284 DIARIOM DA CAMARA DOS DIGNOS PARES REINOS
paiz e do governo, pedindo uma syndicancia aos actos deste ecclesiastico e attribuindo este estado de cousas á anarchia dos serviços do padroado portuguez na Africa e na India.
Tenho governado dioceses do ultramar por espaço de onze annos; residi cinco annos na de Angola, e dois annos governei o arcebispado primaz do Oriente, e as vastas missões do real padroado.
Não costumo declinar a responsabilidade dos meus actos, assumo-a inteira.
Era 1881, epocha em que se deram os factos a que me tenho referido, governava eu como vigario capitular o arcebispado de Goa e as igrejas do padroado como delegado apostolico.
Faço esta declaração porque entendo que, procedendo de outra maneira, procederia menos nobremente, porque as pessoas menos sabedoras das cousas da India poderiam pensar que a responsabilidade d'estes factos compete, ou aos prelados anteriores, ou ao actual arcebispo do Goa.
Alguma responsabilidade, é verdade, compete ao actual arcebispo primaz, e logo direi em que.
Sr. presidente, este ecclesiastico, segundo elle diz, e eu não contesto, foi mandado em 1874 para Singapura na qualidade de coadjutor.
Note v. exa. que foi na qualidade de simples coadjutor, j e que n'esta condição tinha casa, cama e mesa dada pelo j vigario, e uma pequena subvenção paga pelo estado.
Serviu a igreja de S. José de Singapura na qualidade de coadjuctor desde 1874; lá o encontrei e conservei até 1881, e lá continuaria, se o julgasse conveniente.
Não podia servir contra a vontade do vigario missionario, com quem se tornara incompativel. O estado pagou-lhe passagem de ida e volta, e a sua congrua.
Até certo tempo este ecclesiastico, segundo as informações que tive, prestou bom serviço; mas, sr. presidente, o homem não é impeccavel nem incorregivel.
Ao prelado de Goa, assim como a outro qualquer, assiste b direito de mandar os padres, que lhe estão sujeitos, para onde julgue conveniente ao serviço, e a estes incumbe obedecer.
Não ha direito contra direito, e onde não ha offensa de direito não ha injustiça.
Ao prelado pertence mandar, nem poderia de outra sorte haver administração ecclesiastica.
É acto de mera administração.
Assim se fez antes, então, e se fará depois.
Os missionarios são amoviveis, e o prelado, que tem a responsabilidade, deve tambem ter a liberdade dos seus actos.
Julgou-se de certo tempo em diante inconveniente a permanencia d'este ecclesiastico em Sigapura, e mandou-se regressar a Goa.
Não se lhe impoz pena, nem censura, estando por isso habilitado a grangear a sua vida, podendo ser empregado em outro serviço, se o merecesse.
Podia ficar por aqui.
Mas, sr. presidente, o queixoso falla dos seus grandes serviços, que eu não affirmo, nem contesto, nem deprecio, falla das injustiças que lhe foram feitas, dos inconvenientes e males que resultaram para o nosso padroado da sua inesperada retirada, e é necessario, por isso, que eu diga á camara as rasões que tive para proceder como procedi.
As igrejas que estão sob a jurisdição do padroado do Oriente são vastissimas, e é impossivel a um só prelado olhar por ellas convenientemente.
Nós temos, alem das igrejas do arcebispado de Goa, os vicariatos do norte com a séde era Bombaim, dos Gatos e do Canará, pertencentes ao arcebispado, e as de Cochim, Cranganor, Ceylão, Malaca, Meliapor e Calcutá, que pertencem ás missões do padroado.
É possivel a um só prelado governar todas estas christandades?
Não é possivel.
Já se vê que eu havia de saber o que se passava em Singapura pelo meu delegado; temos lá um vigario geral, um ecclesiastico dignissimo, e que até certo tempo attestou do bom serviço do reverendo Sant'Anna da Cunha, e que, é insuspeito; mas depois julgava e informava que era inconveniente a sua permanencia n'aquella localidade.
Os meus antecessores e eu mesmo lá o conservámos por muito tempo, mas chamou-se a minha attenção para as cousas de Singapura, e especialmente para o procedimento d'este ecclesiastico, foi-me representado pelo vigario geral de Malaca, pelo vigario de Singapura, por muitos christãos, entre os quaes se contava o nosso consul que elle estava compromettendo a nossa missão e o bom nome portuguez, que se desviara da sua missão sagrada para se entregar a negociações commerciaes, que estabelecêra uma casa de negocio em Jahor, em Malaca, que montára de parceria com, um china uma machina de descascar arroz; que tomara compromissos a que não podia satisfazer; que se apresentavam letras protestadas contra elle e que, por isso que era commerciante, e os seus empregados faltaram á sua confiança, lhes promovêra processos criminaes e inclusivamante a prisão, e que, na ausencia do vigario, não dera boa conta da administração dos bens do seminario de Macau, situados em Singapura.
É aquillo de que me recordo depois de ires annos
Os documentos a favor e contra estão na secretaria dó arcebispado de Goa.
Como disse, não contesto, nem affirmo os seus serviços.
Allega especialmente os serviços prestados á instrucção ha creação da escola de Sant'Anna, os quaes mereceram ser elogiados pelos jornaes do governo inglez, chegando a escola e os alumnos a obter subsidios e premios do mesmo governo.
V. exa. sabe perfeitamente qual é o procedimento do governo inglez nas suas colonias.
Eu tenho por differentes vezes ouvido apreciar diversamente e mesmo desfavoravelmente o governo inglez, mas eu penso que esta nação e os seus estadistas têem grandes virtudes e grandes qualidades e aptidões governativas.
Se têem defeitos, não quero fallar d'elles aqui, e é meu costume calar quando não posso elogiar.
O sr. presidente do conselho de ministros disse aqui ha poucos dias que a nação ingleza era uma nação pratica, e eu estou perfeitamente de accordo, é essencialmente pratica, talvez pratica de mais.
Ha porventura na sua historia nuvens e mesmo nodoas, tem os defeitos das suas grandes qualidades, mas quem não tem alguns?
Conquistou e possue colonias para as desenvolver e civilisar em proveito da metropole e d'ella, e cuidados seus melhoramentos materiaes e moraes.
A nossa missão de Singapura está em territorio inglez, e eu creio que a nenhuma nação é indifferente este assumpto de instrucção, e que se não deve fazer á Inglaterra a injustiça de crer que ella não cura da instrucção nas suas colonias.
Sabe-se muito bem que Bombaim foi cedida por nós á Inglaterra em dote de D. Catharina.
N'esse tempo era uma terra insignificante, mas hoje é uma das cidades mais importantes do mundo.
Tem 800:000 almas, duas linhas ferreas que a atravessam, e todo é Industão, tem emfim todos os melhoramentos modernos, universidades, collegios, escolas, templos, hospitaes, asylos e tribunaes.
Como v. exa. sabe a religião official ingleza é na actualidade a anglicana. A Inglaterra foi até certo tempo intolerante, muito intolerante, mas hoje não o é, e uma prova d'isto é que o logar de mais confiança e o emprego mais