DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 203
sentação, sendo dirigida a esta camara, não preenche verdadeiramente o fim a que se destina, porque esta questão não póde ser resolvida pela camara, pela sua iniciativa; é da competencia do goverao, o governo é que deve tratar d'estas questões, na resolução das quaes não haverá partido algum que lhe promova embaraços; ao contrario: todos lhe hão de dar força.
Ora, eu que respeito immenso o sr. ministro das obras publicas pela sua seriedade e merecimentos, não posso duvidar de que s. exa. reeommendará este negocio ao seu collega da repartição competente.
Sr. presidente, eu já não leio jornaes quasi nunca, mas ha uns jornaes que são apregoados pelas das logo de madrugada, fazendo acordar toda a gente, que esses é que são os meus jornaes.
Elles sabem mais do que o jornal official, as suas noticias precedem as que apparecem na folha do governo! Para mim tem havido occasiões em que por elles me regulo melhor e com mais acerto de que pelo Diario do governo.
É celebre e significativo.
Li n'um d'elles o seguinte:
Uma desgraçada hespanhola foi atropellada por um trem, ficou mal tratada a ponto de ter de ir para o hospital curar-se, de um braço quebrado quando de lá saiu reclamou do dono do vehiculo uma indemnisação e não alcançou nada, fui ao consul tambem não fez nada; nem o governo lhe fez nada, mar por fim o Diario de noticias é que foi o verdadeiro governo.
Até aqui, é só para elogiar a redacção do jornal que amparou aquella desgraçada e que, em relação a ella, fez em ponto pequeno aquillo que o grande Passos Manuel queria que nós todos fizessemos em ponto grande: e era que - quando se fizesse a menor offensa ao mais insignificante cidadão, todo o corpo social se levantasse, como um só homem, para proteger e desafrontar o offendido. E era muito bem pensado; porque, se isso se fizesse, todos seriam rés peitados. Mas não aconteça assim.
Por exemplo:
Um desgraçado soldado, que commette qualquer delicto, mesmo de indisciplina, una deserção, é preso, julgado e sentenciado a ser deportado para o ultramar. Chega ali, fazem-n'o assentar praça; serve terrivelmente durante todo o tempo do seu degredo a com uma disciplina muito mais severa; e quando volta ao continente, vem cheio de enfermidades adquiridas n'aquellas inhospitas regiões e muitas vezes impossibilitado de trabalhar. Que ha de fazer? Pede esmola. Mas vem a policia, prende-o e leva-o para o governo civil. Ao rico porém, nada d'isto acontece. O rico ou aquelle que tem grandes influencias politicas, ou cama radagens litterarias, ainda que commetta grandes delictos, vae para o ultramar, e masmo quando seja condemnado a trabalhos publicos, chega lá, e logo se lhe destina um ponto em que o clima seja melhor, dando-se-lhe tambem uma vivenda onde se torne mais suave o seu degredo e onde passa uma vida cheia de commodidades como qualquer velho lord inglez; até pela imprensa se attenuam e desculpam os seus crimes, como se o rigor das leis fosse só para os pequenos e ignorantes! Ora aqui está como as cousas se passam no nosso paiz. Chama-se a isto - lei de funil. Para os que têem protecção é a lei suave; para os que não teem protecção é a lei dura.
Quer v. exa. saber o que succedeu á desgraçada mulher que implorava a caridade de quem a tinha feito jazer no hospital? Foi preza por um policia, que a conduziu á estação do caminho de ferro por ordem do consulado para que partisse para Hespanha! Ella tem duas filhas que trabalham, e nem d'ellas se pôde despedir! Felizmente o sr. vice-consul hespanhol, estando na estação, d'ella se condoeu e a mandou embora e solta
Perguntava depois o jornal, a que me referi, como se fazia isto? O consulado hespanhol costuma mandar para Hespanha os mendigos? Pois os mendigos vão para Hespanha? É porque ha mendigos que são puramente vadios e que costumam fazer o seu metter, alugando muitas vezes creanças, para armarem assim á compaixão e á benevolencia do publico. A policia agarra-os e leva-os para o governo civil; e, se são portuguezes, como não póde dar-lhes destino algum, visto não termos casa de correcção e trabalho, solta-os; e, se são hespanhoes, entrega-os ao seu cônsul, que os manda para o seu paiz. De sorte que a policia está revestida de uma auctoridade discricionaria, que não lhe póde competir.
Os estrangeiros que se acham em Portugal devem ter garantias iguaes ás que têem os portuguezes; assim o exigem as boas relações internacionaes, e ninguem tem o direito de agarrar uma pobre mulher, mette-la n'um wagon e manda la para Hespanha; para isso devia preceder um julgamento.
Felizmente, não se levou a effeito esta ultima parte do acontecimento; porque, quando a mulher se achava ainda na estação, appareceu uma ordem que lhe dava a liberdade de ir para onde quizesse. Todavia, o facto deu-se. Consta-me que partiu do sr. vice-consul; honra lhe seja feita.
Eu entendo, sr. presidente, que todas estas irregularidades cessavam se a policia, em certos casos, só procedesse obedecendo ao poder judicial, e á vista de leis ou regulamentos bem explicitos a este respeito.
Acontece o mesmo com relação aos refractarios hespanhoes, que são reclamados á policia como taes, quando muitas vezes podem deixar de o ser. Eu sempre entendi que se não deviam entregar ás auctoridades hespanholas quaesquer subditos d'aquelle paiz sem haver a certeza de serem refractarios, por meio de documento judicial.
Eu vou contar á camara um facto que se deu commigo, sendo eu governador civil de Lisboa, facto que é todo em honra e gloria do digno par o sr. marquez de Niza, a quem muito respeito, e s. exa. faz-me a honra da sua amisade, posto que nos tenhamos achado muitas vezes em campos oppostos.
O governo hespanhol exigiu a entrega de dois individuoi d'aquella nação. Eu recebi ordem de os entregar, mas o sr. marquez de Niza procurou-me e disse me que havia engano, porque não eram criminosos civis, mas sim politicos. Em vista d'esta declaração, suspendi a entrega d'aquelles dois homens e tratei de averiguar o facto, para o que s. exa. me deu esclarecimentos. Informei d'isto o governo que me disse que eu tinha feito bem, e que mandasse os homens para onde estavam, os quaes até estiveram tres dias em casa do sr. marquez de Niza, sob sua palavra, pela qual eu tive e tenho toda a consideração.
Ora imagine v. exa. que o governo portuguez entregava os dois homens! O governo hespanhol podia fuzila los immediatamente por hypothese. E isto que se deu com estes dois individuos, não se póde dar com um pobre gallego que seja entregue sem se ter procedido como cumpre em assumpto tão importante?
Se aqui estivesse o sr. marquez de Avila, que tem mostrado muito zêlo e interesse em resolver todos estes negocios com a Hespanha (eu gosto de fazer justiça a s. exa., quando tenho muitas outras cousas politicas de que o arguir), pedir-lhe-ía que tomasse em consideração estes factos. Mas como s. exa. não está presente, peço ao sr. visconde de Chancelleiros que diga ao seu collega que não descure este negocio. É necessario que haja um regulamento pelo qual a auctoridade administrativa se regule para a entrega d'estes individuos, a fim de que a policia não esteja ao arbitrio de qualquer auctoridade estrangeira. Isto não é censurar a auctoridade portugueza nem a hespanhola, é contar os factos e pedir providencias, porque eu entendo que nós somos tanto representantes dos grandes como dos pequenos. É questão de boa administração.
Eu tinha uma outra observação a fazer, mas era tanto de opposição que a engulo, não a apresento. Demais, vendo diante de mim o sr. visconde de Chancelleiros, não me