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4 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Os regeneradores nunca tiveram ocsião asada para trazerem o assunto ao Parlamento; e evidentemente a não teve tambem o Governo progressista de 1904-1906.

O Sr. Conselheiro Joio Franco, porem, aproveitou avidamente, sofregamente, a primeira occasião que o acaso lhe deparou, para confessar os adeantamentos feitos á Casa Real e para logo os classificar. Não fez bem. Não fez bem, porque a occasião era inopportuna; e não fez bem porque, querendo pôr a questão contra os velhos partidos historicos, não confessou logo, como devia, que fora elle proprio quem no ultimo reinado iniciara a serie dos adeantamentos.

Culpa venial foi essa, porem. O grande erro, o erro imperdoavel do Sr. Conselheiro João Franco foi a publicação do decreto ditatorial de 30 de agosto, cujas consequencias não previu. É certo que ellas foram muito alem do que se podia prever, mas que fatalmente seriam prejudiciaes para o Rei era evidente. De todos os decretos publicados em ditadura, que muitos foram, nenhum escandalizou tanto a opinião publica como aquelle.

Deixemos, porem, o Sr. João Franco, que está expiando duramente as suas culpas,,

Ninguem ignorava, disse eu, que os Governos, fazendo supprimentos ou adeantamentos á Casa Real e a outras entidades, incorriam em responsabilidades politicas que deveriam ser dirimidas no Parlamento, como por outras vezes já o haviam sido.

O que nunca, porem, se pensou, o que ninguem previu, foi que viesse um dia, em que o procedimento de todos os Ministros da Fazenda, excepto o Sr. Ressano Garcia, fosse accusado de immoral. Isso, não!

Hintze Ribeiro, o grande homem de bem, a praticar e a consentir immoralidades!

Immoralidades que todos os Ministros da Fazenda, menos um, praticaram; que todos os Presidentes de Conselho autorizaram; que todos os Ministros de todos os partidos consentiram! Immoralidades em que a imprensa falava com o maior desassombro, sem que nenhum Governo fizesse a mais pequena diligencia para a calar!

Immoralidades conhecidas de todos os amigos mais dedicados do Rei, que d'ellas publicamente falavam para demonstrar a necessidade de ser aumentada a lista civil!

O Sr. Presidente, eu só me admiro de que haja ainda em Portugal quem queira ser Ministro, depois de uma vez o ter sido!

O procedimento dos Governos era talvez illegal; mas não era immoral, nem era criminoso; e pelas illegalidades praticadas são responsaveis todos os homens que foram. Ministros no ultimo reinado. Uns fizeram adeantamentos, e outros consentiram, tacita ou expressamente, que elles se fizessem.

Não me peçam provas d'esta affirmação. Não as tenho; mas o que eu digo é verosimil e o contrario é absolutamente inacreditavel.

O Sr. José de Alpoim: — V. Exa. dá-me licença?

Por varias vezes já tenho aqui declarado que nunca em Conselho de Ministros, estando eu presente, se tratou de adeantamentos.

O Sr. João Arroyo: — Faço minhas as palavras do Sr. Alpoim.

O Orador: — Temos, pois, tres Ministros innocentes: o Sr. Ressano, o Sr. Alpoim e o Sr. Arroyo...

O Sr. José de Alpoim: — Direi mais a V. Exa.: nunca em Conselho de Ministros esse assunto se versou, nunca com qualquer dos meus collegas troquei directa, nem indirectamente, quaesquer palavras a esse respeito, e foi para mim uma extraordinaria surpresa, quando este assunto veio ao Parlamento e o vi publicado nos jornaes.

O Orador: — É claro, Sr. Presidente, que não ponho em duvida as affirmações do Sr. Alpoim e do Sr. Arroyo. Faço inteira justiça ao caracter de S. Exas. e creio bem que não fariam aquellas affirmações, se ellas não fossem verdadeiras.

O Sr. José de Alpoim: — Já aqui as fiz na presença do Sr. Conselheiro José Luciano de Castro.

O Orador: — As ultimas palavras do Sr. Alpoim não eram precisas, porque, repito, não ponho em duvida o que S. Exa. hoje affirma e o facto de o haver antes affirmado na presença do Sr. Conselheiro José Luciano de Castro não dá mais valor ás suas palavras.

Mas, Sr. Presidente, admittindo que alguns Ministros não soubessem que se faziam adeantamentos á Casa Real, e depois das palavras do Sr. Arroyo e do Sr. Alpoim não é permittido suppor o contrario, o que todos sabiam, incluindo S. Exas., o que é incontestavel que todos sabiam, porque consta de documentos publicos trazidos ao Parlamento, é que se faziam adeantamentos a outras entidades.

Porque é então que tanto se fala dos adeantamentos feitos á Casa Real não se fala nos que se fizeram a bancos e a companhias? Tão illegaes são uns como os outros, e estes todos os Governos os fizeram e todos os Minisros d'elles tiveram conhecimento. É essa talvez a razão por que nelles se não fala. A illegalidade, porem, é a mesma e identico o fim com que se fizeram. Uns e outros foram feitos com o fim unico de defender os interesses superiores do Estado.

O mundo politico não quer ver estas verdades, roas felizmente o país conhece-as.

O país, a parte boa e sã do país, que é se aã duvida a sua grande maioria, quer que se adoptem outras normas de administração; quer que se tomem as providencias convenientes para que não sejam possiveis, nem necessarios, novos adeantamentos; mas não estigmatiza quem, forçado pelas circunstancias, os fez, e menos ainda a memoria de quem os recebeu.

A alma portuguesa vibra de indignação, quando julga affectados os brios nacionaes ou offendidos os direitos do cidadão; é muito generosa, porem, e o dinheiro não é a sua corda sensivel.

O país preferiria, sem duvida, que se não tivessem feito adeantamentos; não quer que outros se façam; mas não se lembra do passado esvurmando odios. Lembra-se d'elle com a piedade que deve aos mortos; com o respeito que lhe inspira o infortunio: e com a sympathia que lhe merecem duas mães desventuradas, a quem, no mesmo dia, barbara e cruelmente assassinaram os filhos que estremeciam, numa emboscada infame que para sempre manchou a nossa Historia. (Apoiados). Movido por estes sentimentos, que tão portugueses são, o país não esvurma odios; só pede e exige, como é seu direito, que se não reincida no commettimento de erros que perturbem a vida da nação.

Ou eu conheço muito mal o país onde nasci, ou esta é que é a verdade.

Falemos agora, Sr. Presidente, da proposta trazida ás Côrtes pelo Governo no dia 23 de maio ultimo.

Sr. Presidente: quando a proposta foi lida na Camara dos Senhores Deputados, a questão dos adeantamentos não estava esquecida, mas não estava na tela da discussão. Foi o Governo que novamente a pôs em foco,, juntando no mesmo diploma a dotação do Rei e o modo por que Sua Majestade devia pagar ao Estado as dividas da Casa Real.

Era sabido que os partidos avançados não consideravam liquidada a questão dos adeantamentos pela tragedia de 1 de fevereiro, e portanto, não se carecia de previsão muito superior á vulgar, para predizer, com a certeza de não errar, que, posta por aquelle modo, a questão no Parlamento, a do-