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N.º 39

SESSÃO DE 9 DE ABRIL DE 1878

Presidencia do exmo sr. Duque d’Avila e de Bolama

Secretarios — os dignos pares

Visconde de Soares Franco Jayme Larcher

Depois das duas horas, tendo-se verificado a presença de 20 dignos pares, declarou o exmo sr. presidente aberta a sessão.

Leu-se a acta da antecedente, que se considerou approvada.

Mencionou-se a seguinte

Correspondencia

Dois officios da presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo uma proposição de lei que tem por fim augmentar os soldos dos officiaes do exercito do continente e do ultramar, da armada, das guardas municipaes é outros.

Ás commissões de guerra e fazenda.

O sr. Visconde de Fonte Arcada: — O projecto que tem estado em discussão é summamente complicado e difficil. De todos os lados da camara se têem apresentado numerosas emendas, que não se podem avaliar sendo sómente lidas na mesa; por isso eu proponho a v. exa. e á camara que se mandassem á commissão essas emendas, e se imprimissem depois com o parecer que sobre ellas for dado.

De outro modo é impossivel discutil-as agora.

Chamo tambem a attenção de v. exa. para a seguinte proposta que vou ler.

(Leu.)

Parece-me que o pensamento da minha proposta é uma prova da consideração que se deve áquelle illustre prelado, que tive hontem o gosto de ouvir, e cujo voto certamente não será desattendido pela commissão.X

O sr. Mártens Ferrão: — Alguns dos membros da commissão de administração publica acham-se impossibilitados, e um, por enfermidade grave, que todos lamentâmos. Havendo ali assumptos importantes a tratar, peço a v. exa., de accordo com os meus collegas na commissão, que se acham agora na sala, consulte a camara sobre se permitte que os srs. visconde de Bivar e Barros e Sá façam parte da commissão de administração publica.

O sr. Presidente: — O sr. Mártens Ferrão, por parte da commissão de administração publica, pede que sejam aggregados á mesma commissão os srs. visconde de Bivar e Barros e Sá.

Os dignos pares que approvam este pedido, tenham a bondade de levantar-se.

Foi approvado.

O sr. Presidente: — Peço a attenção da camara, e sobretudo da commissão de administração publica.

O sr. visconde de Fonte Arcada pede que seja aggregado á commissão de administração publica o sr. bispo de Bragança.

Os dignos pares que são d’este voto, tenham a bondade de levantar-se.

Foi apppovado.

O sr. Vaz Preto: — Mando para a mesa um requerimento pedindo, pelo ministerio da guerra, documentos que considero importantes.

«Requeiro, que pelo ministerio da guerra, seja enviado a esta camara o parecer da commissão militar ácerca da compra de armas em 1873. Bem assim peço tambem o parecer ácerca das armas Sinder que foram compradas. = Vaz Preto.»

O sr. Presidente: — Os dignos pares que são de opinião que se expeça ao governo o requerimento do digno par o sr. Vaz Preto, tenham a bondade de levantar-se.

Foi approvado que se expedisse.

ORDEM DO DIA

Continua a discussão do projecto n.° 290

O sr. Presidente: — Vamos entrar na ordem do dia.

Tem a palavra o sr. visconde de Fonte Arcada.

O sr. Visconde de Fonte Arcada: — Prescindo da palavra.

O sr. Vaz Preto: — Eu tambem pedi a palavra sobre a ordem.

O. sr. Presidente: — A ordem da inscripção é esta: primeiro o sr. marquez de Vallada, e depois os srs. Ornellas, conde de Rio Maior e Vaz Preto.

O sr. Marquez de Vallada (sobre a ordem): — Expoz os motivos que o fizeram assignar vencido o parecer sobre esta lei, que não póde approvar por ser intempestiva, por ser vexatoria e por ser um mero expediente, o que passou a mostrar nos largos desenvolvimentos do seu discurso.

O sr. Ministro do Reino. (Rodrigues Sampaio): — Não venho fazer um discurso, e ainda que o fizesse, não poderia acompanhar o digno par. O seu voo foi tão largo, tão alteroso, que eu mal poderia subir da face da terra, onde parece que estou já submergido.

Venho apenas explicar, sr. presidente, alguns pontos do projecto que têem sido atacados, sem comtudo entrar na apreciação das propostas apresentadas pelos dignos pares, porque essas devem primeiro ser examinadas pela commissão.

Não trouxe ao parlamento uma proposta de oppressão, trouxe uma lei de liberdade; não vim agrilhoar ninguem, vim soltar as mãos ás corporações populares, que as tinham presas, que queriam caminhar na senda dos melhoramentos, e não tinham meios; vim, ainda o repito, soltar as mãos ás corporações populares, que, para darem um passo, careciam sempre do apoio do poder central ou do poder legislativo.

Creio que dando a liberdade ao povo não commettemos um erro.

V. exa., sr. presidente, sabe perfeitamente, porque tambem, como eu, presidiu muitas vezes ás assembléas populares, que houve epocha em que se reputava como um grande perigo esse nosso procedimento. Houve até quem me avisasse de que acharia talvez a morte, onde eu desejava encontrar a vida.

Não aconteceu nada d’isso. Acostumados os povos ás suas reuniões, a olharem pelas pequenas economias que têem nos seus cofres, discutem com a maxima prudencia, e algumas vezes dão lições de cordura e de maior seriedade ás assembléas mais graduadas, nunca os vi inclinados a revoluções e quando íam os discolos para as praças, ou quando se receiava alguma alteração na ordem publica os associados corriam para as suas thesourarias velar com tanto zêlo por uns trinta réis, que tinham nos seus cofres, como os ban-

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queiros e capitalistas velam pelas suas grandes fortunas.

Não vem mal nenhum em dar liberdade ao povo. (Apoiados.) Concedemos ás camaras municipaes e ás juntas de parochia velarem pelo que é seu, velarem pelos seus proprios interesses, mas não lhe dizemos: haveis de tributar, haveis de opprimir, haveis de vexar, nada d’isso. A faculdade cessa para aquelles que não sabem ou não querem usar d’ella.

Eu não faço tamanha injustiça ao nosso povo. Respeito as opiniões contrarias, e talvez eu esteja em erro; mas creio bem que não o estou, e que tenho rasão. Que mal vem ao mundo porque as camaras municipaes vão buscar o seu imposto onde julgarem que é mais facil a arrecadação? Póde-se dizer que, porque ellas têem a gerencia do municipio, não têem igualmente direito a decretar a sua receita? Não. Não é assim. As suas receitas são para os seus melhoramentos. Se as camaras errarem lá têem o seu correctivo nas eleições; nas eleições depõem as suas attribuições os que geriram mal; e se a gerencia for tão desgraçada que mereça repressão, ha para isso o remedio da dissolução, que se lhe podo applicar.

Sr. presidente, v. exa. sabe as amarguras que se passam no ministerio do reino, quando as juntas dos districtos e as camaras municipaes desejam conseguir cousas sobre que a lei prende os braços aos proprios ministros; e que muitas vezes somos forçados a consentir que se faça, o que rigorosamente se não poderia talvez fazer; mas a forca da opinião reage contra o systema da confusão, e vem forçar o poder a conceder a liberdade que deveria dimanar da lei.

Eu não receio nada do povo, póde haver uma ou outra corporação que administre mal; mas não ha tambem erros quando o governo nomeia os seus funccionarios? An prevaricações não vem só das instituições populares ou dos seus agentes.

Tenho confiança no espirito de liberdade e na probidade dos gerentes dos dinheiros publicos. Por isso este receio do imposto que nós lhes não lançamos, e que assusta o digno par, a mim não me assusta. Creio que se os corpos administrativos acharem n’aquellas categorias de impostos algum que seja opressivo não o lançarão, porque não hão de querer castigar-se a si proprios. Nós deixâmos-lhes a liberdade de escolher o imposto que mais lhe convenha; são elles que hão de escolher.

Ha quem entenda que os productores, que ordinariamente são ricos, não devem pagar; ha quem entenda que os pobres tambem não podem pagar. Em todo o caso quem ha de pagar não lho dizemos nós; deixâmos-lhes a liberdade da escolha, e creio que hão de acertar; algumas vezes poderão errar, mas dos erros mesmo pela necessidade de os emendar, nasce o conhecimento da verdade: já isto era uma regra que se aprendia no meu tempo, no velho Genuense. Portanto o receio de que o povo se não possa governar não me parece justificado.

O sr. Marquez de Vallada: — Peço a palavra.

O Orador: — Já disse na sessão passada, e torno agora a repetil-o, é inconveniente e perigoso privar de certos direitos os homens que têem um braço vigoroso, porque elles podem obrigar os poderes publicos a reconhecer os seus direitos.

É conveniente alargar as franquias populares e isso é evitar a revolução.

Creio que n’este ponto o projecto é liberal e não oppressor.

É contra o meu proposito entrar em todas as apreciações que o digno par fez, não tratarei da Inglaterra nem da França. Se me propozesse a isso, desejava sabel-o fazer tão bem como o digno par, e havia de me acautelar de travar uma contenda com s. exa. n’um terreno em que lhe reconheço decidida superioridade.

Ha comtudo um ponto que eu desejo tocar, é o do parocho ser membro nato da junta de parochia.

Sr. presidente, no projecto primitivo lá estava essa disposição; por conseguinte pelo que eu disser não se me póde attribuir amor proprio, mas fizeram-se tantas considerações na commissão, que me convenceram.

As juntas de parochia foram creadas por decreto de 26 de novembro de 1830; esse decreto não se referia senão a estes corpos, e não falla no parocho.

O duque de Palmella, duque da Terceira, Mousinho de Albuquerque, José Antonio Guerreiro e outros cavalheiros não queriam de fórma alguma desconsiderar o parcoho. Pelo contrario, creio que o queriam considerar.

Sobre a commissão da camara effectiva parece que pairava o espirito do virtuoso bispo de Bragança, e que ella se inspirou no principio de que nos fallou este illustre prelado quando aqui nos dizia: «O clero é tanto mais de lá (e apontava para o céu), quanto é menos de cá».

Foi esse principio que determinou a commissão a eliminar o parocho de um logar onde devia soffrer graves dissabores.

Foi de certo o mesmo principio que levou em outras occasiões o legislador a fazer igual eliminação.

Como os decretos de novembro de 1830, a que já alludi, o decreto de 18 de julho de 1830, que trata tambem do estabelecimento das juntas de parochia, não falla no parocho.

Ás juntas de parochia competiam quasi todas as attribuições que vem n’este codigo; o parocho nada tinha que ver com essas attribuições, e comtudo nunca se julgou desconsiderado.

Creio que nos ultimos tempos não tem sido maior a veneração paio clero do que era então.

V. exa., eu, e de certo muitos dignos pares recordâmo-nos de que o sr. Manuel da Silva Passos redigiu um codigo administrativo. N’esse codigo encontram-se muitas disposições a respeito das juntes de parochia, da sua organisação e das suas attribuições; o parocho não figura lá tambem, como não figura nos decretos anteriores.

Julgou-se alguem desconsiderado por isso? Houve alguma reclamação? Não houve nenhuma.

Entendeu-se que o parocho desligado de um encargo em que é muitas vezes contrariado nos seus desejos ou intuitos a favor dos interesses ecclesiasticos, livre de uma presidencia que não lhe serve senão para lhe acarretar desgostos, ficava mais respeitado na sua dignidade, que eu desejo o seja, sempre.

Em 1870 o sr. José Dias Ferreira promulgou um codigo. Ainda n’esta legislação não figurava o parocho, e não vi que por isso fosse atacada.

Houve talvez uma pessoa que fez sobre esse ponto alguns reparos; mas essa pessoa não digo eu quem era.

Depois de tudo isto, o temor de que o clero fique desconsiderado por não apparecer e parocho fazendo parte das juntas de parochia, não me parece bem fundado.

Julgo que não se póde tirar a administração da fabrica, nem dos rendimentos della, aquelles que concorrem para elles.

Desejaria que o parocho fosse tudo quanto os dignos pares querem que elle seja, porque respeito a religião e os seus ministros; mas a eliminação que aqui se propõe n’este codigo acho-a conveniente; e se por ella não ficam menos considerados os parochos, os o seu poder é moralmente tanto mais forte quanto é mais fraca a sua intervenção, creio que não fazemos mau serviço entregando aquelles que pagam a administração dos rendimentos parochiaes e da fabrica das igrejas.

Pensa-se geralmente que a fabrica da igreja é dos parochos.

Pois não é; e até quando as misericordias ou confrarias são fabriqueiras, o parocho não tem nada com isso.

Não nos estejamos a illudir; eu não tenho duvida nenhuma em que se lhe conceda esse direito, porque até mesmo propuz que elle fosse ali assistir aos actos que dizem respeito ao culto; mas não o julgo bem collocado na presiden-

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cia de uma junta, que deve tratar de cousas que não são proprias dos ministros da religião.

Quanto mais elles se desviarem d’isso; maior ha de ser a sua auctoridade moral.

E digo outra vez a v. exa. e á camara, que não quero entrar no exame das propostas, porque ellas teem de ir á commissão respectiva. Isso seria duplicar. a discussão. Quero sómente mostrar que este projecto não é revolucionario. E, por incidente, permitta-me o digno par que eu lhe diga, que se aqui ha alguma cousa da Granja, foi ella que a veiu aqui buscar ...

sr. Marquez de Sabugosa: — Peco a palavra. ( Orador: — E não o governo que a foi buscar á Graja ...

O sr. Marquez de Vallada: — Mas agora estão de accordo.

O Orador: — V. exa. tambem está de accordo, porque acham d’este projecto algumas cousas boas. Portanto n’essa parte estamos todos de accordo.

Então tenho em vista estar de accordo ou desaccordo; o meu fim é apenas acertar.

Quando o accordo vem a esse concerto, desejo-o para todos e respeito de todos. Eu não quero senão fazer o bem; não por amor da gloria, mas por amor do paiz. Se n’isto ha alegria gloria, ella é compartilhada por todos aquelles que têem as mesmas idéas.

Dese antes fazer cousas boas o uteis do que grandes cousas. Ião desejo glorias que não mereço, mesmo porque não nas para heroe. Não só fazem d’este barro; nem de Espozem viria um heroe que pretendesse escurecer o sol. A gloria para nós todos, e para o digno par, que combate segido a sua consciencia; é para aquelles que me coadjuvan

Para mim não peço senão a gloria que pediu Ferreira:

«Eu esta gloria só fico contente

«Que minha terra amei e a minha gente.»

Não tenho outra gloria; se ficar .com esta julgar-me-hei feliz na minha obscuridade. Se o não conseguir, outros virão que o consigam, porque estas idéas, mais tarde ou mais cedo, hão de negar porque são as idéas da verdade, da justiça o da rio.

O sr. Presidente: — Vão ler se duas mensagens que vieram da outra camara.

O sr. Secreto: — Leu.

Dois officios presidencia da camara dos senhores deputados, remetter as seguintes propostas de lei.:

1.° Augmentar o ordenado do guarda mór da estação de saude de Pontadelgada.

Á commissão de fazenda.

2.° Reformando lei eleitoral.

Foi remettido a commissão especial.

O sr. Presidente - peço a attenção da camara. Na outra casa do parlamento foi este projecto enviado a uma commissão especial. Desejo saber se a camara quer que elle vá tambem na commissão especial, ou que vá ás commissões de legislação e administração publica.

O sr. Vaz Preto: Deve ir a uma commissão especial.

O sr. Presidente: - Vou Consultar a camara sobre se quer que este projecto Remettido a uma commissão especial.

Consultada a camara, resolveu affirmativamente.

O sr. Presidente: — commissão será eleita ámanhã.

O sr. D. Affonso de S [..] - Mando para a mesa um parecer das commissões de fazenda e obras publicas.

Leu-se na mesa e mandou imprimir.

O sr. Ornellas: — Sr.[..], a primeira das propostas que tive a honra de dar para a mesa tem unicamente em vista conservar a posição que os parochos tinham até agora na administração parochial, as outras dizem respeito á promoção dos empregados das secretarias dos governos civis, pois entendo ser de justiça conceder-lhes vantagens em proporção com o tempo que tenham servido, e o merecimento de que tenham dado provas, e é n’este sentido que essas propostas estão redigidas.

Reconheço que não comprehendem inteiramente tudo quanto podia desejar que se introduzisse e se reformasse n’um projecto de codigo de tanto alcance como este que discutimos. Entendo que a occasião não é opportuna para começar uma discussão larguissima sobre tão varios assumptos contidos n’esta lei; mas sendo forçado a justificar em poucas palavras as minhas propostas, referir-me-hei tambem a alguns pontos que me suscitaram duvidas, as quaes serão resolvidas de certo, pela reconhecida competencia do sr. relator da commissão; julgo dever chamar para elles a attenção de s. exa. e da camara.

A parte mais importante d’este projecto, aquella que mais inquietações póde causar, é a que se refere á administração dos recursos financeiros das corporações, cujas attribuições vão ser desenvolvidas por esta lei.

N’este ponto ha uma innovação que me parece muito grave, e de cuja necessidade não estou convencido.

É aquella que determina que quando os orçamentos dos districtos não forem votados pelas juntas geraes, ou sendo votados não for sufficiente a verba de receita para occorrer á despeza, o governo terá o direito de decretar em conselho de ministros os addicionaes ás contribuições geraes do estado, necessarios para cobrir essa differença e restabelecer o equilibrio orçamental.

Esta intervenção do governo para rectificar o orçamento districtal, e fazer com que elle se equilibre, existia já no importante codigo administrativo de que foi auctor o sr. relator da commissão; mas s. exa., em conformidade com a boa doutrina constitucional, tinha proposto que o governo submettesse n’essa occasião ao parlamento as propostas que julgasse necessarias para equilibrar o orçamento districtal.

Este ponto é de maxima importancia. Surprehendeu-me que um tão strenuo defensor dos fóros populares, como é o sr. ministro do reino, quizesse que o poder executivo decretasse impostos, substituindo-se ao poder legislativo, contra o principio de direito publico constitucional, que estabelece que os impostos sejam votados por aquelles que os devem pagar.

Este principio, que é a base de toda a liberdade, não e progresso moderno, já existia na idade media em todos os paizes livres da Europa e em quasi todos os paizes civilisados, é hoje regra inviolavel e religiosamente observada. Não formulo agora proposta alguma sobre este assumpto, mas sou de opinião que devemos restabelecer n’este projecto o que se acha disposto n’esta parte da reforma do illustre jurisconsulto e estadista, que com tanta abnegação se encarregou da defeza d’esta lei.

No projecto do sr. Mártens Ferrão estabelecia-se tambem o maximo dos addicionaes com que as corporações locaes podiam aggravar as contribuições do estado. Havia n’isso uma garantia importante para o contribuinte. Como porém acredito que o organismo social é governado por leis analogas ás que regem todos os outros organismos, como o mal que póde fazer o que legisla no papel não ultrapassa certos limites que lhe impõe a natureza das cousas; não receio que as corporações locaes electivas se desmandem de modo notavel no uso que hão de fazer dos poderes quasi discricionarios que este codigo lhes attribue em materia de tributos. O unico verdadeiro perigo, e esse já de si gravissimo, é que sirva esse poder para vexames e perseguições individuaes, principalmente contra adversarios politicos. Mas o illustre relator do projecto disse que íamos fazer uma experiencia, façamol-a embora, sem esquecer todavia que a não fazemos in anima vili.

Não me prendo portanto n’esta parte, nem lhe dou a mes-

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ma importancia que ligo á outra questão dos impostos decretados dictatorialmente.

Approvo e acho uma excellente reforma a que introduz o sr. ministro, fazendo eleger directamente a junta geral de districto.

Desde que esta corporação fica auctorisada a lançar impostos, é natural e legitimo que seja eleita directamente pelos proprios, sobre quem esses impostos devem recaír.

Ha uma outra innovação, com a qual me não conformo, e sinto que o sr. ministro estabelecesse uma excepção ao principio que se encontra no artigo 8.°, que as funcções dos corpos administrativos são gratuitas.

Este principio deve ser absoluto para todas as corporações da localidade, a essas deve bastar a honra e a, influencia que do exercicio do cargo lhes resultam. Basta que sejam remunerados os que em nome do poder central superintendem a administração local.

Esta excepção pois, em favor do conselho do districto e da commissão districtal, não me parece rasoavel, nem util nem necessaria, não encontra fundamento, para que se estabeleça uma gratificação aos vogaes do conselho e da commissão, gratificação que é insignificante para quem a recebe, sem a qual haverá sempre quem sirva, mas que vae aggravar as contribuições, que já são pesadas em demasia, e que difficilmente te poderão augmentar.

Não me aterram, como disse, os poderes amplos e largos que se dão ás corporações locaes, e acho que não poderão na pratica usar, como se imagina, das faculdades que lhes são concedidas.

Ha, porém, uma outra medida que me inquieta, as aposentações numerosas que por este projecto se concedem aos funccionarios administrativos, bem que se determine do uma maneira positiva de que cofre devem saír todas essa? aposentações.

Um districto, por exemplo, póde aposentar um grande numero de funccionarios, que n’elle venham completar a contagem do tempo gasto no serviço constante de outros districtos, ficando assim sobrecarregado com um encargo onerosissimo, pois que se não determinam as condições d’essas aposentações, nem se estabelece o principio de pagar a aposentação quem aproveitou o serviço.

Este inconveniente parece-me grave, e seria importante attender a elle, ou estabelecendo-se um cofre commum para que concorressem todos os districtos com uma determinada verba para este fim, ou que se providenciasse de outro qualquer modo, mas por fórma que não haja injustiça e não pese com desigualdade o encargo em prejuizo de uns districtos ou concelhos e em beneficio de outros.

Ha ainda um outro assumpto a que desejo referir-me, e que apesar de parecer a alguns futil e de pouca importancia, deve merecer a nossa attenção.

Diz-se no artigo 378.°, que «os magistrados administrativos teem o primeiro logar em todos os actos o solemnidades publicas»; eu desejava que o sr. relator da commissão me explicasse o sentido em que esta disposição deve ser tomada.

Entre nós não se dá uma grande importancia a estes preceitos de etiqueta, que em todos os paizes monarchicos são regulados com a mais minuciosa pontualidade; pois importa muito evitar, entre pessoas que devem coadjuvar-se e trabalhar para um fim commum, toda a causa de conflictos, de irritações de amor proprio e de vaidade, que embora nascidos da pequenez do nosso espirito, são muitas vezes origem de grandes desordens.

Nada tento que dizer se este artigo só tem por fim recordar o conhecido axioma — cedant arma logar, e dá aos funccionarios civis precedencia sobre os militares; não assim se os antepõe tambem aos ecclesiasticos, o que seria contra todas as tradições, usos e até leis do nosso paiz.

Referindo-me com especialidade á parto do projecte que trata da administração parochial, vejo que nas attribuições dos parochos ha uma alteração importante, Apesar do sr. ministro do reino ter sustentado que d’ella não resultava desconsideração para o parocho, ou que, pelo menos, não era essa a sua intenção, o que acredito, vejo que na realidade se apouca e se restringe a influencia d’aquelle importantissimo representante da mais suave e da mais poderosa das forças sociaes, a religião.

Não me parece que haja vantagem alguma na actualidade em privar o parocho de ser o presidente da junta sobretudo nas parochias ruraes, onde o espirito dos povo não aprecia ainda as subtis distincções entre o civil e o eclesiastico, o temporal e o espiritual, e a quem esta innovação parecerá uma déchéance um certo abatimento do limem, que estão habituados a considerar como o seu [..] natural.

E cos animos populares a abolição da auctoridade administrativa dos parochos ha de dispol-os a acatar menos a sua auctoridade espiritual, mórnente se elle for collocada na dependencia dos seus parochianos, até nos negocios que mais directamente se referem ao culto e á administração da fabrica da igreja.

Não me agrada que o parocho tenha de comparece perante a junta, da qual nem sequer é membro, com um supplicante que requer ou implora, e perante homens atu ralmente dispostos a abusar da sua nova posição.

Reconheço a distincção fundamental e a mutua independencia dos dois poderes, espiritual e temporal, comecando de ordem universal e indispensavel para o livro denvolvimento das sociedades; mas n’este ponto embryioario, para assim dizer, n’esta unidade social primitiva, o que o laço que prende as familias associadas é principalmente o laço religioso, nas parochias ruraes sobretudo onde campanario da aldeia representa para o lavrador curvo para a terra que cultiva, tudo o que ha elevado, de [..] de universal, tudo o que o liga á sociedade e a Deus na parochia, emfim, que tomou o nome do parochio seja elle sempre a maior e primeira auctoridade, e estende-se a sua benefica e conciliadora influencia até os interesses temporaes d’aquelles de quem quasi sempre é guia conselho, até nos mais reconditos e mais importantes negocios.

Quando se altera a legislação existente, quando se atacam habitos a que o povo está affeito, é indinsavel que existam motivos ponderosos, rasões gravissimas para o fazer.

Eu não os descobri ainda, nem tão poucos ouvi ainda expor sobre o caso presente e ninguem dinue seja grande mal, perigosa confusão de poderes, que unam como n’uma raiz commum donde brotam independentes mais harmonicas as duas organisações civil e eccusticas.

E demais, o grande obstaculo ás novas formas é sempre entre nós a carencia de pessoal, de portanto fazer muitas vezes falta nas juntas de [...] um homem illustrado que dirija e encaminhe os [...] havendo de certo muitos casos onde não seja facil a ausencia do parocho.

E se alguns negocios por sua natu especial não carecerem de sua intervenção, livre lhe abster-se de n’elles tomar parte.

Seja porém a abstenção volunta não imposta pela lei.

A minha proposta tem de ir á missão, e espero que será adoptada; senão tal como a sento, peio menos de modo que nos negocios relativos culto se faça sentir a influencia do funccionario a que se serviço incumbe.

Não ao insisto pois n’este ponto aguardo a decisão que ainda nos ha de ser submettida

Sr. presidente, n’este breve me do projecto notei o que se me afigurou imperfeição tambem notar evidentes melhoramentos e deve justiça ao espirito liberal que inspirou este importante trabalho. Revela uma fé robusta na capacidade do para governar-se; e encaminha-se para a realisão do da organisação e administração de um povo livro [..] local sob a inspec-

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cão e superintendencia do poder central como defensor dos interesses geraes, essa era a idéa geradora da nossa antiga administração, tão deploravelmente sacrificada ao systema francez, producto de um desenvolvimento historico essencialmente diverso do nosso, e que será sempre entre nós uma importação estrangeira, alheia ás nossas tradições e costumes. Devemos modifical-o profundamente se quizermos que o despotismo administrativo não esterilise e corrompa a liberdade politica, que nunca será uma realidade em quanto a não acompanhar uma justa e racional descentralisação de poder e não sómente de despezas.

Sr. presidente, eis em breves traços o que me occorreu depois de uma leitura rapida que fiz do projecto; reconheço-lhe bastantes vantagens é um progresso em relação á legislação actual; mas desejava ver introduzir n’elle as modificações que summariamente indiquei.

O sr. Carlos Bento (sobre a ordem): — Sr. presidente, eu pedi a palavra para mandar para a mesa esta proposta:

«Proponho que seja adiada a parte do projecto relativa á administração municipal e districtal até que a commissão de fazenda possa dar o seu parecer sobre o assumpto.

«Sala das sessões, 9 de abril de 1878. = Carlos Bento.»

Pedia a v. exa. que propozesse á camara que me permitta que substitua a proposta de adiamento, que mandei para a mesa, por esta que agora mando:

«Proponho que seja convidada a commissão de administração publica a dar o seu parecer ácerca da actual administração dos baldios municipaes.

«Sala das sessões, 8 de abril de 1818. = Carlos Bento.»

O sr. Presidente: — A primeira proposta do digno par importava um adiamento illimitado, e agora s. exa. propõe uma limitação até que a commissão de parecer. Portanto o que a camara vae votar, consiste primeiramente no consentimento da retirada da primeira proposta do digno par, e em segundo logar na admissão da sua nova proposta a discussão.

A camara resolveu n’esta conformidade.

O sr. Marquez de Sabugosa: — Sr. presidente, pedi a palavra para requerer que as emendas fossem á commissão antes de se votar a generalidade do projecto, porque como ha só uma votação na generalidade e na especialidade, se se votar a generalidade ficam prejudicadas as emendas.

O sr. Presidente: — Eu não tenho duvida em acceitar a proposta do digno par, e observarei que eu já tinha tenção de, quando se tratasse de votar o projecto, propor que elle fosse votado, salvas as emendas.

O sr. Marquez de Sabugosa: — Eu requeria isto, por não haver nova votação sobre a especialidade.

O sr. Presidente: — Permitta-me o digno par que eu continue. Essas emendas hão de ir á commissão que ha de formular sobre ellas um parecer, que a seu turno será tambem apresentado á camara, para esta então se pronunciar sobre, as emendas.

O sr. Conde de Rio Maior (sobre a ordem): — Sr. presidente, eu tenho a pedir á camara que use mais uma vez da sua costumada benevolencia para commigo, prestando-me a sua attenção.

Sr. presidente, o sr. ministro do reino disse á camara, a proposito de algumas emendas que foram mandadas para a mesa, que não trabalhava pela sua gloria, e que só o que o imprecionava era o bem do paiz. Espero, portanto, que a escassez do tempo não o deterá, e que se as propostas tiverem a sua approvação, este terrivel argumento não virá a ser empregado contra o que é justo.

O projecto emendado e melhorado passará para a outra casa do parlamento, e só depois será lei. Ora, sr. presidente ainda em relação á proposta que eu tive a honra hontem de submetter á apreciação dos dignos pares, vou mandar para a mesa uns esclarecimentos sobre os quaes chamo a attenção do sr. relator da commissão: é com relação á importancia total das aposentações provaveis. Esta informação é official e por ella se vê que a somma dos vencimentos e gratificações, podendo ser calculada em numeros redondos em 6:000$000 réis, e sendo a triste percentagem dos invalidos de 10 a 12 por cento, a despeza que resultará para a camara municipal, adoptado o principio, não será inferior a 600$000 ou 700$000 réis.

Ora, quando se trata do bem estar de homens que mal barateiam tanto a sua vida em proveito da sociedade, e quando, para conseguir esse bem estar, não é preciso mais do que uma quantia relativamente insignificante, não me parece que a commissão possa deixar de deferir favoravelmente a minha proposta, tanto mais que a camara, pela attenção com que hontem me ouviu, mostrou bem claramente que o assumpto lhe era sympathico, e, por consequencia, digno de ter a approvação dos poderes publicos.

Eu tenho outras propostas para mandar para a mesa, mas não querendo hontem abusar do favor da assembléa, nem preterir os oradores que se achavam inscriptos, limitei-me a tratar do assumpto a que acabei de alludir, reservando-me para apresentar hoje essas propostas, guando me chegasse a palavra sobre a materia.

Declaro, como já hontem o fiz, que este projecto, na sua generalidade, me agrada, e que estou prompto a votal-o; vejo n’elle uma intervenção mais directa do povo nos negocios da sua administração.

N’este ponto estou perfeitamente de accordo com os principios que o nobre ministro do reino tem sustentado durante toda a sua vida, e folgo de poder tributar a s. exa. o devido louvor pelo muito que tem trabalhado para satisfazer uma grande necessidade publica.

Mas, para que esta lei possa realisar os fins que s. exa. e todos nós pretendemos, é necessario que ella não sáia eivada de defeitos, e que, em logar de ser um remedio salutar, se não torne n’um grave prejuizo publico.

Para evitar este perigo, é que eu hei de sempre pronunciar-me contra a discussão em dois artigos de projectos d’esta ordem; não quero approvar de salto um codigo que tem 392 artigos. O systema é péssimo.

Citaram-se outro dia precedentes que me parecia que não deviam ser citados.

Se o codigo civil foi assim discutido, mais uma rasão para que não se praticasse o mesmo com este projecto.

Se aquelle codigo tivesse tido uma discussão pausada, não estariam de certo em execução alguns artigos que a rasão mostrava serem contrarios aos interesses da sociedade.

Approvo, como disse, a generalidade d’este projecto, mas nem por isso deixo de reconhecer que o povo tem pouco a agradecer-nos; ao mesmo tempo que lhe damos maior partilha nos actos eleitoraes, augmentâmos os impostos do povo, e elle vae pagar a vantagem adquirida com grave prejuizo da sua fortuna particular.

Eu creio que o povo não ficará muito agradecido.

Hontem já foi muito vexado nas alterações feitas á lei do real de agua; verdade é que se nos disse que era muito em beneficio do thesouro publico.

E a este respeito seja-me permittido pedir á camara que se lembre das palavras eloquentes aqui proferidas pelo sr. visconde de Chancelleiros; lá o disse o sr. visconde, a camara vota uma lei, que não ha de ser executada, e se o for teremos a revolução em todo o paiz.

A questão agora é outra.

Nós vamos, não direi pela porta falsa, mas por uma maneira pouco agradavel, que não acho agora termo para significar... a camara, porém, percebe o meu pensamento, approvar um artigo que é perfeitamente o estabelecimento do imposto de consumo. Já alguns dos meus collegas têem chamado para esta parte do codigo a attenção, tanto do illustre relator da commissão como do sr. ministro do reino, e muito folgo com isso.

Espero que s. exas. attendam á inconveniencia grave

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que me parece haver na doutrina de artigo 123.° do projecto do codigo administrativo.

Até agora as contribuições municipaes indirecta:, eram sobre os generos expostos á venda a retalho. Por este projecto e pelo artigo 123.° § 1.° o tributo vae recaír tambem sobre a venda por grosso. Está de tal maneira redigido este artigo, que é muito possivel, se elle passar como está, vir a acontecer que se exija que generos, já vendidos e tributados, paguem de novo o imposto pela revenda e exportação.

Eu acredito na boa fé dos fiscaes da fazenda, mas o que é facto é que póde vir a dar-se este vexame, se estas disposições do projecto não forem alteradas ou redigidas de outro modo.

Ha um outro paragrapho d’este mesmo artigo; o § 2.°, que, na minha opinião, contém determinações muito desagradaveis. Refiro-me aos generos consumidos peio:; vendedores ou pelos productores, provenientes da sua propria producção; n’este caso o imposto será calculado sobre o consumo provavel, tendo em vista o numero de pessoas de familia, os meios de fortuna, e mais circumstancias do contribuinte, e o quantitativo do imposto será determinado por avenças, quando haja accordo entre o contribuinte e a administração, e por arbitramento, quando deixar de haver esse accordo.

Sr. presidente, esta disposição é das peiores que o projecto tem. Póde haver doutrina mais injusta que d’este paragrapho? Pois um proprietario, depois do ter pago a contribuição predial, ha de ainda ir pagar imposto pelos generos da sua producção que elle consome e a sua familia? Supponhamos que o dono de um casal colhe una porção de trigo na sua propriedade, pelo qual paga a respectiva contribuição, com esse trigo obtem a farinha com que fabrica o pão que lhe e preciso para as suas necessidades domesticas; pois esse homem ha de ir pagar uma nova contribuição, ha de ir pagar o imposto de consumo pelo genero gasto no seu domicilio, despendido na sua alimentação e na da sua familia, depois de ter pago já a contribuição predial respectiva pelo rendimento do seu predio? Isto não é justo. E o que digo na hypothese que acabo de apresentar, póde-se applicar com relação ao azeite, ao vinho e a outros generos.

Este paragrapho tem necessariamente de ser riscado; porque sejam quaes forem as explicações que se dêem a este respeito, a letra do artigo do projecto e expressa, e entende-se ne sentido que eu e outros membros d’esta camara temos significado.

Sr. presidente, estou tratando rapidamente de algumas disposições do projecto de codigo, que estamos discutindo, sem ter outro fim senão chamar a attenção da assembléa, da commissão e do sr. ministro do reino para alguns dos pontos da lei que julgo indispensavel serem modificados ou aperfeiçoados.

Ainda assim muito poderia alargar-mo na discussão, senão visse que a hora está adiantada, e que a camara, já fatigada por um longo debate, se incommodaria dando eu maior extensão ás minhas reflexões. Todavia seja-me permittido dizer mais algumas cousas, que julgo util submetter ao exame dos membros d’esta casa.

Ha uma parte n’este projecto, á qual desejo particularmente referir-me. É a que toca á contabilidade e ás finanças municipaes. N’este ponto peço licença para dizer que fallo com algum conhecimento de causa, pelo facto de ter tido a honra de dirigir mais de uma vez este ramo de serviço publico no primeiro municipio do reino.

Relativamente á regularisação da contabilidade municipal, não posso deixar de declarar que este é um dos pontos em que estou de perfeito accordo com o projecto, porque n’elle se attende a uma grande dificuldade, que até agora tinham as camaras municipaes, não tendo até hoje senão gerencias, e ficando pelo projecto? artigo 134.° estabelecido o periodo do exercicio, o que é de uma grande vantagem.

A ultima vez que estive á testa dos negocios municipaes de Lisboa, havia importantes despezas obrigatorias, como por exemplo, na repartição dos incendios e nos talhes municipaes, que se não tinham pago, por terem caducado as auctorisações. Tendo acabado o anno economico, e não tendo sido pagas taes despezas, houve muita dificuldade em as satisfazer. Por isso approvo que o serviço financeiro dão camaras se execute em periodos de gerencia e de exercicio.

Hontem, tratando-se da fazenda municipal, lembrou-se um facto curioso; referiu-se que em quanto se permittia o deficit no orçamento do estado, era completamente prohibido pela lei que o houvesse nos orçamentos municipaes.

É verdade isto, e concordo que as finanças do estaco não são inteiramente parecidas com as finanças municipaes, e assim como seria excellente acabar com o deficit do thesouro, tambem julgo conveniente não permittir que os municipios nem mesmo o inscrevam nos seus orçamentos; porém a responsabilidade do não cumprimento de leis não devo ser só obrigatorio para os vereadores municipaes, que muitas vezes vêem a sua responsabilidade a descoberto, e não sabem como hão do satisfazer diversas despezas impostas pela lei.

Eu vou contar á camara o que me aconteceu em 1870. N’este anno tinha-se determinado, pelo decreto de 28 do dezembro, que as rendas das casas dos conservadores fossem pagas pela municipalidade. Estas rendas importavam em quinhentos e tantos mil réis, e o governo de então mandou-me um officio para que pagassem esta despeza. Eu propuz á camara o seguinte:

Que se representasse ao governo que a camara, tinha de cumprir a leis, apresentando os seus orçamentos sem deficit, e por isso, não tendo augmentado a sua receite, antes chegando esta difficilmente para a despeza, precisava que o governo indicasse qual o artigo da receita a que se havia de ir buscar a verba necessaria para pagamento da renda de casas aos conservadores, sentindo a camara verdadeira satisfação de ver desenvolver n’este paiz o principio de descentralisação, e esperando que este principio se executasse não só em relação á despeza, mas tambem emquanto á receita.

Eu trago este exemplo para mostrar que é necessario que os governos não vão exigir ás camaras despezas de tal ordem que as façam desorganisar o seu orçamento; porque ao mesmo tempo que lh’o mandam organisar sem deficit, por outro lado mandam pagar cousas que não estão comprehendidas no orçamento.

Aproveito a occasião para dizer, que é neccessario tambem que a respeito dos emprestimos municipaes, se estabeleça na lei de uma vez por todas que, ainda quando as camaras municipaes queiram fazer emprestimos, devem indicar logo a receita correspondente para satisfazer aos encargos que lhes hão de resultar d’esses emprestimos.

Com a camara do Lisboa acontece o seguinte: do projecto de orçamento, que eu apresentei em julho de 1867, resulta ter Lisboa:

Encargos em 1877 - 1878 provenientes do diversos emprestimos............... 66:766$000

Receita ordinaria no dito anno.......... 392:111$369

Liquide............................ 325:345$369

Despeza obrigatoria. .................. 326:499$882

Deficit............................. 1:154$513

Não devendo esquecer que toda a despeza facultativa, na qual se inclue a canalisação, abertura de ruas, etc., ficou sem verba para ser dotada, o que em tal cato traz a necessidade de parar com obras importantes.

Portanto, chamo a attenção do sr. ministro para este

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ponto, e peco-lhe que não admitta emprestimos municipaes sem as camaras indicarem logo a receita de onde hão de saír os respectivos encargos.

Isto é em relação á fazenda municipal.

Em relação, porém, á organisação das camaras municipaes, eu mando, para a mesa uma proposta que vou fundamentar em poucas palavras. Esta proposta, ou emenda, diz respeito ao artigo 269.°, que estabelece as incompatibilidades para os cargos administrativos.

Eu chamo a attenção da camara para este ponto.

Sr. presidente, eu no que vou dizer quero abstrahir inteiramente das qualidades pessoaes dos individuos, que podem ser excellentes; mas o que é facto é que tudo se gasta, e o zelo e a actividade perde-se com longos annos de aturado trabalho.

Clama-se de longa data contra os chamados vereadores encartados, e eu creio que o serviço publico nada perderia com a sua falta na vereação; a pertinacia que se dá na sua reeleição, comparo-a eu á da phyloxera, que estraga as vinhas irremediavelmente.

Todos têem obrigação, cada um na sua escala, de servir o municipio, e este fortalece-se e tira vantagem do zêlo e aptidão de homens novos nas lides camararias.

Desejo conseguir esse resultado e é n’este sentido a proposta que mando para a mesa.

A este respeito direi que a doutrina que estabeleço tem applicação a todos os corpos administrativos. Proponho que os que tiverem servido no periodo quadriennal não possam ser reeleitos no quedriennio immediato.

No artigo 88.° do projecto em discussão determina-se a dotação da commissão districtal, e no artigo 234.° a gratificação dos vogaes do conselho de districto, e podem haver individuos que aproveitem esta disposição para crearem uns logares permanentes e effectivos, fim que não me parece esteja em vista no projecto. É para isso que estabeleço na minha proposta a incompatibilidade no fim do quadriennio.

Com respeito especialmente á organisação da camara municipal de Lisboa, tenho tambem uma proposta.

O artigo 13.° determina que os corpos administrativos têem presidentes e vice-presidentos eleitos annualmente pelos vogaes.

Eu proponho que o presidente da camara municipal de Lisboa seja eleito directamente pelos eleitores, designando-se nas listas o nome do individuo a quem o eleitor confia este alto cargo.

Entendo que isto é justo e conveniente, porque as attribuições do presidente da camara são hoje muito largas e onerosas, dão muito trabalho, e quem as quizer satisfazer cabalmente, conforme marca o artigo 109.° d’este codigo, não póde occupar-se de outra alguma cousa, não lhe ha de restar tempo para mais nada.

O cargo é gracioso e de grave responsabilidade, e assim não só merece a honra de ser obtido pelo suffragio directo dos eleitores, mas muito convem interessar directamente os municipes n’esta escolha. É preciso que a pessoa que occupa a cadeira de presidente tenha aptidão necessaria, mas quaesquer que sejam as qualidades pessoaes e inteireza de caracter do cavalheiro, que se possa sentar em logar tão distincto, ha vantagem publica que pelas suas opiniões politicas não seja incompativel com o principio monarchico, que felizmente rege este paiz. Este negocio é grave.

Outra questão ainda ácerca do artigo 152.°

Em differentes concelhos os partidos medicos municipaes dão pequeno rendimento, na verdade! mas os facultativos que os acceitam, já sabem as condições em que hão de desempenhar os seus deveres, e, portanto, não ha motivo para que deixem de os cumprir. Todavia, salvo muitas e honrosissimas excepções de homens benemeritos, acontece algumas vezes que, visitando o facultativo dentro da villa, ainda com algum custo, os enfermos pobres, se recusa a visital-os quando elles moram no campo, fóra da villa; e sómente vae lá a troco de larga estipendio. Isto não póde ser, e mais de uma vez tristes episodios têem havido. É necessario que esses empregados omissos no exercicio de seu cargo sejam punidos de prompto e severamente. Eu desejava que ficasse pertencendo á camara municipal a faculdade de os suspender logo, depois de os ouvir, tendo os interessados o direito de appellar para o conselho de districto.

Peco desculpa á camara de a estar cansando, mas eu não queria ficar com a palavra reservada, e por isso estou limitando o mais possivel as minhas reflexões.

Sr. presidente, vou apresentar outra observação com relação ao artigo 102.°, que marca .as attribuições da camara.

Já uma vez, discutindo-se n’esta casa o orçamento geral do estado, commetti a excentricidade de, a proposito d’esse projecto, tratar do hospital de S. José: não havia outro remedio, o orçamento é votado nas mesmas condições d’esta lei, nos curtos artigos da lei de despeza. Ora, sr. presidente, ao hospital de S. José vem doentes de todo o districto de Lisboa e de outros districtos, e disse eu n’aquella occasião, que era indispensavel crear pequenos hospitaes nas differentes localidades, para que se podessem evitar os graves transtornos financeiros que d’aqui resultou para o hospital, e ao mesmo tempo facilitar aos desgraçados um rapido tratamento.

Entendo que é muito bom dar instrucção ao povo, mas não é menor beneficio, acudir-lhe na hora extrema. A creação de pequenos hospitaes em todos os concelhos, não só tinha, repito, utilidade em relação ao hospital de S. José, mas, alem d’isso, facultava ao pobre, nas suas enfermidades, que não póde ser curado no domicilio proprio, uma casa de caridade onde podesse abrigar-se, sem estar sujeito aos incommodos e embaraços que sempre experimenta no seu transporte para a capital.

Conheço que póde ser alguma a despeza com esse melhoramento; mas, encontrando indicadas no projecto vinte e sete obrigações importantissimas, ás quaes têem de satisfazer as camaras, muitas vezes com um magro orçamento, não vejo inconveniente em apontar mais este pensamento, designando expressamente no n.° 4.° do artigo 103.° a creação dos hospitaes indicados. Lá está no artigo a palavra estabelecimentos de beneficencia, mas pelo fim, que tenho em vista, e como aspiração humanitaria, eu queria claramente mencionado o hospital.

Em relação ao artigo 269.° ainda desejava eu fazer uma pergunta á illustre commissão.

Diz-se ali no n.° 9.° «não podem ser eleitos os empregados dependentes das corporações, de cuja eleição se tratar».

Pergunto se deve entender-se que um empregado da camara póde ser eleito para ajunta geral?

Eu julgo conveniente ficar bem expresso que os empregados das camaras municipaes, corporações subordinadas ás juntas geraes de districto, não devem fazer parte d’essas mesmas juntas.

Eu desejava que se estabelecesse bem este ponto.

Finalmente, sr. presidente, eu acceito as nobres palavras do dignissimo prelado o sr. bispo de Bragança, com relação a não dever ser expulso o parocho da junta de parochia.

Entendo que não ha inconveniente algum, antes pelo contrario, é justo, é indispensavel dar ingresso aos parochos nas juntas de parochia pelos fundamentos que foram expostos com tanta auctoridade, embora o parocho não tenha que intervir directamente em muitos dos negocios da junta; o deixar elle de assistir, póde, como tambem se disse, ser tomado pelo povo por um acto de menos consideração da parte dos poderes publicos.

Eu acceito completamente a proposta do nobre prelado de Bragança, e faço votos para que a commissão leve em conta as reflexões de s. exa., a fim de que os parochos não sejam inconvenientemente postos fóra das juntas de parochia!

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Concluindo, sr. presidente, mando para a mesa o documento a que me referi, com relação aos proventos dos bombeiros, e bem assim as minhas emendas.

A camara desculpará o tempo que lhe tomei.

O sr. Presidente: — Vão ler-se as emendas do digno par.

São do teor seguinte:

Emendas

Additamento ao artigo 269.° — Os cidadãos que tiverem servido nos corpos administrativos durante o periodo quadriennal, indicado no artigo 9.°, não podem ser reeleitos no quadriennio immediato. = O par do reino, Conde de Rio Maior.

A aditamento ao artigo 13.° — O presidente da camara municipal de Lisboa e eleito directamente pelo corpo eleitoral, e nas listas, contendo o nome dos treze vereadores, será designado expressamente aquelle a quem o voto do eleitor confia este cargo. = O par do reino, Conde de Rio Maior.

Artigo 152.° Substituição. - Os facultativos, pharmaceuticos, parteiros e veterinarios, providos nos partidos municipaes podem, sendo previamente ouvidos, ser suspensos, pela camara municipal, ficando-lhes livre o direito de appellar para ajunta geral, a qual confirma, ou rejeita a suspensão imposta pela camara. A demissão não pode ser dada, nem alterados os vencimentos ou condições dos partidos sem que preceda approvação da junta geral do districto. = O par do reino, Conda de Rio Maior.

Artigo addicional ao projecto. — Os corpos administrativos não podem levantar emprestimos, sem que provem as receitas d’onde hão de saír os novos encargos. - O par do reino, Conde de Rio Maior.

Lidas na mesa, foram admittidas á discussão.

O sr. Presidente: — Vão ler-se quatro mensagens vindas da outra camara.

Quatro officios da presidencia, da camara dos, senhores deputados, remettendo as seguintes proposições do lei:

1.ª Auctorisando o governo a reorganisar os quadros do pessoal operario e effectivo do arsenal de, marinha e cordoaria nacional.

Ás commissões de fazenda e marinha.

2.ª A despender durante o anno economico de 1878-1879 a quantia de 180:000$000 réis com a continuação das obras de fortificação e seu porto.

Ás commissões de guerra e fazenda.

3.ª Organisando os regimentos de artilheria de campanha de guarnição.

Ás commissões de guerra e fazenda.

4.ª Approvando o contrato para a illuminação a gaz da cidade de Ponta Delgada.

Á commissão de administração publica.

O sr. Presidente: — Deu a Hora, mas eu peço á camara que me honre com alguns momentos de attenção.

A camara resolveu que e projecto vindo da outra camara relativo á lei eleitoral fosse examinado por uma commissão especial, mas não fixou o numero do membros que devem compor essa commissão.

As commissões d’esta camara costumam ser de sete membros, mas a camara póde fixar para esta commissão especial um numero maior ou menor, segundo entender.

Vou portanto submetter á approvação da camara que a commissão seja de sete membros; se for approvado este numero só resta proceder á sua nomeação, se o não for proporei successivamente que seja composta do nove membros, depois de onze, e assim por diante.

Consultada a camara, resolveu que a commissão fosse de sete membros

O sr. Presidente: — A ordem do dia para amanhã, 10, começará pela eleição da commissão que acaba de ser votada, seguindo-se a continuação da ordem do dia que estava dada para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 9 de abril de 1878

Exmos srs.: Duque d’Avila de Bolama; Marquezes, de Ficalho, de Fronteira, de Monfalim, de Sabugosa, de Vallada; Condes, dos Arcos, do Bomfim, de Cabral, de Cavalleiros, de Linhares, da Ribeira Grande, do Rio Maior, da Torre, da Fonte Nova; Bispo de Bragança.; Viscondes, de Alves de Sá, da Bivar, de Fonte Arcada, dos Olivaes, de Porto Covo, da Praia, da Praia Grande, do Seisal, da Silva Carvalho, do Soares Franco; Barão de Ancede; D. Affonso de Serpa, Ornellas, Mello e Carvalho, Sousa Pinto, Burros e Sá, D. Antonio de Mello, Costa Lobo, Cau da Costa, Xavier da Silva, Palmeirim, Carlos Bento, Larcher, Mártens Ferrão, Braamcamp, Pinto Bastos, Reis e Vasconcellos, Vaz Preto, Franzini, Menezes Pitta, Eugenio de; Almeida, Barjona de Freitas, Serpa Pimentel, João de Andrade Corvo.

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