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DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 347

mens n'esta casa, os precedentes politicos que se referem a algum d'esses nomes, não são de tal natureza que permittam a um ministro da corôa vir aqui fazer a sua apotheose.

Sr. presidente, agora fallo desassombradamente. Quando estava nos bancos do poder tinha rasões especiaes, motivos de ordem publica, e de alto interesse do estado, que me obrigavam a medir as palavras e a pronuncial-as no sentido mais restricto; hoje, porém, que respondo por mim, só por mim, e que não tenho outra medida para a expressão do meu pensamento que não seja o respeito que devo a v. exa., á camara, e a mim proprio, posso saír dos estreitos limites em que era obrigado a conter-me, quando ministro, e apresentar as minhas idéas com a liberdade de que disponho e com a isenção que me é propria.

Sr. presidente, tenho bem presente na memoria que quando estava occupando aquellas cadeiras se levantaram vozes severas, auctorisadas e catonianas, accusando-me de não mandar perseguir, perante os tribunaes, os periodicos que publicavam certos artigos escriptos por alguem que hoje merece os elogios do sr. ministro da fazenda...

O sr. Conde de Rio Maior: - Peço a palavra.

O Orador: - Artigos em que se offendiam as mais elevadas instituições, em que se atacava a corôa. (Apoiados.)

Eu era accusado, e quasi declarado cumplice dos auctores d'esses artigos, porque não usava contra elles dos meios que as leis facultam para os fazer processar nos tribunaes competentes.

Eu defendia o meu procedimento fundando-me na estima e no respeito publico para com o chefe do estado, o qual estava muito acima das injurias que lhe eram dirigidas. (Muitos apoiados.)

Eu não podia querer que um nome augusto se discutisse nos tribunaes. Vedavam m'o altas rasões de interesse politico de ordem publica.

Assim respondia eu aos meus illustres adversarios, que se não conformavam com este meu procedimento, e me invectivavam por causa d'elle.

Na presença d'estes factos recentes, como não me surprehenderia o silencio com que foram hontem recebidos na camara os elogios do sr. ministro da fazenda á pessoa que, em logar de penna escrevia com um estylete para ferir o
mesmo rei de quem s. exa. é ministro!

Sei dizer tudo, e hei de dizer tudo que entendo, porque tudo se póde dizer n'esta casa, uma vez que não offenda ninguem, e que guarde o respeito devido á assembléa e ás conveniencias parlamentares.

O facto a que alludo deixou-me profunda impressão, e não pude resistir ao desejo de levantar as palavras do nobre ministro da fazenda. Se não o fizesse faltava ao que devo a mim, e ao respeito que tenho pelas instituições e pela liberdade, porque a liberdade não póde ser nunca a licença. (Apoiados.)

Declaro que não sou pelo abuso, mas sim pela liberdade da manifestação do pensamento. Essa manifestação póde n'uma ou n'outra vez dar logar a injustiças e perigos, mas ainda é mais injusto e perigoso supprimil-a ou manietal-a.

Não costumo discutir a imprensa. Sabem-no todos os homens publicos que me conhecem ha longos annos. Abstenho-me de responder a ella no parlamento, não porque deixe de respeitar a instituição, mas porque entendo que ás suas demasias, aos seus erros e ás suas inconveniencias só se responde na mesma tribuna. Ahi tenho sido gravemente offendido e atacado por alguns dos meus adversarios, que desde muito tempo têem tomado a seu cargo ferir-me no mais profundo da minha consciencia, da minha dignidade e da minha honra!

Nunca vim á camara levantar essas offensas, nem repellir as phrases de que fôra victima.

Mas não se trata d'isso agora, trata-se de uma questão havida n'esta casa, trata-se de uma accusação de que fui objecto, não na imprensa, mas aqui; e n'este caso, nem a camara, nem o governo, nem o sr. ministro da fazenda deverão estranhar que eu levantasse as palavras de s. exa. e procurasse explicar a triste impressão que me fizeram.

Este incidente está findo; e ainda que eu pareça um pouco apaixonado, no negocio que se discute, não tenho senão o sentimento da rasão que me anima.

Estou a sangue frio, e as questões que nos occupam devem ser tratadas friamente.

Ás vezes um incidente politico, da ordem d'este, póde obrigar o orador a levantar um pouco mais a voz do que levantaria em qualquer outra occasião, em quaesquer outras circumstancias; porém a rasão serena que deve esclarecer-nos, e presidir aos debates parlamentares, é a que eu procurarei que me seja inspiradora nas poucas palavras que tenho de dizer á camara sobre o assumpto que propriamente se ventila.

E foi talvez bom que me coubesse a palavra, tendo passado vinte e quatro horas depois do discurso do nobre ministro da fazenda.

Se eu hontem tivesse fallado em seguida a s. exa., que, como orador parlamentar experimentado, costuma, se assim lhe convem, esperar que dê a hora para terminar o seu discurso, é provavel que me mostrasse mais severo do que fui hoje. Depois talvez me arrependesse no remanso do meu gabinete.

A violencia não convence, e a paixão é má conselheira. Assim foi melhor.

Nós estamos discutindo o projecto de lei que tem por fim auctorisar o governo a proceder á arrematação do imposto do real de agua por concelhos, por grupos de concelhos ou como se entender mais conveniente; mas, digamos a verdade, esta discussão tem ficado um pouco eclipsada no meio da questão geral de fazenda, que, embora não viesse muito apropriadamente para o assumpto que se discute, não póde, comtudo, entender-se que lhe seja estranha, porque, emfim, trata-se de impostos e da administração d'elles.

Ainda a proposito, peço licença para observar que me pareceu que o nobre ministro da fazenda se tinha referido á iniciativa especial da camara dos senhores deputados em materia de imposto, não dizendo que negava á camara dos pares o direito de examinar questões d'esta natureza, mas fazendo-lhe sentir como é que na constituição do estado se achavam descriminadas as attribuições das duas casas do parlamento.

Na verdade é assim. Todos sabem que a iniciativa sobre impostos e recrutamento compete exclusivamente á camara dos senhores deputados; ninguem o contesta.

Mas não se póde negar, creio mesmo que ninguem tentou negar jamais, que a camara dos pares tenha direito de examinar as propostas que vem aqui, sobre taes assumptos, de as discutir, e de as approvar ou rejeitar, como melhor o entender.

Se assim não fosse, esta camara seria unicamente uma chancella dos srs. ministros e da camara dos senhores deputados; e por mais respeitaveis que sejam os homens que estão á frente do poder, e os que compõem a outra casa do parlamento, a camara dos pares não póde, sem abdicar a sua dignidade politica, prescindir das attribuições que lhe confere a constituição do estado, que fez d'ella um ramo do poder legislativo.

O objecto d'este debate é puramente de administração. Trata-se de um imposto já estabelecido, e simplesmente do systema preferivel da sua arrecadação, de modo que não pude perceber o alcance da allusão do sr. ministro da fazenda á iniciativa especial da camara electiva, quando effectivamente se não tratava de propor aqui um imposto, mas de discutir um projecto de lei vindo da outra camara, em que se consigna o methodo de fazer a arrecadação d'esse imposto.

A proposito devo declarar á camara que tenho por cos-