354 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
É por isso que não devemos prejudicar o credito, que é, como v. exa. sabe muito bem, uma riqueza nacional. É por elle que os fundos que representam a honra nacional, sobem de preço, o que é de grande vantagem para essa riqueza, porquanto aquelles que têem a felicidade de possuir uma somma qualquer representada em titulos de divida publica, seja qual for a sua denominação, vêem immediatamente augmentar a sua fortuna na rasão directa da elevação do preço d'esses titulos.
Se eu quizesse argumentar com os melhoramentos que devemos ao credito, muito podia dizer com referencia ás epochas em que eu e os meus amigos estivemos á frente da administração publica; mas não pretendo fazer a historia retrospectiva, não quero inflammar o debate, nem saír do assumpto que se discute, sobretudo quando do meu procedimento podia resultar uma discussão irritante, visto que, no dizer dos nossos adversarios, as administrações a que tenho tido a honra de pertencer, têem sido de tal modo nefastas, tão esbanjadoras, que pozeram o paiz á beira de um abysmo.
É notavel, porém, que apesar de tudo quanto nos imputam com respeito ao modo porque temos dirigido os negocios do estado, não obstante attribuirem nos uma desastrosa gerencia financeira, todas as vezes que tem sido necessario appellar para o credito os capitalistas tanto nacionaes como estrangeiros, têem corrido a offerecer ao governo os recursos necessarios para emprehender melhoramentos, ou solver difficuldades de qualquer natureza.
E porque é que assim tem succedido? É porque temos tido credito.
Somos esbanjadores, dizem, pozemos o paiz á borda do abysmo, e o credito publico protesta contra uma tal asserção, e não se resente d'esta nossa má politica! É singular, sr. presidente!
Ainda em 1876, n'aquella crise dos bancos, que tão deploravel foi para os interesses economicos, e que teve consequencias que ainda hoje se estão fazendo sentir, ainda n'essa occasião, repito, o governo a que eu tinha a honra de presidir, elevando-se á altura das difficuldades que então existiam, arcando frente a frente com ellas, pôde recorrer ás praças estrangeiras para acudir n'aquella afflictiva situação, não só aos bancos, mas ao paiz, que clamava por auxilio.
Todos os bancos se aproveitaram então d'esse credito que o governo tinha, e amigos e adversarios todos applaudiram n'essa occasião o seu procedimento.
Até os mais decididos contra a situação, escreviam aos membros do gabinete, dizendo-lhes que o governo se honrava n'aquella triste conjunctura, usando do credito de que dispunha para occorrer á crise, que podia ser de bem funestas consequencias. Foi um facto notavel. Todos nos lembrâmos ainda que houve tempo em que o governo portuguez era quem no paiz tinha menos credito, e tanto que qualquer banco, e mesmo particulares, levantavam capitaes por um preço inferior áquelle por que o governo os obtinha.
Felizmente esses tempos passaram, e succederam outros em que se viu com satisfação do paiz inteiro que em logar de ser o governo quem tinha menos credito, era pelo contrario quem de mais recursos dispunha. E porque foi isto? Foi porque a politica que representavamos era má e nefasta, porque era esbanjadora?
Se o sentimento publico fosse esse, os capitaes nacionaes e estrangeiros teriam recusado ao governo o seu concurso, no momento supremo em que todos os estabelecimentos de credito periclitavam mais ou menos dentro do paiz.
Sr. presidente, quando em 1851 eu tive a honra de entrar pela primeira vez nos concelhos da corôa, a nossa receita mal chegava a 10.000$000 réis.
Mais tarde o sr. Braamcamp, no seu excellente relatorio de 1870, e na sua qualidade de ministro da fazenda, declarava que o orçamento da receita para o anno economico de 1870-1871, era de pouco mais de 16.000:000$000 réis; para o anno economico futuro, o sr. ministro da fazenda calcula a receita em mais alguma cousa do que réis 26.000:000$000.
Mas diz-se que n'estes periodos, tambem as despezas publicas têem augmentado avultadamente, e isto principalmente porque temos abusado do credito. Ora, os empresmos têem sido contrahidos para satisfazer compromissos antigos, que tambem nos foram legados, e que vão ficando successivamente de administração em administração, sem solução de continuidade, bem como para dotar o paiz com os melhoramentos materiaes que tanto têem contribuido já para o seu adiantamento.
Dizendo isto, não pretendo fazer o meu proprio elogio, nem attribuir estes factos unicamente ao meu partido; mas refiro-me aos diversos governos que se têem seguido uns aos outros, e aos differentes partidos politicos a que pertencem.
Portanto, um augmento de 10.000:000$000 réis, em dez annos, um augmento de receita de 16.000:000$000 réis em vinte annos, provam, apesar de termos ainda um deficit relativamente grande, que se não recorreu ao credito sem vantagem para o paiz, e que os principios que têem presidido ultimamente á administração publica, nem são nefastos, nem nos tem levado á borda de um abysmo de que estamos longe.
Eu estou prompto a acompanhar o nobre ministro da fazenda, ou os governos de qualquer côr politica, em todas as medidas que tendam ao aperfeiçoamento das nossas finanças; porque estou convencido que é justo esse empenho, e que todos os ministros são animados das melhores intenções.
Não obstante, sr. presidente, entendo que a politica que se tem adoptado nos ultimos annos, não póde ser condemnada sem mais exame, e não me posso convencer de que ella não tenha dado resultados satisfactorios.
Pensa alguem que nas outras nações a receita tem crescrido n'uma proporção mais forte que entre nós? Eu não posso fazer comparação com a Franca, que teve de augmentar extraordinariamente os seus impostos, em consequencia da lucta gigante e sem exemplo na historia moderna, em que esteve ultimamente empenhada.
Tambem a Allemanha me não serve de termo de comparação, porque teve de armar grandes exercitos, fazendo enormes despezas, e recebendo uma espantosa contribuição de guerra, o que tudo pertuba os calculos d'esta natureza.
Mas a vizinha Hespanha, que está em circumstancias mais analogas ás nossas, não augmentou proporcionalmente a sua receita mais do que nós.
A Hespanha, ha trinta annos, tinha quasi tudo para fazer, como nós tinhamos, e sendo a sua receita de então 1.149:000:000 de reales, ou 287.000:000 de pesetas, hoje é de 750.000:000 de pesetas, o que quer dizer que teve um augmento de 261 por cento, emquanto nós tivemos no mesmo periodo um augmento de 270 por cento.
Mas, sr. presidente, permitta v. exa. que eu ainda faça outras considerações, referindo-me a documentos que não são da minha responsabilidade, que não são feitos nem mandados fazer por mim, e aproveito este meio para justificar diante da camara e do paiz a imparcialidade das bases da minha argumentação.
Quando v. exa. dignamente presidiu ao ministerio de 1877, e era ministro das obras publicas um cavalheiro que não era meu amigo politico, publicou-se por aquella secretaria d'estado um documento no qual se lê que, desde que se organisou o ministerio das obras publicas, se têem gasto em obras publicas 98.000:000$000 réis effectivos.
Ora todos sabem que antes de se ter creado aquelle ministerio, a despeza com aquelle ramo de serviço publico era tão diminuta, era tão exigua a verba que lhe era destinada, que não tem comparação possivel com o que se