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CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

SESSÃO N.° 59

EM 12 DE MARÇO DE 1907

Presidencia do Exmo. Sr. Conselheiro Augusto José da Cunha

Secretarios - os Dignos Pares

Luiz de Mello Bandeira Coelho
José Vaz Correia Seabra de Lacerda

SUMMARIO. - Leitura e approvação da acta. - Expediente. - O Sr. Ministro da Justiça responde ás perguntas que lhe foram dirigidas pelo Digno Par Sr. Ernesto Hintze Ribeiro na sessão do dia 6. -Entre o Digno Par Sr. Jacinto Candido e o Sr. Presidente, trocam-se explicações sobre o atraso que tem havido na Imprensa Nacional relativamente á publicação do Summario e dos Annaes d'esta Camara, e entre o mesmo Digno Par e o Sr. Ministro da Justiça acêrca da reivindicação judicial dos bens dos passaes.

Ordem do dia. - (Continuação da discussão sobre o projecto de lei que regula a liberdade de imprensa). Usam da palavra os Dignos Pares

Srs. Eduardo José Coelho e Teixeira de Sousa. - O Sr. Presidente levanta a sessão.

Pelas 2 horas e 40 minutos dá tarde, o Sr. Presidente declarou aberta a sessão.

Feita a chamada, verificou-se a presença de 21 Dignos Pares.

Foi lida, e approvada sem reclamação, a acta da sessão anterior.

Mencionou se o seguinte expediente:

Mensagens da Camara dos Senhores Deputados com as proposições de lei que teem por fim:

Modificar algumas disposições legislativas respeitantes a jazigos de petroleo.

Subsidiar a Sociedade Nacional de Bellas Artes para a construcção de um edificio destinado a exposições.

Permittir a matricula no Curso Superior de Letras a determinados individuos.

O Sr. Ministro da Justiça (José Novaes): - Sr. Presidente: n'uma das sessões passadas o Digno Par Sr. Hintze Ribeiro interrogou o Governo acêrca dos motivos por que mandou abrir novo concurso para o provimento da igreja de Cossourado.

A este respeito tenho a informar o Digno Par de que se mandou abrir novo concurso porque uns concorrentes desistiram, outros tinham más informações, e ainda outros foram collocados n'outras egrejas.

Perguntou-me tambem S. Exa. qual o motivo por que a proposta para a nomeação de juizes substitutos do juiz de direito na comarca de Arcos de Valle de Vez tinha sido alterada.

Responderei:

Um dos propostos, que era conservador da comarca, fora exonerado a seu pedido por estar cego, e eu entendi que tendo-se elle impossibilitado para o logar de conservador, impossibilitado estaria para o cargo de juiz substituto.

Outro proposto era o Sr. Conselheiro Gaspar de Azevedo de Araujo e Gama, com quem mantenho relações pessoaes, e que é digno de toda a consideração e estima.

Mas não o julguei em condições de bem desempenhar aquelle cargo, sem que d'isto, aliás, se deva deprehender qualquer circumstancia deprimente ou desairosa para o referido cavalheiro.

O Ministro da Justiça tem faculdades para a livre escolha entre os propostos.

Todavia eu só por circumstancias especiaes deixo de seguir a ordem da proposta.

Sr. Presidente: creio haver respondido ás perguntas do Digno Par Sr. Hintze Ribeiro.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Ernesto Hintze Ribeiro: - Agradeço ao Sr. Ministro da Justiça as suas respostas.

Desde que S. Exa. declara que a exclusão dos bacharéis indicados na proposta não foi devida a qualquer circumstancia que se relacione com o caracter e dignidade pessoal, abstenho-me de novas considerações, deixando ao Sr. Ministro da Justiça a responsabilidade do seu acto.

(O Digno Par não reviu).

O Sr. Jacinto Candido: - Sr. Presidente: aproveito a occasião de estar presente o Sr. Ministro da Justiça para perguntar a S. Exa. se já assentou no procedimento a seguir com os delegados do Ministerio Publico acêrca da reivindicação judicial dos passaes dos parochos, assumpto sobre o qual chamei ha dias a attenção do Governo.

O Sr. Ministro da Justiça prometteu que estudaria este assumpto e que veria o que mais convinha fazer: se expedir uma portaria para que os delegados do Ministerio Publico acompanhassem as acções e fizessem seguir os recursos até ao Supremo Tribunal de Justiça, com o intuito de se adoptar uma jurisprudencia definida; se trazer ao Parlamento uma proposta de lei no sentido de regular de um modo efficaz os direitos dos parochos aos bens dos passaes.

Pergunto a S. Exa. qual dos alvitres resolveu referir.

Desejava que S. Exa. me respondesse.

Outro ponto a que vou referir-me é o que diz respeito ás difficuldades que

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continuam a embaraçar a cobrança das congruas parochiaes.

Em Freixo de Espada-á-Cinta, por exemplo, o parocho ha largo tempo que está perdendo todos os annos 50$000 réis da sua côngrua, a qual aliás é apenas de 180$000 réis, contando a freguesia oitocentos fogos.

Quando algum parochiano remisso é chamado ao pagamento, mettem-se de permeio os influentes na politica local contrariando os legitimos interesses do parocho.

De Porto de Mós dizem-me amigos meus que a auctoridade administrativa cria embaraços á cobrança das côngruas.

A este respeito eu já tive occasião de apresentar algumas reclamações ao Governo, e n'essa occasião o Sr. Presidente do Conselho prometteu de uma maneira categorica adoptar providencias de ordem a que taes abusos se não repetissem e as disposições das leis fossem cumpridas.

Todavia é certo que continuo recebendo identicas reclamações, motivo por que continuo a pedir providencia?, que estão decerto na boa vontade dos Srs. Ministros, mas que infelizmente os seus delegados, nas pequenas circumscripções administrativas, não adoptam, com manifesto prejuizo dos parochos.

E necessario que o Governo faça manter o principio de auctoridade e respeitar as suas instrucções.

Eu retiro por completo toda e qualquer ideia de que o Sr. Presidente do Conselho venha para o Parlamento fazer declarações e depois dê outras instrucções aos seus subordinados.

Faço inteira justiça a S. Exa., mas peco-lhe que obrigue as suas auctoridades ao cumprimento das instrucções que hajam recebido.

Agora não posso deixar de me referir a outro assumpto, que se prende com a dignidade d'esta Camara.

V. Exa. é o nosso digno Presidente, e no desempenho das suas funcções tem a mais alta e a mais nitida comprehensão dos seus deveres.

Não é seguramente por sua vontade, nem da mesa, nem de quem dirige os serviços d'esta Camara que o Summario das nossas sessões está em atraso de cinco ou seis dias e que a publicação dos Annaes apenas abrange as sessões de novembro do anno passado.

Ha um defeito. Qual é esse defeito e de onde provem elle?

Eu não sei nem posso dizê-lo, e rogo a V. Exa. que se digne interromper-me, dando-me a este respeito os esclarecimentos necessarios.

Repito: nós trabalhamos todos, impulsionados pelo desejo de cooperar, tanto quanto caiba nas nossas forças, para o bem do paiz; e devemos querer j que n'elle echoem as nossas palavras, discursos e reflexões sobre assumptos occorrentes e vitaes.

Falamos aqui para o paiz, e o unico meio de lhe transmittirmos o nosso pensamento e as nossas doutrinas está no boletim parlamentar d'esta casa.

Mas com o atraso que é feita essa publicação o paiz nada conhece, com caracter official, do que aqui se passa.

Desejaria que V. Exa. se dignasse dar-me as explicações que se lhe offerecerem para eu continuar na ordem de considerações que a este respeito se me afigurem convenientes.

(O Digno Par não reviu).

O Sr. Presidente: - A Camara sabe que o serviço do Summario das nossas sessões, desempenhado pela respectiva repartição d'esta Camara com toda a regularidade, exactidão e zelo, se atrasou ha cerca de quinze dias na sua publicação.

Direi como os factos se passaram.

O administrador da Imprensa Nacional veio participar á secretaria da Camara que não podia effectuar os trabalhos de composição e impressão de um modo regular, como até ahi, porque lhe faltavam os meios pecuniarios para pagar os salarios aos compositores que trabalhavam de noite n'esse serviço.

A verba destinada ao custeio dos serões n'aquelle estabelecimento do Estado foi supprimida, e por isso a composição typographica do Summario, feita ali durante a noite, teve de cessar.

Aqui está a razão principal por que a publicação do Summario se atrasou.

Mas ainda ha outra razão.

Vem a ser que alguns Dignos Pares que desejam rever as notas tachygraphicas traduzidas, reteem essas notas por mais tempo do que o regulamentar, o que tambem contribue em parte para a demora na publicação.

Estas são as razoes principaes por .que o Summario está effectivamente atrasado.

Quanto á primeira causa lenho tenção de pedir ao Sr. Presidente do Conselho que dê as ordens necessarias para que este modo de ser não continue pelo que respeita á Imprensa Nacional.

S. Exa. tem estado doente e eu não tenho querido incommodá-lo, sendo por isso que ainda não está resolvido o assumpto.

Por outro lado pedirei aos Dignos Pares que não demorem a revisão das notas tachygraphicas quando desejem fazê-la.

O mesmo pedido lhes dirijo quanto aos Annaes, porque a causa unica do atraso d'esta publicação está em alguns Dignos Pares demorarem a revisão dos seus discursos e alguns mesmo não os restituirem, sem terem declarado que prescindem da revisão. (S. Exa. não reviu).

O Sr. Jacinto Candido: - Vou dizer o que se me offerece sobre as explicações que V. Exa. teve a bondade de me dar sobre este assumpto.

E começarei pelo Summario.

O facto de serem os Summarios impressos hoje, ou d'aqui a cinco ou seis dias, não representa economia nenhuma para o Estado.

A despesa é a mesma. Tem de fazer-se, e faz-se de um ou outro modo.

Mas a demora é prejudicial, porque o Summario tem por fim dar ao paiz rapido conhecimento dos assumptos que se discutiram na sessão anterior.

Toda e qualquer demora desvirtua esse fim.

Portanto, se não ha meios para trazer o Summario em dia, reclame-os V. Exa. do Governo para se fazer ò serviço como deve ser feito e não com o atraso de dias, porque assim como está não satisfaz.

O que me parecia mais conveniente era que a verba orçamental para satisfazer todos os serviços da Camara estivesse á disposição da mesa, que a administraria segundo o seu alto criterio.

E, se for necessario, eu não terei a menor duvida em apresentar uma proposta n'este sentido.

Isto pelo que respeita ao Summario das. nossas sessões.

Com relação á publicação dos Annaes, não julgo conveniente que essa publicação se deixe de fazer regularmente por causa da demora dos meus collegas na revisão das notas dos seus discursas.

Eu não sou dos mais diligentes, mas parece-me melhor que no caso de algumas notas não chegarem a tempo de ser publicadas, se fizesse um extracto do discurso com a declaração de que seria publicado na integra quando o orador o restituisse.

Como V. Exa. sabe, o publico interessa-se pelas questões parlamentares na propria occasião e não passados mezes..

Parecia-me, Sr. Presidente, que voltando-se ao antigo costume, a publicação se faria com mais regularidade e satisfaria ao fim que certamente tem em vista, que é o de dar conhecimento ao publico do tudo quanto se passa no Parlamento.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Presidente: - Com respeito á proposta em que o Digno Par falou ha pouco, direi que ella exigiria uma reforma tão radical, que não se podia resolver de momento.

O que eu vou fazer é instar junto da

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Governo para que dê as necessarias ordens á Imprensa Nacional, a fim de que a publicação do Summario se faça com a maxima brevidade e não seja preterida por outros serviços, embora urgentes, das differentes secretarias de Estado.

Agora na Imprensa Nacional não ha serões por falta de recursos pecuniarios, e d'ahi a accumulação de trabalhos.

(S. Exa. não reviu).

O Sr. Jacinto Candido: - V. Exa. sabe que em toda a minha vida parlamentar tenho reclamado pelo prestigio do Parlamento.

Não posso admittir que a Imprensa acuda aos serviços dependentes dos differentes Ministerios, ficando os serviços do poder legislativo de parte, como materia de segunda classe.

Protesto contra facto de collocar sempre o Poder Legislativo em subalternidade do Poder Executivo, agora até na publicação dos seus Annaes.

Se a demora na publicação do Summario das nossas sessões é uma questão de economia, então tambem pelo mesmo motivo se devia demorar a publicação do Diario do Governo.

(O Digno Par não reviu).

O Sr. Presidente:-Eu já declarei a V. Exa. que a demora da publicação do Summario é devida á Imprensa Nacional, por não poder haver serões por falta de meios pecuniarios.

As Repartições d'esta Camara nenhuma culpa teem d'esse facto, porquanto eu posso affirmar a V. Exa. que todos os respectivos empregados são muito zelosos no desempenho das suas funcções. (Apoiados).

O Sr. Jacinto Candido: - Eu aguardo as providencias que V. Exa. vae adoptar.

O Sr. Ministro da Justiça (José Novaes): - Em resposta ao Digno Par Sr. Jacinto Candido tenho a declarar a S. Exa. que, em relação á forma como se está fazendo a cobrança das congruas parochiaes, communicarei ao meu collega do Reino as observações de S. Exa., a fim de serem expedidas as convenientes ordens aos administradores de conselho para o exacto cumprimento da lei.

Pelo que toca á questão dos passaes, julgo necessario trazer ao Parlamento uma proposta de lei, dando aos agentes do Ministerio Publico competencia para intervirem n'aquelles processos, visto que as decisões dos tribunaes teem sido unanimes em negar-lhes competencia para esse effeito.

(S. Exa. não reviu).

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de lei que regula a liberdade de imprensa

O Sr. Eduardo José Coelho: - Proseguindo na analyse e critica dos artigos 19.° e 20.° do projecto e parallelos da lei actual, direi que, a não caír se no formalismo retrogrado e condemnado das palavras sacramentaes para exprimir a mesma ideia, as disposições do projecto e da lei em vigor são substancialmente equivalentes.

O corpo de delicio na lei actual abrange um ponto unico, a comprovação da publicação, os antes da publicidade do jornal ou impresso, dando-se qualquer dos factos especificados no artigo 28.°, e, entre elles, o mais significativo: a distribuição de exemplares a mais de seis pessoas.

Mas isto não é corpo de adicto segundo o direito commum, porque este abrange tambem a doutrina do artigo 29.° da lei actual, isto é, não ha corpo de delicto, nos termos da lei commum, que não verifique a existencia do crime, e que não investigue dos criminosos e circumstancias do crime.

O equivoco, pois, provem de se applicar a uma lei de caracter especial o que só pode ter cabimento n'uma lei geral.

O Codigo Penal exige para punir os crimes contra a honra, diffamação e calumnia, que sejam commettidos por escripto publicado, por qualquer meio de publicação, mas não regula as condições de publicidade.

É por isso que a lei actual e o projecto em discussão a definem por criterios differentes, mas chegando ao mesmo resultado. ' .

Os artigos 27.°, 28.° 6^29.° da lei actual conteem, na essencia, o mesmo que o projecto na tela da discussão procura legislar nos artigos 19.° e 5.°, §3.°

A differença essencial é o que o projecto, mandando juntar á petição inicial um exemplar do impresso ou jornal, declarando que, em taes condições, a publicidade se presume, dispensa a prova testemunhal.

Este criterio pode ser combatido; mas é scientifico, e tem por si as leis da verosimilhança.

Um jornal, ou impresso com todos os caracteres legaes de exterioridade, não se imprime para não se publicar: nem se imprime com um ou dois numeros unicos para injuriar, para diffamar, para calumniar.

N'este caso desce ao nivel de pasquim ou impresso clandestino.

É pois muito scientifico e muito pratico que a publicidade se presuma nas condições previstas pelo projecto.

Nas disposições do artigo 15.° e seguintes talvez o Governo obedecesse demasiadamente á preoccupação de mostrar que não quer influir na repressão prompta e energica dos crimes commettidos pela imprensa.

D'ahi as penalidades e rigores, já para os agentes do Ministerio Publico negligentes em promover, já para os proprios magistrados judiciaes, não deferindo as promoções do Ministerio Publico, ou dos queixosos nos prazos marcados.

Não percebo a arguição, e é sufficiente confrontar estes chamados rigores com outras disposições legaes similares; para o Ministerio Publico o decreto dictatorial de 1890, mais tarde lei, é mais rigoroso e violento,

E, com effeito, o decreto ou lei de 1890, querendo responder a taes preoccupações, legislou - artigo 8.°, § 6.° - que o Ministerio Publico não podia isentar-se de quaesquer responsabilidades com a desculpa de que tinha recebido instrucções particulares, fosse de quem fosse, porque só podia defender-se com quaesquer instrucções publicadas no Diario do Governo.

Mais:

Não podia desculpar-se com a falta de communicações da policia ou auctoridade administrativa.

Mais ainda:

Os procuradores regios imporiam aos delegados negligentes suspensão de exercicio de vencimentos por tres mezes.

Mais ainda, finalmente: se os delegados negligentes conseguissem passar á magistratura judicial, tinham sobre a cabeça a espada de Damocles, porque durante tres annos podia tornar-se effectiva a sua responsabilidade n'essa negligencia, como delegados, pelo desconto de tres mezes na antiguidade para os effeitos da promoção, da concessão do terço e da aposentação.

O que significam estas disposições, relativamente aos rigores do projecto em discussão, tão pavorosamente aqui proclamados?

Não posso, nem devo, alongar o debate, mas, antes de terminar, desejo expor á camara as conclusões de todas as considerações que tive a honra de lhe expor e que traduzem fielmente o que penso sobre a actual lei, mordo de applicação d'ella, e motivos por que entendo que corresponde na pratica ao pensamento liberal que a ditou, visto alliar a maxima liberdade á maxima e effectiva responsabilidade.

Essas conclusões são as seguintes:

A lei em vigor só foi integral e fielmente cumprida nos dezoito mezes da ultima gerencia progressista.

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A lei actual tendo como um dos seus objectivos, manifesto e claro nos seus preceitos legaes, libertar a imprensa do regimen do artigo 251.°, n.° 2.°, do Codigo Administrativo, não póde consegui-lo; foi supplantada, porque desde 1898 até 1904 (outubro) dominou quasi por completo, quasi severamente, o famoso artigo 201.°, e só escassamente, e como por excepção, se recorreu á lei actual, e, mesmo n'esses casos, nem sempre foi respeitada a letra e espirito da lei.

3.ª

Equivocadamente se attribue á apprehensão dos impressos, 013. jornaes, feita nos casos taxativos da lei, e com as garantias que ella preceitua, ser a apprehensão a forma mais violenta e vexatoria do proceder contra a imprensa. E exactamente o contrario que é a verdade, porque, não havendo a apprehensão, e. dada a publicidade, o impresso ou jornal entra no regimen repressivo da lei, como o processo criminal de mais graves consequencias, material e moralmente.

4.ª

Sob o ponto de vista doutrinario não repillo o jury em determinados casos, com organização especial, mas nunca como sendo o jury com qualquer organização, como representante da opinião publica, porque a não pode representar por Índole da instituição, como tribunal de justiça.

Não desconheço que a- opinião publica, mesmo injusta e apaixonada, é dominadora, avassalla, alastra e derriba; mas o jury, convertido em tribunal de justiça para condemnar ou absolver, precisa de ser sereno e austero para ser justo: a justiça como a verdade é o que é.

Permitta-me a Camara que eu documente a minha asserção, com o facto historico mais caracteristico que conheço, dos tempos modernos, para definir bem o que seria a opinião publica como inspiradora de julgamentos justos.

A França, a grande França, sempre chamada a estas discussões, no curto periodo de quatorze mezes, pouco antes de Sédan, consagrou o Segundo Imperio por um plebiscito; depois de Sédan elegeu uma Camara quasi realista, que proclamou a Republica; e no mez de julho elegeu, na quasi totalidade, republicanos nas eleições departamentaes.

Qual d'estas opiniões publicas inspiraria ao jury decisões justas? Provavelmente seria a opinião dos vencedores.

5.ª

Para b julgamento dos crimes a que corresponde pena correccional, designadamente para os crimes de injuria, offensa, diffamação e calumnia, repillo resolutamente a intervenção do jury.

6.ª

A theoria de que a imprensa não commette crimes, porque não ha delictos de opinião, é, e sempre foi, uma phantasia que não tem nem terá realização pratica.

Ao que eu já disse e contrapondo os exemplos á americana, accrescentarei hoje o que, quasi hontem, praticou a Camara Franceza.

Era Presidente do Conselho Sarrien, e Paul Constans propoz uma amnistia para os crimes de imprensa - os chamados delictos de opinião innocentes.

O chefe do Governo oppoz-se, decla-clarando sem rodeios que punha a questão de confiança. A Camara rejeitou a proposta por 356 votos contra 193.

7.ª

Pelas razões já expostas, ao referir-me ao artigo 7.°, modificá-lo-hia até no sentido de que a responsabilidade criminal propriamente politica pertencesse ao director, ao principal redactor, havendo-o; alem d'este, outro responsavel ou mais, consoante as differentes secções do jornal ou impresso.

A petição ou participação inicial seria instruida com de is ou tres exemplares do impresso ou jornal.

Modificaria o artigo que declara os effeitos suspensivos da sentença, ampliando esse effeito á multa; e, quanto á fiança, designaria o maximo e minimo d'ella, dentro do qual o juiz a arbitraria.

Parece-me que não falto á minha probidade pessoal e politica n'estas conclusões, porque, em verdade, creio que ellas estão contidas nas considerações que tive a honra de deduzir n'esta tribuna.

Vozes: - Muito bem. (O orador foi cumprimentado por alguns Dignos Pares).

O Sr. Teixeira de Sousa: - Não venho esclarecer o debate, que já vae longo; mas, tratando-se de um assumpto parlamentar tão largamente controvertido, é obrigação de todos os homens politicos, que não querem aposentar-se nem para isso te em disposição, dizer o que a respeito d'elle pensam.

Declaro que o não faço É em difficuldade, na lucta em que me encontro entre o que o meu temperamento me pede que diga da attitude do partido progressista traduzida pelo Sr. Eduardo José Coelho e o que as conveniencias me permittem dizer.

Quem, lendo a historia politica do periodo constitucional, comparar a grandeza do procedimento, a firmeza de principios e de opiniões, a dignidade politica do periodo que succedeu á conquista da liberdade, com o que - nos modernos tempos acontece, chega ao reconhecimento de que uma lamentavel decadencia ha nos costumes politicos.

Se Passos Manoel, o Duque de Loulé, Anselmo Braamcamp resuscitassem e vissem como modernamente se comprehende o procedimento parlamentar e politico, teriam vontade de immediatamente recolher ao silencio e - isolamento tumular, para onde a mão gélida da morte os arrastara sem que tivessem renegado a sua propria obra em troca de quaesquer conveniencias politicas de occasião.

Discute-se um projecto de lei de liberdade de imprensa, destinado a revogar e a substituir a lei de 7 de julho de 1898, em vigor, de iniciativa e responsabilidade do partido progressista, lei de cujos principios e disposições esse partido se ufanava, como sendo de satisfação inteira e completa ás aspirações liberaes.

Era a sua honra, era o seu orgulho.

Sempre que se tratava de procedimento violento de qualquer Governo contra a imprensa, o partido progressista desfraldava como bandeira gloriosa a lei de 1898, como sendo a ultima palavra sobre liberdade de imprensa.

Gastou-a o tempo? Convenceu-se o partido progressista de que a sua lei precisava de reforma, acceitando por esse motivo o projecta que se discute?

Era uma razão: o partido progressista collaborava e concordava em uma reforma que não tivera tempo de fazer.

Mas não; o partido progressista reconhece que devia ser mantida a lei de 1898, discorda e diverge do projecto de lei, mas declara votá-lo.

O que diriam, se falassem, os bustos que cercara esta sala, do abastardamento da politica portugueza!

Ha bastantes dias que foi iniciado este debate sobre um assumpto essencial e fundamental do programma do partido progressista.

O seu chefe, que felizmente está restabelecido, não quiz vir dizer-nos o que do projecto pensa; o Sr. Beirão, leader do partido progressista na Camara dos Dignos Pares, o que tivera a iniciativa

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da lei de 1898, desde a vespera da discussão do projecto transferiu-se da sala da Camara para a do Conselho de Estado no Ministerio do Reino, merecendo mais attenção do seu espirito uma lei que estrangule a palavra dos Dignos Pares do Reino, do que a que partirá a penna aos jornalistas; o Sr. Sebastião Telles, sub-leader, que sempre substituiu o Sr. Beirão, nem ao menos quer ter para o projecto de imprensa aquella benévola disposição que mostrara para o Supremo Conselho de Defesa Nacional e para o projecto de contabilidade.

E então quem apparece a representar e a falar pelo partido progressista?

- O Ministro do Reino da sua ultima situação.

Pasmo; não porque a S. Exa. falte auctoridade para dignamente representar o partido progressista, mas porque nunca pensei que se prestasse a sepultar a independencia altiva do partido em que é uma personalidade evidente.

Este antigo Ministro tem no seu partido uma situação elevada, para a qual não entrou pela porta falsa da politica, d'onde por vezes surgem surpresas, mas por uma vida inteira de dedicação e serviços partidarios.

Faz tristeza que quem a si proprio tudo deve, venha aqui desempenhar um papel tão antipathico e indefensavel, que não quizeram tomar para elles os que oficialmente representam o partido progressista.

S. Exa. tem certamente feito grandes sacrificios partidarios, mas este a todos sobreleva, ao fazer a declaração official de que "o partido progressista, desde, o momento em que o Governo entende necessaria a remodelação da lei de imprensa, não querendo criar dificuldades ao Governo, resolve votar o projecto, mas mantem todas as divergencias sobre este importante assumpto".

É a declaração official, n'estes precisos termos a pronunciou o Sr. Eduardo José Coelho; e logo passou a dar a sua opinião pessoal sobre o projecto em discussão.

Então o partido progressista diverge do projecto que se discute?

Então o partido progressista mantem divergencias sobre este assumpto?

E declara votar o projecto?!

Não; não pode ser.

Ou houve por minha parte um equivoco de audição, ou o Digno Par referido, por uma falta involuntaria da sua memoria, não traduziu o pensamento do seu partido.

Então o partido progressista diverge do projecto de imprensa, e por tal forma, que julga necessario fazer declaração publica de que mantem essa divergencia, e declara ao mesmo tempo votar o projecto, porque o Governo entendeu necessaria a remodelação da lei de imprensa?

Não é possivel: alguem está em erro, quem ouviu ou quem falou, porque o partido progressista não quererá para elle os encargos e dolorosos commentarios, que certamente seriam feitos a uma tão singular abdicação.

As palavras que o orador antecedente pronunciou em nome do partido progressista, se traduzissem a resolução tomada, não constituiriam uma declaração partidaria, mas um epitaphio: o symbolo da direcção de um grande partido politico não mais tremularia na Rua dos Navegantes, mas na Rua da Emenda.

O Digno Par é um antigo parlamentar, e por isso de antemão conhecia os effeitos da declaração official que fizera.

D'ahi a razão por que em seguida á declaração fez um discurso, não para defender o projecto, mas para accentuar as divergencias, e isso para que não houvesse duvida sobre a singular abdicação do partido progressista.

Tendo receio de que uma corrente de descredito politico o arrastasse, S. Exa. lançou-lhe uma ponte, mas bastante velha e fagil para ruir e dar com o partido na agua.

Ei-la: a lei de 1898 era boa, mas a sua efficacia poderia ter sido prejudicada na execução, sem menoscabo da sua doutrina, e, n'este caso, legitimo era reformar uma lei, cuja santidade de principios era na execução prejudicada, tanto mais quanto é certo que a lei já vinha de 7 de julho de 1898.

Era a ponte.

Veiamos como ella era velha e fragil.

Então a lei de 1898, com nove annos de execução, carecia de reforma, porque era illudida na sua execução?

Mas, se assim era, não esteve o partido progressista no poder até junho de 1900, cerca de dois annos, para, reconhecendo os defeitos na execução, propor a reforma da lei?

Mas então não esteve o partido progressista no poder desde outubro de 1904 até marco de 1906, e não reconheceu a necessidade da reforma, para evitar que a lei fosse illudida na sua execução?

Reconheceu, e tanto reconheceu que o Governo progressista publicou o decreto de 7 de dezembro de 1904 que, se tem a referenda do Sr. Alpoim, que parece não fazer fé no seu antigo partido, em que fui uma das suas maiores glorias, tem a do Sr. Pereira de Miranda, cuja orthodoxia vae até o ponto de permittir que por cima d'elle se passe.

Havia, no entender do Governo progressista, o arbitrio por parte de algumas auctoridades na execução da lei de 1898, e por isso mesmo o cortou onde elle se manifestava.

Se havia defeitos na execução, foram remediados em 7 de dezembro de 1904.

Se agora se propõe a substituição da lei de 1898, não é isso consequencia de ter sido illudida a santidade da lei, mas porque é necessario pôr o nome do actual chefe do Governo onde está o do Sr. José Luciano.

Esta é uma das razões; a outra, está, em ser preciso fazer uma lei de revindicta contra aquelles que não mostram demasiada fé e confiança no franquismo messianico.

"Da liberdade de imprensa, condições e garantias do seu exercicio" - tal é a designação do primeiro titulo do projecto que se discute. E uma lei de liberdade de imprensa que se prepara na discussão parlamentar, e tão liberal ella é, que nenhuma outra ha conhecida que, sob este ponto de vista, a iguale, no dizer do Sr. Ministro da Justiça.

É possivel que assim seja.

É possivel que violenta e reaccionaria seja a lei de 7 de julho de 1898, que ainda vigora, e que amplamente liberal seja a que se pretende fazer pelo projecto que se discute, passando o Sr. Beirão á categoria de Pina Manique ou Pitta Bezera e o Sr. Ministro da Justiça á de liberal à outrance.

Mas então ao lado d'essa affirmação, que tem todo o caracter de inverosimil, é preciso collocar como essencialmente estupidos, crassos ignorantes, os directores e proprietarios dos jornaes, que repellem os novos beneficios que lhes pretendem fazer, e ainda o partido liberal portuguez, que se julga profundamente ferido nos seus sentimentos politicos e vê trucidadas algumas das conquistas já feitas e adquiridas.

Recordo-me do decreto de 29 de março de 1890 e da discussão do bill respectivo.

Tenho presente a discussão do projecto, que serviu de base á lei de 7 de julho de 1898.

Vi discuti-los com paixão, é certo, como toda a serie de actos relativos á imprensa, desde as ordenanças de Pollignac até á lei franceza de 29 de julho de 1881; desde a lei de 3 de agosto de 1800, do Conde de Thomar, até alei liberal de 7 de maio de 1866, de Barjona de Freitas, mas a tudo isso assistiram, em attitude moderada e de somenos interesse, aquelles que por taes leis eram principalmente visados: os representantes da imprensa periodica.

Ao contrario do que então aconteceu, vemos hoje os directores e proprietarios de periodicos a servirem-se de todos os meios de ataque e propaganda contra o que pretende fazer-

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se, e, n'este movimento, intenso e quasi unanime, vão não só aquelles jornalistas, que, sendo politicos e adversarios do Governo, a esses sentimentos poderia ser attribuida a sua attitude, mas ainda os que, representando jornaes que, ou teem sido imparciaes ou benevolos para o Governo, só por se verem feridos nos seus sentimentos liberaes e nos seus direitos é que tomam tão singular posição de hostilidade.

E, todavia, se realizassem o seu intento, fariam caír por terra o projecto que se discute, continuando a imprensa sujeita á lei de 1898 que permitte a apprehensão dos jornaes.

Porque acontece isto?

Porque procedem assim aquelles que são visados pela lei que o Governo pretende fazer?

Se a lógica não fez o seu tempo, a questão tem de ser apertada e forçosamente mettida ontre os dois ramos do seguinte dilemma: ou a lei que pretendem fazer é menos liberal que a de 1898 ou os jornalistas que, por não a comprehenderem, contra ella reclamam, soffrem de lamentavel insuficiencia cerebral, que seria para lastimar n'aquelles que teem a elevada e sagrada missão de interpretar e esclarecer a opinião, o que tão nobremente teem desempenhado, embora um ou outro abuso se denuncie, mas por forma a não invalidar a força e evidencia da regra.

E que a lei que d'este projecto resultar, sendo apparentemente liberal, e pela apparencia mais liberal do que a que se pretende re7ogar, é fundamentalmente reaccionaria e formulada em taes termos, que não é preciso ser um vidente para lhe prophetizar uma vida ephemera.

Mais com ella antipathizo pela hypocrisia que a envolve do que pela doutrina que encerra.

Em nome da liberdade politica, que Remusat considera a coroa da humanidade, pretende modificar-se a lei de imprensa, estrangulando uma das mais seductoras manifestações do pensamento, a imprensa periodica, com a aggravante de que assim procede quem da imprensa se serviu para seu engrandecimento politico, para a propaganda das suas; opiniões e programma de Governo e para a defesa de muitos dos seus actos.

Dir-se-hia que, depois d'essa intimidade com a imprensa, reconheceu a conveniencia de estrangular-lhe na garganta qualquer segredo, impedir-lhe qualquer denuncia, accusação ou ataque.

No caso Soleilant, de que a imprensa parisiense se vem occupando ha dias, talvez alguma cousa haja de parecido.

Falo do Sr. Presidente do Conselho na sua ausencia, cujo motivo do coração deploro; mas falo na sua ausencia por não ter nada de pessoalmente desagradavel a dizer-lhe.

Em 1901, o Sr. Presidente do Conselho, que fora uma das mais brilhantes figuras do partido regenerador, separou-se d'elle, depois de uma violenta polemica acêrca de um projecto de contribuição predial.

S. Exa., que declarara apoiar e Governo de então nas questões politicas, reservou-se a liberdade de apreciação nas questões administrativas.

Eram as questões administrativas as que principalmente seduziam o seu espirito de homem de Estado: eram as questões financeiras, economicas, fiscaes, coloniaes, militares, de instrucção e outras que prendiam o seu espirito.

Para as apreciar conforme o seu criterio reservava a sua plena liberdade.

Nas questões politicas, quaesquer que fossem as ideias ou opiniões do Governo, apoiá-las-hia incondicionalmente.

Nenhuma discordancia havia, pois, de caracter politico.

O partido regenerador podia manter a garantia administrativa de 1896, a lei de 13 de fevereiro, a lei de imprensa de 1898, que n'isso não haveria discordancia.

Deu-se o rompimento, que profundamente lamento; pouco depois, o chefe do actual Governo formava um grupo politico e tomava para sua designação exactamente uma caracteristica de natureza politica: partido regenerador-liberal.

Então põe de parte as questões administrativas para se entregar de corpo e alma ás questões politicas.

Era o segundo da lei dos tres estados de Augusto Comte.

No primeiro estado, no estado theologico, dominado o seu espirito pela ideia de Deus, preoccupara-o o direito divino, traduzindo se este estado na fé de crente com que se ufanava de augmentar o poder real; mas depois deixa o estado theologico e no estado metaphysico elle passa a procurar a razão das cousas; abandona o direito divino, e noa o vimos a descobrir que, ao contrario, os réis pertencem aos povos, dos quaes são mandatarios.

Infelizmente, o Sr. Presidente do Conselho, cuja superior intelligencia ninguem lhe negará, está longe do estado positivo, que o levaria a administrar a nação com menos politica e com mais medidas destinadas á assistencia publica, especialmente ás crianças e hospitalização; a baratear as subsistencias, como o mais efficaz meio de lucta contra a tuberculose; a dar independencia ao poder judicial e a tornar rapido o julgamento das causas eiveis; a restaurar as finanças do Thesouro, a sanear a moeda, a formular a contabilidade nos termos convenientes e proveitosos; a equilibrar o orçamento, a consolidar o mais possivel a divida fluctuante; a fazer um porto franco em Lisboa; a melhorar as condições de defesa do reino, organizando por completo o maior numero de unidades; a melhorar a situação da nossa marinha de guerra; a fomentar a riqueza do imperio colonial, desenvolvendo os caminhos de ferro, melhorando os portos, aproveitando alguns caminhos de ferro para dar meios á colonização pela raça branca; a fazer tratados de commercio, sobretudo com o Brasil; a reparar convenientemente as estradas e a estabelecer em bases que tenham êxito a sua conservação; a desenvolver a agricultura, a conjurar a crise vinicola, a melhorar, modificando-o profundamente, o ensino profissional; a cultivar os incultos, a promover a plantação das matas; a trazer para a communidade o monopolio das Lezirias; e outras muitas medidas que se tornariam elementos fecundos para firmar em bases solidas e permanentes a riqueza publica.

Entregou-se todo á metaphysica da politica e á propaganda de principies liberaes.

De sorte que, quando em maio de 1906 se afigurou conveniente uma acalmação politica, o Sr. Presidente do Conselho, formando immediatamente á direita dos republicanos, parecia indicado para essa acalmação.

Foi um erro? Não sei.

Só posso certificar que foi uma acalmação que nada acalmou.

Mas n'esse intuito, e para dar a unica razão da sua estada no poder, o Governo declara caçar no mesmo terreno com os republicanos, deixando-os por isso n'um leve regimen de morrorio e vivorio á discreção.

Na estação do Rocio e nó Ministerio do Reino era recebido com morras e com gritos subversivos?

Era a liberdade.

Em Alcantara era desacatado, o que profundamente deploro?

Era a liberdade.

E em nome da liberdade dava uma amnistia pelos delictos de imprensa; em nome da liberdade facilitava a eleição de quatro Deputados republicanos por Lisboa.

Era a acalmação.

Esquecia-se, porem, o Governo de que os republicanos não queriam ir ao Parlamento só para fazer discursos.

Pela imprensa, poios comicios e no Parlamento só visavam a um fim: fazer a republica.

Até ahi o Governo era para os republicanos um Governo ideal, pois que lhes dava as mais extremas facilidades para fazerem a republica.

Surgem então dois novos incidentes, ambos profundamente deploraveis e desastrosos nos seus effeitos: a publi-

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cação das cartas de El-Rei para o Sr. Hintze Ribeiro e a affirmação feita pelo Sr. Presidente do Conselho que a Casa Real havia recebido adeantamentos que opportunamente seriam legalizados por uma lei de que elle tomaria a iniciativa.

Foi uma imprudente declaração, Janto mais que, tratando-se principalmente de abonos para a recepção de Chefes de Estado estrangeiros, foram abonos legitimos e que, por isso mesmo, a terem de ser legalizados, o deviam ser logo e sem demora.

O Governo imprudentemente lançou uma faúlha n'um barril, de pólvora.

Quando caiu em si da imprudencia, reconheceu que só a massa militar podia corrigir as consequencias da sua imprudente declaração.

Expulsos os Deputados, o Governo e os republicanos deixaram de caçar no mesmo terreno.

Era o grito de guerra.

Tanto bastou para o Sr. Presidente do Conselho voltar rapidamente ao seu natural.

E assim appareceu o projecto de lei de imprensa, que mais corresponde á. phase auctoritaria do actual chefe do Governo da que á forma liberal em que se encapotou para influir nos elementos democraticos do paiz.

Não ha uma só discussão em que se não ponha em evidencia a contradição flagrante entre as palavras e os actos do Governo.

Aboliu se a garantia administrativa?

Era da iniciativa do Sr. Presidente do Conselho.

Votou-se o augmento de soldos aos officiaes do exercito e da armada, votaram-se outros augmentos importantes de despesa, tendo o Sr. Presidente do Conselho sustentado na opposição que isso representava um grande perigo.

Sustentou a incapacidade da Camara dos Pares para julgar os Ministros de Estado e é a essa Camara que S. Exa. commette esse julgamento.

Propõe ao Parlamento a expropriação das fabricas de alcool e declara aos interessados que não expropriará uma só.

s A lei da imprensa que vigora é de 1898 e foi da iniciativa do Sr. Beirão.

Na sessão de 9 de março de 1898 foi iniciada na Camara dos Deputados a discussão do respectivo projecto de lei.

Em nome do partido regenerador, e por delegação do chefe do Governo, o seu leader na Camara Electiva, Sr. Moraes Sarmento, declarou que não discutia o projecto, por ser um projecto politico, quando era de medidas de caracter economico, financeiro e administrativo que se, carecia.

O Governo de então promettia medidas financeiras, e só mostrava a reorganização do Banco de Portugal, as circumstancias financeiras e economicas do paiz davam ao projecto da imprensa uma importancia secundaria, vindo, alem d'isso, exaltar as paixões politicas.

Era o que então o Sr. Moraes Sarmento dizia ao lado do chefe do Governo.

Mas quer o Digno Par que me antecedeu saber por que se discute agora o que a partido regenerador não quiz discutir em 1898?

A resposta é facil.

Em primeiro logar, a lei que se prepara é violenta e odiosa, havendo por isso a obrigação de combatê-la; em segundo logar, emquanto se discute a lei de imprensa, não se discutirão os projectos que fazem parte do plano do Governo, que levará á ruina a Fazenda Publica.

O Parlamento já votou 100 contos de réis de garantia de juro do Caminho de Ferro do Valle do Vouga; avultada despesa com a reforma da contabilidade; 1:500 contos para o porto de Lisboa; mais de 600 contos de réis de augmento annual de despesa com o aumento de vencimentos aos officiaes de terra e mar; e- esperam a vez para discussão o projecto dos passaportes, com uma reducção annual de receita de cerca de 100 contos; o dos vinhos, com um augmento annual de despesa de 180 contos; o do armamento naval, custando 1:800 contos; o augmento de vencimento aos funccionarios civis e a diminuição do imposto de rendimento, o que traz para o Thesouro um encargo annual de mais de 500 contos, e muitos outros projectos com augmento de despesa.

Emquanto se discute o projecto de imprensa afasta se a execução de uma lei odiosa e adia-se a ruina da Fazenda Publica.

Hoje as circumstancias financeiras e economicas são más. De medidas financeiras o Governo mostrou tambem um projecto de remodelação dos contratos com o Banco de Portugal, que não terá discussão, porque nunca será discutido.

O projecto de imprensa excita por tal maneira as paixões politicas, que a mais comesinha conveniencia aconselhava que fosse posto de parte.

Falo assim, sem querer lisonjear a imprensa nem os liberaes.

Sou liberal, não sendo essa a exclusiva preoccupação do meu espirito;. acceito todas as leis liberaes emquanto ellas não prejudicam a segurança dos cidadãos, a conservação das instituições monarchicas, nem impedem o paiz de trabalhar para fazer a sua riqueza, no que deve, principalmente, constituir a aspiração de um povo civilizado.

A imprensa é uma nobre instituição que, como tal tem de ser considerada.

A imprensa periodica tem contribuido para subirem aos fastigios do poder muitos homens publicos e é o mais efficaz agente de propaganda dos actos que os engrandecem.

Debaixo... lisonjeam a imprensa; de cima, estrangulam-na.

E depois, que má comprehensão do que é a imprensa periodica!

Qualquer raciocina que, se Q punida a injuria dirigida de viva voz, deante de um pequeno numero de pessoas, com mais. razão o deve ser a publicada largamente pelos jornaes.

Os debates da imprensa não podem ser considerados nem abrangidos nas disposições communs da lei penal.

Para jornaes que tiveram como directores - para não falar dos vivos - Rodrigues Sampaio, Pinheiro Chagas, Antonio Ennes, Emygdio Navarro, Marianno de Carvalho e outros, que punham toda a sua alma nas questões que tratavam, até o ponto de as defenderem no campo da honra, vertendo o seu sangue e arriscando a sua vida, não se pode legislar com o criterio ordinario applicado ao commum dos delictos. Não.

O assassino, o ladrão, o testemunho falso, determinam-se pelo fatalismo de uma organização psychologiea depravada; o jornalista, mesmo quando pratica um delicto, é levado por uma convicção respeitavel ou por um ideal politico que pode ser inconveniente para os interesses da collectividade, mas que nem por isso deixará de ser respeitavel.

A imprensa cae por vezes sob a acção da lei penal, mas por um fim honesto, justo e nobre.

Cá dentro temos d'isso um eloquente exemplo na questão dos tabacos. O Seculo e as Novidades caíram sob a acção da lei de imprensa; mas o serviço que prestaram como iniciadores da campanha que tão grandes resultados deu para o Thesouro, foi inolvidavel.

Na França um grande exemplo foi dado da nobreza do fim com que por vezes são commettidos delictos de imprensa. Zola, para não perder a liberdade por ter escripto o J'accuse, teve de homisiar-se, mas conseguiu interessar o mundo inteiro na causa de Dreyfus, rehabilitando-o para a sua honra, para os seus e para a sua patria.

A penna do homem de lettras, a penna do immortal cimentador da escola realista, do eterno defensor da verdade e da justiça, valia mais no ataque do que milhares de espadas refulgentes na defesa.

Dreyfus está restituido ao exercito francez; brilha-lhe no peito a Legião de Honra, no peito onde, na Ilha do Diabo, as sentava a chapa do condemnado; e a

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França cobriu-se de crepes no dia em que uma grande fatalidade prostrou para sempre o que mezes antes recolhera do exilio, perseguido á sombra de uma lei de imprensa.

Pertenço a um partido conservador; sou conservador por convicção, apaixonado pela obra de Pitt, de Robert Peek, de Guizot, de Menabrea e até do proprio Bismark; mas reconheço que, em materia de intervenção coercitiva em relação á imprensa, somente ella deve usar-se por excepção, quando a reclamem os superiores interesses do Estado, em que figuram principalmente a tranquilidade publica e o respeito devido ás instituições monarchicas e a quem, pela constituição do Estado, as representa.

O Governo diz-se liberal, e liberal à outrance, e n'esse sentido diz ter tomado a iniciativa da reforma da lei de imprensa.

Não é assim; representa uma pilula amarga, mas cuidadosamente dourada.

A nova lei dispensa a auctorização e a habilitação previa, ainda exigida na lei de 1898.

E o dourado da pilula; mas vale isso alguma cousa, traduz alguma concessão importante a fazer á imprensa periodica?

Nenhuma.

A habilitação do jornal é já facil, rapida e barata.

Se ella não offerecia nenhum obstaculo á publicação do jornal, a sua dispensa não traduz beneficio.

Em contraposição, toda a lei é áspera, apertada e violenta, incongruente e fundamentalmente facciosa contra a imprensa.

Não apreciarei o projecto no seu detalhe nem na sua technica.

Tambem isso não é necessario para se mostrar que não é uma lei liberal, mas sim francamente reaccionaria.

O Governo diz todos os dias que o projecto melhora a situação dos jornaes relativamente á sua apprehensão.

Não a melhora, aggrava-a.

Qual era a situação dos jornaes relativamente á apprehensão, segundo a lei actual?

Pelo artigo 39.° da lei de 7 de julho de 1898, a circulação dos jornaes pó dia ser prohibida estando suspensas as garantias nos termos do artigo 140.° da Carta ou contendo offensa ao Rei ou a qualquer membro da Familia Real, ultrage á moral publica, crime contra a segurança dó Estado e a provocação a elle.

Apprehendido o jornal, o que se seguia?

O decreto de 7 de dezembro de 1901, ao mesmo tempo que mantem a apprehensão nos casos marcados no artigo 39.° da lei de 1898, estabeleceu o prazo de vinte e quatro horas para o jornal apprehendido ser apresentado ao juiz. de direito e o de quarenta e oito horas para o juiz proferir a sua decisão.

Declaro que inteiramente me conformo com a manutenção do disposto na lei de 1898 e no decreto de 1904.

Vem agora o artigo 2.° do projecto, no seu § 5.°, e estabelece que o periodico pode ser apprehendido quando não indique o nome do seu director ou redactor principal e a sede da sua administração, se estas indicações forem simuladamente feitas, e bem assim quando haja offensa a Chefes de Estado estrangeiros, quando se encontrem no reino.

Não chego a comprehender a excepção nem mesmo o motivo por que o Governo mandou fazer a emenda durante a discussão na Camara dos Deputados.

Nem se justifica a apprehensão, se ella não é permittida nos casos de offensa ao Chefe de Estado Portuguez, nem ninguem poderia admittir a hypothese de que haveria portuguez, tão desconhecedor dos deveres para com um hospede, que o offendesse na occasião em que elle honrava Portugal com a sua visita.

Ahi tivemos a visita de Chefes de Estado monarchicos; ahi tivemos o Chefe de Estado da Republica Franceza, e para todos houve o mesmo respeito, a mesma carinhosa recepção.

Mas veja-se como a apprehensão se pode fazer quando a auctoridade ou o Governo queiram, sob o pretexto de que as indicações que devem vir no alto do jornal são simuladas.

Em qualquer dos casos em que a apprehensão tenha logar, os vendedores, distribuidores ou affixadores são presos e remettidos para juizo no prazo de vinte e quatro horas.

É uma innovação nada liberal a do projecto: a prisão preventiva.

Nem existe dentro da lei de 7 de julho de 1898, nem sequer no decreto de 29 de março de 1890 e na lei de 1800, que providenciaram em seguida a acontecimentos politicos da maxima gravidade.

Note-se que a apprehensão aos vendedores comprehende os donos dos estabelecimentos commerciaes onde a venda se faça.

Mas o Sr. Eduardo Coelho acha que a apprehensão é um delicto do Governo, emquanto considera inviolavel o domicilio do jornal, não havendo censura nem lapis azul.

Entendo S. Exa. que a policia sabe e tem obrigação de saber o que na imprensa se compoz de noite, para no dia seguinte poder apprehender o jornal sem previa censura.

Não foi isso o, que o Sr. Eduardo Coelho praticou: cercou typographias, impedindo a saida do jornal.

A policia adquiria um exemplar e depois dizia se o jornal podia ou não ser distribuido.

Era um lápis azul traçando um jornal inteiro.

Assim fez principalmente para ás Novidades., para o Mundo e Paiz.

Mandava os para o poder judicial, logo em seguida á apprehensão?

É verdade.

Mas porque o decreto de 7 de dezembro de 1904 assim determina, marcando o prazo de 48 horas para a remessa ao poder judicia!

Protesto contra a affirmação de que a policia deve. saber o que se compõe na typographia.

Antes o projecto, a lei de 1898, o artigo 251.° do Codigo Administrativo, o decreto de 1890, a lei das rolhas de 1850 do que um regimen de espionagem a empregar contra a imprensa.

É forçoso declarar que n'este ponto o antigo Ministro do Reino progressista deixou Trepoff a perder de vista.

E lá irão as victimas em prisão preventiva, e n'ella estarão até á prestação da fiança.

Ahi está uma das razoes por que a lei que se pretende fazer é a mais liberal do mundo.

Mas não fica por aqui.

O artigo 7.° do projecto estabelece que na imprensa periodica será tambem punido como cumplice do auctor. do artigo o director ou redactor principal do periodico.

A responsabilidade do editor, conforme a lei de 1898, passa assim para o director ou redactor principal do periodico.

E porquê?

Certamente para evitar que o editor - testa de ferro- tenha de responder pelo delicto.

E assim, desde a primeira linha da primeira columna até a ultima dos annuncios, o director ou redactor principal do jornal responde como cumplice.

Até agora era nobre e elevada a situação do homem politico que occupava o logar de director ou redactor principal do periodico. Sampaio na Revolução de Setembro, Pinheiro Chagas no Diario da Manhã, Navarro nas Novidades, Marianno de Carvalho no Popular, Antonio Ennes no Dia, que foram outras tantas glorias do paiz, se ao seu tempo vigorasse a lei que se projecta e não quizessem quebrar a penna brilhante com que suggestionaram a opinião, teriam de fazer passar os seus escriptos como de qualquer d'aquelles que hoje são tomados para editores.

E será o que ha de acontecer, se a lei chegar a ser executada.

Os directores e redactores principaes dos jornaes passarão para os logares dos editores.

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Porquê?

Por não quererem responder pelos seus actos?

Não; por não desejarem responder, por obrigação, pelos actos de outros.

Nenhum director de jornal, em caso de honra, decima a responsabilidade do que no jornal se escreveu, embora de responsabilidade alheia: mas, para fugir do processo judicial draconiano que es ta lei prepara, é legitimo mandar delegar nas indicações que costumam encimar os jornaes.

E por quanto tempo ficarão sujeitos á lei draconiana?

Pela lei de 7 de julho de 1898 o procedimento judicial criminal pelos crimes de imprensa prescrevia passado um anno, mas pelas contravenções prescrevia passados tres mezes.

E o mesmo que se estabelece no artigo 11.° do projecto?

Não; o projecto accrescenta ao artigo 4.° da lei de 1898: "mas as penas applicadas só prescrevem passados dez annos, desde que a sentença passar em julgado".

Ora, pela lei de 1898, as contravenções eram julgadas em policia correccional pelo juiz de direito e prescreviam as penas applicadas nos termos geraes da prescripção das penas correccionaes; isto é, passado um anno, nos termos do artigo 125.°, § 3.°, do Codigo Penal.

Agora é, n'este ponto, alterada a disposição geral do Codigo Penal, passando a prescripção da pena applicada ás contravenções para dez annos;

E ninguem dirá que é menos liberal uma lei penal que tem o condemnado sujeito ás penas dez annos, em logar de um só.

Vem agora o que o Sr. Ministro da Justiça não quer que seja o gabinete negro.

Está no artigo 16.°

Os delegados de Lisboa e Porto reunem semanalmente para examinar os periodicos das respectivas comarcas e verificarem se ha as offensas previstas nos artigos 159.°, 160.° e 169.° do Codigo Penal.

Quer dizer: ha dois regimens differentes, conforme se trata das comarcas de Lisboa e Porto ou das outras comarcas do paiz. ô

Pelo artigo 16.° do projecto, nas comarcas de Lisboa e Porto, o agente do Ministerio Publico só promoverá contra o jornal nos casos em que a maioria da conferencia dos delegados assim o resolva ou o procurador regio o ordene, mesmo nos casos em que a conferencia entenda por unanimidade que não ha falta incriminada.

Se a maioria não resolve procedimento e o procurador regio não manda, a responsabilidade do agente do Ministerio Publico fica liquidada, não é nenhuma. Mas, fóra de Lisboa e Porto, o delegado tem de resolver pelo seu proprio e unico criterio, nos termos do artigo 15.° do projecto, e se dentro do prazo de 10 dias hão promover, paga multa, é suspenso e demittido, conforme o numero de faltas que praticar.

Suspenso ipso facto, sem forma alguma de processo.

Só tem uma forma de sair da dificuldade e de fugir aos riscos das multas, da suspensão e da demissão: requerendo procedimento contra todos os jornaes e sempre, quer contenham, quer não, as offensas previstas nos artigos 159.°, 160.° e 169.° do Codigo Penal.

E ahi está uma lei liberal e justa.

O artigo 19.° elimina o corpo de delicto, base essencial e fundamental de todo o processo criminal.

O corpo de delicto defendia-o o Sr. Beirão no relatorio da lei de 1898, como fundamento imprescindivel do delicto de imprensa.

Agora o Sr. Luciano Monteiro classifica esse corpo de delicto, conforme estava na lei de 1898, de ridiculo e de cómico.

Foi assim mesmo.

Em havendo um exemplar unico de um jornal, segue o procedimento criminal até julgamento, sem corpo de delicto nem recurso.

E, todavia, a publicidade é circumstancia necessaria para haver crime.

O crime não está nos caracteres typographicos, está na propalação da offensa, injuria ou diffamação.

E por ser assim, a lei de 1898 exigia, para haver crime, que houvesse distribuição de exemplares a mais de seis pessoas.

Era o corpo de delicto; era a verificação do facto incriminado.

Vem agora o projecto e estabelece no artigo 5.° que a publicidade se presume.

Se presume?

Então pode presumir-se uma circumstancia constitutiva do delicto?

Tive occasião de ler o que a este respeito escreveu Fabreguettes na sua obra Tratado de Delidos Politicos.

Ali se considerava como elemento constitutivo do crime de imprensa a publicação e a intenção de a realizar.

Até o Codigo Penal, nos casos de crimes contra a honra, diffamação, calumnia e injuria, se não houver publicidade, chega a substituir as penas de prisão por multa.

Se o primeiro exemplar que sair da machina for apprehendido e outro se não tirar, esse mesmo servirá de base ao procedimento legal.

O § 2.° do artigo 19.° chega a ser immoral.

Se o juiz julgar o facto criminoso, não ha recurso; mas ha recurso obrigatorio quando entenda que não ha crime!

Confia-se na austeridade, rectidão e independencia do juiz se elle entende que ha crime e põe-se o jornalista a caminho da cadeia; essa confiança é nulla se o juiz entender que crime não ha.

Ao contrario do que acontecia na lei de 1898, só ha recurso depois do julgamento, o que é contrario á razão, ao direito e á civilização.

E então a lei que se pretende fazer mais liberal que a de 1898?

Não é; ao lado da de 1898 será uma lei reaccionaria e incongruente.

Mas dizia o Sr. Ministro da Justiça que é a lei mais liberal do mundo.

Elle certamente não leu a lei franceza de 29 de julho de 1881.

Basta dizer-se que o projecto sujeita os delictos de imprensa ás penas estabelecidas no Codigo Penal e, portanto, ao que n'elle ha em relação á successão e accumulação de crimes.

A imprensa terá de experimentar o aggravamento das penas quando se dê a reincidencia ou a accumulação de crimes.

A lei franceza formal e expressamente o prohibe.

A lei que pretende fazer se até dá ao Governo a faculdade de prohibir a introducção e circulação no reino de jornaes e livros estrangeiros, e o menos grave ainda é o Governo invocar o exemplo da lei franceza, onde apenas se diz que só o Governo pode prohibir a circulação de jornaes e de escriptos periodicos estrangeiros!

Prohibir a introducção de livros estrangeiros, é o Governo poder dizer á civilização que pare, que não avance na fronteira portuguesa, se não quer cair sob a alçada de uma lei penal.

Bastam os exemplos que referi para mostrar como a lei que se pretende fazer é condemnavel.

Terminarei referindo-me ao livro de Demolins sobre a superioridade da raça anglo-saxonica, livro que mereceu brilhantes artigos de critica de Jules Rorche no Figaro.

A superioridade dos anglo-saxões, que Demolins explicava pela melhor distribuição do pessoal politico pelas differentes classes sociaes, Jubs Roche attribuiu-a ao espirito pratico dos povos do norte, que fazem menos politica e mais administração.

Citava-se um exemplo dado por um neto da Rainha Victoria, que precisando de dinheiro que a Real Avó lhe havia negado, vendera a carta com recusa a um collccionador de autographos, o que de momento o tirara de dificuldades financeiras.

Vá o Governo para as grandes questões de administração e abandone os seus processos de politica juridica, en-

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tregando-se, se sabe e pode, ás grandes questões economicas, financeiras e coloniaes, que são as que principalmente interessam á sociedade portugueza, e não insista em uma lei que cousa alguma justifica, a não ser um espirito de má vontade contra a imprensa que não applaude incondicionalmente a obra governativa.

Vozes: - Muito bem.

(O orador foi cumprimentado pelos Dignos Pares presentes).

(S. Exa. não reviu este extracto, nem as notas tachygraphicas).

O Sr. Presidente: - O Digno Par Sr. Eduardo José Coelho tinha pedido a palavra para antes de se encerrar a sessão. Como já deu a hora, consulto a Camara.

Vozes: - Fale, fale.

O Sr. Presidente: - Em vista da manifestação da Camara, tem o Digno Par a palavra

O Sr. Eduardo José Coelho: - Eu tinha pedido a palavra para antes de se encerrar a sessão; vou dizer os motivos que me obrigaram "a inscrever-me.

Em primeiro legar agradeço ao Digno Par Sr. Teixeira de Sousa a muita benevolencia que me dispensou, a despeito da critica de S, Exa. ser por vezes acerba.

Em segundo logar tenho a affirmar a S. Exa. que o partido progressista está onde o seu decoro politico e o seu acrisolado amor aos interesses publicos lhe ordenam que esteja.

Com respeito ás tradições, considera-as o partido progressista como um sagrado deposito, que tem de se legar intacto aos vindouros, esperando que estes, por seu turno, honrem os que os antecederam.

Não sabendo se poderei comparecer á sessão de ámanhã, á hora regimental, aliás pediria a palavra para responder ao Digno Par, limito me ás declarações feitas.

(O Digno Par não reviu).

O Sr. Presidente: - A ordem do dia para ámanhã é a mesma de hoje. Está encerrada a sessão.

Eram õ horas e 40 minutos da tarde.

Dignos Pares presentes na sessão de 12 de março de 1906

Exmos. Srs.: Augusto José da Cunha; Marquez Barão de Alvito; Marquezes: de Avila e de Bolama, da Praia e de Monforte (Duarte); Condes: de Arnoso, de Bertiandos, do Bomfim, de Castello de Paiva, de Figueiró, de Lagoaça, de Monsaraz, de Paraty, de Villar Secco: Viscondes de Athouguia, de Monte-São, de Tinalhas; Moraes Carvalho, Alexandre Cabral, Antonio de Azevedo, Costa e Silva, Santos Viegas, Teixeira de Sousa, Telles de Vasconcellos, Campos Henriques, Arthur Hintze Ribeiro, Carlos Palmeirim, Vellez Caldeira, Carlos Maria Eugênio de Almeida, Eduardo José Coelho, Ernesto Hintze Ribeiro, Fernando Larcher, Dias Costa, Ferreira do Amaral, Francisco Machado, Francisco de Medeiros, Francisco Maria da Cunha, Baptista de Andrade, Jacinto Candido, Teixeira de Vasconcellos, João Arroyo, Vasconcellos Gusmão, Correia de Barros, José Maria de Alpoim, José Vaz de Lacerda, Julio de Vilhena, Luciano Monteiro, Pimentel Pinto, Pessoa de Amorim, Poças Falcão, Bandeira Coelho e Raphael Gorjão.

Redactor.

ALBERTO PIMENTEL.

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