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N.º 39

SESSÃO DE 10 DE JULHO DE 1890

Presidencia do exmo. sr. Antonio Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel

Secretarios-os exmos srs.

Conde d'Avila
Conde de Lagoaça

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta.- O digno par o sr. Sá Carneiro faz varias refl-xôes sobre a sua reforma e de varios officiaes.- O sr. ministro dos negocios estrangeiros responde.- O digno par o sr. Firmino João Lopes manda para a mesa o parecer da commissão de administração publica sobre os meios necessarios pai a impedir a invasão da epidemia do cholera. Consultada a camara, dispensa-se o regimento, é lido o parecer e entra cru discussão o projecto respectivo. - O digno par o sr. Pereira Dias faz curtas observações sobre o assumpto. É approvado o projecto na generalidade e na especialidade.- O sr. presidente declara que; conviria passar á segunda, parte da ordem do dia pelo adiantado da bom, ficando a primeira para a sessão seguinte. Como a camara não se oppõe, passa-se á segunda parte da ordem do dia. - O digno par o sr. Agostinho de Ornellas manda para a mesa o parecer sobre a eleição para digno par do br. José Gregorio da Rosa Araujo. Foi a imprimir.

Ordem do dia (segunda parte).- O digno par o sr. Vaz Prelo manda para a mesa uma representação das classes graphica =, protestando contra a lei da imprensa, para a qual requer a publicação no Diario da camara; o depois de ler a sua moção, faz extensas considerações sobre a dictadura anterior ás eleições, que taxou de prejudicial ao paiz e perigosa; e sobre a posterior ás eleições, e essa capitulou-a de anti-patriotica, anti-liberal e affrontoso para o paiz e para o parlamento. O orador refere se ainda a reorgamisação do exercito, sobre a qual formula ao governo sete perguntas, e ao decreto das incompatibilidade;. É lida e admittida moção do digno par. A camara consente que a representação das classes graphicas seja publicada no Diario da camara.- Responde-ao digno par o sr. ministro dos negocios estrangeiros.- O digno par o sr. Marino Franzini usa da palavra para censurar o governo sobre os decretos dictatoriaes, e fica com a palavra reservada.- É levantada a sessão e designada ordem do dia.

Ás duas horas e cincoenta minutos da tarde, achando-se presentes 29 dignos pares, abriu-se a sessão.

Foi lida e approvada a acta da sessão antecedente.

Não houve correspondencia.

(Estiveram presentes os srs. ministros dos negocios estrangeiros, das obras publicas e da construcção publica e bellas artes.)

O sr. Sá Carneiro: - V. exa. ha de lembra-se de de que eu já por mais de uma vez me tenho referido aos tres facultivos que me inspeccionaram, que não cumpriram as ordens do ministro da guerra, ou da commissão sua delegada.

Requeri que me fossem enviados os documentos onde estão exaradas as opiniões d'esses facultativos que me julgaram incapaz para todo o serviço.

Sei o que diz esse processo, e d'elle não consta cousa alguma que se approxime da verdade.

Attribuem-me moléstias que não tenho, mas isso não me surprehende, porque tinham o santo e a sonha, como vulgarmente se diz, para fazerem o que fizeram, e para escreverem o que escreveram.

Fizeram commigo o mesmo que se fez a um official de artilheria, a quem tambem a junta descobriu molestias que não tinha, foi o sufficiente para o darem por incapaz de todo o serviço, como referiu o digno par sr Camara Leme.

Isto é tanto verdade, que os medicos estranhos á junta, consultados a tal respeito, não concordaram com a opinião dos seus collegas que examinaram aquelle official, que não ponde appellar, porque a appellação existe só para os recrutas, para os officiaes não a ha.

O sr. Serpa devia ter evitado estes factos irregulares, mas ao contrario, contribuiu muito para elles, e não ha remedio contra isto, porque, como muito bem disse o sr. Thomás Ribeiro, já não existe parlamento.

É preciso saber quem deu as ordens e como ellas foram cumpridas, mas o sr. Serpa não responde cousa nenhuma.

Exoneraram-me, foi esta a unica honra que me concederam. Despediram-me como se despede um creado de servir, de maneira que isto quer dizer que todos os serviços que prestei foram dados como inuteis.

Se me fosse possivel desfazer esses serviços, desfazia-os.

No tempo em que eu andava pelas batalhas, gritava-se só: Viva a carta, viva a Rainha.

N'esse tempo havia crenças e affecto, e não dictadores como os de hoje.

Pouco me importa que s. exas. tenham assumido a dictadura; queixo-me apenas pelo facto de me tirem disconsiderado.

Andam a rasgar a carta aos pedaços.

Onde está a carta?

Os srs. ministros só dizem que ella existe quando isto lhes faz conta, de vez emquanto; o facto porem é que ella morreu, e hoje só ha dictaduras e dictadores.

Estudei latim, e sei que o primeiro dictador foi Cincinato; mas os srs. ministros estão longe de ter a estatura d'aquelle vulto grandioso.

O sr. Serpa está anemico, está tisico, eu ainda espero assistir ás suas exequias.

Sim, senhores, tenho a esperança de assistir ao funeral do sr. Serpa.

O paiz está agitado, e ninguem faz caso disto.

Fui reformado em nome das conveniencias de serviço publico.

Ondem existem, onde estão essas conveniencias publicas ?

Uma das cousas que mais me vexou foi o facto de ter sido substituido por pessoa que tem menos saude do que eu, e por isso, com maioria de rasão, não póde satisfazer completamente a missão que lhe foi confiada.

Os serviços prestados ao paiz por qualquer homem pouca importancia teem para o governo.

Sr. presidente, tenho de fazer uma rectificação. Disse-se lá fora que eu tinha uma bala em casa para legar ao senhor D. Carlos I.

Devo declarar que não n, tenho em casa, mas sim no meu corpo, e que depois da minha morte será apresentada a D. Carlos l, a fim de que elle saiba que alguma cousa me custou a sua causa, e não pouco.

Desejo, sr. presidente, que o sr. ministro da guerra indague as rasões que tiveram os facultativos para me darem por incapaz para o serviço, attribuindo me falsas doenças.

Só falta agora a suspensão de garantias; quando este

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facto se dê, podem ficar certos de que me vou embora, desappareço, porque já estive emigrado por tres vezes.

Sr. presidente, estou fallando assim, mas não tenho nenhuma indisposição contra os actuaes ministros, e não a tenho principalmente contra o sr. Hintze Ribeiro, que é açoriano, o que basta para que eu seja seu amigo.

Peço aos srs. ministros presentes mo façam a fineza de communicar estas minhas observações ao seu collega chi guerra, ou ás pessoas a quem se devem dirigir, porque, segundo me consta, quando alguem se quer dirigir ao sr. ministro da guerra, não é ao sr. Serpa Pimentel que vae fallar, mas a outros cavalheiros, a uma commissão de sabios, segundo o que se diz.

Sr. presidente, creio que o que se passou commigo não foi devido á suspeita de ser republicano.

Durante o tempo que estive no exercicio das minhas funcções, nunca tive politica, era simplesmente um soldado, e tanto assim que estava na intenção de pedir a minha reforma para poder apoiar o partido progressista, mas não me deram tempo para isso.

Eu sendo empregado de confiança do governo não podia votar contra elle. Era tal a sêde, a ambição de arranjar vacaturas, que até um general que estava fóra do exercito, no conselho superior de guerra e marinha, e que não deixava vaga, foi reformado.

De um homem com os serviços que tenho, não se disse no decreto de exoneração, se serviu bem ou mal; ao passo que o sr. ministra da guerra eleva ás nuvens uns generaes que ninguem conhece, uns palafozes que matam tudo-que se gabam muito, mas que por fim não fazem nada.

O governo desculpa-se do que praticou para commigo, dizendo que resolveu mandar ajunta todos os officiaes que tivessem mais de setenta annos; mas a verdade é que não se cumpriu esta resolução.

Ha generaes que podem muito menos do que eu e que não foram ainda inspeccionados. Quero saber o motivo d'esta excepção. Tenho direito a isso.

O facto é que as leis não se cumprem; está rasgada a carta por todos os lados.

Nos documentos officiaes ainda fazem a honra de apontar um ou outro artigo da carta constitucional; mas tal citação é apenas pro forma.

Houve quem dissesse que os srs. ministros eram inglesados.

Não creio em tal, porque o certo é que não podem e s ha ter-nos com uma nação tão poderosa como é a Inglaterra.

Ninguem me tomará por suspeito de ser amigo dos inglezes.

Pelo contrario, tenho razões para não o ser. Ainda me lembro dos dezesete infelizes, quasi todos militares, que em 1817 o marechal Beresford mandou enforcar no campo de Sant'Anna. Foram essas, póde-se dizer, as primeiras victimas da liberdade.

Nenhum exercito tem dado mais provas de liberal do que o exercito portugues.

O povo em massa não queria senão o absolutismo. Em 1826, quando se entrava n'uma cidade ou villa, o que de todos os lados se ouvia era " viva el-rei absoluto! viva el-rei nosso senhor! "

Mulheres e homens cantavam o hymno realista.

Quando El rei D. João VI veiu de Villa Franca, foram muitos emmedalhados puxar o coche real; o que deu logar ao annuncio que veiu depois na Gazefa de Lisboa, para o leilão das parelhas que haviam tirado o coche ao entrar na Sé para o Te, Dewn.

Estas reformas dos generaes importam um angmento de despeza superior a 300.000$000 réis.

Mas o povo póde pagar, diz o sr. Serpa Pimentel e a sua maioria, e então pague.

Sabem o que eu fiz quando li a carta do sr. Serpa? Mandei dar posse, pelos ajudantes, a quem me substituia, e disse commigo: Quousque tandem., Catilina, abuteris patientia nostra?!

É o mesmo que digo aos pessos dictadores.

Sr. presidente, não tenho, como já disse, a minima indisposição contra nenhum dos outros srs. ministros; ao contrario.

Com quem tenho menos relações é com o sr. Arouca, mas fui amigo de seu pae; pelo sr. Hintze já disse o que sentia; com o sr. Arroyo sympathiso, porque é moço e d et embaraçado, e eu gosto sempre dos homens desembaraçados; admiro Tambem o talento do sr. Lopo Vaz, embora digam que é um pouco ardiloso. (Riso.)

O que não me canso de repetir é que temos hoje uma brigada de instrucção que não póde dar resultado nenhum, porque tanto sabem os tirocinantes como os tiroci-nados.

E, por ultimo, não tenho visto fazer ao actual ministro da. guerra nada com que o exercito tenha melhorado ou possa melhorar.

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Hintze Ribeiro): - Disse que não desconhecia os serviços muitos e importantes prestados por s. exa.; não são serviços para que s. exa. se deva arrepender de os ter prestado, porque s. exa. tem a consciencia de que contribuiram efficazmente para a implantação do regimen liberal. Mas sentia por si e por s. exa., que um bravo militar, que tão nobremente derramou o seu sangue, viesse empregar palavras nada correctas para com o sr. ministro da guerra, quando a disciplina e o respeito pelos superiores é a base da organisação militar.

Isto não era uma censura, era um pezar.

Um outro sentimento do orador era pela maneira por que s. exa. se referira a um militar que não tem assento n'esta camara, e que hoje exerce a commissão de commandante da primeira divisão militar, por isso mesmo tem direito a que soja aqui respeitada a sua ausencia, nem o contrario se harmonisa com os bons preceitos parlamentares.

O governo resolveu mandar á junta da inspecção de saude todos os militares que ultrapassassem uma certa idade; este principio, que tem sido sempre importante em toda a organisação militar, e que não representa offensa alguma, foi tão geral, que nem o sr. D. Luiz de Mascarenhas, chefe da casa militar de El-Rei, foi poupado, porque, estando comprehendido n'elle, foi inspeccionado, e teve de abandonar o exercicio das suas altas funcções.

3. exa., que foi quem nos apresentou este exemplo, bem vê que o governo não abriu excepções, nem quiz por forma alguma ferir ninguem.

Ser reputado incapaz de serviço por invalidez, não é offensa para ninguem, nem para, s. exa., cujos distinctos serviços e actos de valor todos conhecem e admiram.

E uma consequencia a que todos estamos sujeitos pelo correr dos tempos.

S. exa. mesmo, se attender á sua vida militar, ao que foi, aos serviços prestados, á maneira como se desempenhou das arduas commissões que exerceu, e dos arriscados trabalhos com que se viu a braços, ha de reconhecer, como todos, que era melhor sentir uma saudade viva d'esses tempos, em que s. exa. brilhava nos campos de batalha, do que vir empanar o brilho da sua carreira, vir lançar uma nódoa, uma sombra sobre o seu passado, apresentando-se hoje de uma fórma que não está nada em harmonia com os sentimentos de s. exa., nem com a nobre e elevada posição que occupa.

(O discurso do digno par será publicado "a integra, e em appendice a esta sessão, quando s, exa. haja revisto as notas tachygraphicas.)

O sr. Sá Carneiro: - Agradeço ao sr. ministro as explicações que me deu; mas devo dizer a s. exa. que não se adoptou a idade, como base geral para a reforma.

Isso não é bem a verdade.

O sr. Firmino João Lopes: - Sr. presidente, mando

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para a mesa o seguinte parecer da commissão de administração publica, relativo ás medidas sanitarias:

(Leu.)

Peço a v. exa. que se digne consultar a camara sobre se considera urgente este parecer a fim de entrar já em discussão.

O sr. Presidente: - O sr. relator dá commissão deseja que este parecer seja considerado urgente, e que, em virtude d'isso, seja dispensado o regimento para não ir a imprimir, e poder entrar já em discussão.

Os dignos pares, que dispensara o regimento a fim de que o parecer entre já discussão, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O sr. Presidente: - Vae ler-se.

Leu-se na mesa o parecer que é do teor seguinte:

PARECER N.° 58

Senhores. - A vossa commissão de administração publica, ouvida a de fazenda, reconhece a necessidade instante de auctorisar o governo a empregar os meios necessarios para defender o paiz da epidemia que actualmente vae grassando em varios povos da provincia hespanhola de Valencia, e habilitar a administração do estado com os recursos indispensaveis para conseguir o fim que se tem em vista.

As circumstancias de todos conhecidas aconselham a urgencia, e por isso a vossa commissão é de parecer que o projecto de lei n.° 15, vindo da camara dos senhores deputados, seja approvado para subir á sancção real.

Sala da commissão, 10 de julho de 1890. = José de Mello Gouveia = Marquez de Vallada - Jeronymo da Cunha Pimentel = Thomás Ribeiro (com declaração) = Manuel Pereira Dias = Visconde de Moreira de Rey = Firmino João Lopes, relator.

Parecer n.° 58-A

Senhores. - A commissão de fazenda, na parte a que é chamada a intervir na discussão d´este projecto, entende que deve ser adoptado, conforme foi approvado na camara dos senhores deputados.

Salas das sessões da commissão de fazenda, em 9 de julho de 1890.= Augusto César Cau da Costa = Antonio de Sousa Pinto de Magalhães = Moraes Carvalho = Visconde de Azarujinha = José Antonio Gomes Lages = Antonio José Teixeira = Tem voto do sr,: Conde de Gouveia.

rojecto de lei n.° 15

Artigo l.° São declaradas em vigor até ao fim do actual anno economico as disposições das cartas de lei de 10 de janeiro de 1854 e de 5 de julho de 1855, ficando o governo auctorisado a tomar, não só as providencias nas mesmas leis mencionadas, como quaesquer outras que necessarias forem para preservar o paiz da invasão de qualquer epidemia ou para a debellar, se não poder evitar a invasão.

§ 1.° A importancia maxima da despeza que fica por esta lei auctorisada é de 60:000$000 réis, sendo-lhe applicavel o disposto no § 10.° do artigo 1.° da carta de lei de 28 de junho de 1890.

§ 2.° Se as circumstancias, porém, reclamarem maior despendio, as sommas que forem precisas alem da quantia mencionada no paragrapho anterior só serão postas pelo ministerio da fazenda á disposição do ministerio competente, mediante as solemnidades prescriptas no § 3.° do artigo 7.° do decreto de 28 de junho de 1890.

Art. 2.° O governo dará conta ás côrtes do uso que fizer das auctorisações que por esta forma lhe são concedidas.

Art. 3.° Fica revogada a legislação contraria a esta.

Palacio das côrtes, em 7 de julho de 1890.-Pedro Augusto de Carvalho, deputado presidente = José Joaquim de Sousa Cavalheiro, deputado secretario = Antonio Teixeira de Sousa, deputado secretario.

O sr. Presidente: - Está em discussão.

O sr. Pereira Dias: - Sr. presidente, declaro que voto este projecto; mas permitta-me a camara que mais uma vez faça uma declaração.

A minha declaração é a seguinte:

Desejo que o governo seja mais escrupuloso na applicacão das verbas que se votam para este fim.

Oxalá que ellas não sejam excedidas; mas faço um vaticinio, porque estou intimamente convencido de que hão de ser excedidas, embora tenhamos a ventura, como eu desejo e o paiz inteiro, de não sermos accommettidos pela epidemia contra a qual nos acautelâmos.

Não digo mais nada.

A minha vontade é que se não realise este meu vaticinio.

(O orador não reviu.)

O sr. Presidente: - Como não ha mais nenhum digno par que peça a palavra, vae votar-se.

Vae ler-se.

Leu-se na mesa o parecer que conclue pela approvação do projecto n.° 16, e foi approvado tanta, na generalidade como ha especialidade.

O sr. Presidente: - Eu tinha dado para a primeira parte da ordem do dia o parecer n.° 52; mas como a hora está adiantada, se a camara assim o entende, passâmos á segunda parte, e fica esse parecer para a primeira parte da ordem do dia de amanhã.

Tem a palavra, por parte da commissão de verificação de poderes, o digno par o sr. Ornellas.

O sr. Ornellas: - Mando para a mesa, por parte da commissão de verificação de poderes, o parecer relativo á eleição do sr. José Gregorio da Rosa Araujo, par eleito pelo collegio districtal de Lisboa.

Foi a imprimir.

ORDEM DO DIA

Discussão do parecer n.° 48, relativo ao "bill" de indemnidade

O sr. Presidente: - Vamos passar á segunda parte da ordem do dia.

Tem a palavra o digno par o sr. Vaz Preto.

O sr. Vaz Preto: - Sr. presidente, em má hora me cabe a palavra.

O assumpto tem sido muito debatido e a materia está esgotada, e para cumulo das minhas difficuldades, a camara ouviu hontem o sr. ministro da justiça pronunciar um discurso subtil, substancioso, elevado na fórma, é verdade, porem repleto de sophismas.

e é grande a honra que me cabe de responder a tão illustre parlamentar, não será menos difficil e espinhosa a tarefa. Felizmente n'esta notavel oração pullulam os sophismas, e como a verdade é uma só e os principios que eu sustento são liberaes e justos, embora minguados sejam os meus recursos parlamentares, a bondade da causa supprirá o resto.

Sr. presidente, tem o sr. ministro da justiça a seu favor eloquencia, erudição e uma dialectica sophistica; eu tenho apenas pelo meu lado a bondade da causa, os principios, e a verdade, que, sendo uma só, transparecerá em todo o seu brilho á luz da evidencia.

Sr. presidente, era intuito meu analysar profundamente o discurso do illustre ministro, discutir os seus pontos principaes, e fazer sobresair ante a attenção da camara os innumeros sophismas que n'elle ressumbram por toda a parte, não obstante é me vedada a satisfação deste desejo, que infelizmente não posso levar a cabo, porque s. exa. não está presente. Por esta circumstancia vendo-me na impossibilidade de responder ao sr. ministro da justiça, lembrarei comtudo á camara que na sessão de hontem demonstrei

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ante s. exa., que a parte principal do seu discurso, a que visava a justificar o seu decreto de imprensa, estava com pletamente em opposição ás opiniões que constituiam o credo politico do partido regenerador, e ás opiniões dos seus homens mais eminentes.

As opiniões sustentadas e defendidas hoje pelo sr. Lopo Vaz não são as do antigo partido regenerador, nem as do sr. Serpa Pimentel ha pouco mais de seis mezes, nem foram nunca perfilhadas pelo seu chorado chefe o sr. Fontes Pereira de Mello, que tez tanta falta ao paiz, ás instituições e sobretudo á monarchia.

Sr. presidente, das considerações que eu fiz hontem no curto e rapido espaço de tempo que me ficou da sessão, do confronto que fiz das doutrinas sustentadas pelos illustres caudilhos regeneradores com a doutrina que hoje evangelista , o sr. Lopo Vaz, resulta á evidencia que o partido que está hoje n" poder não é já o antigo partido regenerador, porque esse morreu, como muito bem disse o sr. Thomás Ribeiro; mas se alguem tivesse a mais leve duvida, e se convencesse que elle tinha ai mija fôlego e vida, perderia logo essa hesitação, porque o sr. Lopo Vaz vibrou-lhe o ultimo golpe com o seu decreto sobre a imprensa.

O partid1, pois, que ahi está, já não é o antigo partido regenerador, é outro inteiramente differente nos processos e uns fórmas, nas theorias e na pratica.

O methodo, o caminho que! está seguindo, é errado e nocivo ao systema que nos rege, e sobretudo ás instituições.

Os seus instinctos e tendencias suo visivelmente retrogradas e reaccionarias.

Sr. presidente, como no tenho a satisfação de ver hoje nos bancos" do poder o sr. ministro da justiça, vejo-me forçado a dar outra direcção ao meu discurso, e não me dirigir directamente a s. exa., por isso, &r. presidente, repito, em má hora me; coube hoje a palavra!

Antes, porem, do começar a modestas considerações que vou fazer, mandarei para a mesa uma representação das classes graphicas, que me foi enviada, para eu a apresentar n'esta camara já que estava com a palavra, e elle referir só ao assumpto que está na tela do debate.

N'esta representação as classes graphicas dirigem-se á camara do a dignos pares pedindo-lhe que atendam o protesto e que fazem contra a nova lei de imprensa, que veiu prejudicai1 os seus interesso, cercear-lhes os meios de subsistencia e crear-lhe novas dificuldades na vida, promovendo-lhe uma crise terrivel e temporosa.

Estas classe dirigem se á camara, dos dignos pares do reino porque este senado ainda lhes merece confiança.

Eu peço não só aos meus collegas, mas ao sr. ministro da justiça, que examinem com toda a attenção a representação, que está escripta em termos cordatos e serios, e reconhecendo que é de justiça o que n'ella se pede, se lhe faça aquillo a que aquellas classes têem direito.

Peço tambem a, v. exa., sr. presidenta, que consulte a camara se consente, que a representação seja publicada no Diario fio governo.

Sr. presidente, visto não, assistir á sessão de hoje o sr. ministro da justiça, a quem me cabia a honra de responder, vejo-me forçado a dar ao direcção nova ao meu discurso; não absolutamente no decorrer da discussão rebaterei ainda, em face dos principios, alguns das principaes proposições que s. exa. sustentou hontem.

Sr. presidente, em conformidade com o regimento começo por ler e mandar para a mesa a minha moção de ordem.

"A camara convida o governo a mandar o limite das despezas a fazer n'este anno economico com a defeza do paiz e passa a ordem do dia"

Sr. presidente, a situação precaria e difficil do thesouro a desorganissão das nossas finanças o desequilibrio orçamental, as difficuldades que o governo tevea contrahir ulitimamente e um emprestimo, aliás pequeno, de 9.000:000$000 réis, o facto da praça de Londres e de Paris estarem completamente fechadas ao nosso credito, um deficit de réis 10.000:000$000, e uma divida fluctuante sempre crescente, são rasões de sobejo para justificar a minha moção. Mas, se tudo Isto ainda não bastar, se não for sufficiente para justificar a minha moção, as reflexões que vou apresentar á camara, discutindo a materia que está na tela do debate, virão de reforço e justifical-a-hão completa e inteiramente.

Sr. presidente, o assumpto que se discute é o bill que o governo apresentou ao parlamento para ser relevado da responsabilidade em que incorreu praticando actos de caracter legislativo.

Estes actos podem ser considerados debaixo de dois aspectos.

Actos em que o governo violou artigos pura e essencialmente constitucionaes, e actos em que violou artigos que não são constitucionaes.

Os artigos constitucionaes, como v. exa. e a camara muito bem sabem, são aquelles de que falla o artigo 144.° que diz respeito aos limites e attribuições respectivas dos poderes politicos e nos direitos politicos e individuaes dos cidadão. O governo não respeitando as attribuições dos outros poderes, e invadindo e atacando os direitos individuaes do cidadão violou a constituir do estado em artigos evidentemente constitucionaes.

Violou o artigo 15.° da carta e §§ 10.° e 11.°, e o artigo 35.° § 2.º e o artigo 35.° de onde dimana o direito de associação e de reunião.

Pelo que respeita ao artigo l5.° § 10.° substituiu-se ás côrtes a quem compete fixar annualmente, sobre a informação do governo, as forças de mar e terra, ordinarias e extraordinarias, e auctorisou se, pondo de parte a doutrina do § 11.°, a contrahir emprestimos.

O governo fez mais do que isto, poz por tal fórma peias ao direito de reunião, e de associação, que o transformou numa verdadeira chimera. Esquece-se que estes direitos, dimanando da natureza humana, são absolutos, não são hyporheicos, são essenciaes na sociedade, e por isso sagrados e inviolaveis.

O governo não ficou só aqui. era tal o prurido de dictadura que até substituiu a camara dos senhores deputados no imposto do sangue, no recrutamento, quando é da iniciativa exclusiva d'aquella camara.

Em vista d'estas infracções, d'esta violação da carta na parte constitucional, a responsabilidade em que o governo incorreu, violando artigos constitucionaes, não póde ser relevadas pelas côrtes ordinarias, lato é da, natureza do systema que nos rege; são as prescripções da lei fundamental do estado.

Portanto, só côrtes constituintes poderão relevar o governo da grande resposabilidade em que incorreu na violação dos artigos constitucionaes que apontei.

Sendo isto assim, conclue se que o governo, se a camara approvar o bill, fica relevado apenas de uma parte da dictadura, d'aquella em que violou as leis e infringiu a constituição na parte que não era constitucional.

A outra dictadura fica de pé. O governo continua, pois, a substituir a constituição do estado e a ser dictador com o parlamento aberto, não fazendo caso algum d'elle!

Ante factos d'esta ordem o systema parlamentar desapparece, não existe.

Isto quer dizer que o governo ha de fazer tudo quanto quizer, porque não tem responsabilidade politica nem criminal.

Esta é a verdade, posto que seja triste e bem triste a realidade. A situação. do parlamento n'estas condições é deploravel, e mas do que isto; aviltante. O parlamento, fica sem força, fica pendo uma chancella vergonhosa do governo. O governo, repito, póde fazer e fará... tudo quanto quizer, que não tem responsabilidade politica, nem criminal.

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Pois, que responsabilidade lhe hão de exigir as maio rias que elle elegeu? Não tem responsabilidade criminal, porque infelizmente não ha, nem existe no nosso paiz, embora a constituição mostre a conveniencia e a necessidade de ella existir, uma lei que regulo a responsabilidade ministerial, pois que sem essa lei o systema parlamentar é uma ficção.

A este respeito, sr. presidente, dizia o gr. Costa Lobo e dizia muito bem e sensatamente, que nós não temos o systema parlamentar, que estamos em pleno cezarismo. E por isso mesmo que é necessario attender aos principios, ás idéas, á doutrina sustentada por Fontes Pereira de Mello, o qual dizia que, nos paiz"s onde existe o verdadeiro cezarismo, onde os governos têem sempre maiorias, onde não ha responsabilidade ministerial, é de absoluta necessidade a ampla liberdade de imprensa.

Não é esta hoje a opinião do sr. Serpa, não é esta a opinião do governo actual, mas era a do illustre chefe do pai tido regenerador.

O governo fez duas dictaduras,, uma antes das eleições, outra depois, proximo á abertura do parlamento.

As theses que eu me proponho demonstrar á camara, são que ambas estas dictaduras eram desnecessaria; que a primeira é prejudicial e perigosa para o paiz; e que se o .governo usar das auctorisações que se deu a si proprio, se lhe der toda a amplitude, conduzir-nos-ha fatalmente á bancarota; que a segunda é anti-patriotica e anti-liberal, e mais do que isso, affrontosa para a nação, para o parlamento e sobretudo para as actuaes maiorias.

São estas as duas proposições que me proponho demonstrar á camara.

Sr. presidente, emquanto á primeira, a prova de que era desnecessaria esta nos factos, são elles que attestam e justificara a minha asserção, tão desnecessaria era esta dictadura que todos os decretos que o governo publicou para defeza do paiz nem um só foi posto ainda em execução.

A camara está aberta ha uns poucos de mezes, o parlamento está proximo a fechar-se, já acabou a sessão ordinaria, e o governo não poz ainda era execução esses decretos; isto quer dizer, sr. presidente, que se o governo respeitasse as praxes constitucionaes, se tivesse amor pelo systema representantivo e pelo parlamento, o governo, em logar de assumir uma dictadura que não era necessaria nem urgente, teria vindo ao parlamento pedir esta auctorisação, que de certo lhe não seria negada, por isso mesmo que tem maioria nas duas casas do parlamento.

Sr. presidente, desde o momento que o governo até agora não poz em execução os seus decretos, é porque nenhuma necessidade impreterivel os reclamou, ficando assim demonstrado á evidencia que a primeira das dictaduras foi desnecessaria.

Disse o sr. Antonio de Serpa que estes decretos não foram ainda executados, mas que estavam era via de execução; que tinham sido nomeadas algumas commissões, que tinham sido ouvidas as estacões competentes sobre a acquisição de navios, material de guerra e compra de torpedeiros etc, que tinha sido ouvida a commissão de defeza de Lisboa e seu porto, sobre fortificações e obras a fazer.

V. exa. e a camara vêem a fraqueza e futilidade d'estes argumentos! Pois o governo não podia fazer tudo isto independentemente da auctorisação especial que se deu? Pois não está nas attribuições dos governos, não é costume e praxe informarem se primeiro do que é necessario fazer, para apresentarem depois ás côrtes os projectos respectivos?

É da natureza das cousas, é da natureza das funcções que os governos exercem, poderem, sem auctorisação do parlamento, fazer estudos e colher esclarecimentos.

Já v. exa. e a camara ficam sabendo que, em vista dos argumentos apresentados pelo sr. presidente do conselho, unicos para justificar a dictadura, fica completamente demonstrada a desnecessidade d'esta dictadura é provada uma das minhas proposições.

Agora, sr. presidente, vou demonstrar que a primeira dictadura, a que diz respeito á defeza do reino, é prejudicial e perigosa, e que se o governo usar das auctorisacões que se conferiu n'esses decretos, em toda a plenitude, conduzirá fatalmente o paiz á ruina e á bancarota.

Sr. presidente, qual foi o motivo que determinou o governo a decretar estas providencias?

Segundo aqui ouvi ao sr. presidente do conselho e ao sr. ministro da justiça, foi a exaltação patriotica, foi a presumpção de que, depois da offensa, da affronta que tinhamos recebido da Inglaterra, a guerra era inevitavel e estava minimamente. Por consequencia, o sr. Serpa e o sr. Lopo Vaz entenderam que deviam publicar aqueles decretos para acalmar a excitação popular e preparar e armar o paiz para a hypothese da guerra.

Mas o sr. Serpa e o sr. Lopo Vaz disseram tambem aqui que a hypothese da guerra era inadmissivel, e eu, que n'esta parte estou completamente de accordo com s. exas., direi a rasão porque: porque infelizmente uma nação pequena como Portugal, não póde nunca fazer valer os seus direitos, desde que não tem por sua parte a força.

Ora, sr. presidente, se a hypothese da guerra era inadmissivel, já, v. exa. vê que estes decretos, trazendo augmento de despeza muito consideravel, vão por certo aggravar a nossa situação financeira, que é má, pois temos um deficit de 10.000:000$000 réis e uma divida fluctuante enorme, sempre crescente. N'esta conjunctura diffcil e precaria, é claro que as medidas do governo trarão um aggravamento enorme ás nossas condições financeiras que cada dia reclamam o maior cuidado, estudo e moderação nas despezas.

Sr. presidente, desde o momento que estas despegas enormes e exageradas se tornam escusadas por ser inadmissivel a hypothese da guerra, é um contrasenso do governo fazel-as. E uma falta, um erro, um crime mesmo de lesanação. É a ausencia completa de patriotismo.

Estas despezas enormes vão augmentar o descquilibrio orçamental, apesar do gravoso imposto dos 6 por cento addicionaes, que sei á apenas uma gota de agua no oceano. Portanto para demonstrar que a primeira dictadura é perigosa e prejudicial para o paiz.

Só o governo fizesse uso completo das auctorisações, isto é, se gastasse o necessario para a defeza completa do paiz, teria de pedir emprestados os recursos para occorrer a es sãs despezas collossaes, e ou não encontraria quem lhe emprestasse, e n'esse caso seguiria fatalmente a sua sorte, ou se encontrasse não poderia pagar, sendo a consequencia necessaria a bancarota, e em seguida a perda da nossa autonemia.

Já se vê pois, que a primeira dictadura alem de desnecessaria, é porigosa, e conforme o uso moderado ou imoderado que o governo fizer d'ella, assim ella será só prejudicial, ou ruinosa para o paiz, conduzindo-nos não só á bancarota mas á perda da nossa autonomia.

Sr. presidente, supponha v. exa. a hypothese de que o nosso credito lá fóra era grande, e tão grande que tinhamos quem nos emprestasse em boas condições esses centenares de milhares de contos indispensaveis para o defeza do paiz, supponhamos que eu; seguida o paiz estava completamente armado e defendido, com tudo o necessario com todos os torpedos, com todas as bocas de fogo, todos os portos artilhados, não só os de Lisboa e Porto, mas todos os do paiz, e com um exercito e marinha respeitaveis.

Ainda assim, Portugal estaria á mercê de qualquer nação poderosa, e muito principalmente da Inglaterra. Qualquer nação de primeira ordem, sem queimar uma escorva nem perder um soldado reduzir-nos-ia aos ultimos extremos.

Para isso bastava apenas bloquear os nossos portos,

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tomar as nossas possessões ultramarinas, impedir e paralysar o nosso commercio. Sr. presidente, reduzidos á miseria, levados á ultima extremidade, por mais santo que tosse o nosso direito, e justas as nossas reclamações, desde o mo-mento que não tinhamos a força, seriamos o joguete do mais forte, e riscados do mappa da Europa, embora o direito das gentes, e os principios humanitarios protestassem contra o attentado, a Europa ou olharia de braços crusados e com indifferença para o nosso esphacelamento, ou desprenderia os braços para ajudar a rasgar a tunica do povo altivo e heróico, cujo passado e tradições gloriosas são immorredouras, cujos feitos assombraram todo o mundo, e cujas conquistas para o commercio e civilisação ainda ahi estão potentes a todos.

Desenganem-se e fiquem reconhecendo para sempre que emquanto no concerto europeu das nações não existirem tribunaes especiaes que resolvam os pleitos internacionaes, os pleitos das nações entre si, sem attender á sua grandeza e poder, da mesma forma que se resolvem os pleitos entre cidadão e cidadão, nenhuma nação pequena terá garantias de independencia, nem poderá fazer respeitar os seus direitos e a sua justiça, porque o que prevalecerá será a força.

Sr. presidente, o principe de Bismarck dizia: La force primo le droit. Tinha rasão. Vê-se que conhecia o mundo como elle é. Se fosse o que devia ser, a sentença de Bismarck seria substituida por est'outra: Le droit prime la force. Infelizmente, o que nós estamos vendo todos os dias é que: La force prime le droit. E por isso que eu quero o que deve ser; é por isso que eu sustento, que esta minha aspiração, aspiração tambem de todas as nações pequenas, j amais se realisará sem os tribunaes especiaes a que me referi, e a que toda a Europa preste respeito, homenagem e acatamento. e

Emquanto, pois, as differentes questões internacionaes não forem resolvidas perante estes tribunaes especiaes, as nações pequenas hão de sempre estar á mercê da força e das prepotencias, e servirão de ludibrio ás mais poderosas.

Esta minha asserção está confirmada por factos historicos de todos os tempos e de todas as epochas.

A historia bem claramente patenteia o que acabo de dizer e affirmar.

Basta que os srs. ministros olhem para o passado e façam uma pequena analyse de alguns dos factos occorridos, das calastrophes que riscaram algumas nações do mappa da Europa depois de opprimidas, esmagadas e humilhadas.

Pois não sabem todos o que aconteceu á patriotica e heróica Polonia? Não viram todos como o direito das gentes foi posto de parte, os principios humanitarios calcados aos pés por nações poderosas, insolentes e despoticas? Não viram como essa nobre e valente nação, abandonada e en(rogue ao seu destino, foi esmagada por tres poderosissimas nações da Europa, não obstante os seus heróicos esforços e os seus ultimos arrancos de admiravel patriotismo? Não vimos corno, por fim, reduzida á miseria, tendo soffrido todas as humilhações e prepotencias, desterrados os mais benemeritos dos seus filhos, perdeu a autonomia?

A Polonia era uma nação que tinha a sympathia de toda a Europa, e todavia foi esmagada, retalhada e dividida e a raça dos seus habitantes, a puritana, tem sido massacrada e expatriada, depois de lhe confiscarem os bens. Hoje n'aquella região o menos que se encontra é a raça polaca!

Mas são mais edificantes os factos contemporaneos das ultimas guerras na Europa.

V. exas. não viram tambem na ultima guerra entre a Austria e a Prussia, que a Prussia venceu e destrui a confederação germanica, e, depois de esmagar e aniquilar os pequenos estados que a constituiam e que pagaram as contribuições de guerra que lhe foram impostas, a mesma Prussia, firmando-se na força, incorporou-os na nação e constituiu a Allemanha, sem lhe importar com as ligações que aquelles estados tinham com a Austria, nem com os seus desejos e interesses?

Ainda aqui Ia force prime le droit.

A Prussia como mais forte impoz-se, a Austria como mais fraca cedeu, e a victima expiatoria foram os pequenos estados.

Ao menos aquelles estados tiveram a vantagem de pertencer a uma grande nação como é a Allemanha. Ha outro facto mais frisante, que tem mais relação com o nosso estado de cousas e que mostra bem o que é a Inglaterra quando se diz ser fiel alliada. Não se lembram todos tambem do que succedeu á pequena Dinamarca, a esta nação briosa que vivia socegada, que não inquietava ninguem, que era um modelo no seu regimen interno e que praticou na sua resistencia a duas nações poderosas grandes prodigios de valor?

A Dinamarca, invadida e atacada pela Austria e Prussia, que tinham por si a força, e sem que desse motivo áquella agressão brutal e violenta, teve de ceder á força, perdendo os ducados de Sleswig e Holstein. Resistiu porque se fiou na sua fiel alliada a Inglaterra, perdidos os ducados resistiu ainda, porque ainda acreditou nas palavras fementidas da sua fiel alliada. Mas para a fiel alliada nunca chegou o casus foederis. A Inglaterra indicou qual era o Rubicon n'este conflicto para a Prussia e a Austria: estas nações passaram-o sem contemplação, nem attenderam a protestos de qualidade alguma, e a Inglaterra não se mexeu, consentio que o povo pequeno perdesse ainda grande porção de territorio dinamarquaz e pagasse uma contribuição de guerra. Roubaram miseravelmente esta pequena e heroica nação, e a Prussia, não contente, apossou-se ainda de Kiel, importantissimo porto de mar, e a Inglaterra por medo, ficou indifferente a tudo porque le droit prime La force. A nós tambem nos havia de succeder o mesmo que succedeu á Dinamarca, e que tem succedido a outras nações pequenas, quando ameaçadas por nações poderosas, se tentássemos resistir loucamente.

Desde o momento que o direito e os interesses das nações, desde o momento que os pleitos de todos os povos não forem resolvidos por tribunaes especiaes da mesma forma que são resolvidos os pleitos dos cidadãos, havemos de estar sempre á mêrce dos paizes poderosos, e da força.

Não podemos confiar na Europa, nem nos seus principios humanitarios, nem no direito das gentes. A Europa segundo o seu costume, cruzará os braços, embora a justiça esteja do nosso lado; deixar-nos-ha com a maxima indifferença riscar do mappa das nações. Sr. presidente, visco que ninguem póde contestar o que eu acabo de affirma?, a conclusão que tiro é que os srs. ministros, para serem verdadeiramente patriotas, devem pôr de parte os decretos a que me tenho referido, decretos que são prejudiciaes e perigosos para o paiz, decretos que, dadas certas circumstancias, podem conduzil-o á ruina, á bancarota, e em seguida á perda da sua autonomia. Está pois provada a minha these emquanto á primeira dictadura. O governo o que tem hoje a fazer é pôr de parte despezas que não são impreteriveis e que são adiaveis, e lançar a sua vista e attenção para a administração publica, equilibrar a receita com a despeza, e ao mesmo tempo introduzir na gerencia dos negocios e haveres da sociedade o regimen da moralidade e da economia.

Serão estes, sr. presidente, os fortes blindados, as verdadeiras fortificações, que melhor defenderão qualquer paiz pequeno. Nós precisâmos muito tico, circumspecção e economia nos governos que estiverem á frente da administração do estado. A crise é difficil e temerosa, e para a vencer e debellar é mister que os governantes e o paiz se unam no mesmo pensamento, e que o povo confie n'aquelles que o governam e dirijem. Nós estamos em circumstancias muito excepcionaes, e por isso precisâmos de um governo tambem excepcional, que saiba gerir os negocios publicos, era

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conformidade com os nossos teres e com os nossos recursos.

Precisâmos um governo á altura da gravidade das circumstancias, que, compenetrando-se bem da nossa situação, faça entrar na ordem e no regimem regular a administração publica, que tem estado e está num perfeito cahos. Precisâmos sobretudo fazer entrar a administração da fazenda publica n'um periodo regular, e equilibrar as receitas com as despezas, de fórma que possamos viver com os recursos que temos, sem incommodar, nem recorrer ás praças estrangeiras.

Para conseguir este fim, precisamos dos esforços de todos, sem excepção.

É assim, sr. presidente, que nós seremos dignos da estima das nações, que attentarem na nossa actividade, no nosso bom regimen, e na economia e moralidade que presidir a todos os autos do governo. Assim a nossa autonomia terá rasão de ser e será respeitada pelas outras nações da Europa.

Se, pelo contrario, nos lançarmos em aventuras e em despezas loucas, se contrahirmos enormes emprestimos, e não pagarmos os encargos a que elles nos obrigarem, se esgotarmos as fontes de receita, a bancarrota é inevitavel, e seremos expropriados por utilidade publica.

Sr. presidente, eu preferia perder a independencia, tendo pelo nosso lado o direito, a justiça e as homenagens dividamente prestadas ao nosso zêlo e actividade, esmagado pela forca ante a indifferença da Europa, que, não obstante o direito das gentes e os principios humanitario nos deixava esmagar, mas levar ainda a camisa vestida, do que perder a independencia pelo desvarios e loucuras, desperdicios e prodigalidades dos nossos governantes; não me refiro a este governo, nem a governo algum em especial, refiro-me em geral á entidade governo. Repito, preferia antes perder a autonomia honrosamente, levando ainda a camisa intacta, do que perdei a vergonhosamente, e ir sem camisa, ou com ella completamente rasgada e com a pelle a escorrer sangue.

Eu acho, sr. presidente, que o governo prestaria n'este momento um bom e relevante serviço, só pozesse de parte esses decretos, e não se servisse d'elles por que são inuteis o desnecessarios.

O governo não tem necessidade de fazer despezas loucas, faça as estrictamente necessarias, as que não são addiaveis e impreteriveis. Use d'essas auctorisações com moderação, use, sem se alargai demasiado, da que se refere á reorganisação do exercito, porque ainda que custe mais algumas dezenas de contos, satisfaz a uma necessidade palpitante.

Ou se tem ou se não tem exercito.

Se se tem, é necessario que elle satisfaça a sua missão. De outra forma seria fazer despezas improdutivamente e sem utilidade real.

Emquanto ás outras despeza?, verdadeiramente loucas, sob pretexto da defeza do paiz, que continuará indefezo, despezas que aggravarão as circumstancias criticas do thesouro, e peior do que isso, as nossas finanças, ponha-as comple-tamente de parte.

Não use das auctorisações concedidas n'aquelles decretos. Se o governo quer defender o paiz, de lhe boa administração, dê-lhe moralidade e procure-lhe salutares e leaes allianças. Nós ainda temos muito que dar. Se nos hão de roubar as nossas possessões é melhor cedel-as a quem nos ajudar a defender. Uma alliança com Hespanha e sobretudo com os Estados Unidos está indicada.

Sr. presidente, parece-me que a primeira preposição que me impuz demonstrar, a deixei clara e precisamente demonstrada.

Passarei agora á segunda dictadura,

Eu affirmo que a segunda dictadura foi antipathica e anti-liberal, e e affrontosa para o paiz, para o parlamento e para as actuaes maiorias, sobretudo.

Foi anti-patriotica e anti-liberal, por que restringiu as liberdades publicas e individuaes e atacou os direitos sacritissimos dos cidadãos, os direitos de reunião e de associação, direitos indispensaveis ao homem para resolver o seu fim social e individual.

Esta proposição que tem sido demonstrada pelos illustres oradores que me precederam, fica clara e definida e demonstrada até á evidencia, pelas doutrinas professadas por dois homens eminentes do partido regenerador, o sr. Serpa e Fontes.

Eu não cessarei, pois, de recordar á camara o que dizia

o sr. Serpa, no artigo que escreveu ha pouco mais de seis mezes, e o sr. Fontes no discurso que proferiu em 1850.

Sr. presidente, a lei de imprensa actual corresponde á antiga lei de 1850, chamada lei das rolhas!

Que retrocesso! Voltamos ás perseguições ominosas de 1850 e annos anteriores! Cousa notavel! Quem promulga esta lei é o sr. Serpa, que ainda ha pouco mais de seis mezes escrevia e sustentava que a ampla liberdade de imprensa era uma necessidade inevitavel: que era a atalaia que vigiava constantemente os desmandos e desregamentos dos poderes publicos e dos governos; que sustentava que não podia haver meio termo: ou a ampla liberdade ou a mordaça; que a mordaça conduzia inevitavelmente á revolução, e que para a evitar era necessario ter valvulas de segui anca abertas, respiradouros por onde podessem expandir-se as ruins e boas paixões de elementos irrequietos, acrescentava mais, que d'esta expansão não havia nada a receiar, porque se porventura, os desordeiros saissem fóra da esphera que lhes está marcada, lá estavam os tribunaes para punir os criminosos.

Esta era a doutrina professada pelo illustre presidente de ministros o sr. Serpa Pimentel, professada e defendida por s. exa. ainda em dezembro de 1889. Note a camará: a doutrina de Fontes era ainda mais decisiva, e felizmente os principios são os mesmos que nós, o porto franco, este grupo de unionistas, temos sempre defendido e evangelisado.

O sr. Fontes entendia, como nós entendemos, que no regimen parlamentar onde não ha lei de responsabilidade ministerial, a ampla liberdade da imprensa é uma necessidade para corrigir as demasias do governo. Fontes entendia, como nós sempre temos entendido, que as demasias da imprensa se corrigem pela propria imprensa e que a liberdade de imprensa deve ser mantida em toda amplitude, porque só se arreceiam d'ella os corruptos., os immoraes, aquelles que não cumprem os seus deveres; Fontes entendia, como nós, que os governos que estão resolvidos a ser correctos e dignos e a proceder dentro da esphera da sua auctoridade, não podem nem devem ter receio da liberdade de imprensa; que essa liberdade era uma necessidade para os evitar e para lhes corrigir os abusos, sobretudo quando não ha lei da responsabilidade ministerial. Fontes entendia, como nós, que o artigo 145.° da carta constitucional deve ser religiosamente respeitado; que o pensamento do homem, manifestado quer de viva voz, quer por escripto, seria inutil, e não preencheria o fim sem a liberdade; que os direitos de reunião e do associação, que são direitos naturaes, absolutos e sociaes, porque dimanam da natureza humana e do indispensaveis á realisação dos fins humanitarios e da sociedade, seriam pura chimera sem a plena liberdade.

Fontes entenderia, como nós, que a dictadura sustentada pelo actual gabinete atacando os direitos do parlamento, escarnecendo as attribuições constitucionaes, e não respeitando os direitos iudividuaes e pessoaes dos cidadãos, direitos que devem ser sacratissimos e inviolaveis, é anti-liberal e anti-patriotica, e mais do que isso, é retrograda.

Fontes entendia, como nós entendemos, que a manifestação do pensamento é um direito sacratissimo, derivado da natureza humana e que consubstanciado com ella exista fatalmente, mas que lhe é indispensavel a liberdade, que

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esse direito seria irrealisavel, não produziria os seus fructos se não fosse acompanhado da liberdade de imprensa, de associação e reunido. Direitos estes que pela constituição são inviolaveis. Pôr peias á sua execução é impedir que o homem social use dos meios que tem á sua disposição para conseguir e realisar o seu fim. Por isso, muito bem affirmava o sr. Serpa que a liberdade de imprensa é inevitavel e que devia sor ampla.

Por estas rasões a segunda dictadura foi anti-liberal, anti-patriotica, assente em principies reaccionarios e retrogrados.

Sr. presidente, eu vejo e noto que o sr. Hintze Ribeiro está tomando apontamentos, e muito estimo, porque desejava que s. exa. me dissesse quaes são hoje as idéas do partido regenerador e os principios de s. exa. a este respeito.

Pelas rasões que expuz e por outros motivos, numa das ultimas sessões o sr. Thomás Ribeiro affirmou que o partido regenerador tinha desapparecido com o sr. Fontes, e como eu vejo hoje sentado n'aquellas cadeiras um grupo de homens que seguem doutrina diametralmente opposta, e como eu vejo que o proprio sr. presidente do ministerio actual teve de renegar das suas idéas para vir presidir a este governo, creio que o digno par o sr. Thomás Ribeiro tem rasão na sua affirmação, de que o partido regenerador já não existe.

Sr. presidente, o partido regenerador já não existe, morreu, esse que ahi está segue outro trilho, professa outros principios. Os seus actos decididos e de energia são de verdadeira audacia. Não se dotêm ante os decretos sacrilegos das dictaduras, nem ante as leis, nem ante a constituição do estado.

sendo assim, eu desejava fazer uma pergunta aos meus collegas a respeito da ultima dictadura; eu perguntaria a s. exas. se admittem a possibilidade de haver um governo tão audaz e tão pouco escrupuloso, que, estando proxima a abertura do parlamento, faltando apenas alguns dias para se abrir, pozesse de parto as praxes, as formalidades, os principios e o systema, e em plena paz e socego, sem necessidade alguma, com a maior indifferença, assumisse a dictadura, e se substituisse ao parlamento para promulgar decretos que atacavam direitos naturaes, absolutos e pessoaes, para promulgar os odiosos decretos contra a imprensa, contra o direito de reunião e de associação?!!

Pergunto a s. exas. se não estão assombrados da audacia do governo assumindo a dictadura na proximidade da abertura do parlamento, quando o povo de Lisboa e o paiz estavam completamente socegados?! E para que? Para violar integralmente o artigo 145.° da carta constitucional?!!

Este facto é para mim o suprasumo da audacia, porquanto esta dictadura era desnecessaria, não tinha rasão alguma de ser. Este rasgo de atrevimento produziu exactamente os effeitos que eu esperava, isto é uma guerra surda, tenaz e constante ao governo e ás instituições.

Sendo esta dictadura tão absurda, tão extravagante e tão extraordinaria, não se póde comprehender que o governo praticasse um acto desta ordem, sem que houvesse algum motivo imperioso que o determinasse!

Não se póde admittir que o governo praticasse um acto tão extraordinario, tão fora dos costumes e das praxes, na proximidade- de só abrir o parlamento, sem rã são ponderosissima que o determinasse!

Qual foi esse motivo occulto, qual foi essa rasão ponderosissima? Qual foi a causa instante que exerceu pressão sobre o animo do governo, e que o levou a proceder por aquella fórma e modo?

A causa não póde ser outra senão o resultado das eleições em Lisboa.

O partido progressista e o republicano colligaram-se, e d'aqui resultou a derrota completa do governo.

Esta derrota traduzia e revelava a fraqueza do governo, e mostrava que elle não tinha força nem prestigio. O governo quiz, pois, fazer persuadir ao paiz o contrario. Para o conseguir abusou da inexperiencia e boa fé do monarcha, lovou-o a conceder-lhe a nova dictadura que elle inconvenientemente assumiu, em logar de reconhecer e considerar a manifestação do municipio de Lisboa, como ella na, realidade era, um favor, um serviço grande prestado á crôa.

A desforra, o desabafo, o aviso salutar do minicipio de Lisboa foi deturpado pelo governo, que fez acreditar ao monarcha que os inimigos das instituições cresciam, pululavam com o auxilio dos partidos legaes, e que era necessario á sua marcha, prompta e rapida, pôr-lhe um dique Com medidas repressivas e immediatas; que era necessario mostrar á nação que o Rei estava completamente identificado com o governo.

O governo esqueceu-se, em proveito seu mas em detrimento do paiz, de que no regimen representativo o Rei não tem partidos, e que o governo pessoal é um erro e traz responsabilidades enormes, e ás vezes calamidades inevitaveis.

O governo quiz fazer persuadir ao Rei, e nisso andou mal e muito mal, que o acto praticado pelo partido progressista era um acto praticado contra a pessoa d'elle, e de guerra ás instituições, e que o partido progressista seguia já n'aquelle trilho.

O ministerio tinha obrigação de se occupar mais com os interesses, do paiz e do Rei, do que com os seus, e por isso tinha obrigação de fazer ver ao Rei o que era e significava a colligação do partido progressista com o republicano, e não o illudir como illudiu.

A colligação do partido progressista com o republicano foi um alto serviço prestado á corôa.

O partido progressista, desviando os elementos republicana do campo da revolução e trazendo-os para. o campo da discussão, onde não fazem mal, como v. exa. e a camara têem visto até hoje, praticou um relevante serviço á monarchia e ao paiz; mas não o entendeu assina o governo, que preoccnpando-se mais com a politica partidaria, fez ver o contrario ao Rei. Abusou, repito, da sua boa fé e inexperiencia.

O sr. Antonio de Serpa, se havia de aproveitar a occasião, como presidente de conselho, para remediar o erro que praticou na organisação do actual ministerio, se havia de receber como aviso salutar a manifestação do municipio de Lisboa, não o fez, respondeu lhe com uma provocação insolita!

Sr. presidente, a grande victoria eleitoral da colligação republicana e progressista era Lisboa, significava, nem mais nem menos, o desgosto do municipio de Lisboa, por ver a fórma e o modo como se tinha organisado o ministerio que succedeu ao pai tido progressista.

O municipio de Lisboa entendeu, que, sendo a questão da Inglaterra uma questão nacional altamente patriotica e de todos os partidos, deviam estes colligarem-se e unirem se como um só homem, antes os males e revezes da patria, para resolver a questão digna e honradamente.

A aspiração do municipio de Lisboa era nobre e elevada, e antevia para um caso d estes um ministerio de conciliação, em que entrassem homens de todas as procedencias e partidos, não excluindo o elemento republicano.

O sr. Antonio de Serpa não quiz proceder assim, entendeu que tinha homens no seu partido á altura da crise, e organizou o ministerio que ahi está. Se não teve a rasão offuscada, parece me que deve já estar convencido que se enganou.

Tem homens de talento no seu partido, não o nego, mas n'esta conjunctura o que pedia a opinião publíca, que se publica e que não se publica, o que pedia o paiz inteiro, e sobre tudo o bom senso, é que, havendo urna questão nacional para resolver, o ministerio fosse organisado á al-

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tura da gravidade das circumstancias, que se organisasse um ministerio nacional com a representação de todos os partidos. Não o entendeu assim o sr. Serpa e o resultado foi a manifestação altamente significativa do municipio de Lisboa, por occasião das eleições de deputados; e consequentemente foi o governo achar-se sem força, sem prestigio e rodeado de difficuldades, dentro e fora do paiz.

Sr. presidente, o sr. Antonio de Serpa devia ter comprehendido o que significava aquella manifestação e aproveitar a occasião para remediar o erro que praticou, se ainda era tempo.

Não o fez, não reconheceu o seu erro, e em logar de dizer ao Rei toda a verdade, illudiu-o, abusando da sua inexperiencia e boa fé, fez-lhe ver e acreditar que eram os inimigos das instituições que se uniam, que tomavam grande incremento e que por consequencia eram necessarias medidas energicas e repressivas: quer dizer, levou o Rei a lançar a luva ao povo, repto este que fatalmente produziu, e produz o alastramento da propaganda republicana por todo o paiz.

A provocação nesta occasião fez crescer a onda republicana.

Creia o augusto chefe do estado que estes actos do governo têem feito mais republicanos do que fez a eleição de Lisboa.

Sr. presidente, creia v. exa. que o governo por esta forma e com estes actos fez grande numero de republicanos, e que esta é que é a proficua propaganda republicana: O governo, com o seu egoismo, é possivel que seja momentaneamente util ao seu partido, mas é prejudicial ao paiz, ás instituições e á dynastia, e sobretudo ao actual monarcha.

Se El-Rei não tem quem lhe falle a verdade desassombradamente, ouça e note estas minhas palavras, que são filhas de sentimentos patrioticos e livres de interesse.

Sr. presidente, as coligação do partido progressista com os republicanos era natural e racional. Eu não defendo o partido progressista, nem elle o precisa, mas assim se me afigura aquelle acto.

Nos governos representativos, a coligação de diversos elementos, ainda os mais oppostos em principios, são factos recentes e de todos os dias. O parlamento deve ser a photographia do paiz, e para o ser devem n'lle estar representados todos os partidos.

É ali, no campo da discussão seria e instructiva que elles não fazem mal, e podem concorrer para o bem.

E sempre da discussão seria, que nasce e se apura a verdade. Os progressistas, apoiando os republicanos, em logar de ferirem a corôa prestaram-lhe um relevante serviço.

E esta sinceramente a minha opinião.

Sr. presidente, parece-me ter demonstrado as proposições que me encarreguei de demonstrar. Varrida, pois, a minha testada e lavrado o meu protesto contra o procedimento do governo, que atacou e violou a carta constitucional, vou entrar noutra ordem de considerações mais precisas e concernentes a determinados assumptos.

Vou tratar de assumptos mais positivos, que se referem a decretos de dictadura recentemente promulgados, e sobre os quaes entendo que o governo tem obrigação de dar explicações claras e categoricas para a camara saber e conhecer o alcance das auctorisações que vae confirmar.

Não vejo o sr. presidente do conselho, apesar de o ter prevenido hontem de que faria tenção de me dirigir a s. exa., e por isso pedi a sua comparencia, corno, porem, não está presente, não tenho remedio senão dirigir-me aos srs. ministros que estão e mandar por escripto a s. exa. as perguntas que vou fazer, e para as quaes não prescindo da respostas precisas e categoricas, dadas pelo sr. Antonio de Serpa em qualquer das sessões que se seguirem.

Sr. presidente, sobre as perguntas e considerações que vou fazer, espero que, n'uma outra sessão, o sr. presidente do conselho venha dar explicações categoricas antes de votado o bill, pois por essas explicações se poderá reconhecer o valor da infracção que o governo praticou.

V. exa., sr. presidente, sabe perfeitamente que dentre os decretos que se publicaram, tendentes á defeza do paiz, o governo considera como uma necessidade inadiavel o que diz respeito á reorganisação do exercito.

O governo assim o entendeu, e promulgou o decreto n.° 2, que diz:

" Attendendo ao que me representaramos ministros e secretarios d'estado de todas as repartições: hei por bem decretar o seguinte:

" Artigo 1.° É o governo auctorisado a proceder á reorganisação do exercito, em harmonia com as seguintes bases:

" l.ª Remodelar a constituição das diversas armas e serviços do exercito de accordo com as necessidades da defeza do paiz, aproveitando convenientemente os quadros existentes, quando não seja necessaria a sua ampliação, e cuidando-se devidamente da situação e futuro dos officiaes, officiaes inferiores e mais praças;

" 2.ª Augmentar o contingente annual, reduzindo pelo modo mais conveniente o tempo effectivo do serviço nas fileiras;

" 3.ª Modificar a organisação da segunda reserva, ministrando-lhe a instrucção necessaria;

" 4.ª Cuidar devidamente da instrucção das differentes armas e serviços do exercito;

" 5.ª Attender convenientemente á distribuição da força publica;

" 6.ª Transformar a escola pratica de infanteria e cavallaria em duas escolas independentes para as respectivas armas;

" 7.ª Estabelecer carreiras de tiro em todas as localidades onde estejam aquartelados os differentes corpos do exercito, e em geral nas sedes dos districtos de recrutamento e reserva, a fim de se poder adextrar no tiro, não só as forcas do exercito activo, e das reservas, como tambem os individuos da classe civil que o desejarem;

" 8.ª Melhorar e completar os armamentos das diversas armas do exercito;

" 9.ª Reformar as escolas destinadas á instrucção dos officiaes inferiores.

" Art. 2.° Fica do mesmo modo o governo auctorisado a fazer na lei do recrutamento as alterações indispensaveis para tornar effectivas as disposições que forem adoptadas no desenvolvimento das bases constantes do artigo 1.°, e para a mais exacta e equitativa distribuição do imposto de sangue.

" Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario."

Sobre este decreto n.° 2, mando as seguintes perguntas para me serem respondidas pelo sr. ministro da guerra. Mando tambem outra pergunta, que se refere ao decreto n.° 3, de 20 de março. A essa poderá responder o sr. Hintze Ribeiro:

l.ª pergunta. Qual é o pensamento do governo ácerca da nova reorganização do exercito?

2.ª Quaes são as bases dadas por s. exa. á commissão para a reorganisação do exercito?

3.ª Quer o governo a reorganisação sobre a base de 1884, ou sobre a base de qualquer outra organisação dos exercitos europeus?

4.ª Pela nova reorganisação qual é a força em pé de paz e em pé de guerra?

5.ª Qual é a despeza que o governo auctorisa para o exercito reorganisado? Emquanto a mais calcula s. exa. que custará esta reforma?

6.ª Qual é o pensamento do governo ácerca da situação e futuro dos officiaes, officiaes inferiores e mais praças?

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7.ª Qual é o limite maximo do contingente effectivo annual?

8.ª Qual é o pensamento do governo ácerca das alterações que pretende introduzir na lei do recrutamento?

9.ª Acceita o governo a proposta do sr. D. Luiz da Camara Leme ácerca das incompatibilidades dos pares e deputados?

O sr. ministro da guerra declarou, aqui na camara, que, entendendo o governo ser de necessidade absoluta a reorganisação do exercito, se tratou desse assumpto em conselho de ministros, e que já foi resolvida a reorganisação do exercito, em conformidade com o decreto a que me referi.

Ora, á primeira e segunda perguntas talvez o sr. ministro dos negocios estrangeiros ou qualquer dos outros srs. ministros presentes possa responder, visto que a questão foi tratada em conselho de ministros. As perguntas são as seguintes:

Qual é o pensamento do governo a respeito da reorganisação do exercito?

Quaes são as bases que o governo deu á commissão, para sobre ellas lhe apresentar um trabalho feito?

Eu insto nesta segunda pergunta, porque o sr. presidente do conselho declarou na camara que não tinha dado bases algumas á commissão, a não ser aquellas que constam do projecto que se discute. E como eu tenho visto na imprensa, na discussão nos jornaes, fallar-se das bases sobre as quaes a commissão está discutindo; como eu tenho visto que, segundo essas bases, se põe de parte a organisação de 1881 e se substitue por outra, que dizem ser a da Bélgica; por isso eu desejava saber se effectivamente o sr. Antonio de Serpa deu, ou não,* bases á commissão, e se tendo-as dado, quer trazel-as á camara, como o sr. Coelho de Carvalho lhe pediu.

Insto por isto, porque me affirmam que as bases são vinte e nove; e nos jornaes que eu ainda hontem e hoje li, vi que o pensamento da commissão era, nada mais e nada menos, do que, e d'isso não trata o decreto n.° 2, reduzir os regimentos de infanteria e caçadores de 36 a 22; fixando cada regimento com 3 batalhões em logar de 2 que agora tem, e os regimentos de cavallaria de 10 a 8, com 4 esquadrões em logar de 3; augmentar a artilheria com 1 regimento de 2 baterias, e crear mais para engenheria 4 companhias.

Isto li eu, e se assim é, o que se vê de tudo isto é que a arma de infanteria, que é a principal arma, e que é a base da organisação de todos os exercitos, foi completamente desconsiderada e prejudicada.

Sr. presidente, na organisação de qualquer exercito deve-se attender a todas as armas e á sua importancia; é da sua congregação e harmonia que resulta a força do exercito. A infanteria, posto que seja a base, carece das outras armas que são auxiliares, e sem as quaes ella perderia a importancia e valor. E necessario, pois, attender a todas e não desconsiderar nenhuma, nem favorecer a alguma em detrimento das outras.

A infanteria, pelo que eu ainda hoje li nos jornaes do governo fica muito prejudicada e completamente desconsiderada.

Senão vejamos: Supprimem-lhe 14 regimentos, por consequencia supprimem-lhe 14 coroneis e 14 tenentes coroneis; quer dizer, a promoção ali ha de ser tardia, demorada e difficil. Alem d'isso fica com menos 6 batalhões. Tem agora 36 regimentos com 2 batalhões cada um, o que se eleva a 72 batalhões; e pela organisação que se projecta ficam 22 regimentos com 3 batalhões, ao todo 66 batalhões; por consequencia, ficam com 6 batalhões de menos. A reducção de regimentos e de batalhões supprime grande numero de officiaes, e portanto difficulta-lhe e demora-lhe a promoção. O mesmo succede á cavallaria em ponto mais limitado.

Na organisação dos exercitos não póde deixar de se attender e ter em grande consideração a arma de infanteria; e é isto o que se não fez.

Sr. presidente, é melhor que haja publicidade do que o que se está fazendo na commissão de guerra encarregada do organisação, do que darem-se cá fora noticias falsas deturpando os factos. Não se explica qual seja a rasão do rigoroso sigillo que o governo guarda sobre as bases que deu á commissão. Se ellas são uteis e convenientes para a exercito, não ha nem deve haver inconveniente que o exercito as conheça. Para que é, pois, este sigillo?

Desejo que o sr. ministro da guerra se explique claramente, como é do seu dever, sobre este assumpto que é serio e grave.

Não comprehendo a reserva e o segredo que se exige á commissão. Segredo, para que? Era melhor dizer quaes as bases que se discutem para se ver como as recebem a opinião publica e os interessados.

Sr. presidente, o governo deve ter pensamento sobre o assumpto.

É inacreditavel, porem, que quando se lhe pergunta qual é esse pensamento, o que pensa o sr. ministro da guerra a respeito da reorganisação militar, responda, ahi estão as bases no decreto!!!

Bases indefinidas e illimitadas, que significam muito, e significam nada!

Não vê s. exa., que essas bases são indefinidas e illimitadas, e que por ellas se poderia organisar todos os exercitos do mundo possiveis e imaginaveis? Não vê s. exa. que estas bases significavam a ausencia do pensamento do governo se não mandasse á commissão outras, precisas e circumscriptas ao que ella tem de fazer, ao seu trabalho de reorganisação do exercito?

A commissão está trabalhando sobre bases certas, determinadas e definidas.

O segredo e os boatos propalados ácerca d'estas bases trazem sobresaltada a arma de infanteria, é pois conveniente que o sr. ministro da guerra destrua pelas suas declarações, a má impressão que tem causado essas noticias, esses boatos, falsos ou verdadeiros.

As perguntas que o sr. Coelho de Carvalho dirigiu ao sr. ministro da guerra, e a que s. exa. não se dignou responder, tinham por fim destruir suspeitas e accalmar excitações. O sr. ministro, em logar de responder logo, e com toda a clareza, declarou que responderia noutra occasião. Já depois d'isso fallou, n'esta discussão, e não obstante não pronunciou uma só palavra sequer áquelle respeito; e nem resposta deu a outros oradores que o interrogaram sobre o mesmo assumpto!!! Para que não succeda b mesmo comigo, e visto hoje s. exa. não estar presente, já mandei para a mesa, por escripto, as minhas perguntas, a fim de qualquer dos illustres ministros que assistem hoje á sessão lh'as façam chegar ás mãos. A primeira e a segunda pergunta estuo inteiramente ligadas. Se o governo tem pensamento, e quer a reorganisação do exercito, seguramente ha de ter idéas firmes e definidas sobre o assumpto, idéas que sem duvida foram expressadas nas bases enviadas á commissão. Parece me que o parlamento tem direito a saber, sobre este assumpto de interesse publico, qual é o pensamento do governo, e é por isso que eu tenho instado e insto pelas declarações do sr. presidente do conselho, e pedido a s. exa. que envie á camara as bases que enviou á commissão.

Pergunto sobre que bases quer s. exa. a reorganisação, porque pelas bases do decreto, embora indefinidas, pareceria querer aperfeiçoada a organisação de 1884, mas por ahi dizia-se e consta no publico que o modelo que a commissão tomou é a organisação do exercito belga, e se é verdade o que eu li, a reducção de 36 regimentos de infanteria e de caçadores a 22 com 3 batalhões, e dos 10 regimentos de cavallaria a 8 com 4 esquadrões, não resta a mais leve duvida de que a organisação de 1884 é posta de parte e vae pela agua abaixo.

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A mira parece-me que o sr. ministro da guerra queria o aperfeiçoamento da organisação de 1884, pois na base l.ª admittia a ampliação dos quadros, mas pelo que expuz, vejo que me enganei.

N'um paiz pequeno, como Portugal, é necessario que todos os homens validos estejam de um para outro momento habilitados para pegar em armas.

O nosso paiz assimelha-se muito á Suissa, é quasi todo montanhoso.

A Beira, Traz os Montes, Minho e Algarve são provincias montanhosas; apenas temos uma, o Alemtejo, que é uma extensa planicie que favorece o ataque sobre Lisboa, e por isso deve merecer dos poderes publicos a maior solicitude pelo que respeita á defeza.

Por consequencia, Portugal devia seguir na organisação do exercito o que se pratica na Suissa; devia tomar esta pequena nação, tão bem organizada e governada, por modelo.

A Suissa não tem exercito permanente, mas tem os quadros bem definidos, bem organisados, com um pessoal muito intelligente, instruido e illustrado, tem o seu material de guerra em óptimas condições e do melhor, principalmente artilheria.

O seu material de guerra é tão bom como o das nações do primeira ordem na Europa.

O sr. Camara Leme: - A Suissa tom um exercito de 100:000 homens e 300 bôcas de fogo.

O Orador: - O exercito da Suissa num momento dado póde ser de 200:000 homens e 300 bocas de fogo, - mais do que affirma o digno par sr. Camara Leme.

A Suissa tem as suas escolas de tiro perfeitamente organisadas, como não ha em parte alguma; é por isso que de um momento para o outro póde pôr em pé de guerra 200:000 homens.

O sr. Camara Leme: - Com as reservas.

O Orador: - O exercito suisso desde que não é permanente póde-se dizer um exercito de reservas. Mas a instrucção nos quadros é tão rigorosa e perfeita, que dá aquelles resultados.

Note v. exa. que o soldado suisso custa só 8$000 a 9$000 réis ao estado, por anno, emquanto o soldado portuguez, custa 40$000 a 50$000 réis. O soldado francez, o allemão, o austriaco e o russo, custam de 40 a 60 libras.

O que custa mais, o mais dispendioso, é o inglez, e, não obstante, está abaixo dos soldados de qualquer das outras nações da Europa.

Na queria da Crimeia viu-se bem o que era o exercito inglez, os defeitos da sua organisação e administração militar.

Sr. presidente, o que está provado, é que para os exercitos é indispensavel uma boa administração militar. Os revezes do exercito francez, foram devidos era grande parte a esta falta.

Na Argelia e na guerra do Tonchim a má administração militar do exercito francez produziu revezes funestos. O que valeu á França, é que nem os arabes nem os chins tinham organisação, instrucção e disciplina para combater com o exercito francez, aliás os revezes seriam mais consideraveis.

A reorganisação militar importa um estudo e trabalho que deve merecer a maior solicitude da commissão.

Sr. presidente, das explicações ambiguas do sr. ministro da guerra conclue-se visivelmente que s. exa. não tem pensamento sobre o assumpto, e d'aqui vem as contradiccões em que s. exa. cáe todos os dias. Portanto o melhor que s. exa. tem a fazer é guardar silencio, e esperar pelo trabalho da commissão, que s. exa. porá ou não em execução conforme a pressão que lhe fizerem.

Mas voltando á Suissa, dizia eu, que não tendo exercito permanente, póde de um momento para o outro, pôr em pé de guerra 200:000 homens, bem instruidos e desciplinados, e apesar de ser muito superior ao nosso em numero, ella faz com esse exercito uma despeza muito inferior á que nós fazemos com o nosso.

Sr. presidente; no decreto n.° 2 por um lado na l.ª base affirma o sr. Serpa que a reorganisacão deve ser em harmonia com a defeza do paiz, e este requer o serviço do todos os homens validos, e pelo outro lado diz que permitte a ampliação dos quadros: eu perguntava, pois, a s. exa. se queria que se tomasse por base na nova reorganisacão o pensamento da organisação de 1884, decretada pelo sr. Fontes, ou se queria que se tomasse por modelo a Suissa?

Esta base parece fazer uma indicação, e não obstante a commissão não a altendeu, porque tomou por modelo a organisação militar da Bélgica. Isto significa que as bases, sendo pouco definidas e precisas, a commissão ou tem outras como se affirma, ou se as não tem as creou para seu uso.

Isto é o que parece. Este silencio, esta reserva do sr. ministro da guerra é impossivel, não se póde admittir no regimen liberal e no systema representativo. E necessario, pois, que o governo se explique a este respeito.

Pela organisação do sr. Fontes podia pôr-se em pé de guerra 120:000 homens, o que não era já mau como nucleo.

Sendo assim parece que o que se devia preferir para base era essa organisação de 1884 que dava menos maus resultados, e aperfeiçoar a segunda reserva que faria com que se podessem pôr era pé de guerra 200:000 homens, não se dispendendo sommas enormes.

Sr. presidente, as disposições da auctorisação do decreto n.° 2 que estou analysando, e a que s. exa. o sr. presidente do conselho chamou bases, traduzem-se todas em cifras, todas ellas indicam novas despezas a fazer, é por isso que eu insto e peço explicações, é por isso que eu desejo saber qual é o pensamento do governo, apesar dos esforços dos oradores que me precederam, não foi possivel o sr. ministro da guerra declarar qual elle seja.

Sr. presidente, o parlamento não póde nem deve votar ás cegas despezas de qualquer ordem que sejam. Na situação melindrosa e difficil em que se acha o thesouro, é necessaria muita moderação nos gastos, muito boa direcção e economia nos dinheiros publicos. Por isso eu desejo saber qual será a despeza provavel que se vae fazer e em que se vae fazer, pois é necessario todo o cuidado e solicitude para não effectuar despezas que não se devam realisar, e que não surtam effeito, a fim de não ficarmos com ellas, mas sem exercito. Qualquer augmento de despeza proveniente da reorganisação a que se vae proceder, não se justifica sem que ella satisfaça ao seu fim, isto é, á disciplina e instrucção do exercito, mobilisação prompta, facil e em boas condições.

Sr. presidente, as minhas perguntas nascem naturalmente do indefinido das bases que eu desejo sejam esclarecidas pelos commentarios do sr. ministro da guerra.

Ora fallando s. exa. do futuro e da situação dos officiaes, officiaes inferiores e praças de pret, vera naturalmente o desejo de saber qual é o pensamento do governo a respeito do futuro dos officiaes, sargentos e mais praças do exercito, de quem. o governo deseja melhorar a sorte.

O sr. ministro da guerra por este desejo deixa transparecer que actualmente a situação dos officiaes, sargentos e praças de pret, não e boa, e que se deve attender a ella no futuro.

Se este é o desejo do sr. ministro da guerra e o pensamento do governo de melhorar a situação e cuidar no futuro dos officiaes, sargentos e praças de pret, diga-nos o modus faciendi. O modus faciendi é conceder melhoria e reformas aos primeiros, ou augmeutar-lhes o soldo? O modus faciendi é facilitar o accesso aos sargentos, ou preferir realmente para certos e determinados empregos aquelles que acabando o tempo de serviço militar não quizerem continuar a carreira?

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Emquanto ás praças de pret pertende melhorar-lhe o rancho, diminuir-lhe ainda o tempo de serviço ou augmentar-lhe o pret?

Sr. presidente, todas estas considerações resaltam naturalmente do indifinido das bases. Todas as concessões a que me referi, quer augmento de soldo, quer melhoria de reforma, traduzem-se em augmento de despeza, traduzem se em cifras: mas como o paiz não está na situação de fazer despezas loucas e pezadissimas é mister que o governo defina bem claramente o seu pensamento, limitando os dispendios.

E necessario que se saiba o que o governo quer. como quer, e porque que quer. Já vê a camara que todas as rainhas perguntas têem rasão justificativa, que não são ociosas e impertinentes, que é necessario saber-se bem defenidamente para onde o governo vae e para onde nos leva.

Sr. presidente, entre as minhas perguntas algumas ha a que os illustres ministros que estão presentes poderão responder, pois embora ellas sejam tambem relativas a cousas militares, referem-se ás leis que regulam este assumpto que merece principalmente a attencão do parlamento.

Sendo assim eu poderei obter resposta a algumas dessas perguntas, apesar de não estar presente o sr. Serpa, do sr. Hintze Ribeiro ou dos outros srs. ministros, porque sem duvida estes assumptos foram tratados em conselho.

Qual é o pensamento do governo sobre as alterações que pretendi introduzir na lei do recrutamento?

E note-se era primeiro logar que o recrutamento é, segundo o artigo 35.° da carta constitucional, da iniciativa da camara dos srs. deputados; que é um artigo constitucional, um d'aquelles a que se refere o artigo 144.° da carta.

É um artigo constitucional que o governo violou, e de cuja violação não póde ser relevado pelas côrtes ordinarias. O governo podia sanar até certo ponto essa infracção da lei visto não ter usado da auctorisação que se deu, qus era vir apresentar ao parlamento uma nova proposta de lei, que modificasse e aperfeiçoasse a actual, ou pedir ao parlamento nova auctorisação. Nada d'isso fez, preferiu conservar-se em dictadura a regularisar os seus actos.

Sr. presidente em todos os paizes a lei do recrutamento merece serio cuidado aos poderes publicos, e os governos julgando o assumpto grave e de magnitude, porque interessa a toda a nação, têem procurado resolver o problema com o. auxilio do parlamento. O governo d'este santo e abençoado paiz, que tudo tolera, afasta da discussão publica tão importante assumpto.

Afasta da confecção d'esta lei o parlamento, esquecendo-se completamente de que, segundo o artigo 35.° da caria, o recrutamento, o imposto de sangue, é da iniciativa da, camara dos senhores deputados, esquecendo-se igualmente de que esta lei, se não for meditada e estudada com madureza e cuidado, póde affectar gravemente o commercio, a industria e a agricultura.

Póde como disse causar damno á industria, á agricultura, ao commercio, e por isso deve haver a maxima cautela e ser estudada em toda a a circumspecção.

É, pois, preciso que o governo sobre o assumpto diga categoricamente qual é o seu modo de ver, e qual vae ser o seu procedimento.

Não é só sobre este ponto que eu chamo a attenção da camara e que eu quero explicações dos srs. ministros.

Ha aqui um outro não menos serio dependente da lei do recrutamento. Refiro-mo ao contingente militar, que tem de ser votado annualmente pelo parlamento.

Sr. presidente, o governo apesar de não ter ainda pensamento sobre a reorganisação do exercito, vem outra vez invadir as attribuições do poder legislativo que tem por obrigação de marcar todos os annos, segundo a disposição do artigo 15.° § 10.° da carta, a força de mar e terra, ordinaria e extraordinaria, e que tem por obrigação votar tambem annualmente o contingente respectivo.

e o governo vem usurpar ás côrtes estas attribuições constitucionaes, deve ser por algum motivo forte e urgente.

O governo quer augmentar o contingente annual, e diminuir o tempo de serviço? Como o quer o governo fazer?

Quer o governo ter em pé de paz maior força para poder tel-a maior em pé de guerra?

Lembre-se o governo que esse augmento de contingente lhe custará uma somma enorme sem resultado, e demais se o tempo de serviço de tres annos é insufficiente para a instrucção e disciplina do exercito,, principalmente para as armas de cavallaria e de artilheria, o de dois annos será insufficien-tissimo. O primeiro exercito hoje do mundo, pela sua, disciplina e instrucção, é o exercito allemão, que está organisado no principio diametralmente opposto. Bismark e Moltke, pela observação e pela experiencia, reconheceram que o tempo de serviço militar no exercito effectivo era pouco para formar e constituir nas devidas condições um soldado com a disciplina e instrucção que deve ter, e n'es-tas idéas augmentaram logo o tempo de serviço de tres a cinco annos no exercito effectivo, diminuindo-o nas land-wers, isto é, nas reservas.

Se. pois, o sr. ministro da guerra tem opiniões oppostas a estes dois distinctissimos militares, sem duvida as primeiras auctoridades sobre o assumpto, tem obrigação de dizer ao parlamento quaes são os principios em que assenta a reforma que pretende e quaes as rasões sensatas e raciona es que a justificam. E necessario dizer-nos como pelo seu systema o augmento do contingente annual de recrutas lhe custa effectivamente uma cifra relativamente superior ao dispendio actual, mas tambem dá resultados correspondentes. E necessario dizer-nos como diminuindo o tempo de serviço, obtem mais vantagens e milhoras.

Assim é que nós podemos saber se as bases que se nos apresentam são justificadas e satisfazem ao fim.

Esta absorpção que o governo fez das attribuições do parlamento é inconstitucional, e por isso as camaras não podem relevar o governo do acto que praticou e da responsabilidade em que incorreu com relação a este artigo. Só camaras constituintes é que podem alterar ou revogar o artigo, e por isso só ellas podem relevar o governo da responsabilidade em que incorreu.

D'aqui conclue-se que o governo esteve em dictadura, está em dictadura e em dictadura fica.

Sobre estes pontos que são importantes, desejo ao menos que algum dos srs. ministros dêem explicações, se não querem ou não podem dar ás minhas perguntas uma resposta clara e categorica.

Sr. presidente, eu analysei os artigos do decreto que se referem á reorganisação do exercito, e trago escriptas estas perguntas para serem enviadas ao sr. presidente do conselho, porque sobre ellas desejo de s. exa. uma resposta precisa. Espero, pois, que s. exas. lh'as farão chegar ás mãos.

Não está presente o sr. Antonio de Serpa, presidente do conselho; mas está o sr. Hintze Ribeiro, ministro dos negocios estrangeiros, que póde responder-me sobre outro assumpto, sobre outro decreto que passarei a analysar.

Sr. presidente, vou analysar um outro decreto que declara incompativeis as funcções de ministro de estado com aã de director ou administrador de companhias.

Sobre este assumpto é que desejo uma resposta tambem clara e precisa do sr. ministro dos negocios estrangeiros, porque s. exa. está assignado no parecer e foi relator d'elle, representando a minoria da commissão parlamentar de 1889, nomeada, para dar opinião sobre o projecto de lei de incoru-patibilidades apresentado pelo sr. Camara Leme; e exactamente sobre este parecer da minoria assignado por s. exa. e que foi apresentado pelo digno polo o sr. Camara Leme, como additamento ao decreto do governo sobre incompati-

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bilidades dos ministros, que eu desejo ouvir o sr. Hintze, e saber o que s. exa. pensa hoje a este respeito.

O projecto do governo tem pouco valor; é; nada mais nada menos, do que um puro sophisma. É poeira lançada aos olhos do publico, ou antes dos ingenuos. O decreto deixa ficar tudo como estava, não resolve cousa alguma.

O que diz esse decreto?

Diz que são incompativeis as funcções de ministro de estado com as funcções de administrador ou director de companhias.

O que quer isto dizer?

Quer dizer que os ministros de estado continuam a ser administradores ou directores de companhias; mas o que não podem fazer nem farão emquanto são ministros é exercer esses logares; quer dizer que ficam directores da mesma fórma, e que as companhias podem dar-lhe da mesma fórma os seus ordenados, mas que no intervallo do tempo em que forem ministros não funccionarão.

Isto quer dizer que o ministro, se mo se demittir por dignidade e hombridade, continua a ser administrador ou director de qualquer companhia, porque o decreto promulgado pelo governo não lh'o prohibe. O ministro fica nas mesmas condições de qualquer empregado que é eleito par ou deputado, que durante a legislatura não exerce as funcções do seu emprego, excepto nos casos em que a camara o permitte e consente.

É isto o que diz o decreto.

O decreto diz que são incompativeis as funcções de ministro de estado com as funcções de director ou administrador de companhias, mas não diz que são incompativeis os cargos ou os logares, e portanto os ministros continuam a ser directores.

O ministro por este decreto fica na mesma situação em que fica qualquer empregado que é eleito par ou deputado; não exerce as suas funcções, mas não perde o logar, o emprego. A differença só que ha entre o ministro e o empregado eleito par ou deputado, é que o ministro nunca póde exercer as funcções de director emquanto for ministro, emquanto os deputados ou pares, em certos casos, podem exorcer as funcções inberentes ao seu logar com licença da camara. É esta a unica differença que existe entre o ministro e deputado.

Portanto, este decreto é um sophisma pouco fino e pouco habil que não consegue illudir o publico. Este decreto é inutil por que não produz resultado nem vantagem alguma. Depois da moção dos reformistas que obrigou a demittirem-se os srs. Fontes e Antonio de Serpa, de directores da companhia do norte e leste a demissão de qualquer director de companhia elevado a ministro tornou-se inevitavel; desde essa epocha a resolução tomada por s. exas. ficou constituindo a regra e a norma a seguir. Todos os ministros se têem demittido espontaneame-nte, mas, por este decreto nem a isso são obrigados!

Sr. presidente, o additamento ao menos é moral, claro e satisfaz até certo ponto ás exigencias do publico e aos principios de moralidade.

Sr. presidente, é tal o rebaixamento de costumes e especulação politica e pessoal, o esquecimento completo dos deveres, o abuso de tudo (que devia ser sagrado) para promoverem e satisfazerem a interesses poucos licitos; é tal o pouco ou nenhum escrupulo na maior parte dos nossos homens politicos em relação aos interesses do estado, que uma lei de incompatibilidades mais ampla ainda do que o additamento, é indispensavel, a fim de pôr um dique á podridão que vae minando o paiz.

Sr. presidente, se o paiz ainda for susceptivel de regeneração, espero que mais tarde ou mais cedo seja votada uma lei que corrija estes e outros abusos.

Sr. presidente, eu desejo saber se o sr. ministro dos negocios estrangeiros, que está assignado n'este decreto, acceita como additamento a este diploma o projecto apresentado pelo sr. Camara Leme, e assignado tambem por s. exa. e o sr. Antonio de Serpa, como membros da minoria da commissão das incompatibili-dades.

O sr. Antonio de Serpa declarou já que o governo, por melindres, não legislou para a camara dos senhores deputados nem para a dos dignos pares, que simplesmente legislou no que dizia respeito aos ministros, e deixava ás camaras o direito de regular como entendessem, na parte que lhes. diz respeito. Obrigado pela concessão em consideração que lhe merecemos e pela amabilidade. É pena que s. exa. não tenha tido tanta consideração e respeito pela constituição do estado.

Sr. presidente, n'um assumpto tão melindroso e tão serio, de que os governos de todos os paizes se têem occupado, eximir-se o governo de o tratar é caso unico, é caso novo! Não se comprehende que n'uma questão de principios e de moralidade o governo deixe de usar da sua preponderancia e influencia para fazer triumphar as suas idéas, idéas que os actuaes ministros defenderam e sustentaram com todo o calor, e das quaes se serviram como arma da opposição.

Sr. presidente, eu insto n'este ponto, e insto tanto mais pelo estado de decadencia em que vejo os costumes publicos, (Apoiados) insto para pôr um dique á desmoralisação geral e á tendencia que os homens politicos de agora manifestam de enriquecer por todas as fórmas e modos. Como muito bem disse o sr. Pereira Dias é este o nosso maior mal.

Sr. presidente, tem-se caminhado de mais já n'esta senda tortuosa. Vejo pois que é necessario pôr um dique a esta avalanche que se precipita, a este estado anormal e vicioso; vejo que é necessario que as leis corrijam os abusos, já que os principios e os costumes continuam cada vez mais prevertidos. N'esta cruzada e campanha de moralidade se devem alistar todos aquelles que amam a patria.

Aproveito, pois, esta occasião para felicitar o digno par o sr. Pereira Dias pelo brilhante discurso que s. exa. aqui pronunciou sustentando esta doutrina, e que mereceu ao sr. Antonio de Serpa o epitheto de sincero e imparcial, e mais do que isso a sua completa approvação, pois estava inteiramente de accordo com a doutrina!

Sr. presidente, vejo que a propaganda, que a doutrina evangelisada ha tanto tempo pelo porto franco, por este grupo de uniuniutas que tem assento n'esta camara, vae tendo proselytos, vae, posto que com difficuldades, seguindo o seu caminho. N'uma das sessões passadas era o sr. Oliveira Monteiro a defender e a sustentar alguns dos pontos mais importantes do nosso credo politico, depois e em seguida entra o sr. Pereira Dias n'este debate e faz effectivamente um discurso sensato e notavel, no qual com toda a lucidez, cordura e hombridade, expoz a doutrina e principios que teem sido sempre sustentados pelo porto franco e por mim desde que entrei na vida publica.

Sr. presidente, a doutrina sustentada brilhantemente pelo sr. Pereira Dias, é a doutrina do direito, da justiça e da moralidade, com a qual o sr. Serpa declarou estar de accordo.

E o sr. José Luciano?

O sr. José Luciano já confessou os seus peccados, já disse que estava arrependido, que se penitenciava e promettia emenda para o futuro.

Se os chefes dos dois partidos, regenerador e progressista, estão de accordo com esta doutrina, porque a não hão de seguir no governo?

Ponham-a em execução, que nós acompanhal-os-hemos incondicionalmente.

O sr. Serpa affirmou que estava de accordo com o sr. Pereira Dias nas doutrinas que s. exa. apresentou, excepto em dois pontos de somenos importancia, o de ter dito que o governo deixara a corôa a descoberto e n'aquelle a que se referiu ao suppleinento da Gazeta de Portugal.

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Quer v. exa. saber qual evo, a doutrina sustentada pelo sr. Pereira Dias?

Era, repito, a doutrina dos unionistas, do porto franco, que callou no animo do sr. presidente do conselho.

S. exa. lamentava o caminho tortuoso que ia seguindo a politica e os politicos portuguezes, e sustentava que o principal mal que tinha invadido todas as classes, especialmente a dos politicos, era o desejo desmedido e immoderado de se enriquecerem por todas as fórmas e modos.

S. exa. via e reconhecia n'este symptoma a gravidade da doença que minava internamente o doente, que era esse velho e heróico Portugal, que n'outras eras tão honrado e respeitado foi, devido ao brio e hombridade de seus filhos.

S. exa. combateu com firmeza e indignação os syndicatos e negociatas illicitas, que vão infectando com os seus miasmas putridos a sociedade actual.

S. exa. lamentou a indifferença dos poderes publicos ante este mal crescente, e que fatalmente nos ha de conduzir á ruina.

Era com dôr e desgosto que via o mal progredir, sem que aquelles que teem a seu cargo o vigiar pela constituição e pelos interesses da sociedade lhe pozessem o mais leve estorvo á sua marcha, que se vae tornando vertiginosa.

Esta indifferença dos governantes e governados fazia-lhe muita impressão no espirito, principalmente quando se lembrava de que n'outros tempos bastava suspeitar-se de que havia qualquer motivo de interesse que determinava o procedimento do politico, para as camaras e a nação se levantarem e protestarem contra o facto, e os governos verem-se obrigados a darem satisfação plena á opinião publica e ao paiz.

Para corroborar a sua affirmativa, mostrar que não era meramente gratuita, s. exa. apresentou factos, referiu-se ás 2:000 libras do banqueiro Youle e ao contrato Langlois, e fez notar o barulho, o alarido e o alarme que causaram no publico estas negociatas e byndicatos, cujas ganancias eram mesquinhas e miseraveis ante as que hoje se tiram com os syndicatos que por ahi vão, e que têem feito fortunas collossaes.

O digno par demonstrou de uma maneira clara e incontestavel, que os tempos mudaram, que as circumstancias de hoje são diversas das de outr'ora, mas peiores para o paiz, e que os taes syndicatos e as negociatas, que são hoje materia Lao corrente, que se falla d'ellas e dos seus arranjos e lucros illicitos, como se fosse cousa muito natural, muito digna e geralmente sanccionada, hão de ser o cancro que ha de minar o paiz até dar cabo d'elle.

Tudo isto revelava a s. exa. que era grave a enfermidade que ia acommettendo todas as classes sociaes, por isso lhe causava grande desgosto o ver que o remedio energico de que carecia não lhe era applicado.

Estas mesmas apprehensões tenho eu manifestado ha muito tempo, e para mostrar quanto os tempos e os costumes estão mudados, vou contar á camara um facto significativo de que os meus collegas talvez ainda estejam lembrados. É um facto parlamentar e que tem muita importancia na actualidade.

N'uma situação regeneradora, em que o sr. Fontes era presidente do conselho e o sr. Serpa seu collega, e ambos directores da companhia do norte e leste, deu-se o caso de se discutir na camara um projecto que interessava aquella companhia, e immediatamente os membros do partido reformista, que tinham assento ali, formularam e apresentaram á camara uma moção em que eram censurados dois ministros por serem directores.

S. exas. reconheceram a justiça da accusação, e promptamente deram satisfação ao publico e á camara, demittindo-se.

Cousa notavel, quasi todos os signatarios da moção da censura, salvo honrosas excepções, teem sido e são directores de differentes companhias, e nomeadamente da do norte e d'este, e iniciadores do systema dos syndicatos!!!

Sr. presidente, teem sido elles que têem desenvolvido, propagado e fomentado-essa peste, essa epidemia, e impregnado de miasmas putridos e de microbios asquerosos que matam todos os instinctos nobres e sentimentos elevados.

Sr. presidente, aquella moção exprime a moralidade porque a verdade é que não se póde ser ao mesmo tempo bom ministro e bom director, quando os interesses da nação e da companhia forem antinomicos isto é, quando estiverem em opposição, o que se dá frequentes vezes.

N'aquelle tempo ainda se tomava a serio a honra e a dignidade.

Os dois ministros, para darem satisfação á opinião publica, pediram a demissão dos cargos que exerciam na companhia, prestaram acatamento á boa doutrina, e provaram assim que acima dos seus interesses estava a homenagem ao dever, á moralidade e ao seu decoro.

Sr. presidente, a verdade é que não se póde ser bom ministro e bom administrador de companhias ao mesmo tempo.

Por que rasão vão as companhias procurar para seus directores os homens publicos?

É pelo seu talento e pelo sen saber?

Não, porque antes d'elles terem importancia politica, nenhuma companhia se lembrava d'elles.

Outro tanto não succede depois de elles se valorisarem, depois que se tornaram importantes e notaveis na politica, desde que ha a esperança de que elles venham a ser ministros ou a que possam exercer pressão no governo, procurara-os e não cessam as solicitações e as instancias se elles recusam o logar que lhes é offerecido.

Em Portugal, na maior parte das companhias, os seus directores são homens politicos.

Porque? Porque essas companhias querem favores dos governos o entendem que só podem alcançar esses favores tendo nas suas direcções influentes politicos. D'esta realidade que é palpavel, deduz-se que os homens politicos, pares ou deputados e os ministros para tratarem e promoverem os seus interresses, têem de esquecer e pôr de parto os seus deveres. N'um paiz em que o interesse individual prevalece sobre o dever uma lei de incompatibilidades é urgentemente reclamada.

Sr. presidente, dando-se frequentes vezes conflictos de interesses entre o estado e as companhias não se póde ser bom ministro e conjunctamente bom administrador. No exercicio das suas funcções, n'este antagonismo manifesto, os ministros hão de se ver forçados a decidirem-se ou pelos interesses da companhia ou pelos do estado. E o que succede?

Como o exercicio das funcções de ministro é de pouca duração e sujeito a muitas eventualidades e contingencias, e como os legares nas companhias são seguros, duradouros e lucrativos, em geral elles vão. servindo as companhias em detrime-nto do estado.

É isto o que se está vendo a cada momento.

É por estes factos observados todos os dias que eu digo, e repito, que se torna indispensavel e urgente uma lei de incompatibilidades, para pôr termo aos abusos que só estão praticando.

O sr. D. Luiz da camara Leme: - Apoiado.

O Orador: - Ia eu dizendo que o sr. Pereira Dias conheceu perfeitamente a doença; e poz a mão na ferida e mostrou do uma maneira clara que o mal vae alastrando, e minando de um modo assustador a sociedade portugueza. Tanto assim é, sr. presidente, que os syndicatos e as negociatas illicitas são materia corrente, a regra, a norma da vida politica. O syndicato, esta planta exotica, achou boa terra em Portugal, enraizou-se promptamente, desenvolveu-se e deu fructos que são doces para quem os

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tem comido, mas bem amargosos para o estado queos paga bem caros.

O digno par o sr. Pereira Dias fez tambem observações muito sensatas, e com a maxima delicadeza, ácerca dos boatos que correm respectivamente á compra dos cruzadores.

O sr. Pereira Dias: - Citei os factos parlamentares.

O Orador: - Muito bem, e eu vou tambem referi-me a elles.

Os factos são que o governo mandou uma commissão dar o seu parecer sobre a compra da cruzadores, e que essa com missão se dividiu, havendo pareceres da maioria e da minoria.

Os factos são que ha propostas de tres casas constructoras para satisfazer a encommenda importantissima que custa muitos milhares de contos de réis.

Os factos são que o parecer da maioria opta pela casa franceza, o da minoria pela italiana; os factos são correrem certos boatos a este respeito, e dizer-se clara e positivamente que n'este negocio ha intermediarios poderosos; os factos são os syndicatos organisados para esta compra importantissima.

Estes são os factos.

O que aconselha a boa rasão e o bom senso ao governo?

É que não sendo urgente esta despeza, não deve usar da auctorisação que vae aggravar as finanças e onerar o paiz com encargo pesadissimo, para pagar o qual não chega o addicional de 6 por cento.

Esta questão de cruzadores não está bem estudada ainda, e o governo deve se lembrar, que esses cruzadores em cada viagem que fizerem, occasionam um gasto enorme.

Se d'elles não depende a defeza do nosso paiz nem a nossa autonomia, esta despeza, na occasiào actual, torna-se uma despeza louca, uma despoza desordenada que nos hu de comprometter no futuro.

Se o governo, porem, não quer attender a estes meus conselhos desinteressados e patrioticos, e fizer uso da auctorisação, então lembro-lhe que é necessario usar d'ella com toda a prudencia e moderação e o mais convenientemente possivel para o paiz; que é necessario usar d'ella fazendo calar os factos que correm com insistencia de que ha intermidiarios poderosos, e syndicatos já organisados para realisar esta operação.

Os intermediarios o os syndicatos podem custar centenares de contos, ao paiz, neste negocio, que se eleva a réis 5.000:000$000.

Quem não paga estes centenares de contos são as casas constructoras; essas lançando-os á conta de commissões, encorporam-os no preço. Eu peço toda a fiscalisação da parte do governo para este assumpto melindroso, em que o estado será espoliado em alguns centenares de contos. O governo sabe o que se disse e o que se escreveu ácerca das obras do porto de Lisboa, é mister, pois. todo o escrupulo e toda a fiscalização, a fim de que o estado não seja defraudado nos seus interesses. Sr. presidente, é costume as casas constructoras, as fabricas, ou qualquer casa de fornecimentos, independente dos intermediarios, dar uma commissão de uns tantos por cento, aos encarregados pelo governo que vão fazer as compras. Essa commissão reverte sempre em prejuizo do estado, porque é incorporada no preço. Ha commissarios do governo que não acceitam commissões, outros, porém, não seguem essa regra, de fórma que recebem do governo todas as despezas e gratificações, e ao racebem tempo recebem as commissões das respectivas casas.

Isto é que não póde ser, porque, n'este caso, com as commissões extraordinarias aos syndicatos e i0s intermediarios custarão ao estado somma muito avultada.

È por isso que eu chamo a attenção da camara e do governo para este assumpto que é grave e melindroso. Estas ponderações que acabo de fazer têem tambem cabida para a compra do material do guerra, dos torpedeiros, artilheria e tudo o mais que for necessario para a defeza do paiz.

D'antes, quando não havia este desejo immoderado, esta aspiração de enriquecer por todas, as fórmas e modos, em que o dever e a virtude não eram palavras ôcas e vás, em que cada um presava o seu decero e dignidade e eram zelosos cumpridores d"s seus deveres, não eram necessarias estas precauções; agora são todos poucas e indispensaveis.

Sr. presidente; nada de intermediarios; deêm rigorosas inttrucções aos commissionados pelo governo que forem realisar a compra, de fórma que voltemos ao systema antigo, de não se lecupletarem com, o que lhes não [...].

Os commissionados pelo governo são servidoses do estado, e é e este que lhes paga.

As fabricas ou casas constructoras nada têem que lhes pagar. Se lhes pagam é porque querem exigir d'ellas algum serviço, serviço que sem duvida é em detrimento do estado. Portanto, nada de intermediarios, e prohibição expressa aos commissionados de receberem commissões.

Sr. presidente, eu estou cansado; muito tinha que dizer na analyse dos outros decretos, das não posto por falta de saude, e por isso vou reduzir, e limitar as minhas considerações.

Estou tambem de accordo com o sr Pereira Dias, ácerca de um outro ponto para mim de alta, magnitude e importancia.

Eu penso como s. exa. sobre a necessidade de estabelecer no poder e na administração a moralidade. Eu quero a moralidade em tudo; o para que ella seja attendida e seguida nas camadas inferiores é necessario que ella venha de alto, que de cima se lhe dê o exemplo. É necessario que o governo, o parlamento e os puderes publicos sejam os primeiros a dar-lhe o exemplo do seu preito e homenagem. Os verdadeiros principies, os grandes sentimentos communicam-se por uma especie de transfusão moral; é portanto absolutamente indispensavel que o exemplo venha de cima, venha de alio. A Prssia nasceu do um simples condado onde os exemplos de moralidade, de economia e de bom senso, vinham de alto, vinham de cima. D'elles veiu a sua forca. Esses exemplos produziram resultados salutares em toda a população e contribuiram poderosamente para a constituição da Allemanha.

A Prussia nasceu de um pequeno condi1 do ou ducado, de uma agremiação qualquer muito pequena e limitada; a Allemanha nasceu principalmente da Prussia, porque a dynastia d'aquella nação e o governo, por uma especie de transfusão moral, transmittiram ao povo as suas grandes qualidades, o sentimento de moralidade, de justiça e de economia, e o respeito por tudo quanto é grande, nobre e elevado.

Sr. presidente, nós estâmos atravessando uma epocha de degradação, em que os costumo publicos descem muito baixo, em que a corrupção moral é já de tal ordem que espanta! Parece que a. religião do martyr do Golgotha vae sendo substituida pelo culto do bezerro de oiro. Este facto em si é um significativo symptoma, ou antes, uma triste realidade, porque indica como regra a seguir, como norma de vida, a ambição, o interesse immoderada de enriquecer por todas as fórmas e por todos os modos, indica o interesse e só o interesse.

Parece que a raça semitica, invadindo todo o mundo, inoculou nas gerações modernas o seu sangue maldito, fazendo-lhe esquecer pela avareza tudo quanto é grande, quanto é nobre e sublime. Emquanto a raça aryana presidiu aos destinos da França a sua bandeira gloriosa tremulo altiva e os seus filhos assombravam com rasgos de heroismo o universo inteiro.

Não me admiram os revezes por que a França tem passado, não me admiram as calamidades que soffreu. A raça é outra está degenerada, já não a puritana, é a que

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adora o bezerro de oiro! Não me admira tambem se iguaes revezes e calamidades vierem a Portugal!

Tudo será possivel se de cima, se do alto, se do governo, não vier aos governados o exemplo da moralidade, do patriotismo e do respeito á lei.

Tenho dito.

Foi lida e admittida a moção do digno par.

Consultada a camara sobre se consentia que a representação pelo digno par apresentada fosse publicada no Diario das camarás, resolveu afirmativamente.

sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Hintze Ribeiro): - Disse que, embora não fosse intenção sua entrar n'este debate, de uma natureza tão complexa e grave, desde que o sr. Vaz Preto se referira a opiniões suas expendidas nos bancos da opposição, não podia deixar de acceitar o repto, não para fazer um longo discurso sobre a approvação da dictadura, já tão largamente discutida e apreciada, mas para responder singelamente a algumas observações do digno par.

O orador, começando pela primeira parte do discurso em que a'quelle digno par classificara a primeira dictadura, a da defeza nacional, de desnecessaria, disse que realmente era bem para desejar que as pendencias internacionaes se derimissem por meios pacificos, por arbitragens; mas todas as nações que proclamam esse principio, ao mesmo tempo augmentam os seus armamentos, como a Allemanha, a Inglaterra e os Estados Unidos.

E com estes factos não deverá o governo precaver-se e esforçar-se por garantir o decoro do paiz, embora conheça que é muito conveniente para nós e para as nações pequenas caminhar-se para o principio das arbitragens?

A inutilidade d'esta dictadura consistiria na organisação e levantamento da nossa defeza por terra e por mar, na acquisição de cruzadores, de navios de grande velocidade, e armados a grande alcance?

Se o digno par o sr. Vaz Preto reflectisse no que falta á nossa marinha de guerra até chegar onde deve e póde chegar para a sustentação do nosso imperio colonial, não hesitaria um instante em dar ao governo todas as auctorisações necessarias para a'quelle fim. (Apoiados.)

Se o digno par soubesse... mas ha cousas que só convem que se saibam para pensar e trabalhar, e não para se dizer muito sobre ellas.

O que se poderá discutir é a minudencia, são os promenores; mas o principio da defeza nacional, o augmento das forças de mar e terra que é o primeiro dever dos governos, esse está acima de toda a discussão.

O digno par o sr. Vaz Preto assusta-se com as d espessas; o orador com o que se assusta é com o que tora debaixo dos olhos; que importa que as despezas se elevem com o exercito, se esse for o unico meio de podermos dizer que temos um exercito?

Em todo o caso o orador concorda com o digno par em que é de extrema conveniencia caminhar-se para a effectividade do principio das arbitragens.

Passando á segunda dictadura, da qual o digno par o sr. Vaz Preto d'estacou o decreto da liberdade de imprensa, o orador disse que o digno par procurara o effeito parlamentar da phrase: que só os immoraes é que se arreceiam da liberdade da imprensa; mas elle tambem é apologista dessa liberdade, e foi-o sempre, porque não renega a herança liberal do chorado Fontes Pereira de Mello, do cujas idéas bem se recorda; e bem conhecia. O que não quer é expressão licenciosa, desbragada, criminosa...

O sr. Vaz Preto: - Mas isso já está prevenido no codigo penal.

O Orador: - Onde é que nos decretos dictatoriaes só encontra um preceito que possa ferir de morte a liberdade de imprensa? O que se não póde permittir é a absoluta irresponsabilidade dos que vem lançar a baba peçonhenta da calumnia em tudo, por maneira que as pessoas de uma educação apoucada; que pião distinguem facilmente a realidade cio erro, chegam a persuadir-se de que tudo é lama. (Apoiados.)

Ninguem poderá persuadir-se de que as instituições sobrenadem a esse mar de calumnias que se lhes tem lançado em torno, prejudicando-se o credito das instituições e o bom nome dos homens que lhes andam ligados.

O orador não tem que se arrepender da sua assignatura nos decretos dictatoriaes, nem teme a imprensa, porque a ao é esta a primeira situação difficil que atravessa.

Ninguem mais indulgente para os insultos á sua pessoa do que Fontes Pereira de Mello, mas tambem ninguem mais intransigente com as demasias da liberdade de imprensa, quando eram atacadas as instituições.

Os principios do partido regenerador são a tolerancia com a auctoridade; já aqui o disse o sr. presidente do conselho.

Não basta que os homens sejam limpos de culpa, é preciso que no momento proprio possam manter a sua auctoridade e mostrar a força de que dispõem.

Nada tem contribuido tanto para nos arrastar ao descredito financeiro e moral da nossa reputação politica, como aquella onda de immoralidade que se tem desenvolvido á sombra da chamada liberdade de imprensa. (Apoiados.}

O orador disse em seguida que, emquanto á colligação do partido progressista e republicano, a sua opinião era opposta á do digno par o sr. Vaz Preto; respeitava-lha iras queria a sua tambem respeitada. (Apoiados.}

Passava agora a responder ás perguntos do digno par.

Uma d'ellas dizia respeito ao ministerio da guerra, cuja secretaria é estranha ao orador, mas de certo, na occasião propria, o sr. presidente do conselho se prestaria ás declarações que o digno par o sr. Vaz Preto desejava.

O orador, appellando para o bom senso do digno par...

O sr. Vaz Preto: - Tambem ha segredo nas respostas?

O Orador: - Redarguiu que ia justamente bater sobre esse ponto, mas antes quizera appellar para o bom senso do digno par.

O governo, emquanto ao assumpto militar, entendeu que devia valer-se de uma commissão, não se discute agora se entendeu bem ou mal, composta de homens auctorisados e experimentados, de officiaes distinctos, fossem da politica que fossem. Essa commissão expoz o seu pensamento, que está traduzido no decreto, que é tambem o pensamento do governo.

Sobre essas bases e esse pensamento é que a commissão está trabalhando.

E é agora, emquanto a commissão estuda e medita os termos da reforma, que o digno par o sr. Vaz Preto vem perguntar especialidades, até ao ponto de querer saber o effectivo do pé dei paz e de guerra, a melhoria dos officiaes, as alterações da lei do recrutamento, etc.!

O digno par se fosse ministro da guerra, acrescentou o orador, de certo não respondia.

O sr. Vaz Preto: - Essas é que deviam ser as bases dadas pelo governo.

O Orador: - Replicou que, desde que o governo encarregara uma commissão de elaborar um trabalho completo, não podia, sem commetter um erro grave, antecipar-se ás conclusões da commissão, nem era prudente desprezar o parecer de homens technicos, comquanto não se obrigue a adoptar cegamente sem modificações o resultado dos seus trabalhos, conforme entender conveniente.

O sr. Camara Leme: - V. exa. tem a bondade de me dizer qual o pensamento do governo em relação ao contingente annual de recrutas?

O Orador: - Respondeu que para isso havia um projecto de lei, e que quando elle fosse apresentado á camara, podia ter satisfeita a pergunta do digno par.

O sr. Coalho de Carvalho: - Como o governo apresentou na outra camara a proposta para a fixação do contingente deste anno; pergunto se o governo julga por esse

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facto prejudicada a auctorisação, que tomou no decreto dictatorial, de augmentar os contingentes como entender

O Orador: - Replicou que, se o governo pensasse que assim prejudicava aquella auctorisação dictatorial, escusado lhe era trazer á camara a proposta fixando o contingente

O sr. Coelho de Carvalho: - Por fim ficâmos sem saber qual é o contingente d'este anno. Que importa que o governo leve á outra casa do parlamento o projecto do contingente, se elle tem a porta aberta para o elevar arbitraria-mente?

O Orador: - Disse que o digno par o sr. Coelho de Carvalho laborava n'uma confusão do contingente annual que era o que tinha sido proposto na outra camara, com o contingente, que é a base para a fixação da força do exercito. Já o anno passado se discutiu este assumpto, este anno o digno par póde tambem discutil-o e reproval-o

O sr. Coelho de Carvalho: - Era por isso mesmo que eu quiz fazer aquella pergunta, isto é, se a proposta para o contingente deste anno prejudicava ou não este artigo, que se refere á auctorisação, que o governo tomou dictatorialmente, para fixar como quizer o contingente.

O Orador: - Continuou explicando que nem o projecto prejudicava a organisação decretada, nem esta prejudicava o projecto. E assim entendia que o digno par deverá ficar satisfeito.

O sr. Coelho de Carvalho: - O que ficâmos é sem saber o que o governo quer; ficâmos sem contingente.

O Orador: - Insistiu que pelo contrario ficavamos corá um contingente annual fixado n'a'quelle projecto e estabelecido na reorganisação geral do exercito. (Apoiados.)

O orador, voltando a responder ao digno par o sr. Vaz Preto, declarou que, emquanto ás perguntas attinentes ao ministerio da guerra, tão cuidadosamente formuladas peto digno par, com dificuldade o sr. presidente do conselho responderia desde já minuciosamente, porque assim ia prejudicar o regular andamento dos trabalhos, da commissão; o que não era um procedimento correcto.

Emquanto ao decreto sobre incompatibilidades dos ministros, a respeito do que o orador tambem fora perguntado pelo sr. Vaz Preto, referiu que, quando o governos e apresentou pela primeira vez nesta camara, o digno par o sr. Camara Leme desejou saber se o governo renegava as opiniões que professara na opposição. Não se póde então tomar providencia alguma, porque a sessão foi curta.

Mas, entrando depois o governo em actos dictatoriaes, os ministros sentiram a rigorosa obrigação de traduzir e consignar em providencias legislativas os principies por que havia pugnado.

Se uma vez os homens, que vieram a ser mais tarde ministros, entenderam que o interesse publico exigia que os ministros fossem só ministros e mais nada, depois no governo não podiam esquecer as suas opiniões por qualquer motivo de interesse particular.

Foi isto o que o governo fez.

Tem ainda a dizer ao digno par o sr. Vaz Preto que o projecto de incompatibilidades tinha duas partes, uma referente aos ministros, e outra aos pares e deputados. Emquanto á primeira parte não houve duvida em a decretar dictatorialmente, porque os ministros, reputando-se a si mesmo incompativeis, não precisavam esperar pelo parlamento, conheciam o caminho traçado melhor do que ninguem, e não carecendo da opinião e conselho dos outros, só tinham a escutar a sua consciencia e o seu dever.

Para os pares e deputados nada decretou o governo, porque elles eram os primeiros interessados que deviam ser ouvidos, e para isso não precisavam do voto alheio.

Nem o governo precisava dizer ao parlamento qual a sua opinião, de resto exarada em documentos, nem o parlamento precisa do governo para manifestar o seu modo de sentir a este respeito.

Os ministros actualmente, não só não exercem as funcções alheias aos seus ministerios, mas não occupam esses logares sem exercerem as funcções. Os ministros resignaram os seus logares radicalmente, sem sophismas nem reti-cencias.

Referindo-se em seguida ás reflexões do digno par sobre syndicatos, negociatas e immoralidades, de que era mister limpar os homens publicos, o orador convidou-o a accusar sempre com toda a franqueza qualquer immoralidade, porque terá a resposta cabal e completa de quem tem a consciencia, de ter cumprido o seu dever. (Muitos apoiados.)

(O discurso do digno par será publicado na integra, logo que s. exa. reveja as noteis.)

O sr. Franzini: - Sr. presidente, vae larga a discussão e se não fossem os actos extraordinarios praticados pelo governo desde que assumiu a direcção dos negocios publicos, não ia eu de certo demorar a discussão e limitar-me-ia a votar contra, ou a favor, conforme a minha consciencia indicasse. Mas, em vista do que tenho dito, não posso deixar de explicar o meu voto; por modo algum ficaria satisfeito com a simples emissão de um voto silencioso; preciso dizer os motivos por que não concordo com as disposições dictatoriaes.

Sr. presidente, considero esta dictadura uma das mais offensivas dos principies, constitucionaes, e a maior que se tem praticado em Portugal, com excepção dos periodos revolucionarios da nossa historia parlamentar; oura programma completo de governo.

Nunca se commetteu igual attentado, desde que eu tive a honra de entrar para esta camara, vão já vinte annos decorridos!

Sr. presidente, primeiramente eu não posso deixar de, como official do exercito portuguez, protestar contra algumas phrases do sr. ministro dos negocios estrangeiros, que produzirão pessimo effeito no paiz e no estrangeiro.

S. exa disse que gastavamos mais de 5.000:000$000 réis, para termos um exercito que não dá honra ao paiz. Ora. permitta-me o sr. ministro que lhe observe, que o exercito portuguez sempre honrou o seu paiz! (Apoiados.)

Todos os que vestem a nobre farda do exercito portuguez têem sempre, no cumprimento dos deveres que lhes são impostos, honrado e nunca envergonhado a nação.

Alem d'isso s. exa. que tão conhecedor é das nossas cousas militares, que é tão lido, admira que mostre menos conhecimento dos progressos que já ha tempo se notam no exercito portuguez. S. exa. não devia desconhecer, pelo menos, algumas vantagens que trouxe a organisação de 1884, que proveiu do seu partido e foi decretada em dictadura.

Attenda tambem s. exa. a que o exercito portuguez não é, como o da Allemanha e de outros paizes, só empregado em tempo de paz em adestrar-se para a guerra. Em Portugal, á cavallaria e infanteria exige-se toda a sorte de serviços policiaes, o que contribue para não terem estas armas tanto tempo para se instruirem.

Todavia ha duas armas no nosso exercito, das quaes se póde dizer que estão a par das suas congeneres nos exercitos estrangeiros mais bem organisados: a engenheria e a artilheria, que muito honram o exercito portuguez. Quanto á infanteria e á cavallaria, se por emquanto não estão mais adiantadas em instrucção é tambem, por serem de recente creação as respectivas escolas praticas; mas com a excellente instrucção que ahi recebem, com os variados exercicios, em breve poderão equiparar-se ás mesmas armas dos exercitos mais adiantados.

Portanto o que o sr. ministro dos negocios estrangeiros disse do exercito é injusto e desairoso para elle, e produz deploravel effeito no espirito publico.

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Hintze Ribeiro): - Discuta v. exa. o que eu disse, mas não me attribua o que não disse.

O que eu desse foi que, gastando nós 5.000000$000 réis

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com o exercito, bom era que se não podessemos gastar menos, aproveitassemos melhor essa despeza, fazendo com que essa instuição se mantivesse dei maneira mais honrosa, para o paiz e o mais habilitada possivel a preencher proveitosamente a sua missão.

Isto não quer dizer que o nosso exercito seja menoso brioso e patriota, e n'isto não vae offensa nem censura, porque não cabia em meu animo censurar o exercito portuguez e unicamente ponderei que era necessario ampliar as suas condições de forma a que se podesse aproveitar melhor.

O Orador: - Perfeitamente de accordo, e s. exa. não póde levar a mal que eu provocasse essa explicação, qus não tendo logar seria muito desagradavel para o exercito.

Se os effectivos são diminutos, não é por sua culpa, porque os commandantes não podem ir prender os recrutas, como antigamente se fazia, e por consequencia o exercito não tem responsabilidade alguma nos factos que s. exa. apontou; pertence toda aos governos, que não lhes fornecem os contingentes aqui votados, e que muitas vezes nem por metade entram nas fileiras, vendo-se ainda o exercito obrigado constantemente a andar em diligencias e em destacamentos, com prejuizo para a disciplina e para a instrucção. que assim não póde corresponder ás exigencias actuaes, não por culpa sua, porque creia a camara que da parte do exercito ha a melhor vontade e dedicação

Isto foi um pequeno incidente, que não queria deixar passar sem ouvir as explicações do illustre ministro e que me satisfizeram.

Emquanto aos decretos da dictadura referiu-se tambem! o illustre ministro, e muito bera, dizendo que era necessario que as instituições tivessem auctoridade para serem fielmente respeitadas, especialmente por aquelles que teem de zelar pelo seu cumprimento

O parlamento deve e é obrigado a ser o guarda fiel das instituições, para que se não possa dizer que a revolução campeia no governo, attentando assim contra as instituições e dando um mau exemplo ao pai, o qual um dia póde dizer alto que não é elle só obrigado a obedecer ás leis a pagar impostos.

È necessario que nos convençamos de que legalmente o paiz tem só obrigação de pagar os impostos votados pelo parlamento, e não aquelles decretados por actos de dictadura, que são um attentado contra a soberania nacional e contra as instituições.

Emquanto as cousas correm bem, o paiz parece estar dormente e quedo, mas se houver uma crise financeira, uma suspensão de pagamentos, então o paiz levantar-se ha e pedirá restritas contas a quem tão mal zelou os seus interesses.

O paiz não póde abdicar nas mãos do governo, como succede deixando o parlamento de ser o guarda fiel das instituições, e falseando os seus membros o juramento de serem fieis á carta e ao Rei.

Este é o juramento que todos nós prestâmos e que parece estar tão esquecido.

Eu tenho já vinte annos de vida parlamentar, sou tambem culpado e muito de ter dado o meu voto a bilis de inderanidade apresentados pelos meus amigos politicos; mas entendo que é errado este caminho o que não devemos continuar; tende sempre o aggravar-se.

A virtude do arrependimento é grande.

Todos nós nos devemos arrepender de ter trilhado este caminho perigoso e fatal para as instituições e para a independencia da patria, e, portanto, devemos pôr um ponto a taes desvarios.

Os argumentos principaes que teem sido apresentados para a defeza da dictadura são, pela grande parto, a invocação dos precedentes estabelecidos pelos adversarios politicos.

Ora; sr. presidente, o illustre chefe do partido progressista já declarou aqui, e é verdade, que se considerava réu das mesmas culpas; mas que fazia penitencia e votos para que todos os partidos, no futuro, e por um compromisso solemne, se abstivessem das dictaduras.

E singular, sr. presidente!

O partido regenerador seguiu a marcha mais desgraçada que podia haver para os interesses do paiz.

O governo devia ter congregado todas as forças da nasão e estabelecido a harmonia perante o ultimatum inglez, empregando todos os esforços para que se não desse o tristissimo espectaculo de uma lucta politica encarniçada na occasião da offensa, quando todos nós deviamos estar unidos pugnando pelos nossos legitimos interesses e pela honra da patria offendida.

O governo devia continuar a solicitar a intervenção da Europa para que os nossos direitos fossem respeitados.

O governo, logo que tomou conta das pastas, depois da saida do gabinete progressista, que procedeu como devia, sacrificando a ambição do poder ao desejo de facilitar a resolução da nossa questão com a Inglaterra, e de se obterem concessões que elle já não podia alcançar, devia congregar todas as forças da nação; devia organisar um ministerio nacional em que entrassem todos os partidos, e de mais a mais sabendo que tinha o apoio do ambas as casas do parlamento.

O governo, com todos estes elementos de força, podia apresentar-se, debassorabradamente perante a Europa e solicitar-lhe a intervenção, que talvez obtivesse, para que os nossos direitos fossem atendidos e respeitados.

O governo não fez isto, julgou melhor d'ssolver as côrtes e lançar o paiz n'uma lucta partidaria.

O governo fez uma guerra de morte ao partido progressista, e estranha depois que esse partido o não auxiliasse para que em Lisboa triumphassem as candidaturas dos illustres africanistas!

Sr. presidente, o partido progressista nunca podia ser desagradavel aos illustres exploradores, que tanto lustre e gloria deram á nossa patria.

O partido progressista, perseguido pelo partido regenerador, não fez mais do que prestar algum apoio ao illustre presidente da camara municipal; mas não fez nenhuma combinação com os republicanos.

O governo sabe muito melhor do que eu quem foi que deu a maioria ás candidaturas republicanas.

Foram os eleitores indifferentes, foram esses tres mil ou quatro mil cidadãos habitualmente indifferentes, que saíram da sua indifferença pelo facto da d'ssolução da camara munipal de Lisboa.

Votaram a favor de quem muito bem quizeram, isto é, votaram no illustre presidente da camara municipal de Lisboa, e nos candidatos republicanos.

O partido progressista é um partido monarchico; não podia colligar-se com os inimigos das instituições.

Pois o governo pretendeu fazei acreditar que os progressistas só tinham alliado com os republicanos, pelo menos os jornaes affeitos á situação que está no poder propalaram esses boatos, no intuito de prejudicar deslealmente o grupo politico a que eu tenho a honra de pertencer, sempre fiel á carôa e ao Rei.

Contra a asserção a que venho de referir-me protesto eu, porque a verdade é que o partido progressista é tão convictamente monarchico como o partido regenerador.

Todo este mau estar, todo este mau caminho que trilhamos, e que ninguem sabe onde chegará, foi preparado por nós todos e de longa data.

Os governo recorrem sem motivo algum ás dictaduras e os parlamentos vão consentindo esses attentados á constituição, e não tratam de lhes pôr um dique.

No paiz existe uma grande indifferença, e a prova é que, debatendo-se aqui questões importantissimas, não têem echo algum lá fóra.

O paiz está indifferente, o leão dorme mas é preciso

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muito cuidado, porque o lançamento de novos impostos vae aggravar muito sensivelmente a situação do povo, depauperado, não só por pesadas contribuições, como pelos males que resultara das circumstancias afflictivas e angustiosas em que se encontram as classes agricola e industrial.

O paiz mostra-se ao presente indifferente e resignado, mas no entretanto sacudiu um tanto esse torpor por occasião da dissolução da camara municipal de Lisboa.

Creio que não ha exemplo de um cheque eleitoral em Lisboa, como foi o que soffreu ultimamente o governo.

Os indifferentes, aquelles que dizem que tão bons são uns como outros, sairam das suas casas, sacudiram a sua indifferença habitual e foram votar como muito bem quizeram; isto é, não foram guiados pelo partido progressista, nem pelo partido regenerador, ou outro qualquer partido, e sim fóram levados unicamente pela indignação que lhes causou um acto tão insolito, como foi o da dissolução da camara municipal de Lisboa.

Não se trata tão descaroavelmente a capital; não se attenta tão desusadamente contra o primeiro municipio do paiz.

A dissolução da camara municipal de Lisboa foi altamente inopportuna e inconveniente.

O governo pretendeu fazer acreditar que esta corporação administrativa era um ninho de revolucionarios, que estavam preparando o advento da republica em Portugal.

Disse-se até, vejam que absurdo, que o sr. Fernando Palha seria o chefe do movimento, e que se estava preparando para presidente da republica, portugueza!

Parece-me que todos sabem que aquelle illustre cavalheiro, já pela lealdade do seu caracter, já pela sua affeição aos principios monarchicos, nunca auctorisou tal suspeita.

Eu sou partidario do systema parlamentar, pretiro um mau parlamento a uma boa dictadura, porque os actos dictatoriaes são verdadeiros ataques á constuição do estado e completos abusos do poder.

O systema parlamentar foi creado exactamente para evitar os abusos e as usur-paçõas do poder executivo, estabelecendo a ponderação e harmonia entre todos os outros poderes, cuja chave é o poder moderador.

O systema parlamentar creou se para não permittir abusos e para fiscalisar e vigiar os actos dó poder executivo, de modo que a resolução dos negocios publicos seja a mais consentanea aos verdadeiros interesses da nação.

isto é que deve ser o systema parlamentar, mas hoje está na moda dizer mal do parlamento.

Ainda ha dois dias, um considerado jornal muito affecto á actual situação, dizia isto:

" Que por emquanto ainda as dictaduras fingiam a comedia de se submetter ao varedictum do parlamento, mas que tempo viria em que, com applauso da gente sensata, prescindiriam da ceremonia."

Eis o que já escreve a imprensa considerada. Bom sei que isto não é para discutir aqui; mas o caso demonstra o estado dos espiritos.

Dizem alguns que "o parlamento é uma excrescencia que é preciso quanto antes annullar ".

Ora eu pergunto ao governo e aos seus amigos o que ha de substituir a monarchia parlamentar neste paiz?

Ou o absolutismo ou a republica.

Para a republica não me parece que trabalhemos, para o absolutismo tambem não, no fim do seculo xix.

O que é preciso é que o par'amento exerça os seus direitos, cumpra os seus deveres, e não se deixe amesquinhar.

Até se inventou um termo "o parlamentarismo" para designar este systema com desfavor.

Tambem se admirara muito de que nó? discutamos longamente. Isso é natural em nós, é do clima, é da raça.

Para justificar em parte a dictadura, apresentou o governo um argumento:

" Que a nação exigia que no mais breve espaço de tempo se pozesse o paiz em estado de defeza."

Ora, para isso, não era preciso decretar em dictadura a auctorisação para a reforma do exercito e a auctorisação para fortificar Lisboa.

Tudo isso estava estudado, principalmente a defeza de Lisboa e seu porto, que tem um plano já assente e que está em via de execução, votando-se para essas obras, todos os annos, a verba necessaria.

Para dictadura no papel não era pois preciso fazer os decretos.

Mas, alem d'isso. ha aqui um grande perigo. Se o governo quizer, não lhe faço a injustiça de o acreditar, mas é uma supposição, se o governo quizer, póde encommendar de prompto toda a artilheria necessaria na importancia de alguns milhares de contos de réis.

Não está ainda fixado qual deva ser o systema a adoptar para o artilhamento das obras construidas e a construir; é necessario estudar bem o assumpto, porque divergem as opiniões entre systemas Krupp e Bange. A commi.ssão encarregada d'este trabalho ebtá-se preparando para se poder chegar á escolha mais acertada do armamento a adoptar.

Mas se o governo quizer contratar da prompto o fornecimento de artilheria, incorrerá de certo em grave responsabilidade pelas rasões expostas.

Com relação, entretanto, á defeza de Lisboa muito se tem feito, porque ha trabalhos importantissimos, desconhecidos da maior parto das pessoas que não se dedicam a estes estudos, mas que fazem honra; á engenheria portugueza: assim, por exemplo, os fortes de Sacavem, do alto do Duque e a cidadella de Caxias, construidos com a maxima economia e nas condições de satisfazer as exigencias de uma efficaz defeza; e a escola e serviço dos torpedos tão proficientemente dirigido pelo seu illustre chefe.

Disse o illustre ministro dos negocios estrangeiros. que estimaria que o exercito portugues; se podesse elevar á altura a que tem direito, para que se possa exigir d'elle o cumprimento de deveres que serão impreteriveis em casos do guerra. Ora, para isso teria sido necessario não fazer tantas despezas inuteis, e muitos capitães que se teem empregado em caminhos de ferro, do utilidade mais ou menos duvidosa, Salamanca, por exemplo, podiam ler sido destinados para uma forte organisação militar e para a defeza de Lisboa, a fim de nos pôr a coberto de um golpe de mão.

Falla-se na conveniencia das allianças. Pois uma nação pequena, como Portugal, no estado em que está, com um porto assim aberto, e a capita! á mercê do invasor, póde pretender quaesquer afianças? Não póde, porque qualquer outra nação, a primeira cousa que exigia era que nós podessemos manter a, neultralidade, e fazer respirar os nossos direito.

É uma infelicidade que uma nação pequena como a nossa, não possa collocar-se em situação de poder reagir contra as grandes nações, porque infelizmente os direitos internacionaes não existem e o que predomina é, a força; os pequenos têem sempre de se submetter, por melhores que sejam os seus direitos e os serviços prestados á humanidade.

Tudo isso é posto de parte pela ambição dos grandes nações.

Quanto á reorganisação do exercito segundo as bases do decreto, está o assumpto submettidoo a uma commissão de que tenho a honra de fazer parte, e seria portanto, inconveniente qualquer discussão antecipada a respeito do cousas que estão por resolver.

Cora respeito á guarda municipal, entendo que a reorganisação e augmento dos effectivos se devia, ter feito, pela

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fórma legal, e não era necessario dictadura, porque todos sabem que depois do augmento da area da cidade de Lisboa, isto era necessario. Mas o supposto perigo da resolução exigia, no dizer do governo, o immediato augmento da força de policia.

Ora eu não creio que a nação portugueza, sensata como e, escolhesse uma occasião tão critica, para fazer revoluções, como se tem dito.

Isso seria um acto de insensatez que eu não admitto.

Sr. presidente, agora refiro-me á reforma da marinha. Todos sabem que uma das necessidades mais urgentes d'esta nação, que tem dominios tão importantes no ultramar, é augmentar a marinha.

Os officiaes da marinha portugueza são briosos e illustrados; e a nossa marinhagem é de primeira ordem.

Nós vimos com urgulho esses briosos rapazes que atravessaram ultimamente as das de Lisboa alegres e satisfeitos, porque iam sacrificar a vida lá fóra, nos climas mortiferos da Africa e pela honra e proveito da patria.

Sr. presidente, é difficil augmentar de repente as forças maritimas, porque os marinheiros não se preparam de um dia para o outro, levam muito tempo, e os navios não surgem de repente dos estaleiros, é portanto platonica a dictadura n'este ponto.

O governo, para fazer face ás despezas extraordinarias que devem provir principalmente dos primeiros decretos dictatoriaes, que constituem a dictadura do patriotismo, desviou da applicação que legalmente tinham um certo numero de receitas, com as quaes creou, dictatorialmente, o fundo de defeza nacional; ora, não sendo novas as receitas, é claro que este expediente governativo ha de traduzir-se n'um augmento do deficit.

Uma das verbas merece especial referencia; a proveniente da venda de bens na posse dos ministerios da guerra e da marinha.

Não sei que propriedades estejam na posse dos ministerios da guerra e da marinha, cuja venda possa produzir annualmente 200:000$000 réis.

200:000$000 reis! Por quanto tempo?

O que vejo é que não ha fundamento para se mencionar aqui esia quantia.

Vejâmos agora. Qual foi o systema que o governo seguiu para obter os meios de fazer face ás enormes despezas que devera provir da reforma e armamento do exercito, das fortificações de Lisboa, do augmento de pessoal e material da armada?

Auctorisou-se a emittir um emprestimo em obrigações de 20$000 réis e juro de 4 1/2 por cento.

Sinto muito dizel-o, mas ninguem póde crer que este paiz, exhausto de recursos como está, possa com os capitaes nacionaes occorrer áquellas despezas. Se se chegasse a effectuar a emissão de tal emprestimo, havia de ter um deploravel successo. Por maior que fosse o patriotismo de todos, não havia no paiz o capital disponivel para occorrer a despezas que podem elevar-se a dezenas de milhares de contos.

E verdade que se não pediria tudo n'um anno; mas se o governo tentasse uma emissão de 600:000$000 réis, já lhe havia de ser difficil realisal-a com exito.

Creio que o governo não pensou ainda em levar a effeito similhante emprestimo.

(Aparte.)

Não foi preciso, porque os decretos que dizem respeito ao armamento estão só aqui no papel; pouco ou nada se tem feito, e quando se quizer fazer alguma cousa, então ha de ser necessario, não só lançar mão do emprestimo, mas de outros recursos extraordinarios.

Deu a hora; e, como tenho ainda a expender algumas considerações, peço a v. exa. que me reserve a palavra.

O sr. Presidente: - A ordem do dia para amanhã é, na primeira parte, a discussão do parecer n.° 52, e na segunde, parte, a continuação da discussão do parecer n.° 48.

Está levantada a sessão.

Eram seis horas da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 10 de julho de 1890

Exmos. srs. Antonio Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel; Antonio José de Barros e Sá; Marquez de Vallada; Condes, das Alcaçovas, de Alte, da Arriaga, d'Avila, do Bomfim, de Carnide, da Folgosa, de Lagoaça, de Thomar; Bispo da Guarda; Viscondes, de Alemquer, da Azarujinha, de Castro e Sola, de Ferreira do Alemtejo, de Paço de Arcos, de Soares Franco; Agostinho de Ornellas, Sousa e Silva, Caetano de Oliveira, Antonio J. Teixeira, Botelho de Faria, Costa Lobo, Cau da Costa, Augusto Cunha, Bernardo de Serpa, Cypriano Jardim, Hintze Ribeiro, Firmino J. Lopes, Costa e Silva, Francisco Cunha, Van-Zeller, Barros Gomes, Jeronymo Pimentel, Baima de Bastos, Calça e Pina, Coelho de Carvalho, Gusmão, Gomes Lages, Gama, Bandeira Coelho, Ferraz de Pontes, José Luciano de Castro, Rodrigues de Carvalho, Mello Gouveia, Sá Carneiro, Mexia Calema, Luiz de Lencastre, Camara Leme, Pereira Dias, Sousa Avides, Vaz Preto, Marçal Pacheco, Franzini, Cunha Monteiro, Pedro Correia, Rodrigo Pequito.

Em virtude da resolução da camara publica-se a seguinte representação:

Illmo. e exmo. sr. presidente da camara dos dignos pares do reino. - As classes graphicas de Lisboa, reunidas em sessão publica, a convite da liga das artes graphicas, e julgando interpretar os interesses de todos os seus collegas do paiz, resolveram representar á camara dos dignos pares do reino, a fim de que se ponha cobro á execução do decreto dictatorial que restringe a liberdade de imprensa.

Não somos movidos por qualquer interesse partidario, por qualquer especulação politica, ao reclamarmos contra esse decreto: obdecemos unica e simplesmente á nossa consciencia, que nos demonstra exhuberantemente que a nova lei de imprensa vem cercear os nossos interesses, já de si tão cerceados.

A responsabilidade acarretada aos chefes ou administradores das officinas graphicas, onde se publiquem jornaes ou pampliletos, cuja doutrina possa considerar-se subversiva, essa responsabilidade constitue uma ameaça constante, pesando, como a espada de Damocles, sobre a cabeça dos industriaes. O resultado é que muitas officinas presentemente têem reluctancia em se encarregar de jornaes, e, n'este estado de cousas, resulta fatalmente uma crise, que será impossivel conjurar. Principalmente os typographos dos jornaes não têem hoje o seu logar seguro, o seu presente garantido: uma sentença judicial, suspendendo a publicação de qualquer periodico, é o bastante para reduzir á miseria dezenas de operarios.

Nas provincias, já se nota o mau estar, as dificuldades que a nova lei de imprensa veiu accarretar á familia typographica. Jornaes que suspenderam já, em virtude da publicação da lei contra a qual reclamâmos, deixaram sem trabalho muitos collegas nossos. E, no entanto, saiba-o v. exa., e saibam-n'o os dignos pares do reino, a crise de trabalho que se manifesta entre nós é continua; será agora aggravada com o cumprimento do decreto, que veiu constituir uma ameaça constacte para o capital e para o trabalho graphico.

Somos uma arte votada ao ostracismo e á miseria, em quanto lá fóra as classes graphicas teem a protecção do

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estado ou do municipio, protecção que serve de estimulo e de incitamento, aqui vegetam, desprotegidas, sem que alguem erga a sua voz, fremente de enthusiasmo, em prol do nosso bem estar.

Debalde procurâmos escolas profissionaes e de desenho, que aproveitem ás nossas artes; debalde procurámos instituições, modeladas segundo os processos das que existem no estrangeiro; debalde pedimos a hygiene das officinas e a regularisação da aprendizagem.

Ainda mais. Precisamente quando nós levantámos a nossa voz, a reclamar que em todas as officinas haja uma percentagem entre o numero de officiaes e de aprendizes, e n'esse momento que uma officina do estado, a imprensa da universidade, explora, em detrimento de uma classe, a aprendizagem, a mina do capitalismo.

Condemnados até aqui, a morrer minados pela tuberculose, unicamente porque ainda não houve nas altas regiões quem se lembrasse de que as officinas graphicas precisam de luz, de ar e de ventilação, e ordenasse n'esse sentido uma rigorosa syndicancia, vamos ser condemnados agora a uma crise fatal, que virá aggravar a nossa critica situação.

É para conjurar estes inales, que nós appellamos para a camara dos dignos paras. Será escutada a nossa voz, rude, despida de attractivos, mas reppleta de sinceridade? Nau o sabemos; se, porém, o não for, as classes graphicas registrarão, nos seus annaes, que mais uma vez foram votadas ao abandono.

Podem haver desmandos jornalisticos, excessos de linguagem, mas o que não póde, por forma alguma, é o material graphico ou o dono ou administrador de uma officina responder por esses excessos ou por esses desmandos. Seria facto verdadeiramente novo que, a não constituir uma excepção, odiosa para nós, para a nossa arte, teria de dar logar a uma remodelação completa da actual legislação.

Todos os interesses se podem conciliar, sem ser preciso cavar mais fundo a ruina d'esta arte, precisamente a arte sem a qual a civilisação e o progresso seriam utopias.

Reclamando perante v. exa. e perante a camara dos digno pares do reino, nós aguardâmos que nos seja feita justiça, decretando-se novamente a liberdade de imprensa, base primordial de todas as liberdades.

Lisboa e sala das sessões da liga das artes graphicas, aos 6 dias do mez de julho de 1890. - (Seguem 403 assignaturas.)

Rectificação

Na sessão de 8 do corrente, a pag. 491 e 492 do Diario da camara, onde se menciona a proposta do digno par sr. Jeronymo Pimentel para a acquisição de 200 volumes da ultima obra do sr. barão de S. Clemente, não se limitou o digno par, como da mesma sessão consta, a apresentar a proposta. S. exa., apresentando-a, acompanhou a de algumas palavras cio maior elogio áquelle distinctissimo funccionario, as quaes, por falta de attenção do redactor abaixo assignado, não foram incluidas no original remettido á imprensa. = O redactor, Fernando Caldeira.

O redactor = F. Alves Pereira.

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