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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

CONSTITUIÇÃO EM TRIBUTA DE JUSTIÇA

Extracto da sessão de 1 de outubro de 1892

Juiz Presidente - O exmo sr. conselheiro Augusto Cesar Barjona de Freitas

Juiz relator - O digno par sr, Tavares Pontes

Representante do ministerio publico - O exmo. sr, conselheiro Sequeira Pinto, procurador geral da corôa

Escrivão - O exmo. sr. conselheiro e director geral da secretaria, Hemeterio Luiz de Sequeira

Advogado do accusado (o digno par Mendonça Cortez) - O sr. dr. Carlos José de Oliveira

Abertura da sessão ás doze horas e meia da tarde, achando-se presentes 32 dignos pares.

E lida na mesa a seguinte carta regia:

" Doutor Augusto César Barjona de Freitas, do meu conselho e do d'estado, par do reino e ministro doestado honorario, amigo. Eu El-Rei vos envio muito saudar, como aquelle que amo.

" Tendo-me pedido a sua exoneração do cargo de presidente da camara dos dignos pares do reino o conselheiro Antonio Telles Pereira de Vasconcellos Pimentel, por ser o desempenho das respectivas funcções incompativel com as de ministro e secretario d'estado dos negocios ecclesiasticos e de justiça, que actualmente exerce; e

" Tendo eu em consideração o vosso distincto merecimento, experiencia dos negocios publicos e mais circumstancias que concorrem na vossa pessoa: hei por bem nomear-vos presidente da camara dos dignos pares do reino para as sessões em que a mesma camara houver de funccionar até ao fim do corrente anno.

Escripta no paço das Necessidades, em 24 de setembro de 1892. = EL-REI. = José Dias Ferreira."

Leu-se em seguida um officio do ministerio do reino remettendo o seguinte decreto da presidencia do conselho de ministros:

" Attendendo ao que me representou o presidente da camara dos dignos pares do reino ácerca de se achar preparado para entrar em julgamento o processo instaurado contra o digno par do reino João José de Mendonça Cortez, pelo crime de abuso de confiança: hei por bem, tendo em vista as disposições da lei de 15 de fevereiro de 1849, e ouvido o conselho d'estado, convocar a camara dos dignos pares do reino para o dia 3 de outubro proximo, a fim de que, constituida em tribunal de justiça, possa occupar-se do julgamento d'aquelle processo.

O presidente da camara dos dignos pares do reino assim o tenha entendido para os effeitos convenientes.

Paço, em 6 de agosto de 1892.= EL-REI. = José Dias Ferreira."

O sr. Juiz Presidente diz que em virtude deste decreto, acha-se constituida a camara em tribunal de justiça, e convida o sr. relator do processo a occupar o seu logar.

(Toma assento á direita do sr. juiz presidente o sr. juiz relator, digno par Tavares Pontes.)

É lida a seguinte relação dos dignos pares que justificaram as suas faltas:

Bispo de Vizeu.

Arcebispo bispo de Portalegre

Bispo de Lamego.

Conde de Samodães.

Visconde de Villa Mendo.

Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa.

Visconde de Castro e Solla.

Visconde de Sousa Fonseca.

Conde de Thomar.

Bispo de Beja.

Arcebispo bispo do Algarve.

Joaquim Trigueiros Pestana Martel.

Antonio Luiz de Sousa Henriques Secco.

Bispo da Guarda.

José Joaquim de Castro.

Conde da Ribeira Grande.

Polyearpo Pecquet Ferreira dos Anjos.

Placido Antonio da Cunha e Abreu.

isconde de Portocarrero.

José Augusto da Gama.

Antonio Egypcio Quaresma Lopes de Vasconcellos.

Anselmo Braamcamp Freire.

Arcebispo de Braga.

Miguel Maximo da Cunha Monteiro.

Conde de Valbom.

José de Mello Gouveia.

Visconde de Ferreira do Alemtejo.

Hermenegyldo Gomes da Palma.

João Ignacio Holbeche.

Antonio Pequito Seixas de Andrade.

Antonio de Oliveira Monteiro.

José Maria Rodrigues de Carvalho.

Arcebispo de Evora.

Luiz Adriano de Magalhães e Menezes de Lencastre.

Visconde de Soares Franco.

Julio Marques de Vilhena.

Jeronymo da Cunha Pimentel.

Conde de Bertiandos.

Augusto Cesar Cau da Costa.

Marçal de Azevedo Pacheco.

O sr. Juiz Presidente diz que, segundo o regimento da camara, quando constituida em tribunal de justiça, a primeira cousa que ha a fazer é a declaração da competencia, por parte da camara dos dignos pares.

Para isso pergunta ao digno par accusado ou ao seu advogado, se sobre isso alguma cousa tem que allegar.

O sr. Advogado responde negativamente.

O sr. Juiz Presidente declara que n'esse caso consulta a camara sobre se se julga competente para apreciar do seguimento do processo.

Consultada a camara, resolveu afirmativamente.

O sr. Advogado manda para a mesa dois documentos, sendo um d'elles uma certidão do accordão proferido pelo supremo tribunal de justiça no recurso de revista para elle interposto pelo sr. Pedro Angelo Calleya, um dos pronunciados conjunctamente com o digno par accusado, sr. Mendonça Cortez; e o outro, tres cartas juntas, tambem por certidão a esse processo, e relativas aos negocios do banco

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lusitano; e pede que ellas sejam presentes ao digno representante do ministerio publico, a fim de s. exa. dizer se impugna on não a sua juncção ao processo.

O sr. Representante do ministerio publico lembra que não é uso nos tribunaes superiores, no dia de julgamento, a juncção ao processo de quaesquer documentos. Entretanto, como entende não ser prejudicial a juncção dos documentos referidos, nem á accusação nem á defeza, não tem a menor duvida em acceder ao pedido do sr. advogado, resolvendo, entretanto, depois o tribunal como entender.

Foi em seguida lido na mesa o rol das testemunhas.

O sr. Juiz Presidente declara faltar uma testemunha de accusação, Joaquim Pimenta, e assim pergunta ao sr. representante do ministerio publico se prescinde d'essa testemunha.

O sr. Representante do ministerio publico responde affirmativamente com a condição de na devida altura ser lido o depoimento dessa testemunha.

O sr. Juiz Presidente pergunta igualmente ao sr. advogado se prescinde das testemunhas de defeza que não compareceram.

O sr. Advogado responde affirmativamente.

Procedeu-se em seguida á leitura das peças do processo, depois do que principiou a inquirição das testemunhas de accusação.

l.ª Testemunha, Antonio Gaspar Teixeira de Lemos, casado, chefe da contabilidade da companhia real dos caminhos de ferro portuguezes, de sessenta e um annos de idade, morador na avenida da Liberdade n.° 38.

Aos costumes disse nada.

Leu-se na mesa o depoimento da 2.ª testemunha, Joaquim Pimenta, depois do que, procedeu-se á inquirição da

3.ª Testemunha, Pedro José da Silva Franco, casado, guarda-livros da companhia alliança fabril, de cineoenta e um annos de idade, morador na rua do Duque de Palmella n.° 25.

Aos costumes disse nada.

Foi lido o depoimento de uma testemunha que não compareceu, João Carlos de Amorim Vianna.

5.ª Testemunha, Antonio de Sousa Vasconcellos, casado, secretario geral da companhia real dos caminhos de ferro portuguezes, de quarenta e um annos de idade, morador na calçada da Gloria n.° 3.

Aos costumes disse nada.

6.ª Testemunha, D. José Navarro, casado, thesoureiro da companhia real dos caminhos de ferro portuguezes, de cincoenta annos de idade, morador na rua de José Estevão.

Aos costumes disse nada.

7.ª Testemunha, Antonio José de Andrade Figueiredo, casado, guarda livros do banco ultramarino, de sessenta e um annos de idade, morador na rua de S. Paulo n.& 103, 3.°

Aos costumes disse nada.

8.ª Testemunha, João Carlos Sequeira, casado, thesoureiro do banco de Portugal, de cincoenta e quatro annos de idade, morador na rua do Duque de Palmella, n.° 2.

Aos costumes disse nada.

O sr. Juiz Presidente diz que antes de continuar a inquirição de testemunhas tem de communicar á camara que acaba de receber a seguinte declaração:

"Illmo. e exmo. sr. - Os abaixo assignados, pares do reino, tendo sido convocados para comparecer hoje ao meio dia na sala das sessões da camara dos dignos pares, a fim de tomarem parte no julgamento do processo do digno par J. J. de Mendonça Cortez, tendo comparecido successivamente desde o meio dia e vinte minutos, mas não tendo sido admittidos ao julgamento com o fundamento de se ter já constituido a camara em tribunal e de ter já sido reclamada a sua comparencia, pedem a v. exa. se digne fazer constar este facto no tribunal, e mandar juntar ao respectivo processo esta sua reclamação.

Palacio das côrtes, 3 de outubro de 1892. = José Luciano de Castro = A. Ferreira de Mesquita = José Bandeira Coelho de Mello = Conde da Azarujinha = Vaz Preto =Visconde de Alemquer = Visconde da Silva Carvalho = José Gomes Lages = Joaquim José Coelho de Carvalho = Joaquim Antonio de Calça e Pina = Conde de Lagoaça = Carlos Eugenio de Almeida = Antonio de Sousa Pinto de Magalhães = Luiz Candido Pessoa de Amorim = Augusto Neves dos Santos Carneiro = José Baptista de Andrade = Conde do Restello."

Deve, depois desta declaração, declarar que, logo depois da hora a que o tribunal se reuniu, a primeira cousa que fez foi consultar a camara sobre se se julgava competente a respeito do processo. Ora, o § 3.° do artigo 1.° do novo regulamento da camara, quando constituida em tribunal de justiça, diz:

"Só os pares, que comparecerem antes de declarada a competencia do tribunal, poderão funccionar até final, e nenhum poderá eximir-se de votar."

E como os dignos pares que assignam esta declaração, compareceram só depois de declarada a competencia do tribunal, parece, segundo a letra deste § 3.°, que elles não podem funccionar como juizes; e assim o fez communicar a s. exas., porque é expressa a letra do regimento. Entretanto, como a camara é auctora desse regimento, ella deliberará se a interpretação dada pela mesa é ou não a que se deve seguir, e n'esse sentido vae consultal-a.

Consultada a camara, resolveu afirmativamente.

Continuando a inquirição das testemunhas, é introduzida na sala a

7.ª Testemunha, Felisberto José da Costa, casado, chefe de contabilidade do banco commercial de Lisboa, de quarenta e quatro annos de idade, morador na rua de Victorino Damasio n.° 26.

Aos costumes disse nada.

O sr. Sebastião Calheiros, pede ao sr. juiz presidente que o informe sobre o que se deu a proposito de uma declaração de alguns dignos pares, lida na mesa, porque não póde comprehender o que se passou.

O sr. Juiz Presidente recorda o que se deu, explicando julgar interpretar o novo regulamento da camara, não dando entrada aos dignos pares que compareceram já depois de declarada a competencia do tribunal. Sobre isso consultou a camara, a qual já deliberou, e portanto julga terminado esse incidente.

O sr. Sebastião Calheiros requer entretanto que seja consultado o tribunal sobre se concorda ou não que os dignos pares que compareceram depois da constituição do tribunal devem ser introduzidos na sala.

O sr. Juiz Presidente declara que vae de novo consultar a camara sobre se ella entende ou não que a verdadeira intelligencia do § 3.° do artigo 1.° do novo regulamento é no sentido de que os referidos dignos pares que comparecerem depois do tribunal constituido, não podem funccionar.

Consultada a camara, resolveu no sentido de que esses dignos pares não podiam funncionar.

Procedeu-se em segnido á inquirição das testemunhas de defeza.

l.ª Testemunha, João Eduardo Ahrens, casado, gerente e proprietario da companhia alliança fabril, de setenta e um annos de idade, morador na calçada da Estrella n.° 85.

Aos costumes disse nada.

2.ª Teste§ni2nÉas José Luiz da Silva, solteiro, empregado na companhia alliança fabril, de vinte e nove annos de idade, morador na rua de S. Paulo n.° 4, 2.°

Aos costumes disse nada.

Seguiu-se o interrogatorio do digno par accusado, sr. Mendonça Cortez, depois do que o sr. juiz presidente declarou começarem os debates.

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EXTRACTO DA SESSÃO DE 3 DE OUTUBRO DE 1892 3

O sr. Representante do ministerio publico, antes de entrar na sustentação da procedencia da aceusação redigida no libello, contra o digno par sr. Mendonça Cortez, pede licença para rapidamente responder a não poucas arguições que lhe foram feitas, em virtude da instauração deste processo, arguições tão injustas como violentas, e nas quaes foi incluido tambem o digno ex-presidente da camara sr. conselheiro Telles de Vasconcellos.

Não teye até hoje occasião de poder defender-se d'essas arguições, porque pela imprensa não podia fazel-o, em consequencia de não estar nos habitos judiciaes ir o ministerio publico discutir para a imprensa; e nesta camara tambem não podia responder porque tornar-se-ia assim incompativel com o logar que hoje exerce, e não queria tambem declinar em nenhum dos seus amigos e collegas uma missão que era desagradavel e ingrata.

Desde que se instaurou este processo, o orador esteve sempre, em todos os termos d'elle, de pleno accordo com o illustre ex-presidente da camara; portanto a responsabilidade dos dois era conjuncta.

Depois de historiar largamente os factos passados no começo da instauração do processo, o orador passou a tratar desse mesmo processo, dizendo que se não fosse pela necessidade de obedecer á lei do processo, que manda instaurar e formular o libello com a apresentação de testemunhas, não as teria apresentado, porque para si a questão está noutro campo; está na apreciação juridica dos documentos que estão juntos ao processo, os quaes faliam mais alto do que quaesquer declarações das testemunhas; o seu desejo, portanto, é simplificar a questão, não fazendo uma accusação espectaculosa, porque quando a accusação é evidente, e o ministerio publico está, infelizmente, num campo tão seguro, o que elle deve fazer é dizer apenas o que é preciso.

Passando em seguida a tratar largamente das peças do processo, o orador terminou sustentando que a base de todo o processo é que o deposito em tempo feito no banco lusitano, de 2:500 obrigações da companhia real dos caminhos de ferro, só podia ser levantado para ser entregue á companhia ou a quem legalmente pertencessem, e não para irem para o monte pio geral, e n'esse caso o digno par accusado tem n'isso responsabilidade, como director do banco, pois uma transacção d'estas não podia ser feita sem conhecimento de todos os directores, por ser ella importante. Quanto, porem, ao desconto feito pelo digno par accusado de oito letras no valor de 10:000$000 réis, é fora de duvida que isso é causa aggravante, porquanto na situação em que já se achava o banco lusitano devia haver mais prudencia em taes transacções.

Quanto, porém, ao facto principal, o levantamento do deposito das 2:500 obrigações, houve violação da propria lei commercial e da lei civil, porque não só pelo regulamento dos bancos, como pelas leis bancarias, os depositos
não podem ser levantados sem consentimento dos depositantes. Deixa, entretanto, ao tribunal, o decidir como melhor julgar em sua sabedoria.

O sr. Advogado começa declarando não ter que responder á primeira parte do discurso do sr. representante do ministerio publico, porquanto não tendo intervindo nas arguições a que s. exa. se referiu, nada tem com ellas, nem nisso tem responsabilidade, bem como o seu constituinte. Passou em seguida a historiar largamente o processo, lendo varias peças e documentos, e depois de fazer a sua critica juridica, termina sustentando que o digno par accusado interferencia alguma teve nas transacções feitas no banco lusitano, e que serviram de base a este processo.

Depois de ligeiras observações, em replica e treplica, do sr. representante do ministerio publico e do sr. advogado, o sr. juiz presidente declara encerrados os debates e convida os srs. juizes a recolherem á sala das conferencias.

Eram cinco horas e quarenta minutos da tarde.

As seis horas e quarenta minutos da tarde reabriu-se a audiencia, sendo lido pelo sr. juiz relator o seguinte accordão:

Accordam em conferencia na camara dos pares, constituida em tribunal de justiça:

Que por falta de provas dos factos em que se funda a accusação, julgam esta improcedente, e d'ella absolvem o réu.

Lisboa e sala das sessões da camara, 3 de outubro de 1892. = Augusto César Barjona de Freitas, presidente = J. F. Tavares de Pontes., relator (vencido) = Marquez de Fontes Pereira de Mello = Marquez de Fronteira (vencido) = Marquez de Pombal (vencido) = Conde d'Avila (vencido) = Conde de Cabral = Conde de Carnide = Conde do Casal Ribeiro = Conde de Gouveia (vencido) = Conde de S. Januario = Barão de Almeida Santos (vencido) = Agostinho Ornellas (vencido) = Alberto Antonio de Moraes Carvalho (vencido em parte)= Antonio Candido Ribeiro da Costa = Antonio Emilio Correia de Sá Brandão = Antonio José Teixeira = Antonio do Rego Botelho de Faria = Antonio de Serpa Pimentel = Augusto José da Cunha (vencido) = Carlos Augusto Palmeirim = Francisco Maria da Cunha = João Chrysostomo de Abreu e Sousa = Joaquim de Vasconcellos Gusmão = José de Sande Magalhães Mexia Salema = José Vicente Barbosa du Bocage (vencido) = Luiz Rebello da Silva (vencido) = D. Luiz da Camara Leme (vencido) = Manuel de Sousa Avides (vencido) = Pedro Augusto Correia da Silva = Rodrigo Affonso Pequito = Sebastião Lopes de Calheiros e Menezes (vencido).

O sr. Juiz Presidente declara encerrados os trabalhos da camara dos dignos pares constituida em tribunal de justiça.

Eram seis horas e quarenta e cinco minutos da tarde.

O tachygrapho = A. Lagrange.

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