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N.º 39

SESSÃO BE 28 DE JUNHO DE 188?

Presidencia do exmo. sr. João Chrysostomo de Abreu e Sousa

Secretarios - os dignos pares

Frederico Ressano Garcia
Conde de Paraty

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta. - Correspondencia. - O sr. presidente concede a palavra aos dignos pares que a pediram na sessão anterior. - Antes da ordem do dia usa da palavra o digno par o sr. D. Luiz da Camara Leme, que chama a attenção do governo sobre as noticias dadas por um jornal ácerca do atrazo de pagamento de alguns mezes ás praças de pret, terminando por mandar para a mesa um requerimento. - O sr. ministro da fazenda responde ao digno par Camara Leme. - Leu-se na mesa o requerimento do digno par Camara Leme. - O digno par o sr. Margiochi refere-se a um requerimento feito em uma das passadas sessões, para o qual pediu se lhe fizesse uma rectificação, e que fosse lançado na acta das sessões. - O sr. visconde de Carnide manda para a mesa uma proposta da commissão de agricultura, e pede que sejam aggregados a esta commissão os dignos pares Braamcamp Freire, conde de Valenças, Candido de Moraes e Simões Margiochi, e chama a attenção do governo sobre a phylloxera que tem atacado quasi todas as provincias do nosso paiz. - Usa da palavra o digno par Margiochi. - Usa da palavra o digno par o sr. Manuel Vaz Preto. - Lê-se na mesa a proposta do sr. visconde de Carnide. - O sr. presidente declara que o incidente não póde continnar. - O sr. Manuel Vaz Preto usa largamente da palavra. - O sr. presidente declara que se vae entrar na ordem do dia e pede aos dignos pares que hajam de apresentar pareceres, o façam, por ter terminado a hora. - Manda para a mesa um parecer de commissão o digno par conde de Castro. - O sr. Fernando Palha manda para a mesa um requerimento do coronel do estado maior de engenheria contra a ultima organisação dos serviços technicos do ministerio das obras publicas. - O sr. Candido de Moraes manda para a mesa um requerimento, pedindo para ser prevenido o sr. ministro da justiça de que deseja fazer-lhe algumas perguntas sobre um negocio dependente d'aquelle ministerio. - O sr. conde da Folgosa manda para a mesa alguns requerimentos de differentes officiaes de engenheria, representando contra a actual organisaçào dos serviços technicos de obras publicas. - O sr. Serra e Moura manda para a mesa uma representação assignada por alguns representantes de firmas commerciaes da ilha da Madeira e faz algumas observações, concluindo por pedir que fosse publicada no Diario do governo. - Assim se resolveu. - Ordem do dia. - O sr. marquez de Pomares pede para ser inscripto na ordem do dia. - Leu-se na mesa o parecer n.° 57, sobre o projecto de lei n.° 12. - Usa da palavra o digno par o sr. Antonio de Serpa. - O sr. Ornellas manda para a mesa um parecer da commissão de negocios externos, que diz respeito á convenção com a Allemanha. - Mandou-se imprimir. - Usa da palavra o digno par Vaz Preto, sobre o projecto em discussão. - Usam ainda da palavra os digno pares Antonio de Serpa e Hintze Ribeiro. Responde a s. exas. o sr. ministro da fazenda. - O digno par o sr. Ornellas manda para a mesa o parecer que diz respeito á convenção com os Estados Unidos para a permutação de fundos entre os dois paizes, e pede a dispensa do regimento para ser discutido em seguida. - A camara approva este pedido. - Lido o parecer u.° 61 na mesa foi approvado. - O sr. ministro da fazenda participa que Sua Magestade recebe a deputação d'esta camara na proxima quinta feira ás duas horas da tarde. - O sr. presidente nomeia a deputação, e, não havendo mais trabalhos, dá sessão para sexta feira, sendo a ordem do dia o parecer n.° 58, e levantou a sessão eram quatro horas e quarenta e cinco minutos da tarde.

Ás duas horas e meia da tarde, estando presentes 23 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.

Lida a acta da sessão precedente, julgou-se approvada, na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.

Mencionou-se a seguinte:

Correspondencia

Um officio do ministerio das obras publicas, remettendo 90 exemplares da conta da sua gerencia, relativa ao anno economico de 1880-1886 e exercicio de 1884-1885.

Mandaram-se distribuir.

(Estava presente o sr. ministro da fazenda.}

O sr. Presidente: - Vou conceder a palavra aos dignos pares que a pediram hontem antes da ordem do dia, e que, pelo adiantado da sessão, não a poderam obter.

Segundo a inscripção, seguem-se no uso da palavra os srs. D. Luiz da Camara, visconde de Carnide e marquez de Rio Maior.

O sr. D. Luiz da Camara Leme: - Sr. presidente, quando pedi a palavra foi especialmente para perguntar ao sr. ministro da marinha se tinha algum fundamento a noticia dada por um jornal ácerca do atrazo de pagamento de quatro mezes ás praças de pret de terra que estavam em Tungue, e que, segundo se dizia, estavam n'uma situação precaria.

Ora, sr. presidente, depois d'esta camara ter votado a moção do meu amigo o digno par o sr. Coelho de Carvalho, com respeito áquelles bravos militares, não me parece regular que ao mesmo tempo os deixemos morrer á fome.

Sr. presidente, hontem pedi a palavra a v. exa. na occasião em que o meu illustre amigo o sr. Manuel Vaz Preto levantou aqui a questão a respeito da bahia de Tungue e dos serviços relevantes prestados ali por alguns militares, os quaes ainda não foram recompensados.

Desejava dizer duas palavras ácerca d'este assumpto, mas v. exa. não me concedeu a palavra, depois pedi a palavra para um requerimento e v. exa. tambem não ma concedeu.

Eu tenho a maior consideração e respeito por v. exa., no entanto não posso prescindir dos meus direitos como par do reino.

Vejo aqui este artigo, que diz.

(Leu.)

Talvez v. exa. me diga que esta disposição do regimento não vigora antes da ordem do dia, mas antes da ordem do dia podem-se tratar assumptos muito importantes.

Eu, sr. presidente, sei perfeitamente que é a v. exa., por quem tenho a maior veneração e respeito, que compete dirigir os trabalhos d'esta camara, e se faço estas observações é apenas pelo pesar que tive de não fallar n'aquella occasião sobre o assumpto que se tratava.

O sr. Presidente: - Respondendo ás observações do digno par direi a s. exa. que eu observei o artigo 20.° do regimento, que manda se destine meia hora para os assumptos a tratar antes da ordem do dia.

Ora, a meia hora já estava passada e havia ainda muitos dignos pares inscriptos para fallarem antes da ordem do dia; mas o mesmo artigo determina que se trate na sessão immediata o assumpto que ficou interrompido por ter-se passado á ordem do dia.

Hoje dei a palavra aos dignos pares que estavam inscriptos e que não poderam hontem, pelo motivo que já expuz, usar d'ella.

Emquanto á distincção que o digno par fez entre pedir a palavra para um requerimento ou para apresentar uma

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proposta, não vejo no regimento qualquer distracção para os dignos pares fallarem antes da ordem do dia.

Creio que o digno par tambem fez algumas observações por se ter passado á ordem do dia logo depois de ter fallado um ministro da corôa, mas o que se estava tratando não era uma questão que seguisse, mas sim um assumpto em que um digno par julgou fazer algumas perguntas ao governo, o que não implicava a idéa de se não poder passar á ordem do dia por se fechar a inscripção apoz o discurso de um ministro da corôa.

É o que me cumpre responder a s. exa. para justificação da mesa, e agradeço as expressões que s. exa. se dignou dirigir-me.

O Orador: - Eu sei pelas explicações que o sr. ministro da marinha tem dado no parlamento que a noticia é inteiramente falsa.

O que eu sinto, sr. presidente, e n'esta parte associo-me ao digno par o sr. Vaz Preto, é que não se recompensem condignamente os serviços prestados á nação por aquelle illustre coronel, por aquelle bravo militar.

Segundo disse o sr. ministro da marinha creio que ha idéa de lhe dar a commenda da Conceição.

Ora, sr. presidente, a commenda da Conceição dá-se a qualquer sujeito que vem rico do Brazil, e não me parece que seja o bastante para remunerar quem vae arriscar a vida pela sua patria.

V. exa. sabe muito bem que nós temos uma lei que dá um posto de accesso aos militares que praticam acções da natureza d'aquellas que praticou aquelle brioso militar.

Parece-me que esse posto de accesso é a recompensa condigna com que elle deve ser contemplado.

Sobre este ponto nada mais direi visto não estar presente o sr. ministro da marinha.

Eu hontem tambem tinha pedido a palavra para tratar de um assumpto que me parece importante, e sobre o qual ninguem mais competente de que v. exa. para o considerar como general e como distinctissimo engenheiro que é.

V. exa. e a camara sabem muito bem que? sempre que se trata da questão da defeza do paiz, eu tenho levantado a minha debil voz em seu favor.

Chegámos a um tempo em que se dá pouca importancia á defeza do paiz, até se mette a ridiculo esta questão. Quem tal faz ridicularisa as maiores summidades militares, como os mais habilisados homens d'estado, como Moltke, Bismark, Freycinet, Guizot, etc. como eu terei occasião de mostrar á camara.

Quero referir-me ao traçado do caminho de ferro de Torres Vedras, traçado que, na minha opinião, prejudica altamente a defeza do paiz.

Eu não quero agora occupar-me d'este importante assumpto, mas hei de tratal-o opportunamente, e espero ter a meu lado a v. exa., que é competentissimo na materia.

Eu vou enviar para, a mesa um requerimento pedindo a v. exa. tenha a bondade de lhe dar andamento, e é elle concebido nos seguintes termos.

(Leu.)

Sr. presidente, este assumpto parece-me extramente grave e eu provarei á camara que o traçado podia ser feito de modo a satisfazer todas as condições economicas e de defeza do paiz.

Realmente é para lamentar que uma posição d'aquellas, considerada militarmente hoje como uma das mais fortes e inexpugnaveis do paiz, seja assim inutilisada.

Sr. presidente, não sei qual foi o sr. ministro das obras publicas que approvou este traçado.

Fosse qual fosse, eu hei de provar á camara que o traçado com relação á defeza do paiz, foi prejudicado pelos interesses da companhia.

Para evitar um tunnel de 1:000 metros, augmentou-se o trajecto prejudicando altamente a defeza.

Eu li hoje n'um jornal que o sr. ministro da fazenda, por quem eu tenho a maior consideração e admiração pelo seu talento, tinha dito na outra casa do parlamento que não queria que governasse o paiz nenhuma oligarchia financeira.

Eu tambem sou da mesma opinião; mas vou mais longe.

Não quero que o paiz seja governado por nenhuma companhia, por mais poderosa e respeitavel que seja. Desejo que se respeitem os seus legitimos interesses, mas não quero que se prejudiquem os do estado, principalmente quando affectem a defeza do paiz.

Tenho concluido.

O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): - Affirmou que o governo está empenhado em recompensar os serviços prestados pelos nossos soldados na defeza e tomada da bahia de Tungue, se bem que reconheça que os militares portuguezes não carecem de incentivo para o cumprimento dos seus deveres.

Continuando disse que aquelle traçado não é da responsabilidade do actual governo, e que, não tendo competencia para discutir assumptos de estrategica militar, se limita a dizer que fará sciente ao seu collega das obras publicas das reflexões feitas pelo digno par o sr. Camara Leme.

Por ultimo, sendo certo que dissesse que na situação politica actual não preponderasse a influencia de nenhuma autocracia financeira, assevera que está disposto a não consentir que em Portugal governe senão o governo.

(O discurso de s. exa. será publicado quando o devolver.}

O sr. Presidente: - Vae ler-se o requerimento mandado para a mesa pelo digno par o sr. Camara Leme.

É o seguinte:

Requerimento

Requeiro que se peça ao governo, pelos ministerios das obras publicas e da guerra, remetta com urgencia a esta camara:

Copia do parecer do engenheiro João Joaquim de Matos, sobre o traçado do caminho de ferro de Lisboa a Torres Vedras, considerado sobre o ponto de vista estrategico;

Quaesquer pareceres que sobre o mesmo importante assumpto tenham sido enviados ao ministerio da guerra, pela commissão de defeza de Lisboa e seu porto, ou qualquer outra commissão.

Sala da camara, em 27 de junho de 1887. = O par do reino, D. Luiz da Camara Leme.

Mandou-se expedir.

O sr. Margiochi: - Na sessão de 1 de julho deste anno mandei para a mesa um requerimento, pedindo esclarecimentos, pelo ministerio das obras publicas, e como a publicação d'este requerimento foi feita de modo que transtornou completamente o seu sentido, eu peço para que fique consignada na acta de hoje a seguinte rectificação:

"Na sessão de 1 do corrente, no requerimento do digno par o sr. Margiochi, onde se lê: melhoramentos ferro-viaes na Granja do Marquez, deve ler-se: melhoramentos fundiarios na Granja do Marquez."

O sr. Presidente: - Far-se-ha na acta a rectificação pedida pelo digno par.

O sr. Visconde de Carnide: - Sr. presidente, em nome da commissão de agricultura, proponho que sejam aggregados á mesma commissão os dignos pares srs. Braamcamp Freire, conde de Valenças, Candido de Moraes e Margiochi.

Aproveito a occasião de estar com a palavra para chamar a attenção da camara e do governo sobre a necessidade de tomar algumas providencias com respeito ás vinhas de Torres, quasi todas já invadidas pela phylloxera.

Os vinhateiros dizem que ha difficuldade em obter o sulphureto que as formalidades estabelecidas para as requisições do sulphureto são morosas, e tanto que preferem mandar vir o sulphureto do Porto d'onde lhes vem mais rapidamente do que da Merceana.

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A applicação do sulphureto, para ser efficaz, precisa de ser immediatá; haveria, portanto, toda a conveniencia em facilitar essas remessas, assim como tambem em aperfeiçoar o serviço de vigilancia prophylactica para evitar o contagio.

Este assumpto parece-me importantissimo, porque é uma dos maiores riquezas do paiz que se está perdendo; por isso eu rogo ao nobre ministro da fazenda que recorde ao seu digno collega das obras publicas a urgencia de adoptar algumas providencias n'esse sentido, tanto para facilitar as remessas do sulphureto como para tornar mais severo o serviço prophylactico.

O sr. Ministro da Fazenda: - Disse que o governo não descura nem um momento a questão das vinhas phylloxeradas.

Confia pouco no tratamento curativo, e parece-lhe que deve adoptar-se de preferencia o tratamento preventivo.

Infelizmente o phylloxera invadiu quasi todas as provincias do nosso paiz.

Apenas o Alemtejo e o Algarve estão livres do mal.

Emquanto a epidemia se limitava a damnificar as regiões do norte, era sufficiente a fabrica de sulphureto que existe no Porto; agora, que o mal se estende ao centro e ao sul do reino, é preciso estabelecer uma fabrica d'aquelle producto nas proximidades de Lisboa.

O governo não tem poupado sacrificios para acudir a um tão enorme mal, mas torna-se indispensavel que os viticultores auxiliem o governo.

O sr. Margiochi: - Peço a v. exa., sr. presidente, que me inscreva, porque desejo fazer algumas reflexões em resposta ao que acabou de dizer o sr. ministro da fazenda.

O sr. Presidente: - Continuando a observar a ordem da inscripção dos dignos pares que hontem pediram a palavra antes da ordem do dia, e que não poderam fazer uso d'ella, vejo que quem se segue ao digno par que acaba de fallar é o digno par o sr. Vaz Preto.

Tem, pois, s. exa. a palavra.

O sr. Vaz Preto: - Vou em breves palavras, sr. presidente, expor as observações que tencionava fazer ainda hontem em resposta ao sr. ministro da marinha e estrangeiros, que nas suas considerações não se justificou de ter esquecido os valentes de Meningane e de Tungue, que até este momento ainda não foram galardoados por tão relevantes serviços. Serei breve, e resumirei o que tenho a dizer, por duas rasões: a primeira, porque não desejo impedir a camara de entrar na ordem do dia, visto a pressa que tem o governo de discutir alguns projectos importantes; a segunda, porque não estando presente o sr. ministro da marinha, não teriam cabimento algumas das observações que eu desejo fazer, pois são até certo modo uma censura ao seu esquecimento e negligencia. Não obstante, ao que vou dizer, póde o sr. ministro da fazenda prestar attenção e participal-o áquelle seu collega.

Hontem estranhei eu, em phrases amargas, sr. presidente, que não tivessem sido ainda premiados os bravos que ultimamente se distinguiram na tomada de Meningane e Tungue, e estranhei verdadeiramente admirado, que, sendo o principal obreiro d'aquelles gloriosos feitos o coronel de cavallaria e ex-governador de Cabo Delgado, o sr. Palma Velho, não tivesse merecido uma phrase de louvor dos poderes publicos da metropole, nem o justo, premio dos seus grandes e assignalados serviços em África, serviços que eu narrei miuda e circumstanciadamente á camara em phrase simples e singella, não esquecendo de me referir ás epochas em que elles foram prestados, para tornar mais frisante, o esquecimento altamente censuravel, do governo.

Sr. presidente, os serviços militares e scientificos prestados ao paiz pelo sr. Palma Velho foram feitos ainda como governador de Cabo Delgado, e os outros mais notaveis depois de já estar demittido.

Durante o seu governo alem dos serviços scientificos que já mencionei na ultima sessão, desempenhou-se o mais satisfactoriamente possivel da commissão melindrosa de que tinha sido incumbido, de occupar a margem meridional do rio Meningane, evitando conflicto com as tropas do sultão de Zanzibar.

Apesar da turbulencia e animo irrequieto dos arabes, e da má vontade dos indigenas, o respeito e o terror que elle lhes incutia, era de tal ordem, e tão grande o seu prestigio, que foi elle proprio desacompanhado de forças que arvorou pacificamente a bandeira portugueza em Mecoloe onde estava hasteada e defendida por um destacamento de arabes a do sultão de Zanzibar!!

Estes serviços, que são de mais remota data pois ha mais de dezoito mezes que o governo devia ter conhecimento d'elles pelos relatorios e boletins officiaes, estão ainda por galardoar!!! E, pois, contra tanta incuria, contra tão grande desmazelo, contra tanta falta de patriotismo, que eu protesto. É contra este esquecimento inaudito que eu ergo a minha voz livre, patriotica è imparcial, para deixar lavrado um solemne protesto contra aquelles que esquecem e não respeitam as tradições gloriosas dos nossos maiores n'aquellas longinquas e inhospitas paragens.

Sr. presidente, a occupação da margem meridional do rio Meningane realisada pacificamente, era de tanta e tão grande importancia, que o governador geral de Moçambique, cheio de regosijo, enviou ao governo da metropole o seguinte telegramma:

"Exmo. ministro marinha. - Lisboa. - Moçambique 3 de fevereiro de 1886. - Bandeira portugueza margem sul Meningane toda a costa occupada até ali annuencia sultão; attitude energica governador Palma, cooperação intelligente, efficaz navios divisão commandante Costa. Navios de guerra inglez allemão francez commissão internacional limites appareceram Tungue; mas retiraram perante attitude navios portuguezes. Grande contentamento predominam portuguezes. Perfeita segurança. = Governador geral."

A este telegramma respondeu o sr. ministro da marinha de então com o telegramma do teor seguinte:

"Governador geral de Moçambique. - Lisboa 3 de fevereiro de 1886. - Felicito-o, louve quem o coadjuvou. = Ministro da marinha."

Ao menos o sr. Pinheiro Chagas, que era ministro da marinha, respondeu logo mandando louvar aquelles que tinham concorrido tão dignamente para o desempenho d'aquella melindrosissima empreza. O ministro da marinha d'aquella epocha procedeu como devia, não tinha outra cousa a fazer n'aquelle momento, senão mandar louvar e esperar em seguida pelos relatorios para premiar devidamente a cada um segundo os seus serviços. Seguiu-se o ministerio progressista, e era a este que competia concluir o que o seu antecessor não tinha tido tempo de fazer. Era a elle que competia dar os merecidos premios.

E sabe v. exa. e a camara qual o galardão que teve o sr. Palma Velho, repito-o para vergonha do governo que ali está? Os serviços prestados pelo sr. Palma Velho ex-governador de Cabo Delgado foram remunerados com o decreto da sua demissão lavrado a 4 de janeiro, um anno depois d'elle ter reivindicado para a corôa de Portugal territorio que ha mais de quarenta annos estava fóra do seu dominio.

Um anno depois d'estes distinctissimos e relevantes serviços é demittido seccamente por um decreto onde nem sequer se liam as palavras habituaes: "serviu a meu contento".

Este procedimento imprime caracter, e revela que ao governo progressista só merecem verdadeira attenção, ou casos frivolos ou de interesse proprio.

Este symptoma é mau, muito mau, porque deixa transparecer a baixeza de sentimentos que invadiu a sociedade portugueza.

Sr. presidente, é necessario já que os serviços do ex-governador de Cabo Delgado não foram recompensados e pro-

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vavelmente não o serão, que fiquem ao menos aqui bem reconhecidos e patentes ao publico. Para esse fim vou ler á camara o Boletim official em que elles são apreciados pelo governador geral de Moçambique, que, cumprindo as ordens do sr. Pinheiro Chagas, elogia aquelles que se tornaram dignos de louvor:

"Tendo chegado ao meu conhecimento a maneira como o dito governador se houve no desempenho d'esta difficil commissão até arvorar a bandeira nacional na margem meridional de Meningane, em 23 de janeiro, já usando de toda a prudencia para bem dispor os diversos elementos que tinha em jogo, já dando mostras da mais energica attitude para manter por todos os modos a dignidade, o prestigio do nosso bom nome, já sabendo inspirar nos xeques o devido respeito á nossa bandeira, já finalmente conseguindo tornar sympathica a nossa dominação suave, civilisadora e liberal, e inspirando a todos a necessaria confiança para accentuar a permanencia real d'essa dominação.

"Hei por conveniente louvar em meu nome o dito governador coronel do exercito de Portugal José Raymundo de Palma Velho, pela maneira digna, briosa, intelligente e energica como cumpriu o serviço de que o incumbi, e pedir-lhe que louve os empregados sob suas ordens, o thesoureiro almoxarife João de Barros Carrilho e o tenente da guarnição Antonio da camara Calyndo, ficando em lhe dar minuciosa conta do procedimento de todos ao governo de Sua Magestade.

"Palacio do governo geral da provincia de Moçambique, 3 de fevereiro de 1886. = O governador geral, Augusto de Castilho."

Aqui tem v. exa. como eram apreciados pelo governador geral de Moçambique os serviços prestados por aquelle distincto official, tão bravo quanto prudente.

Das palavras levantadas e encomiesticas do governador se reconhece o grande apreço e conceito em que era tido aquelle distincto, brioso e modesto official.

Merito, valor, lealdade, prudencia, dignidade, firmeza, energia e prestigio, todas estas qualidades o governador geral de Moçambique reconheceu ao sr. Palma Velho; custa, porém, a acreditar que o actual governo, apesar d'ellas terem sido tão altamente apregoadas, até agora não mostrasse por obras que lhe reconhecia pelo menos algumas.

Tenho fallado dos serviços militares do sr. Palma que deveriam estar premiados por serem de longa data, e para que não esqueçam os scientificos relembrei-os outra vez.

Eu já hontem disse aqui, repito, e logo que elle fizera durante quatro annos as observações meteorologicam o districto de Cabo Delgado, assim como elaborára a carta chorographica da costa e ilhas do districto, desde Cabo Delgado até á bahia de Lurio, na extensão de 320 kilometros, que fizera o recenseamento de todas as povoações marcadas na dita carta; trabalho este que n'um paiz onde se apreciassem os homens de merito bastaria para o tornar merecedor de una premio condigno pela importancia do serviço que prestou, attenta a deficiencia dos trabalhos que existem d'aquella natureza.

Rias não fez só isto, levantou a planta da villa de Ibo, e fez um mappa geographico para conhecimento de limites comprehenhendo do lado norte o parallelo 9°, a leste o oceano indico, a oeste o lago Niassa e o rio Chire, ao sul o Zambeze.

Sr. presidente, estes estudos, estes trabalhos scientificos que deviam ser do conhecimento do governo e do dominio da sociedade geographica já ha muito que deviam ter sido premiados.

Saberá v. exa. e a camara que o governo apreciou-os já; e qual foi a opinião e a resolução que tomou? Foi demittir o sr. Palma Velho do insignificante governo que elle exercia, não para o mandar para um governo geral importante mas para o mandar para Portugal á sua custa, sem lhe pagar a passagem!!! E não cesso de repetir estes factos, que revelam. verdadeira ingratidão, para ver se por esta fórma levo o governo a recordar-se da injustiça que fez aquelle benemerito. Disse aqui o sr. ministro, que quizeram aggracial-o com a commenda da Conceição, o que elle recusára.

Sr. presidente, será porventura remuneração condigna, premio proprio a commenda de Aviz ou da Conceição para recompensar o merito, o valor e a lealdade?

Para este fim ha condecoração especial, a da Torre Espada, e foi essa que o governador geral de Moçambique propoz.

Pois, sr. presidente, o governo que tem achincalhado todas as graças, incluindo a da Torre Espada, pondo-a ao peito de insignificantes e de covardes, regateou ao sr. Palma Velho aquella homenagem a que tinha direito pela sua bravura.

Queriam agracial-o com a commenda da Conceição, dando-lhe o que não tinha valor, e que não obstante o obriga vá ainda a despezas fortes!

Queriam agracial-o com a commenda da Conceição, confundindo-o com essa turba-multa de insignificantes, de cavalheiros de industria, de zangãos da sociedade, que nada possuem de valor e importancia e nada são capazes de fazer. Não, isso não, contra tamanha affronta protesto eu.

S. exa. recusou com toda a dignidade a graça, que n'este caso, em logar de condecoração, em logar de uma honra, seria uma nódoa lançada sobre a farda d'um valente militar.

Sr. presidente, eu acho baixo e ridiculo todo este procedimento do governo, acho nobre e levantada a lição que o brioso lhe deu, recusando a graça insultante.

Sr. presidente, talvez pareça que eu tenha sido demasiado severo na apreciação do esbanjamento, e rebaixamento que este governo tem feito de todas as graças e condecorações; pois não o tenho sido: talvez tenha dito pouco, para o que podia e devia dizer, o que ficará para outra sessão. Os governos té em achincalhado tanto estas graças, que eu tenho por ellas um profundo desprezo, e por isso me revolto e indigno quando vejo querer pagar em moeda falsa serviços reaes e effectivos, com moeda que nada vale e que costumam dar a traficantes que enriquecem sem se saber aonde nem como. Todos os dias a folha official vem carregada com o peso enorme de graças, que nem ao menos têem a vantagem de trazerem uma verba para o thesouro. Supponho que os direitos de mercês dadas e não pagos ascendem a mais de 1.000:000$000 réis.

Espero, pois, que o sr. ministro da fazenda chame a attenção do seu collega da marinha e de todo o governo, a fim de que sejam contemplados com premio condigno todos os que se distinguiram na tomada de Meningaue e de Tungue.

É necessario que não fiquem esquecidos estes brilhantes feitos do sr. Palma Velho, e bem assim outros serviços já prestados de longa data, e que eu tive a honra dej á submetter á apreciação da camara.

Sr. presidente, vou concluir, asseverando em termos bem precisos, que acima de todos os galardões, acima de todos os premios, está a consciencia pura do homem modesto, que para conservar a honra, o prestigio e a dignidade do seu paiz, arriscou a vida. Acima de todos esses premios insignificantes e ephemeros, está esse padrão de gloria immorredoura, collocado em Meningane, onde se lê Palma, padrão que atravessando os seculos, attestará aos nossos vindouros que o coronel de cavallaria, José Raymundo de Palma Velho, foi o bravo que hasteou e manteve ali a bandeira das quinas.

É este o premio mais subido, é este o galardão mais significativo, que cabe a um benemerito da patria. Sr. pre-

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sidente, o nome de Palma, que o governador de Moçambique mandou gravar na lapide collocada na aldeia de Meningane, resoará por aquellas praias longinquas e attestará aos arabes e indigenas que os verdadeiros portuguezes, aquelles que ainda não degeneraram, sabem fazer respeitar em toda a parte do mundo o nome de Portugal.

Contra tanta ingratidão d'este paiz, terá ao menos o sr. Palma a consolação de saber que, nas paragens longinquas, nas regiões remotas de Africa, cuja descoberta tanto sangue e sacrificios custou aos portuguezes, existe uma lapide onde está escripto o nome glorioso de Palma, e que será esse padrão immorredouro que relembrará os seus altos feitos aquelles que por ali passarem.

Sr. presidente, antes de concluir, recommendo ao governo que a esses infelizes soldados, que tanto merecem, e que tão pouco lhes tem sido dado, e que estão de guarnição em Meningane é Tungue se lhes pague em dia, e se lhe do mantimentos com abundancia, e todas as munições necessarias para que não lhes falte os meios de defeza, como succedeu na tomada de Meningane e de Tungue.

Sr. presidente, eu estou certo que a não ser a valentia e bravura do sr. Palma Velho, que commandou os dois ataques, a valentia e bravura dos officiaes e soldados que n'elles entraram, aquelles dominios estariam ainda hoje na posse do sultão de Zanzibar. Visto, pois, que os não premeiam, não lhe faltem ao menos com os meios de viver e de se defenderem.

Tenho dito.

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Em nome da commissão de agricultura, proponho que sejam aggregados á mesma commissão os dignos pares os srs. Braamcamp Freire, conde de Valencas, Candido de Moraes e Simões Margiochi.

Sala das sessões da camara dos dignos pares, em 28 de junho de 1887. = Visconde de Carnide.

Foi approvada pela camara.

O sr. Presidente: - Este incidente não póde continuar.

O sr. Vaz Preto. - Sr. presidente, eu não quero por forma alguma impedir que se discuta o projecto que está dado para ordem do dia, e por isso poucas palavras direi. Eu concordo com o sr. ministro da fazenda, o que é difficil, na parte em que s. exa. affirma que os serviços prestados pelo governador de Cabo Delgado, sr. Palma Velho, e pelos officiaes e soldados que o acompanharam n'aquella arriscada empreza foram desinteressadamente feitos e sem o intuito de recompensa. Concordo que todos elles se sentem ufanos por terem digna e briosoamente cumprido é seu dever; concordo que a consciencia e o sentimento intimo de que bem mereceram da patria é uma satisfação para todos elles. Se isto assim é, não é menos verdade que á patria pertence e compete o dever sagrado de premiar aquelles que por factos assignalados se tornaram merecedores das recompensas.

Se isto é assim, e só estes valentes não fallam dos seus serviços e não pedem, recompensas, aos poderes publicos assiste o imperioso dever de lhes fazer justiça, dando-lhes o que lhes é devido, e a que têem direito. Esta doutrina, estes principios, estão consignados no nosso codigo fundamental na carta constitucional.

É, sr. presidente, por ver em desuso esta doutrina e postergados estes salutares principios, que levantei a minha voz para lavrar um protesto solemne contra similhante systema.

É por esse motivo que eu noto e lamento, sr. presidente, que todos os dias venham as columnas do Diario do governo repletas de graças e condecorações, premiando pertendidos e falsos serviços, e jamais os grandes, os gloriosos
feitos d'aquelles que enobrecem não só os que os praticam mas o paiz a que pertencem.

É raro, sr. presidente, ler na folha official a concessão de uma graça recaindo sobre verdadeiros e reaes serviços. É raro, rarissimo, encontrar na folha official uma condecoração no grau mais elevado, galardoando serviços relevantes prestados por portuguezes não degenerados, que honrando a memoria dos seus antepassados, vão arriscar a sua vida e derramar o seu sangue em longinquas paragens, e em defeza da patria.

Os serviços prestados pelo sr. Palma Velho são d'esta ordem. Se não foram até agora ainda premiados, não queira o governo fazel-o mais tarde, e por uma fórma indecorosa. Os srs. ministros devem lembrar-se que ao arrojo temerario d'aquelle bravo militar devemos o estarmos hoje de posse do territorio onde ha mais de quarenta annos não eramos recebidos.

Os srs. ministros devem comprehender e avaliar a alta importancia e a nobreza que teve este acto arrojado e temerario do sr. Palma Velho, de desembarcar na praia inimiga, desacompanhado de forças, e arrancar a bandeira do sultão de Zanzibar e substituil-a pela nossa, arriscando a sua vida e sacrificando-se, só para cumprir rigorosamente as ordens que o governador lhe tinha transmittido, de que evitasse qualquer conflicto com as forças do sultão de Zanzibar.

O governo deve comprehender sem duvida o alcance e o resultado de um acto que poucos ousariam praticar. D'elle resultou para nós a posse de territorio que de facto não era nosso e de direito nos era contestado: d'elle resultou tremular livre e altiva a bandeira das quinas em Macolofe; d'elle resultou o respeito e o temor que o governador incutiu aos arabes e indigenas, respeito e temor que contribuiu immenso para a tomada de Maningane e de Tungue.

Este acto de coragem e de bravura é de tal ordem e de tão grande valor, que parece impossivel que haja um governo que até hoje ainda o não tenha premiado. É por isso que eu chamo e chamarei a attenção dos poderes publicos para este assumpto, cujo esquecimento é uma vergonha para o governo.

Sr. presidente, este esquecimento indesculpavel, revela que o governo ignora e não sabe o que se passa na Africa, ou que não lê os relatorios e os documentos officiaes. Eu peço ao sr. ministro que leia com attenção todos esses documentos, que examine minuciosamente todos esses feitos que eu narrei singellamente, que se compenetre bem da questão, e tenho a certeza que, cheio de enthusiasmo, como eu, reconhecerá o alcance verdadeiro d'estes feitos gloriosos, e proporá para elles premio condigno.

Ás rasões que o sr. ministro da fazenda apresentou, com relação ao sr. Palma Velho para desculpar o procedimento do seu collega de o demittir, não são reaes nem verdadeiras. Diz o sr. Marianno que lhe tinha pertencido a promoção a coronel, e portanto, que para ficar n'aquelle governo tinha de se lhe dar o posto de general, que não era compativel com aquella situação subalterna. Isto não é exacto, porque este cavalheiro não tinha ainda concluido o tempo quando foi demittido, e nem requerido o posto de general. As rasões que dá o sr. Marianno de Carvalho teriam rasão de ser, se porventura o sr. Palma tivesse pedido o posto de general. Mas supponhamos que todas estas rasões colhiam. O que o sr. ministro não encontra, são rasões que justifiquem o governo de não ter galardoado serviços reconhecidos e de alto valor. O que o sr. ministro não encontra, são rasões que justifiquem o procedimento do sr. ministro da marinha, que, tendo recebido do governador geral a proposta da commenda de Torre Espada para galardoar os actos de bravura d'aquelle official, lhe recusou a recompensa e deu-lhe a demissão, por um decreto o mais secco que é possivel, e sem que houvesse referencia, a mais leve, aos importantes serviços por elle prestados ao paiz.

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550 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

É contra este acto injusto e inaudito do governo que eu não posso deixar de levantar a minha voz para que o paiz tenha conhecimento d'elle, e veja, e reconheça como são tratados os benemeritos, que derramam o sangue, e arriscam a vida para sustentar o bom nome de Portugal.

O sr. ministro da fazenda confirma o que eu tenho dito, pois reconhece a bravura do sr. Palma Velho e os seus relevantes serviços do que dá testemunho, e promette a devida recompensa;

Sendo sinceras as palavras de s. exa., o que eu desejaria era que não ficassem em palavras e fossem com a maxima bnevidade traduzidas em obras.

Estou cansado de ouvir promessas que nunca se cumprem, e que desauctorisam os ministros, que deviam ser mais cautelosos para não faltarem. Acabemos por uma vez com isto sr. presidente. Fica mal ao governo que eu lhe esteja lembrando o seu dever, a cada momento.

É necessario que sejam immediatamente recompensados os actos heroicos a que me tenho referido.

Este assumpto para o qual chamo a attenção do governo tem mais importancia e valor do que parece.

É mister que os poderes publicos sejam os primeiros a reconhecer, e a premiar serviços que são tanto mais elevados quanto são feitos em regiões longinquas, onde faltam geralmente os meios de acção.

É necessario que os governos se compenetrem que um paiz que tem um passado illustre, e uma historia gloriosa não póde deixar no esquecimento factos que lhe trazem á memoria as tradicções nobres e honradas dos Gamas dos Almeidas e dos Albuquerques.

Espero que as minhas palavras d'esta vez sejam ouvidas e não sejam de voz clamando no deserto.

O sr. Presidente: - Já passou a hora destinada para tratar de assumptos antes da ordem do dia.

Se algum digno par tem pareceres ou requerimentos a mandar para a mesa, póde fazel-o, senão vae entrar-se na ordem do dia.

O sr. Conde de Castro: - Mando para a mesa um parecer da commissão de agricultura, approvando o projecto que transfere para o dominio da camara municipal de Lisboa a tapada do Campo Grande.

Foi a imprimir.

O sr. Fernando Palha: - Mando para a mesa um requerimento, pedindo um documento, pelo ministerio do reino.

Para que este meu pedido não possa dar logar a equivocos, devo acrescentar que um digno par que não está presente, e se acha fóra da capital, me encarregou de apresentar este requerimento com o fim de se habilitar a entrar na discussão de um assumpto que ha de ser tratado n'esta camara.

Leu-se o seguinte

Requerimento

Requeiro que, pelo ministerio do reino, seja enviada ã esta camara com urgencia a representação que a faculdade de theologia enviou ao governo em 27 de março ultimo, expondo-lhe os factos que se têem dado entre ella e o bispo de Coimbra.

Lisboa, 28 de junho de 1887. = Fernando Palha.

Mandou-se expedir.

O sr. Antonio de Serpa: - Mando para a mesa o requerimento de um coronel do estado maior de engenheria, representando contra a ultima organisação dos serviços technicos do ministerio das obras publicas.

Teve o competente destino.

O sr. Candido de Moraes: - Mando para a mesa um requerimento.

Aproveito a occasião para pedir ao sr. ministro da fazenda o obsequio de prevenir o sr. ministro da justiça de que desejo dirigir a s. exa. algumas perguntas com respeito a um negocio dependente do ministerio a seu cargo.

O sr. Conde da Folgoza: - Mando para a mesa alguns requerimentos de differentes officiaes de engenheria, representando contra a actual organisação dos serviços technicos de obras publicas.

Foram remettidos á commissão competente.

O sr. Serra e Moura: - Mando para a mesa lima representação, assignada por alguns representantes de firmas commerciaes e por diversos individuos da ilha da Madeira, e dirigida a esta camara, em que os signatarios, na qualidade de importadores e distilladores de aguardente, reclamam contra os direitos estabelecidos no projecto de reforma da pauta aduaneira sobre a importação do melaço e do alcool.

Pela pauta em vigor está o melaço sujeito ao direito de 20 réis por kilogramma, e o alcool puro ao direito de réis 1$200 por decalitro. No projecto de reforma eleva-se a 30 réis por kilogramma o direito sobre o melaço e é reduzido a 1$150 réis por decalitro o direito sobre o alcool. Os signatarios da representação consideram que as alterações propostas em relação aos direitos no melaço e alcool, operam em sentido diametralmente opposto, não só aos interesses da industria que representam, e que por esta fórma será aniquilada, com a aniquilação do commercio da importação do melaço, que lhe fornece a materia prima, mas até affirmam, com dados estatisticos extrahidos da alfandega do Funchal, que qualquer augmento de direitos no melaço sobremaneira affecta a receita do estado.

Por exemplo, em 1880 a receita proveniente dos direitos sobre o melaço desceu a 5:038$294 réis; em 1881 a réis 1:412$860 e em 1882 a 554$520 réis por effeito do imposto municipal de 20 réis por kilogramma, que no referido anno de 1881 teve logar.

E subiu em 1883 a 9:801$674 réis, anno em que o imposto municipal foi reduzido a 5 réis por kilogramma, attingindo em 1886 á importante cifra de 28:498$300 réis pela reducção do mesmo imposto a 2 réis por kilogramma.

O augmento do imposto sobre o melaço, que em epochas passadas poderia justificar-se como protecção á cultura da canna doce na ilha da Madeira, carece actualmente de fundamento com a quasi extincção d'esse producto, porque, como é notorio, a molestia que invadiu aquella planta succedeu á que esterilisou a producção dos generosos vinhos da Madeira, a que nenhum direito protector póde servir de remedio.

N'estas deploraveis circumstancias parece de impreterivel e improrogavel necessidade facilitar, e não tolher a importação do melaço, unica materia prima que ás fabricas de distillação resta, depois da quasi extincção da canna doce n'aquella ilha.

Em nome, pois, dos signatarios da representação, chamo a attenção da camara para este importante assumpto, e, como se acha presente o sr. ministro da fazenda, chamo tambem a sua especial attenção para a reclamação dos signatarios, esperando do provado talento de s. exa., que se dignará prover de remedio com as medidas que tiver por justas em ordem a conciliar os interesses das fábricas de distillação de aguardente da ilha da Madeira com os interesses dó thesouro.

Vão juntos á representação dois mappas e duas certidões da alfandega do Funchal, com o fim de corroborar o que se allega na mesma representação.

Peço a sua publicação no Diario do governo.

O sr. Presidente: - Que destino deseja ò digno par que se de á representação por s. exa. mandada para a mesa?

O sr. Serra e Moura: - Requeiro que seja publicada no Diario do governo.

Consultada a camara, approvou que se publicasse no Diario do governo a mencionada representação.

O sr. Presidente: - Vamos entrar na ordem do dia.

O sr. Daun e Lorena: - V. exa. teve a bondade de me inscrever antes de ordem do dia?

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SESSÃO DE 28 DE JUNHO DE 1887 551

O sr. Presidente: - Está inscripto. Na sessão seguinte darei a palavra ao digno par.

ORDEM DO DIA

Leu-se na mesa o parecer n.° 57.

É do teor seguinte:

PARECER N.° 57

Senhores. - A vossa commissão de fazenda examinou na devida fórma a proposição vinda da camara dos senhores deputados, tendo por fim auctorisar o governo a cobrar os rendimentos publicos no proximo exercicio de 1887-1888 e a applical-os ás despezas geraes ordinarias do estado no mesmo exercicio segundo as disposições da carta de lei de 21 de junho de 1883 e 15 de abril de 1886, e, outro sim fixando a despeza extraordinaria do estado no indicado exercicio. A vossa commissão:

Considerando que em poucos dias principiará o referido exercicio 1887-1888 pelo que é urgente desde já providenciar para que a receita e despeza geraes do estado se possam realisar na fórma legal prescripta nas leis constitucionaes;

Considerando que o orçamento geral do estado, respectivo ao mesmo exercicio, comquanto apresentado na epocha legal, ainda não póde pela disposição dos trabalhos parlamentares ser transformado em lei geral do estado; e

Considerando, emfim, que a exacta observancia dos preceitos da contabilidade publica exigem para a efficaz fiscalisação financeira parlamentar que as tabellas reguladoras dá receita e despeza geral em cada exercicio sejam previamente coordenadas em conformidade da respectiva lei de receita e despeza geral do estado:

Ê de parecer que a referida proposição da camara dos senhores deputados merece ser approvada e deve ser convertida em lei geral do estado.

Sala das sessões da commissão de fazenda da camara dos dignos pares do reino, em 27 de junho de 1887. = A. de Serpa (com declarações) = A. A. de Aguiar (com declarações)= Conde de Castro = Manuel Antonio de Seixas - Henrique de Macedo - Frederico Ressano Garcia = A. A. Pereira de Miranda = Francisco de Albuquerque = Augusto José da Cunha = Mendonça Cortez, relator.

Projecto de lei n.° 12

Artigo 1.° É auctorisado o governo a proceder á cobrança dos impostos e demais rendimentos publicos relativos ao exercicio de 1887-1888, e a applicar o seu producto ás despezas ordinarias do estado, correspondentes ao mesmo exercicio, segundo o disposto nas cartas de lei de 21 de junho de 1883 e 15 de abril de 1886 e demais disposições legislativas vigentes ou que vierem a vigorar no referido exercicio.

§ 1.° As verbas destinadas para material não podem, em caso algum, ser applicadas para as do pessoal ou vice-versa, ainda dentro do mesmo artigo do orçamento; ficando, n'esta parte, modificados o artigo 47.° do regulamento geral da contabilidade publica e o § 1.° do n.° 8.° do artigo 5.° da carta de lei de 21 de junho de 1883.

§ 2.° Do saldo disponivel dos rendimentos, incluindo juros de inscripções, vencidos e vincendos, dos conventos de religiosas supprimidos, depois da carta de lei de 4 de abril de 1861, entrará na receita do estado a somma de 120:000$000 réis, como compensação do encargo da dotação do clero parochial nas ilhas adjacentes.

§ 3.° São prorogadas até ulterior resolução das côrtes as disposições do artigo 6.° e seus paragraphos da lei de 23 de abril de 1880 e as da carta de lei de 28 de abril de 1887.

§ 4.° Sem embargo do disposto no paragrapho antecedente, as mercadorias importadas de paizes, com os quaes temos tratados, continuarão a pagar as taxas fixadas n'esses tratados e as demais vigentes pela fórma n'elles estabelecida, como se a lei de 28 de abril de 1887 não vigorasse, uma vez que os importadores assim o reclamem.

§ 5.° A contribuição predial do anno civil de 1887 é fixada e distribuida pelos districtos administrativos do continente do reino e ilhas adjacentes, nos termos do disposto nos §§ 1.° e 3.° do artigo 7.° da carta de lei de 17 de maio de 1880.

§ 6.° O addicional ás contribuições predial, industrial, de renda de casas e sumptuaria do anno de 1887, para compensar as despezas com os tribunaes administrativos, viação districtal e serviços agricolas dos mesmos districtos, não póde exceder a 11, 76 por cento das ditas contribuições.

§ 7.° A despeza extraordinaria do estado, no exercicio de 1887-1888 é fixada na somma de 2.200:000$000 réis, segundo o mappa junto a esta lei e que d'ella faz parte.

§ 8.° O governo decretará, nos mappas das receitas e nas tabellas de distribuição de despeza, as necessarias rectificações, em harmonia com esta lei e com o orçamento proposto para o mesmo exercicio, que avaliou as receitas ordinarias em 34.409:891$500 réis e as despezas tambem ordinarias em 37.127:366$570 réis.

9.° Esta lei começará a executar-se no dia da sua publicação.

Art. 2.° Fica revogada a legislação contraria a esta.

Palacio das côrtes, em 25 de junho de 1887. = José Maria Rodrigues de Carvalho, presidente = Francisco José de Medeiros, secretario - José Maria de ALpoim Cergueira Borges Cabral, secretario.

Mapa da despeza extraordinaria do estado para o exercicio de 1887-1888 a que se refere a lei datada de hoje

MINISTERIO DOS NEGOCIOS DA GUERRA

1.° Subsidio, rancho, alojamentos e transporte de emigrados hespanhoes 4:000$000

2.° Estrada militar da circumvallação, continuação das obras de fortificação de Lisboa e seu porto e acquisição de torpedos e material correlativo 120:000$000

3.° Reparações extraordinarias em quarteis e edificios militares 20:000$000

4.º Material de pontes, telegraphos, caminhos de ferro militares e ferramentas para sapadores de engenheria 5:000$000 149:000$000

MINISTERIO DOS NEGOCIOS DA MARINHA E ULTRAMAR

Direcção da marinha

1.° reparação e construcção dos navios da armada e ferias e maiorias de jornaes aos operarios provisorios empregados n'esses serviços 150:OOO$000

2.° Artilheria de novo systema para os navios da armada e armamento de mão 20:000$000

3.° Material permanente para officinas do arsenal e estabelecimentos do ministerio da marinha e edificios de marinha 20:000$000 190:000$000

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552 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Direcção do ultramar

1.° Para satisfação do excesso das despezas sobre as receitas das provincias ultramarinas 715:000$OOO

2.° Estabelecimento de novas missões ou estações civilisadoras e commerciaes e explorações em Africa 10:000$000

3.º Garantia segundo o contrato de 5 de junho de 1885 relativo ao cabo submarino até Loanda 50:000$000

4.º Dividendo sobre o capital levantado pela "West of India Portuguese Guaranted railway company limited" 121:000$000 896:000$000 1.086:000$000

MINISTERIO DAS OBRAS PUBLICAS, COMMERCIO E INDUSTRIA

1.° Porto artificial de Ponta Delgada 80:000$000
Porto artificial da Horta 30:000$000
Porto artificial do Funchal 170:000$000
Porto artificial de Leixões 660:000$000 940:0000$000

2.° Exposição industrial de Lisboa no anno de 1888 -
subsidio á associação industrial portugueza 25:000$000 965:000$000 2.200:000$000

Palacio das côrtes, em 25 de junho de 1887.= José Maria Rodrigues de Carvalho, presidente = Francisco José de Medeiros, secretario = José Maria de Alpoim Cerqueira Borges Cabral, secretario.

O sr. A. de Serpa: - Voto a lei de meios, como de certo a votará toda a camara. É uma necessidade constitucional, é até de urgencia que se approve na sessão de hoje este projecto, para que a respectiva lei possa ser sanccionada e publicada antes do fim do actual anno economico. Mas desejo explicar porque assignei o parecer com declarações. O objecto de uma d'ellas refere-se ao facto de que nesta lei de meios, nem pelo que respeita ás despezas ordinarias, nem pelo que respeita ás despezas extraordinarias, se encontra designada a despeza com estradas.

Não se trata de uma questão de legalidade, porque está na mesa e será discutido brevemente o projecto de lei sobre estradas, em virtude do qual o governo fica auctorisado a proceder á construcção de estradas, e por consequencia a realisar as despezas necessarias para esse fim; trata-se apenas de uma questão de regularidade, porque eu entendo que todas as despezas devem ser mencionadas no orçamento, quer se chame ordinario, quer extraordinario, quer se chame especial.

E, de passagem, direi que diversos paizes têem dado varios nomes a estes documentos. Em França chegou a haver, no tempo do imperio, cinco orçamentos, cada um com differente denominação. O que manda a regularidade, o que manda a conveniencia é que no orçamento annual, ou. nos orçamentos annuaes, se incluam todas as despezas feitas durante o anno. É conveniente que o publico, o cidadão, o contribuinte, conheçam o que se despende e o que tem de se arrecadar todos os annos. O sr. ministro da fazenda tem a este respeito outras idéas, que provavelmente exporá perante a camara, quando se tratar da questão das estradas.

Como não concordo com essas idéas, lamento que no orçamento ou na lei de meios se não incluam e descrevam as despezas com estradas.

Supprimem-se nos orçamentos as despezas com estradas, porque ellas são auctorisadas por uma lei permanente especial, e são despezas de uma natureza especial, que cessam ao cabo de um certo periodo, aliás de não menos de dezoito annos.

Eu comprehendo que as despezas de natureza especial, como estas, tenham nos orçamentos tambem um logar especial.

Comprehendo que se separem no orçamento as despezas obrigatorias e inevitaveis, como são os encargos da divida publica, e as despezas mais ou menos variaveis da administração, e as despezas propriamente extraordinarias, filhas de causas occasionaes e que se não repetem, e emfim as despezas reproductivas, como as das estradas e caminhos de ferro. Mas o que é necessario, o que pelo menos é conveniente e regular, é que todas essas despezas venham descriptas nos orçamentos.

Vamos approvar o orçamento com um deficit de réis 4.800:000$000, 2.200:000$000 réis na despeza ordinaria e 2.600:000$000 réis na despeza extraordinaria; temos no anno seguinte que fazer despezas com estradas, se o respectivo projecto de lei for approvado; elle determina que o estado despenda 1.600:000$000 réis por anno, por consequencia o deficit do orçamento de previsão, é réis 4.800:000$000 com mais 1.600:000$000, ou 6.400:000$000 réis.

Imagine a camara, se o deficit agora calculado, o deficit presumido, ou de provisão, é de 6.400:000$000 réis, o que será o deficit effectivo d'aqui a um anno, o deficit do futuro orçamento rectificado, ainda mesmo que as camaras approvem as providencias que o sr. ministro da fazenda propõe para crear receita!

S. exa. disse hontem por mais de uma vez que conhece o paiz em que vive, e disse isto a proposito de uma restricção que foi feita na camara dos senhores deputados ao seu projecto sobre a conversão, e que teve de acceitar.

Eu tambem conheço o paiz em que vivo e conheço como os ministros administram, e por isso, sem ser propheta, porque ninguem é propheta na sua terra, mas sabendo que o deficit resultante da lei de meios e do projecto das estradas, é de 6.400:000$000 réis, direi que não será aventurar muito o prophetisar que d'aqui a um anno o deficit effectivo ha de ser muito superior, e oxalá que não seja quasi o dobro d'aquella somma.

Outra reflexão que tenho a fazer refere-se a um artigo d'este projecto que diz:

(Leu.)

Esta lei, cujas disposições continuam em vigor, é aquella que auctorisa o governo a receber por deposito a differença dos direitos entre a pauta actual e o projecto da pauta submettido agora ás camaras. Voto este artigo, fiado na promessa feita pelo sr. ministro da fazenda, perante a commissão, de que trataria de fazer discutir a nova pauta, antes de finda a actual sessão legislativa.

Como o governo tem maioria em ambas as casas do parlamento, não tenho nenhuma duvida de que a promessa será cumprida.

Foram estes que acabo de expor os unicos motivos que me levaram a assignar o parecer com declarações.

Não me parece que seja agora occasião de tratar da questão de fazenda e de todas as outras que com ella se relacionam.

O sr. Ornellas: - Mando para a mesa o parecer da commissão de negocios externos, que diz respeito a uma convenção com a Allemanha.

Foi a imprimir.

O sr. Vaz Preto: - Pedi a palavra para fazer uma declaração de voto, em nome dos meus amigos e correligio-

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SESSÃO DE 28 DE JUNHO DE 1887 553

narios. Declaro que voto a lei de meios, para que o governo se não encontre fóra da esphera legal; mas este voto não significa por fórma alguma acquiescencia ás medidas decretadas em dictadura.

Voto, pois, o projecto, unica e exclusivamente para que o governo possa cobrar os impostos legalmente e para que não encontre motivo para uma nova dictadura.

Se eu tivesse podido assistir á sessão em que foi votado o orçamento rectificado, teria pedido a palavra para declarar que eu e os meus amigos politicos não votavamos o orçamento rectificado senão com certas restricções, e que por fórma alguma o nosso voto significaria o reconhecimento da legalidade de despezas creadas por decretos dictatoriaes. E declararia tambem que votavamos contra o § 2.° do artigo 2.° do projecto do orçamento rectificado, que da ao governo uma auctorisação lata, latissima, sem explicar a rasão de ser, e o motivo justificativo de similhante proceder, nem o fim claro e preciso de applicação de sommas tão elevadas. Segundo o § 2.° do artigo 2.° do orçamento rectificado o governo fica continuando aapplicarás despezas legaes do ministerio das obras publicas do actual exercicio de 1885-1886 como do actual, não sendo esta disposição, porém, applicavel ás verbas destinadas para caminhos de ferro, n'esta lei, que não poderão ter outro destino. Esta auctorisação tão lata como escura, tem fim occulto-a que visa.

Ficar o governo auctorisado a continuar a applicar as sobras dos exercicios de 1885-1886 e 1886-1887 ás despezas do ministerio das obras publicas, sem as mencionar, faz suppor que ha despezas que ainda estão a descoberto, e que é necessario regularisal-as por qualquer fórma.

Sr. presidente, eu sinto deveras que o governo, quando se trata da administração e fiscalisação dos dinheiros publicos, não seja o mais escrupuloso, mandando á camara com a maxima brevidade sempre os documentos importantes de que o parlamento carece para se esclarecer, e que os srs. deputados e dignos pares pedem para explicar certos factos e fazer luz sobre certas e determinadas despezas.

E sinto tanto mais, quanto este governo, assim como o anterior que são governos monarchicos, devem ser o mais escrupulosos e correctos na applicação e fiscalisação dos dinheiros publicos, para que os partidos anti-dynasticos não censurem, com rasão, os seus esbanjamentos e predigalidades.

Os governos monarchicos devem ser os mais promptos e solicitos em mandarem á camara os documentos pedidos por qualquer membro do parlamento, e muito principalmente quando esses documentos se referem a despezas feitas com a familia real.

Consta-me que na outra casa do parlamento foram pedidos os documentos comprovativos das despezas que se fizeram por occasião do casamento do Principe, e que o governo não só se recusou a enviar esses documentos, mas nem sequer se dignou explicar á camara essas despezas.

Este procedimento é pouco regular e eu não posso deixar de manifestar a impressão desagradavel que me causou esta preterição das praxes constitucionaes e regras parlamentares.

Sr. presidente, parece-me que duvida alguma devia ter o governo em mandar esses documentos á camara, que tem o direito de os pedir e o dever de os examinar.

Estou convencido que qualquer sr. deputado que pedisse os documentos e os quizesse examinar, não era com o intuito de regatear qualquer despeza que se tivesse feito a mais com o casamento do Principe Real, porque os verdadeiros monarchicos querem e desejam que a monarchia tenha a representação condigna.

Mas isso não obsta a quererem tambem, que a titulo de certas e determinadas despezas, os dinheiros publicos não sejam desviados da devida applicação.

Elles, como eu, entendem que, tendo o parlamento o direito de examinar as contas publicas e de fiscalisar os haveres da sociedade, o governo não póde e nem deve estar a occultar despezas que devem ser presentes á camara com toda a clareza e publicidade.

Se o governo fez alguma despeza a mais do que estava auctorisado, diga-o francamente, e venha pedir ao parlamento um bill de indemnidade, que estou certo que elle lho votará unanimemente, se os dinheiros publicos tiverem sido bem gastos.

O que se não póde admittir é que o governo não mande á camara os documentos que se lhe pedem, e os occulte sem necessidade alguma para isso. Similhante procedimento deixa perceber que ha cousa occulta seria, que se pretende desviar do exame do parlamento.

Se eu tivesse discutido o orçamento rectificado havia de tratar mais desenvolvidamente d'esta questão, e talvez s. exas. fossem forçados a trazer esses documentos á camara.

Creia o governo, que eu, se estivesse resolvido a fazer-lhe uma opposição forte e energica, o que não faço n'este momento, attendendo á desorganisação dos partidos, havia de lhes exigir todos os dias esses documentos, e de uma fórma tal que o governo se veria na necessidade de os apresentar.

É necessario que os gabinetes monarchicos sejam correctos e exemplares, principalmente pelo que toca aos dinheiros publicos, e não dêem motivo ao partido avançado de fazer propaganda a seu favor, desculpavel e justificada.

Dadas estas explicações, limitar-me-hei apenas a declarar que votarei contra todas as auctorisações que o governo faça, e bem assim contra todos os projectos que tragam despezas que não sejam impreteriveis e inadiaveis.

Tenho dito.

O sr. Antonio de Serpa: - Sr. presidente, eu concordo em que a questão de ser a verba para estradas, aqui mencionada, só mais propriamente deve discutir-se quando aqui vier o projecto das estradas.

No entanto devo dizer que, já que o sr. ministro da fazenda apresentou como exemplo do que agora faz o que sob a minha gerencia se fez relativamente ao caminho de ferro do Minho e Douro, eu faça algumas observações. Em primeiro logar, depois da epocha a que s. exa. se referiu teem sido modificadas as condições da nossa organisação de contabilidade. Não se póde invocar hoje um precedente de ha dez ou quinze annos, quando o precedente proximo, mais recente, e mais em permanencia com as modernas disposições da ultima lei de contabilidade, é diverso.

Nos ultimos orçamentos, no ordinario ou no extraordinario, e em todo o caso no rectificado, vem, como é regular que venham, as despezas com estradas e com caminhos de ferro.

Anteriormente não era assim. As grandes despezas, que eram reputadas extraordinarias e votadas em leis especiaes, não vinham descriptas no orçamento.

Isto succedia ainda no tempo em que eu era ministro da fazenda, com o caminho de ferro do Minho e Douro, mas já então não succedia com as estradas, e não tinha ainda sido promulgada a ultima lei de contabilidade publica.

Agora porem trata-se de estradas que hão de ser construidas durante dezoito annos, e que, segundo a minha opinião, hão de continuar a construir-se mesmo passado esse praso, porque ha de haver necessidade de novas construcções, de modo que estas despezas nem mesmo se podem chamar extraordinarias.

Mas supponhamos por um momento que o que se fez ha dez ou quinze annos com os caminhos de ferro do Minho e Douro, tinha sido mal feito. Para que estamos nós aqui? Não será para emendar os erros, ou as más praticas passadas? Não será para progredirmos?

Porque em tempo se fez uma cousa que não era regular, apesar de se ter nos ultimos tempos estabelecido a boa re-

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554 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

gra, Lavemos de voltar ao abuso, ou ao mau uso antigo? Triste defeza!

Alem d'isto, o caso do caminho de ferro do Minho e Douro era um pouco diverso. Essa obra era mais uma obra extraordinaria do que as estradas e a sua despeza podia melhor fazer parte de uma conta áparte, porque aquelle caminho tem uma receita sua propria, que póde vir no futuro a compensar a despeza da sua construcção, isto é, a amortisar os titulos creados para custear aquella despeza.

Hoje a nossa contabilidade publica tem-se aperfeiçoado, não sómente por se terem adoptado as boas regras contidas na legislação que rege o assumpto, mas pelo modo como essas regras se vão executando.

N'estas circumstancias, não me parece rasoavel que voltemos outra vez ao que era anteriormente, e sinto que o sr. ministro da fazenda venha invocar antigos precedentes, que por serem precedentes tirados de factos passados sob gerencias de minha responsabilidade, nem por isso provam a forçada sua idéa de não descrever certas despezas no orçamento com o pretexto de que são despezas de conta especial e auctorisadas por uma lei especial.

O sr. Hintze Ribeiro: - Lastima que o projecto que está em ordem do dia viesse á ultima hora, e nota que a commissão deu sobre elle o seu parecer antes d'esse projecto ter sido presente á camara.

Não recusa ao governo a lei de meios; mas entende que; ella só devia ser proposta depois de se ter discutido e approvado o bill de indemnidade.

Lê uma grande parte do discurso que o actual sr. presidente do conselho proferiu quando o orador em 1885 apresentou a lei de meios á outra casa do parlamento. Então o sr. José Luciano achava o procedimento do governo attentatorio dos bons principios, e clamava com vehemencia que não podia proseguir-se num trilho tão irregular; hoje s. exa. persiste no erro que tão violentamente aggrediu. Faz ainda outras observações, tendentes a mostrar que o projecto contém clausulas novas, sobre as quaes dirige perguntas ao sr. ministro da fazenda.

(O discurso do digno par será publicado na integra quando s. exa. o devolver.}

O sr. Ministro da Fazenda: - Responde que o sr. presidente do conselho actual obedeceu naturalmente á lei do progresso. Combatera, é certo, o procedimento do governo de que fazia parte o sr. Hintze Ribeiro; mas vendo que a maioria das duas camaras desattendeu os principios que s. exa. intentava, entrou no caminho que ellas traçavam.

Respondendo ao digno par o sr. Hintze Ribeiro, diz que fará toda a diligencia para que a lei pautai seja discutida ainda este anno; mas se por quaesquer circumstancias alheias á vontade do governo, essa discussão não poder ter logar, proporá algumas providencias tendentes a occorrer á situação que se apresentar.

O sr. Ornellas: - Por parte da commissão de negocios externos, mando para a mesa o parecer que diz respeito á convenção com os Estados Unidos para a permutação de fundos entre os dois paizes por meio de vales do correio.

Como esta convenção, deve começar a vigorar no 1.° de julho, e como o assumpto é de natureza simples, peço a v. exa. que consulte a camara sobre se consente que seja dispensado o regimento para que o parecer entre desde já em discussão.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que approvam a proposta que acaba de fazer o digno par o sr. Ornellas, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvada.

O sr. Presidente: - Entrará em discussão depois de estar approvado o projecto que está em ordem do dia.

(Pausa.)

Não ha mais ninguem inscripto sobre o parecer n.° 51, e portanto vae votar-se.

Posto á votação, foi approvado, tanto na generalidade como na especialidade.

O sr. Presidente: - Vae ler-se o parecer mandado ultimamente para a mesa pelo sr. Ornellas.

Foi lido e é do teor seguinte:

PARECER N.° 61

Senhores. - Tendo a experiencia mostrado que a convenção para permutação de fundos por meio de vales de correio, entre Portugal e os Estados Unidos, carecia de algumas modificações que facilitassem aquella permutação no interesse da numerosa colonia portugueza n'aquelle paiz, foi proposta pelo governo portuguez e acceita pelo dos Estados Unidos a convenção addicional que a vossa commissão dos negocios estrangeiros examinou e julga estar no caso de ser approvada, recommendando, portanto, á vossa approvação o referido projecto de lei.

Sala da commissão, 28 de junho de l881. = Marquez de Rio Maior = A. de Serpa = J. V. Barbosa du Bocage - J. M. Ponte Horta - A. de Ornellas, relator.

Projecto de lei n.° 16

Artigo 1.° É approvada, para ser ratificada pelo poder executivo, a convenção addicional á convenção de 15 de julho de 1882, entre Portugal e os Estados Unidos, para a permutação de fundos por meio de vales do correio, assignada em 25 de fevereiro de 1887.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 28 de junho de 1887. = José Maria Rodrigues de Carvalho, presidente = José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, deputado secretario = Francisco José Machado, deputado vice secretario.

O sr. Presidente: - Está em discussão.

(Pausa.)

Como ninguem pede a palavra vae votar-se. Os dignos pares que o approvam tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O sr. Ministro da Fazenda: - Participou que Sua Magestade El-Rei receberá na proxima quinta feira, pelas duas horas da tarde, a deputação da camara dos dignos pares do reino, que tem de apresentar-lhe os autographos das leis ultimamente votadas.

O sr. Presidente: - A deputação que tem de apresentar a Sua Magestade El-Rei os autographos das leis hoje votadas, é composta, alem da mesa, dos seguintes dignos pares:

Antonio de Serpa Pimentel.
Augusto Cesar Barjona de Freitas.
Marquez de Vallada.
Conde de Ficalho.
Conde de Valenças.
Conde do Bomfim.
José Joaquim de Castro.

A seguinte sessão será na proxima sexta feira, e a ordem do dia o parecer n.° 58.

Está levantada a sessão.

Eram quatro horas e quarenta minutos da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 28 de junho de 1887

Exmos. srs.: João Chrysostomo de Abreu e Sousa; João de Andrade Corvo; marquezes, de Pomares, de Rio Maior; condes, de Alte, de Castro, da Folgosa, de Linhares, de Paraty, do Bomfim de Valenças; viscondes, de Bivar, de Borges de Castro, de Carnide, de Porto Formoso; barão

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SESSÃO DE 28 DE JUNHO DE 1887 555

do Salgueiro; Adriano Machado, Ornellas, Agostinho Lourenço, Braamcamp Freire, Quaresma, Sousa Pinto, Silva e Cunha, Antunes Guerreiro, Barros e Sá, Serpa Pimentel, Costa Lobo, Barjona de Freitas, Augusto Cunha, Carlos Bento, Sequeira Pinto, Hintze Ribeiro, Fernando Palha, Margiochi, Ressano Garcia, Barros Gomes, Henrique de Macedo, Larcher, Candido de Moraes, Mendonça Cortez,
Valladas, Coelho de Carvalho, Gusmão, Braamcamp, Baptista de Andrade, Castro, Fernandes Vaz, Ponte Horta, Sá Carneiro, José Pereira, Silvestre Ribeiro, Senna, Sampaio e Mello, Bocage, Camara Leme, Luiz Bivar, Seixas, Pereira Dias, Vaz Preto, Franzini, M. Osorio Cabral, D. Miguel Coutinho, Calheiros, Jayme Moniz, Cardoso de Albuquerque, Thomás de Carvalho, Serra e Moura.

Redactor = Carrilho Garcia.

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