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ao direito da força, e como no caso presente o direito da força está pelo governo, com quanto pela igreja esteja a força do direito, suppunha digo, que prevaleceria este, e que meus queixumes seriam attendidos, cedendo o governo do que não é seu nem da corôa, mas exclusivamente da igreja. Assim se devia esperar de um governo esclarecido, que mostrasse ter desejos de pôr termo á divergencia, que existe entre elle e o episcopado; e prouvera a Deus, que esses desejos, se os houve no governo, se tivessem realisado, pois não se fallaria mais em tal questão, e nem eu me veria obrigado a fallar de novo n'esta camara contra os concursos illegaes e anti-canonicos.

Sr. presidente, quando li pela primeira vez que os concursos se não fariam para o futuro por provas publicas, mas por provas documentaes, nem entendi taes disposições, nem apesar de conhecer que lesavam os direitos da igreja, lhes dei grande apreço, pois não passava de simples e obscuro presbytero. Mas quando fui obrigado a examinar mais detidamente o objecto no seu conjuncto e em todas as suas relações, este assumpto que me parecera de natureza mui secundaria, vi então que era uma questão gravissima, uma questão de vida ou de morte para a igreja.

Convencido desta verdade, tive a honra de expor n'esta camara minhas humildes considerações, e demonstrei que nenhum padroado, e sobretudo o padroado universal da corôa, podia de modo algum subsistir sem os titulos de fundação, dotação e edificação como é bem expresso na secção 14.ª, capitulo 12.°, do concilio tridentino.

Provei que tendo sido os padroados fundados pelas leis da igreja, era necessario que, para serem considerados como abolidos pelo decreto de 5 de agosto de 1833, ou por outra qualquer lei civil, se provasse antes, ou que os padroados tinham sido fundados pelas leis do estado e não da igreja, ou que esta, se os tinha fundado, fóra por concessão do estado, ou que este era o senhor e a igreja escrava; pois se esta o não era, não podia o estado, ou poder civil, abrogar as suas leis, visto que as leis não podem ser abrogadas, senão por quem as promulgou, ou pelos seus legitimos superiores.

Eis aqui, sr. presidente, a rasão porque disse que a questão era de vida ou de morte para a igreja. Porquanto se esta é escrava e dependente do governo na escolha dos seus proprios magistrados, se suas leis podem ser abolidas por um poder estranho, qual é o estado, nem a igreja é já sociedade perfeita, nem existe, nem póde existir senão como uma sociedade ou instituição humana, e de nenhuma maneira como uma instituição ou sociedade divina. Mas a igreja, escrava e dependente do estado, não está fundada sobre a rocha, contra a qual como affirma Jesus Christo, nunca poderão prevalecer as portas do inferno, assenta unicamente sobre a volúvel vontade do homem, e a sua existencia é tão precaria e inconstante, quanto o for a vontade d'aquelle de quem ella depender.

Reconhecer pois no governo direito absoluto de apresentar todos os beneficios ecclesiasticos, é reconhecer que a igreja catholica deixa de existir de direito, pois nenhuma sociedade póde existir sem o poder de escolher os seus empregados. Assim, se o governo tem o direito absoluto do escolher ou de apresentar todos os beneficios ecclesiasticos, é elle sem duvida o chefe d'essa igreja que substituo a catholica, mas não da igreja catholica, apostolica, romana; se porém reconhece não ser chefe da igreja, então a apresentação de todos os beneficios ecclesiasticos por um direito absoluto, e não por concessão da igreja, é da sua parte uma usurpação clara e manifesta. Sem duvida, sr. presidente, se depois do decreto de 5 de agosto de 1833 já não pertence á igreja, ao papa, aos bispos a escolha dos ministros da religião, mas pertence pleno jure ao sr. ministro da justiça, n'esse caso não poderá ser verdadeira a dou trina de S. Paulo, que escrevendo a Tito (e Tito não era nenhum sr. ministro, mas um bispo), lhe dizia: «Deixei-te em Creta para que estabeleças presbyteros nas cidades como te ordenei », e nem tambem ser verdadeira a doutrina de Jesus Christo, quando escolhendo os seus apostolos lhes disse: « Todo o poder me foi dado no céu e na terra, ide e ensinae todas as nações, eu estou comvosco até á consumação dos séculos», pois que a escolha dos ministros da religião em Portugal já não pertence a Jesus Christo, ou ao seu vigario na terra, mas ao poder executivo.

Talvez, sr. presidente, por eu fazer estas considerações se levante contra mim um brado geral, e com indignação me diga—isso é abusar estranhamente da Escriptura, é confundir cousas totalmente differentes; o governo exerce um acto meramente temporal, e tem constantemente reconhecido que pertence á igreja a jurisdicção espiritual; assim, é uma falsa e calumniosa imputação, indigna de um bispo, é só um pretexto que nunca justificará a desobediencia ás leis vigentes do paiz.

Tudo isto póde ser, sr. presidente, sou homem, e como tal sujeito a erros e illusões, que podem nascer do meu entendimento, e que a vontade repelle; nem é para admirar se, privado de uma rasão illustrada, salto como se tem dito, pelos escrupulos, facilmente me deixo surprehender. Mas o que eu não ignoro, sr. presidente, é que, segundo a doutrina de S. Paulo, todo o christão, e muito mais um bispo, pondo de parte respeitos ou considerações humanas, tem por dever de consciencia obrigação de respeitar o governo estabelecido na sua patria, qualquer que seja a fórma externa de que se ache revestido. Sei que deve submetter-se a todas as suas decisões, quando não offenderem os direitos de Deus e da sua igreja; e tambem não ignoro que, quando forem violados, a desobediencia é um dever de consciencia do christão. Que ninguem comtudo conclua d'isto ser licito conspirar contra o governo, nem contra elle promover revoluções. Não, tal não é minha doutrina; pelo contrario, extranho aos interesses dos partidos, sem me importar com systemas politicos nem com mudanças de ministerio, é minha divisa—governe quem quizer, mas governo bem: nunca receei, nem receio, que os meus passos tenham sido e continuem a ser vigiados. N'este particular vivo desassombrado e na maior tranquillidade.

Devo comtudo confessar, sr. presidente, que foi grande a minha surpreza ao ver, que sendo a questão por mim defendida, em toda a extensão da palavra, uma questão religiosa, em que nem remotamente entram fins politicos, fosse ainda assim arrastada para o campo da politica pelo jornalismo que mais alardea de privança com o governo, e que inculcando-se o campeão da discussão, fugisse não poucas vezes do campo do raciocínio, para ir com pé ousado invadir e devassar o sanctuario da minha consciencia, e depor n'ella com mão sacrílega intenções mui differentes; intenções que, bem o sabe Deus, não são as minhas. Que se avaliassem os factos e o seu direito, era justo e até conveniente, mas passar alem, isso só a Deus toca e a mais ninguem. Mas já que tenho sido um rebelde e desobediente, desejo saber a que lei tenho desobedecido. Tem-se escripto que eu desobedeci ao decreto de 2 de janeiro de 1862; mas eu supponho que um decreto não é lei. Como porém elle é na sua essencia o mesmo que o decreto, com força de lei, de 5 de agosto de 1833, é a este que póde ser attribuida a minha desobediencia. Que este tenha força de lei sem ter tido a approvação do poder legislativo, lá custa a entender; tenha porém, como se diz, força de lei, seja constitucional da gemina e sirva de fundamento ao famoso Nos legem habemus do sr. ministro da justiça, (pessoa digna de todo o espirito e a quem tributo a maior veneração), tres bem energicas palavras que contém tudo quanto largamente foi dito n'esta camara sobre o assumpto, então em discussão, ás quaes eu poderia com maior justiça oppor estas outras: ATos quoque legem habemus, do que por agora prescindo; então confessarei que sou réu, se o é não reconhecer o padroado universal da corôa composto e refundido de todos os padroados particulares e de todas as collações livres, pelo decreto de 5 de agosto de 1833.

É verdade, sr. presidente, não reconheço que esse decreto imponha, nem possa impor aos bispos obrigação do conferir a instituição canonica aos nomeados pelo governo, excepto para áquelles beneficios que já antes de 1833 pertenciam ao real padroado da corôa.

Porque, sr. presidente, a quem diz respeito esse decreto do 5 de agosto de 1833? Ao poder executivo, e a maia ninguem; e como os bispos não façam parte do poder executivo, nem delles faça o decreto menção algum;», é evidente que não lhes diz respeito, nem os obriga. Se porém o governo pretende que o decreto é obrigatorio e impõe aos bispos o dever de conferirem a instituição canonica, será necessario que primeiro seja declarado e legalmente definido, que, assim como esse decreto com força de lei confere ao poder executivo o direito de apresentar todos os beneficios ecclesiasticos, concede igualmente aos bispos o poder de conferir aos nomeados pelo governo a instituição canonica. Se porém a origem do poder dos bispos para collar não procede d'esse decreto ou lei, é claro que elle nada tem que ver com os bispos.

Mas se o governo sustenta que assim como pelo decreto de 5 de agosto de 1833 tem o poder executivo absoluto direito para apresentar todos os beneficios ecclesiasticos, aos bispos incumbe a rigorosa obrigação de coitarem os nomeados pelo poder executivo; este não póde deixar de aceitar as consequencias que se seguem. Quando o padroeiro secular apresenta por virtude de concessão da igreja, o poder radical da apresentação reside n'ella, e o padroeiro secular que apresenta não é senão um mero executor d'esse poder; pelo contrario quando p padroeiro secular, por um poder absoluto e com uma total independencia da igreja, nomeia ou apresenta, é n'elle que reside o poder radical de nomear, e a igreja ou o bispo não é, nem póde ser senão um mero executor d'esse poder. Agora pergunto, sr. presidente, qual é o poder de uma nomeação civil legalmente feita? Conferir ao nomeado o direito de tomar posse do emprego, e tomada a posse exercer as funcções do mesmo emprego; é com effeito o que succede nos empregos civis, e é tambem o que deve necessariamente succeder nos empregos ou beneficios ecclesiasticos; porque, se a mesma causa produz o mesmo effeito, e, uma lei civil é a mesma causa tanto para as nomeações civis como para as ecclesiasticas, devem tambem os effeitos de ambas ser, nas duas especies de nomeações, os mesmos; e então o nomeado para um beneficio ecclesiastico, só por virtude da nomeação civil, deve ficar auctorisado para tomar posse e exercer immediatamente as funcções do seu emprego—ou por outras palavras, a jurisdicção espiritual deriva do poder executivo e não da igreja; doutrina herética, mas consequencia necessaria d'esse principio de absoluto direito de apresentar todos os beneficios ecclesiasticos. Porque o poder ou a jurisdicção não provém da auctoridade que dá posse, mas sim da auctoridade que nomeia; e como não é o bispo, mas o governo que nomeia, é o governo que confere a jurisdicção, e não o bispo que dá a posse e colla.

O governo rejeita esta consequencia, sustentando todavia que a nomeação pertence pleno jure ao governo, e que a jurisdicção espiritual tambem pleno jure pertence ao bispo conferi-la. Isto repugna á rasão; mas supponha se que não, examine se e vejamos as consequencias que resultam.

Sr. presidente, se o legislador promulgando uma lei lhe não póde dar força de produzir o ultimo e principal fim da mesma lei, ou é porque o legislador carece do poder de legislar, e então a lei é nulla por falta de poder no legislador, ou é porque não tem vontade que a lei obrigue; lei que não obriga deixa de ser lei. Se não sendo por falta de poder ou de vontade da parte do legislador, ainda assim, sr. presidente, a lei não produz o seu fim ultimo e principal (que no caso que nos occupa é dar ao nomeado poder para tomar posse, e depois exercer as funcções do seu emprego), não póde assignar-se lhe outra causa senão a de que a pessoa sobre quem recaíu a nomeação não tem as habilitações necessarias para ser nomeada; mas então nem ella o póde ser, nem o bispo está obrigado, nem deve aceita-la. Mas se o apresentado para o beneficio ecclesiastico, tendo as habilitações necessarias, ainda assim não póde, só em virtude da nomeação civil, tomar posse e exercer as mais funcções que requer e exige o beneficio, é, e nem póde deixar de ser, porque a auctoridade que o nomeia não é competente para nomear, e portanto a sua nomeação é illegal e nulla ipso facto.

Eis-aqui, sr. presidente, o que resulta quando a verdadeira origem do direito proprio e do direito por delegação se confunde ou desconhece, ou quando o seu objecto não é considerado como elle é em si, pois segundo for temporal ou espiritual, taes serão tambem os seus effeitos. Se o acto da nomeação ou apresentação para beneficios ecclesiasticos, ou outro qualquer acto que appareça revestido de uma fórma sensivel, deve só por esta rasão ser considerado como temporal, não sei que acto algum externo possa haver que seja ou possa ser espiritual. E o fim ultimo do acto que determina a em natureza; e sendo o fim principal da apresentação para beneficios ecclesiasticos, a salvação das almas, é esta apresentação de sua natureza espiritual sem duvida alguma; mas se o é, o governo não a póde exercer por direito proprio e absoluto, e se a exerce ou commette uma usurpação, ou se a não commette exercendo-a, é o governo e mais ninguem que confere a jurisdicção espiritual ao nomeado, doutrina herética, mas consequencia necessaria.

Era resumo, sr. presidente, a apresentação para beneficios ecclesiasticos e a sua instituição canonica podem considerar se debaixo dos seguintes pontos de vista:

1. ° Nomeação e instituição canonica, actos temporaes, direito absoluto do poder executivo, doutrina heretica e protestante;

2. ° Nomeação e instituição canonica, actos espirituaes, direito absoluto da igreja, ou usurpação do poder executivo;

3. º Nomeação, acto temporal, direito absoluto do poder executivo, instituição canonica, acto espiritual, direito absoluto da igreja.

Dois poderes, ou direitos absolutos, cada um na sua esphera, contradicção e absurdo, pois sendo dois poderes absolutos e independentes cada um em sua esphera, como póde um d'elles exercer acção sobre o outro? E necessario que um d’elles deixe do ser absoluto e independente. Declaro o governo qual dos dois ha de ficar dependente do outro, se a igreja, se o estado; e concilie, se póde, as contradicções e os absurdos, que nascem do principio de seu poder absoluto. Mas se admittir que nomeia por privilegio e concessão da igreja, desfazem-se as contradicções e os absurdos esvaecem-se.

Bem longe porém de assim proceder, persiste em sustentar que tem direito proprio e absoluto para apresentar todos os beneficios ecclesiasticos. E porque não sustenta tambem que tem o mesmo direito para conferir a instituição canonica, e que os bispos só a conferem por sua delegação? O direito proprio e absoluto de apresentar e collar, é, e não póde deixar de ser, um e unico, e reside ou na igreja ou no estado; e este ou apresenta por concessão da igreja, ou esta colla por concessão do estado: escolha tambem o governo uma d'estas proposições.

Sr. presidente, se a igreja (o que é impossivel) definisse dogmaticamente que o governo civil tinha direito proprio e absoluto para apresentar, deixaria de ser igreja, renunciaria a Jesus Christo e seria apóstata! Horrenda blasfémia, mas consequencia em todo o rigor logico d'esse principio de absoluto direito de apresentar que o governo a si adjudica. E eu, se reconhecesse no governo esse direito, deixaria de ser catholico, seria obrigado a renunciar a Jesus Christo, e seria apóstata em presença d'estes principios inconcussos que deixei estabelecidos.

Vê-se, sr. presidente, que juizo formo da portaria de 12 de setembro proximo passado, publicada em alguns jornaes, na qual o governo fazia saber aos bispos, que não se podia dàr á execução o rescripto de 1 de junho proximo passado da sagrada penitenciaria, muito embora fosse o seu conteúdo negocio de consciencia, por este conter doutrina ou resolução contraria ás leis do reino. Com effeito no sobredito rescripto se declara que as leis respectivas ás apresentações omnino esse improbandas deviam ser totalmente reprovadas; mas que se o apresentado fosse idóneo, poderia ser collado pela auctoridade da igreja.

Confesso, sr. presidente, que ao lêr o sobredito rescripto fiquei surprehendido, e só depois de ter maduramente reflectido no seu conteúdo, é que vi ser o seu fim defender os direitos da igreja, ao mesmo tempo que promover a harmonia entre o episcopado e o governo. Este porém encarou-o sob outro aspecto, e pela portaria de 12 de setembro reprovou sua doutrina como contraria ás leis do reino, declarando que as leis civis das apresentações não deviam ser reprovadas segundo o rescripto apostólico, mas approvadas; e que as collações não poderiam ser feitas sem previa approvação das leis civis das apresentações, e rejeição da auctoridade da igreja: e como eu tenha reprovado sempre, e ainda reprovo, essas leis, é evidente que não posso collar, nem collarei a quem quer que for apresentado pelo governo para beneficios ecclesiasticos, não sendo para áquelles que antes do decreto de 5 de agosto de 1833 pertenciam já ao padroado real da corôa; isto até que sejam sanadas as illegalidades por uma concordata com a santa tê, como se acha estabelecido nos estados da Europa, catholicos e protestantes. É esta medida que humildemente peço ao governo se digne tomar em consideração como de absoluta necessidade para a paz e socego espiritual e temporal da nação