286 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
É unica a queixa do reverendo Cunha feita depois de tres annos. O bispo é o protector nato do seu clero.
E por isso que estou tratando do padroado, direi duas palavras a respeito da propaganda, visto os dignos pares,, os srs. Antonio de Serpa e Miguel. Osorio, por quem professo o maior respeito, e que sinto estarem ausentes, terem fallado neste assumpto. Eu, sr. presidente, entendo que a propaganda é o catholicismo, que é o apostolado catholico, uma congregação que com este nome ou com outro não póde deixar de existir.
O Santo Padre tem a missão divina de evangelisar as idéas enristas a todos os povos, em todos os tempos e logares, e não póde prescindir d'estes enviados da sua palavra e doutrina: mentiria á sua missão.
Eu, sr. presidente, tambem fui propagandista, assim como o foram o meu chorado e virtuoso antecessor o sr. arcebispo de Goa, D. Ayres Ornellas e o sr. D. João Chrysostomo de Amorim Pessoa e todos os prelados que governaram as missões do Oriente depois de 1857; e digo assim porque as missões do Oriente são governadas por uma delegação apostolica emanada do Santo Padre, como a dos vigarios apostolicos; a origem e o modo do poder é a mesma com referencia ás igrejas do nosso padroado situado em territorio inglez.
Por isso eu entendo que a congregação de Propaganda Fide é a congregação mais benemerita da humanidade, porque é ella que mais tem concorrido para a civilisação do mundo.
Sr. presidente, por esse mundo de Christo e tambem por esse mundo que não é de Christo, tenho encontrado militares, commerciantes, exploradores, e individuos destinados a differentes occupações. O militar destina-se a fazer conquistas, ou a mantel-as para a metropole, o commerciante ao trafico mercantil, o explorador a abrir novos caminhos e novos horisontes á humanidade e á civilisação; todos são bem vindos, mas o seu destino especial não é propriamente, civilisar os povos, porque a civilisação consiste principalmente na educação moral, intellectual e religiosa dos povos, e esta missão é especialmente do padre.
A Propaganda fide é, em summa, Pedro, Paulo, os apostolos e seus successores, é Vieira, Anchieta, Nobrega, Thomé, João de Brito e Francisco Xavier.
Eu desejaria que se estabelecesse uma associação de propaganda nacional no nosso paiz, para auxiliar as missões das nossas vastas colonias, e que a iniciativa particular se associasse á acção do governo, como succede em outras nações.
Vejo-me obrigado a fallar neste assumpto, visto que, segundo ouço dizer, se trata de estabelecer em Lisboa uma secção da Propaganda Fide.
Digo o que ouço dizer, porque ainda não sei bem o que ha a este respeito; se se trata de estabelecer aqui uma fracção ou instituto da Propaganda Fide, ou sómente de collocar aqui alguns capitaes a ella pertencentes, como parece.
Os ultimos acontecimentos da Italia são conhecidos de v. exa. e da camara.
Este assumpto é melindroso, e eu só posso fallar delle aqui com muita reserva.
Entendeu o governo italiano que os bens immoveis que pertencem á Propaganda Fide, devem ser subrogados e convertidos em titulos de divida publica, e julgando o Santo Padre que os capitaes d'esta congregação não estão seguros na Italia, entende collocados em outra parte; de ahi boatos, não sei se verdadeiros, se falsos, de mandar collocar esses capitaes em differentes reinos, um dos quaes seria Portugal.
Sendo assim, pergunto eu: que inconveniente ha em que o Santo Padre colloque parte dos referidos capitaes n'este reino?
Pois não prova isto confiança no governo e no credito d'este paiz, confiança e credito que eu vejo tantas vezes por ahi arrastar?
Que perigo ha nisto?
Não o posso comprehender.
Acaso quereremos nós inaugurar a politica dos tempos de El-Rei D. Manuel, que expulsou os hebreus, e com elles tantas riquezas que possuiam?
Não acabarei sem dizer duas palavras ainda a respeito da Propaganda Fide.
Eu costumo fallar sempre a verdade. Nós temos muitos aggravos da Propaganda Fide. Não póde desfazer-se a historia.
Mas esses aggravos são anteriores á concordata que se celebrou em 1857.
(Áparte.)
Os acontecimentos d'esse tempo não são airosos para ninguem, e são de gravissimas consequencias para a nossa religião.
Mas, depois da celebração da concordata, ainda que não executada, se vive em paz, havendo apenas de vez em quando pequenas divergencias, que facilmente se compõem, e que- são devidas á vizinhança e mal definidos limites, jurisdicções, direitos e deveres.
Nós, sr. presidente, ainda hoje, apesar de cerceado successivamente o nosso dominio ultramarino, não sabemos bem o que é nosso; governei a diocese de Angola por espaço de cinco annos, e nunca pude saber quaes eram os limites precisos do seu territorio.
O mesmo acontece a respeito das igrejas do nosso padroado no Oriente.
E, se eu fosse perguntar ao governo, talvez elle não podesse dizer-me quaes os limites dos nossos dominios no ultramar, da provincia da Guio é, Angola, Moçambique, India, especialmente pelo que toca á linha divisoria do interior.
Eu perguntaria se effectivamente os governos, e não me referi especialmente a este, ou a outro, têem cumprido os seus deveres inherentes á honrosa e pesada prerogativa do padroado?.
A resposta a este respeito não poderia ser duvidosa.
Ha um documento official que reconhece a decadencia das nossas missões.
Refiro-me a um decreto de 1880, relativo á organisação da instrucção ecclesiastica na India, e referendado pelo illustre ex-ministro, o sr. Julio de Vilhena.
E havemos nós de censurar o Santo Padre por cumprir o seu dever, e applaudirmo-nos por faltarmos ao cumprimento dos nossos?
Sr. presidente, a minha situação nesta casa é uma situação especial, e eu não posso deixar de dizer algumas palavras sobre o projecto para a reforma de alguns artigos da carta constitucional, que está na tela da discussão.
O sr. Presidente: - V. exa. poderá inscrever-se para entrar n'essa discussão na ordem do dia. Agora, porém, já, passou a meia hora destinada a quaesquer assumptos estranhos á ordem do dia, e passando-se a ella, é o digno par o sr. Ornellas que tem a palavra reservada para continuar o seu discurso.
O Orador: - Sei isso perfeitamente, sr. presidente, e tanto eu me empenho em não transgredir o regimento d'esta casa, que, quando na sessão passada se fallou aqui na Propaganda Fide eu deixei então, por já não ter tempo de o fazer sem prejuizo da ordem do dia, de dizer alguma cousa a esse respeito, que me parecia dever dizer.
Se, portanto, v. exa. me não permitte fazer desde já as reflexões que tenho ainda a fazer, e que são sobre o projecto de lei que constitue a ordem do dia, ou para não interromper a ordem que levou a discussão d'esse projecto, fal-as-hei em occasião que v. exa. julgue mais opportuna.
O sr. Presidente: - O nosso regimento é que dispõe na conformidade que eu ha pouco disse; a minha observação foi, portanto, feita em nome da camara. É pois, a ella,