinas são combatidas por muitos auctores em França: respondo, «que a questão, que nos occupa, não é uma questão de juro constituendo, mas sim de constituto, «e que se me não appontará um só auctor, que «interprete as leis de França sobre o Conselho «de Estado de uma maneira diversa daquelle que «as interpreto, embora alguns delles discordem «dos principios contidos nessas leis, e desejem a «sua modificação. Mas a esses auctores posso oppor muitos, cujas opiniões já li a esta Camara, e não lerei agora de novo para a não fatigar.

Resumindo as considerações que tenho exposto, direi que para mim, e para todos os que estudarem esta questão, é ponto que não póde admittir duvida, que o Conselho de Estado em Portugal quando funcciona na secção administrativa, ou na secção do contencioso administrativo é sempre consultivo, e que o Governo nenhuma obrigação tem de se conformar com as consultas que o mesmo Conselho lhe apresentar, e que a Lei de 3 de Maio do 1845 se não oppõe a que os Conselheiros de Estado que são Ministros possam funccionar em qualquer daquellas duas secções, havendo já disto precedentes em Portugal, porque funccionaram dois Ministros, que eram Conselheiros de Estado, na secção administrativa, sendo então tambem Ministro o Digno Par o Sr. Conde de Thomar. Nestas circumstancias eu entendo que não ha a menor irregularidade no modo pelo qual o Governo fez funccionar agora as secções administrativa, e do contencioso administrativo do Conselho de Estado.

Reconcentrando-me mais em relação ao objecto que se discute, repetirei o que já disse em outra occasião nesta Camara, e vem a ser — que este negocio está sendo discutido na outra Camara, onde se tem feito as mais serias e graves accusações ao Governo, como os de haver violado as Leis, e de ter postergado todas as disposições da Carta Constitucional, e se alli forem julgadas procedentes estas accusações, e se dellas resultar a accusação do Ministerio, é nesta Camara que elle tem de ser julgado, e eu não sei como a Camara se considerará competente para exercer as funcções de juiz, tendo manifestado antecipadamente a sua opinião. É sobre este ponto que eu chamo muito sériamente a attenção da Camara. Não me parece que a Camara dos Dignos Pares obre com a prudencia que deve acompanhar todos os seus actos, declarando que o Governo violou as Leis do Estado no modo porque se houve para que funccionassem as secções administrativa e do contencioso administrativo do Conselho de Estado, quando a outra Camara ainda se não pronunciou a este respeito, e quando póde acontecer que ámanhã a outra Casa do Parlamento emitta uma opinião contraria a esta; do que resulte dar-se um conflicto entre ambas as Camaras (vozes—conflicto!)

Conflicto, sim, senhores. Pois se esta Camara declarar hoje, que o Governo violou as Leis mandando pelo modo porque mandou funccionar o Conselho de Estado, e ámanhã a Camara dos Srs. Deputados declarar que o Governo procedeu legalmente a este respeito, não resulta daqui uma divergencia de opinião entre as duas Camaras sobre uma questão gravissima? E qual será o meio de saír desta difficuldade senão a interpretação authentica dos artigos do Código Fundamental, que dão logar a esta divergencia? É o que o Governo fez já, apresentando na outra Casa do Parlamento um projecto de lei a este respeito, e a Camara deveria esperar que esse projecto aqui viesse para exprimir então a respeito delle, e de tudo o que tem occorrido a este respeito, a sua opinião.

Acho sobre tudo notavel que dois Dignos Pares, porque entendem a lei por um modo, venham censurar o Governo porque a entende por outro! Pois o direito de interpretar as leis é exclusivo destes dois Dignos Pares, ou mesmo só desta Camara? Pois em materia de opinião havemos de propôr censuras para com aquelles que teem idéas differentes dos nossos? Os Dignos Pares querem portanto outra cousa, mas devem lêr a coragem de o dizer. Os Dignos Pares querem que a Camara declare ¦ indirectamente por este modo, que o Governo não merece a sua confiança: proponham pois a questão assim, que obrarão com mais franqueza, porque a questão que se trouxe do Conselho de Estado tem só esse fim em vista. E a verdade é, que se a questão se conservar neste terreno, cada um dos Dignos Pares mettendo a mão na sua consciencia, e tendo estudado esta grave questão, não poderá de certo dizer que o Governo violou as leis, e postergou a Carta Constitucional nas medidas que adoptou, e que fazem o objecto da censura, que está sobre a mesa.

Mas já que aqui veio esta proposta, que eu entendo sáe das attribuições da Camara, já que aqui veio, ha outro caminho a seguir, e é que seja esta proposta enviada a uma commissão, a qual composta de homens ilustrados, e todos os membros desta casa o são, ha de estudar o assumpto, e depois de muito bem examinado, dará o seu parecer sobre elle, que servirá de thema á discussão, e nestas circumstancias não haverá a temer os resultados da postergação que tem havido agora. Eu não pertendo dar conselhos á Camara, mas peço-lhe que reflicta nos perigos a que exporá o systema representativo quando proceda de uma maneira menos conveniente. A Camara resolverá como entender; mas eu estou persuadido de que na decisão, que tomar, se não esquecerá do que deve á sua propria dignidade, e ao paiz que nos ouve. Tenho concluido.

O Sr. Joaquim Antonio d'Aguiar.... O Sr. Conde de Thomar.... (Da acta.) «Os Dignos Pares Joaquim Antonio d'Aguiar e Conde de Thomar fizeram varias observações e argumentos contra a doutrina sustentada pelo Sr. Ministro da Fazenda.» O Sr. Conde da Taipa.... (Da acta.) « O Digno Par Conde da Taipa, sobre a ordem, dirigiu algumas perguntas ao Digno Par Conde de Thomar desejando saber se o fim do mesmo Digno Par era que se votasse a sua proposta, e sendo a resposta do Digno Par Conde de Thomar afirmativamente, entrou o Digno Par em diversas considerações sobre a sua importancia, e offereceu a seguinte proposta que mandou para a mesa:

«Proponho que a moção do Digno Par Conde de Thomar vá a uma commissão para dar o seu parecer sobre os fundamentos da legalidade que ella apresenta. = Conde da Taipa.»

O Sr. Presidente—O Digno Par propõe a urgencia desta proposta?

O Sr. Conde da Taipa—Eu proponho a urgencia para que possa desde já ser admittida á discussão.

O Sr. Presidente—Vou consultar a Camara se admitte a urgencia. Foi admittida.

O Sr. Presidente—Agora consulto a Camara se admitte esta proposta á discussão.

Levantaram-se alguns Dignos Pares pela affirmativa, e na contra-prova igual numero pela negativa.

O Sr. Secretario Conde de Mello — Parece-me que a votação está empatada.

O Sr. Visconde de Benegazil— Se ha duvida, faça-se votação nominal.

O Sr. Visconde de Balsemão—-Eu peço a votação nominal.

O Sr. Aguiar—Tambem eu (muitos apoiados). O Sr. Visconde d'Algés — Peço a V. Ex.ª que antes da chamada queira mandar lêr a proposta sobre que vai votar-se nominalmente. (Leu-se).

O orador—Por consequencia, é sobre os fundamentos da legalidade que apresenta,... O Sr. Aguiar — Muito bem. O Sr. Presidente do Conselho—Agora peço a V. Ex.ª que declare a Camara, que o que se vai votar não é a proposta, mas unicamente se ella é admittida á discussão.

Feita a chamada, disseram approvo, os Dignos Pares, Duque da Terceira; Marquezes, de Loulé, e de Minas; Condes, das Alcaçovas, da Arrochella, da Azinhaga, do Bomfim, da Louzã, de Paraty, da Ponte de Santa Maria, de Rio Maior, do Sobral, e da Taipa; Viscondes, de Balsemão, de Benagazil, de Castellões, de Castro, de Laborim, da Luz, e de Ourem; Barão da Vargem da Ordem; Mello e Saldanha, Sequeira Pinto, Pereira de Magalhães, Margiochi, e Larcher: total 26.

Disseram rejeito, os Dignos Pares, Marquezes de Ficalho, de Fronteira, de Niza, de Ponte de Lima, e de Vallada; Condes, d'Alva, dos Arcos, do Farrobo, de Fonte Nova, de Mello, de Peniche, da Ponte, de Thomar, e de Vimioso; Viscondes, de Algés, de Athoguia, e de Fornos de Algodres; Barões, de Ancede, e de Pernes; D. Carlos Mascarenhas, Ferrão, Aguiar, Eugenio de Almeida, Brito do Rio, e Aquino de Carvalho: total 25.

O Sr. Secretario Conde de Mello deu leitura de um officio do Ministerio do Reino, communicando que no dia 27 haviam ter logar as exequias do fallecido Cardeal Patriarcha, a que Sua Magestade havia assistir.

O Sr. Presidente — A Camara fica inteirada. Ha de nomear-se na primeira sessão a deputação que deve assistir a esta solemnidade.

O Sr. Presidente— A hora já deu: portanto continua a discussão deste assumpto, com o resto da ordem do dia, na quarta-feira, porque ámanhã é dia de commissões. Está levantada a sessão. Eram cinco horas e meia da tarde.

Relação dos Dignos Pares que estiveram presentes na sessão do dia 22 de Março de 1858.

Os Srs.: Visconde de Laborim; Duque da Terceira; Marquezes: de Ficalho, de Fronteira, de Loulé, das Minas, de Niza, de Ponte de Lima, e de Vallada; Condes: das Alcaçovas, d'Alva, dos Arcos, da Arrochella, da Azinhaga, do Bomfim, do Farrobo, de Fonte Nova, da Louzã, de Mello, de Paraty, de Peniche, da Ponte, da Ponte de Santa Maria, de Rio Maior, do Sobral, da Taipa, de Thomar, e de Vimioso; Viscondes: d'Algés, d'Athoguia, de Balsemão, de Benagazil, de

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Castellões. de Castro, da Luz, e de Ourem; Barões: de Ancede, de Pernes, e da Vargem da Ordem; Mello e Saldanha, D. Carlos Mascarenhas, Sequeira Pinto, Pereira de Magalhães, Ferrão, Margiochi, Aguiar, Larcher, Eugenio d'Almeida, Brito do Rio, e Aquino de Carvalho.

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