290 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
absoluta, e é no meio d'esta desordem que vae proceder-se á eleição de uma camara constituinte!
Eu considero esta eleição o acto mais arriscado que o governo póde praticar no estado actual do paiz.
A camara sabe que ainda não ha muito tempo o governador civil do Porto, um dos mais dedicados membros do partido regenerador, que eu não conheço, mas de quem toda a gente falla com muita consideração e respeito, viu-se forçado a pedir a demissão, unica e exclusivamente porque se viu na impossibilidade de cumprir o seu dever.
Não muito distante do Porto, em Vianna, o governador civil, distincto lente da universidade, tambem pediu a exoneração pôr motivo analogo áquelle.
Este porém foi indemnisado com um logar no tribunal de contas, mas o paiz é que não teve indemnisação.
Ha um outro facto que eu conheço perfeitamente e por cuja fiel narração posso responder á camara.
Existia na Madeira um director de obras publicas que desempenhava o seu logar dignamente, que tinha posto cobro a grandes abusos que anteriormente se commettiam na direcção das obras publicas do Funchal, abusos que tinham até cansado a morte de um outro director, não porque este os auctorisasse, mas pelos desgostos que lhe causavam e por falta de energia em conter os seus subordinados. (Apoiados.)
Pois este director foi demittido e acha-se em Lisboa sem emprego.
Já tenho fallado sufficientemente e termino para não cansar mais a camara com as minhas reflexões.
(O orador foi comprimentado por muitos dignos pares de todos os lados da camara.)
Leu-se na mesa a moção ao digno par o sr. Ornellas, que é do teor seguinte:
Moção
Proponho que o § unico do artigo 1.° do projecto seja separado e convertido em artigo 2.°
Sala das sessões, 28 de março de 1884.=O par do reino, Agostinho de Ornellas.
Consultada a camara sobre a sua admissão á discussão, foi admittida.
O sr. Visconde da Arriaga: - Começou por assegurar que se occuparia exclusivamente do projecto em discussão, estranhando que o mesmo não tivessem feito alguns dos seus collegas, attento que a elevação da divida publica e o desequilibrio do orçamento nada tinham de commum com a hereditariedade, senão tudo com o se haver ali pedido e votado o caminho de ferro da Beira Baixa e Beira Alta, do Algarve e Salamanca, varios outros nas ilhas e o parto de Leixões, e os creditos para a compra de navios de guerra, cujos totaes encargos, ainda que reproductivos, eram comtudo immediatos.
Não queria com isto significar que deixasse de applaudir essas beneficas e indispensaveis medidas, porém tão sómente que quasi todos os adversarios do projecto haviam deixado na sombra esta circumstancia e trazido unicamente a lume o mal apparente que n'ella tinha sua origem.
Do gravame das nossas finanças tinham portanto a culpa sómente aquelles que approvaram taes melhoramentos.
Continuou depois fazendo a apologia da carta constitucional, por ser uma das melhores que conhecia e tão bem como se devera deprehender das bastas leituras que do seu conteudo fizera, affirmando que fora doada em 1826, mas que só viera á luz do mundo após uma angustiosa e trabalhada parturição.
Em seguida referiu-se ao juramento della, ás negociações do duque de Palmella para a sua consolidação e ao facto de D. Miguel prometter jural-a, e ter dissolvido as camaras e convocado os tres estados.
Alludiu tambem ás constituições de 1820 e 1838, passando em revista os factos e os vultos mais notaveis d'aquellas e de outras epochas posteriores, e indicando por derradeiro qual a fonte do acto addicional e os principaes homens que é tinham promovido.
Igualmente expoz o que Alexandre Herculano dissera ácerca do modo como a propriedade se achava outr'ora dividida entre nós, dos impostos que a sobrecarregavam o das vantagens que no porvir caberiam á cidade e ao porto de Lisboa.
Quanto aos nossos tratados, fez a resenha d'aquelles que mais lhe convinham á sua argumentação, e no tocante ao canal de Suez, rememorou que já Affonso d'Albuquerque o quizera abrir, mas que só mais tarde se conseguira isso.
Declarou-se, partidario da eleição indirecta, procurando justificar com diversos exemplos esta sua opinião. Estabeleceu, tambem segundo as suas vistas, a differença que estremava os povos do norte da raça latina, e fez depois a circumstanciada historia da guerra peninsular, em cujas minudencias uma houve, que muito fez rir a assembléa, qual a do general francez, Junot, ter fugido, conforme a expressão- pittoresca do orador, pela terra do sr. Barros e Sá. Similhantemente narrou o que em França e Inglaterra a esse tempo coincidira, pondo termo ao seu discurso com um episodio faceto, que attribuiu a Montesquieu, e com que muito de novo se riu e se despertaram longos apoiados na camara.
O orador, em tudo o que disse, suppostas as suas idas e vindas sobre o mesmo e outros assumptos, que entre si julgou connexos, e as amiudadas interrupções e borborinho da camara, que ora o constrangiam a suspender a oração principal e a permeial-a de innumeros incisos, ora a desviar-se da encetada trilha da sua argumentação para bem levar o convencimento aos animos, deixou comtudo sobejamente evidenciado quanto era contrario á hereditariedade do pariato.
(O discurso de s. exa. virá a ser publicado na integra, se nol-o devolver,}
O sr. Marquez de Pombal: - Sou encarregado pelo digno par o sr. visconde de Chancelleiros, de participar a v. exa., sr. presidente, e á camara que não póde comparecer ás proximas sessões, em consequencia de fallecimento de pessoa da sua familia.
(Tomou-se nota da participação para os devidos effeitos.)
O sr. Bispo de Vizeu: - Sr. presidente, pedi a palavra para dar uma explicação á camara.
Sinto-me, porém, bastante embaraçado por ter de fallar pela primeira vez perante uma assembléa tão illustrada e tão distincta por tantos titulos, na qual vejo varões conspicuos pelo seu talento notavel, pela sua vasta erudição, e pela sua larga experiencia da vida parlamentar. E, olhando para mim vejo-me destituido inteiramente de predicados tão nobres e tão distinctos, .sendo essa a rasão da dificuldade em que me encontro.
Mas, sr. presidente, o caracter de que me acho revestido reclama que eu por mim e em nome dos meus collegas no episcopado, que têem assento n'esta casa, procure pelo modo que poder e souber dar á camara a seguinte explicação.
Sr. presidente, quando hontem o digno par o sr. Ornellas chamou no seio d'essa camara a attenção dos prelados para a doutrina do § 14.° do artigo 75.° da carta constitucional, pareceu-me ver nesse convite uma censura feita ao silencio, até então de proposito guardado, pelos meus collegas e por mim, no seio d'esta respeitavel assembléa sobre a materia d'aquelle paragrapho. Creio bem, sr. presidente, nas puras e rectissimas intenções do digno par; mas é certo que a maneira como apostrophou para estas cadeiras poderia fazer suppor que os bispos que n'ellas se têem sentado nas ultimas sessões eram indifferentes á doutrina do paragrapho sobredito, em que se trata do beneplacito regio.
Permitta-me o digno par que eu lhe diga que s. exa. não tem rasão.