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DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 353

fica momentaneamente mais forte. É por isso que eu chamo fatal ao expediente adoptado.

Eu respeito e considero muito a maioria da camara dos senhores deputados, porque entendo que, desde o momento em que os diplomas são approvados pelo corpo legislativo, são legaes, e estão ali os representantes do paiz. As eleições, porém, fizeram-se por tal fórma, sr. presidente, que os filhos da urna, em muitos casos, são mais representantes do interesses locaes, do que geraes, e não estão por isso ainda bem identificados com a politica da situação, nem afeitos á disciplina partidaria. Aos primeiros symptomas de hesitação, ou duvida, o governo atira-se á opposição como S. Thiago aos mouros, e tudo entra na ordem.

Nós somos victimas d'esta politica, que vive, como disse ha pouco, de uma força negativa, porque a força positiva só a podem dar as adhesões francas, desassombradas, cheias de convicção profunda, que se reunem á volta de um governo, e vivem e morrem com elle. Esta força só a póde dar a unidade politica, e os interesses locaes, por muito respeitaveis que sejam, nem sempre estão de accordo com ella.

O sr. Miguel Osorio: - Peço a palavra.

O sr. Presidente: - O digno par deseja que eu o inscreva a favor ou contra?

O sr. Miguel Osorio: - A favor.

O sr. Conde de Rio Maior: - Tambem peço a v. exa. que me inscreva a favor do projecto.

O Orador: - Examinemos agora a divida consolidada. Esta divida é o repositorio de todos os deficits accumulados durante longos annos, de todos os excessos de despeza não auctorisada, e representa, por um lado, o pagamento dos serviços do paiz, e por outro, os seus melhoramentos. Vem descripta nos encargos do orçamento da junta como attingindo a somma de 11.797:000$000 réis.

O sr. Marquez de Ficalho: - Peço a palavra.

O sr. Presidente: - A favor ou contra?

O sr. Marquez de Ficalho: - Contra.

O Orador: - O sr. ministro da fazenda depois de ter, em relação á divida fluctuante, feito diversas conciderações, achou que o encargo era de 2.889:000$000 réis.

Acceito os algarismos do orçamento. Não faço calculos meus. Bastam-me os elementos officiaes.

Mas d'estes encargos da junta hão de deduzir-se necessariamente 738:000$000 réis, que são os juros dos titulos de divida interna na posse da fazenda. Tem de se deduzir mais 28:000$000 réis, que procedem de bonds da divida externa, igualmente pertencentes ao thesouro.

Se deduzirmos ainda 70:000$000 réis de juros dos bonds da amortisação de 1845, cancellados e depositados no banco de Inglaterra, e a importancia das amortisações, teremos encargo effectivo da junta, 10:853:000$000 réis, que juntos a 2.889:000$000 em que o sr. ministro computa os juros da divida fluctuante, elevam a 13.742:000$000 réis o encargo da divida publica consolidada, interna e externa.

Quando o sr. ministro, no seu relatorio, querendo discriminar da receita publica o que fica disponivel para o pagamento dos differentes serviços, diz que os juros e encargos da divida absorvem 14.603:000$000 réis, não é rigorosamente exacto, e induz o leitor em erro, que não é inferior a 861:000$000 réis annuaes.

E comtudo, s. exa. insiste constantemente em que diz a verdade ao paiz.

Ora, a verdade não é precisamente essa, e por melhor que se explique o que lá está escripto, ainda é melhor não lançar no espirito publico a exageração que prejudica o credito.

Eu não me refiro nem ás observações feitas pelo sr. ministro, nem por pessoa alguma; retiro-me, para não caír em erro, ao que se lê no relatorio de s. exa., com relação ás despezas provenientes da divida publica. Diz-se ali que são 14.603:000$000 réis, mas n'estas despezas se comprehendem, como fica dito, 861:000$000 réis, que não podem ser computados para o effeito de aggravar a situação do thesouro, e esta somma corresponde ao capital de réis 28.700:000$000 réis, que não devemos, e que, portanto, é preciso abater do nominal da nossa divida. Já vê a camara que isto não póde ser indifferente, para apreciar com exactidão o estado da fazenda publica.

Aqui está a rasão por que eu disse que era necessario dizer a verdade toda ao paiz, mas não só meia verdade, e vendo as cousas por um unico lado.

Quando examinâmos um negocio, para conhecer a verdade, é como se vissemos uma estatua, ou um monumento, que é preciso ser observado por todos os lados, para que seja devidamente apreciado.

Na presença d'estes resultados, eu creio, sr. presidente, que o interesse do governo consiste mais em attenuar quanto possivel as difficuldades financeiras do que em exageral-as.

Não lhe aconselho, por certo, que falte á verdade dos factos, porém as mesmas, cousas ditas por diversa maneira produzem diversa impressão, e não se deve incutir a desconfiança na opinião publica, sobretudo quando não ha motivo justificado para isso.

Embora se diga que a nossa lingua é pouco conhecida na Europa, e que os nossos jornaes não são lidos lá fóra, isso não é rigorosamente exacto. Quem tem interesse nos nossos negocios examina o que se diz no parlamento e nos jornaes portuguezes, e principalmente o que traz o cunho auctorisado do governo, e é destinado a ver a luz publica. Por isso, repito, é conveniente, sem faltar á verdade, ter em consideração todas estas circumstancias, e fallar e escrever de modo que o publico não seja induzido em erro.

Eu creio sr. presidente, que nós teremos de recorrer ao credito ainda por muito tempo, não porque o deficit se conserve indefinidamente, porque elle póde extinguir-se, se o governo, ajudado pela opinião publica, levar por diante a promulgação de leis que produzam, pelo imposto, os meios necessarios para isso, mas no dia em que elle for extincto, o governo tornará a recorrer ao credito, porque não podemos parar no caminho encetado, e a pressão dos interesses nacionaes ha de ser bastante efficaz para obrigar os poderes publicos a continuar no desenvolvimento dos melhoramentos materiaes que o paiz reclama.

Ao principio fazia-se muita guerra a estas idéas, era preciso uma campanha para conquistar a opinião a favor dos melhoramentos materiaes, para convencer o publico da necessidade de fazer caminhos de ferro, por exemplo, e para que o paiz acreditasse na utilidade d'elles como um grande elemento de prosperidade. Foi preciso caírem ministerios, luctar-se constantemente na imprensa e na tribuna parlamentar, para levar a convicção aos espiritos de que Portugal não devia, nem podia ficar n'esta parte occupando um dos ultimos logares na escala das nações civilisadas.

Hoje não é preciso nada d'isso, pelo contrario, ha necessidade de temperar, de limitar as exigencias dos povos a este respeito, porque todos querem que a via ferrea passe proximo da sua terra, que a estrada venha até á sua porta, que a estação telegraphica não fique longe, emfim que se façam todos aquelles melhoramentos que são uma necessidade impreterivel da civilisação moderna. Ora se isto é assim, se todos exigem esses melhoramentos, se as colonias querem tambem que se lhes acuda com elles, se o paiz inteiro nutre estas idéas e não quer dispensar esses instrumentos de progresso, que elle sabe hoje perfeitamente serem um meio efficaz do seu desenvolvimento; se por outro lado a iniciativa particular não está ainda entre nós convertida n'um facto com relação a essas grandes obras de utilidade geral, como ha de o estado deixar de recorrer ao credito, se não tem outro meio de satisfazer, pelo menos em grande parte, as exigencias instantes dos povos?