DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 339
ponto, e peco-lhe que não admitta emprestimos municipaes sem as camaras indicarem logo a receita de onde hão de saír os respectivos encargos.
Isto é em relação á fazenda municipal.
Em relação, porém, á organisação das camaras municipaes, eu mando, para a mesa uma proposta que vou fundamentar em poucas palavras. Esta proposta, ou emenda, diz respeito ao artigo 269.°, que estabelece as incompatibilidades para os cargos administrativos.
Eu chamo a attenção da camara para este ponto.
Sr. presidente, eu no que vou dizer quero abstrahir inteiramente das qualidades pessoaes dos individuos, que podem ser excellentes; mas o que é facto é que tudo se gasta, e o zelo e a actividade perde-se com longos annos de aturado trabalho.
Clama-se de longa data contra os chamados vereadores encartados, e eu creio que o serviço publico nada perderia com a sua falta na vereação; a pertinacia que se dá na sua reeleição, comparo-a eu á da phyloxera, que estraga as vinhas irremediavelmente.
Todos têem obrigação, cada um na sua escala, de servir o municipio, e este fortalece-se e tira vantagem do zêlo e aptidão de homens novos nas lides camararias.
Desejo conseguir esse resultado e é n’este sentido a proposta que mando para a mesa.
A este respeito direi que a doutrina que estabeleço tem applicação a todos os corpos administrativos. Proponho que os que tiverem servido no periodo quadriennal não possam ser reeleitos no quedriennio immediato.
No artigo 88.° do projecto em discussão determina-se a dotação da commissão districtal, e no artigo 234.° a gratificação dos vogaes do conselho de districto, e podem haver individuos que aproveitem esta disposição para crearem uns logares permanentes e effectivos, fim que não me parece esteja em vista no projecto. É para isso que estabeleço na minha proposta a incompatibilidade no fim do quadriennio.
Com respeito especialmente á organisação da camara municipal de Lisboa, tenho tambem uma proposta.
O artigo 13.° determina que os corpos administrativos têem presidentes e vice-presidentos eleitos annualmente pelos vogaes.
Eu proponho que o presidente da camara municipal de Lisboa seja eleito directamente pelos eleitores, designando-se nas listas o nome do individuo a quem o eleitor confia este alto cargo.
Entendo que isto é justo e conveniente, porque as attribuições do presidente da camara são hoje muito largas e onerosas, dão muito trabalho, e quem as quizer satisfazer cabalmente, conforme marca o artigo 109.° d’este codigo, não póde occupar-se de outra alguma cousa, não lhe ha de restar tempo para mais nada.
O cargo é gracioso e de grave responsabilidade, e assim não só merece a honra de ser obtido pelo suffragio directo dos eleitores, mas muito convem interessar directamente os municipes n’esta escolha. É preciso que a pessoa que occupa a cadeira de presidente tenha aptidão necessaria, mas quaesquer que sejam as qualidades pessoaes e inteireza de caracter do cavalheiro, que se possa sentar em logar tão distincto, ha vantagem publica que pelas suas opiniões politicas não seja incompativel com o principio monarchico, que felizmente rege este paiz. Este negocio é grave.
Outra questão ainda ácerca do artigo 152.°
Em differentes concelhos os partidos medicos municipaes dão pequeno rendimento, na verdade! mas os facultativos que os acceitam, já sabem as condições em que hão de desempenhar os seus deveres, e, portanto, não ha motivo para que deixem de os cumprir. Todavia, salvo muitas e honrosissimas excepções de homens benemeritos, acontece algumas vezes que, visitando o facultativo dentro da villa, ainda com algum custo, os enfermos pobres, se recusa a visital-os quando elles moram no campo, fóra da villa; e sómente vae lá a troco de larga estipendio. Isto não póde ser, e mais de uma vez tristes episodios têem havido. É necessario que esses empregados omissos no exercicio de seu cargo sejam punidos de prompto e severamente. Eu desejava que ficasse pertencendo á camara municipal a faculdade de os suspender logo, depois de os ouvir, tendo os interessados o direito de appellar para o conselho de districto.
Peco desculpa á camara de a estar cansando, mas eu não queria ficar com a palavra reservada, e por isso estou limitando o mais possivel as minhas reflexões.
Sr. presidente, vou apresentar outra observação com relação ao artigo 102.°, que marca .as attribuições da camara.
Já uma vez, discutindo-se n’esta casa o orçamento geral do estado, commetti a excentricidade de, a proposito d’esse projecto, tratar do hospital de S. José: não havia outro remedio, o orçamento é votado nas mesmas condições d’esta lei, nos curtos artigos da lei de despeza. Ora, sr. presidente, ao hospital de S. José vem doentes de todo o districto de Lisboa e de outros districtos, e disse eu n’aquella occasião, que era indispensavel crear pequenos hospitaes nas differentes localidades, para que se podessem evitar os graves transtornos financeiros que d’aqui resultou para o hospital, e ao mesmo tempo facilitar aos desgraçados um rapido tratamento.
Entendo que é muito bom dar instrucção ao povo, mas não é menor beneficio, acudir-lhe na hora extrema. A creação de pequenos hospitaes em todos os concelhos, não só tinha, repito, utilidade em relação ao hospital de S. José, mas, alem d’isso, facultava ao pobre, nas suas enfermidades, que não póde ser curado no domicilio proprio, uma casa de caridade onde podesse abrigar-se, sem estar sujeito aos incommodos e embaraços que sempre experimenta no seu transporte para a capital.
Conheço que póde ser alguma a despeza com esse melhoramento; mas, encontrando indicadas no projecto vinte e sete obrigações importantissimas, ás quaes têem de satisfazer as camaras, muitas vezes com um magro orçamento, não vejo inconveniente em apontar mais este pensamento, designando expressamente no n.° 4.° do artigo 103.° a creação dos hospitaes indicados. Lá está no artigo a palavra estabelecimentos de beneficencia, mas pelo fim, que tenho em vista, e como aspiração humanitaria, eu queria claramente mencionado o hospital.
Em relação ao artigo 269.° ainda desejava eu fazer uma pergunta á illustre commissão.
Diz-se ali no n.° 9.° «não podem ser eleitos os empregados dependentes das corporações, de cuja eleição se tratar».
Pergunto se deve entender-se que um empregado da camara póde ser eleito para ajunta geral?
Eu julgo conveniente ficar bem expresso que os empregados das camaras municipaes, corporações subordinadas ás juntas geraes de districto, não devem fazer parte d’essas mesmas juntas.
Eu desejava que se estabelecesse bem este ponto.
Finalmente, sr. presidente, eu acceito as nobres palavras do dignissimo prelado o sr. bispo de Bragança, com relação a não dever ser expulso o parocho da junta de parochia.
Entendo que não ha inconveniente algum, antes pelo contrario, é justo, é indispensavel dar ingresso aos parochos nas juntas de parochia pelos fundamentos que foram expostos com tanta auctoridade, embora o parocho não tenha que intervir directamente em muitos dos negocios da junta; o deixar elle de assistir, póde, como tambem se disse, ser tomado pelo povo por um acto de menos consideração da parte dos poderes publicos.
Eu acceito completamente a proposta do nobre prelado de Bragança, e faço votos para que a commissão leve em conta as reflexões de s. exa., a fim de que os parochos não sejam inconvenientemente postos fóra das juntas de parochia!