DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 207
nós podiamos ter já formado o nosso juizo a seu respeito; com essa discussão não aconteceu assim, porque este negocio foi remettido a uma commissão que deu sobre elle o seu parecer, e fez as alterações com que o governo concordou, e o projecto voltou pare a outra casa, que rejeitou essas alterações, contra as quaes eu teria votado um milhão de vezes se aqui estivesse quando se tratou d'este assumpto. E diz o sr. ministro das obras publicas que é necessario mostrar zêlo, e estar aqui para discutir os negocios de interesse publico.
Ora, sr. presidente, eu tenho visto que a maior parte das vezes que esta camara tem deixado de funccionar não tem sido por causa da falta de numero, mas sim por não haver trabalhos, a ponto de v. exa. ter adiado as nossas sessões por dois, tres e quatro dias por não termos nada que fazer, porque reserva se tudo para os ultimos dias, e não havendo a discussão que é necessaria o governo parlamentar morre.
Portanto, se o sr. mmistro entende que é necessario reformar esta camara, póde propor a sua reforma, porque na carta constitucional está estabelecido o modo de reformar a camara dos pares sem ser preciso côrtes constituintes para isso. Lá está a lei, e, segundo o meu modo de ver, já disse aqui quaes eram os quatro pontos da minha reforma.
O primeiro era acabar com a hereditariedade; o segundo era fixar e estabelecer numero certo de pares do reino, visto que as fornadas nos têem elevado a perto de duzentos; o terceiro era fazer com que o povo tome parte na formação da camara, elegendo ao manos um terço d'ella, porque é elle quem paga os serviços publicos; e o quarto era as incompatibilidades, para que ninguem, que tivesse negocios ou interesses em contrario dos do estado, podesse vir aqui discutir a sua propria causa. Agora póde acrescentar-se mais outro artigo, como indicou o sr. ministro das obras publicas, isto é, que todo o par do reino que faltasse ás sessões d'esta camara durante um certo periodo, sem motivo justificado, perdesse o seu logar. Porque d'este modo aquelles que tivessem paixão por esta dignidade haviam de comparecer aqui com mais assiduidade, e aquelles que se não importassem com isso continuariam a faltar como até agora. E se nós podessemos estabelecer uma multa pecuniaria, paga pelos dignos pares que não concorressem ás nossas sessões, ainda era melhor, porque esse dinheiro podia ser applicado a favor de algum asylo de beneficencia. Já se vê que o digo só por ironia, porque não ha rasão para tal.
Eu declaro, sr. presidente, que sou um d'aquelles que costumam faltar mais vezes ás sessões d'esta camara, e quando venho aqui faço sempre um grande esforço, porque não desejo nunca faltar ao cumprimento do meu dever, e todos sabem que me acho bastante doente ha mais de dois annos (apoiados).
Eu não posso discutir, porque nem tenho luzes, nem capacidade, nem acção; mas tenho o meu voto. Tencionava vir votar a lei de meies a s. exas., mas com restricções; sem ellas, votava contra. Porém, quando vim, já ella se tinha votado. Foi depressa.
O sr. Marquez de Niza: - Pedi a palavra.
O Orador: - Sr. presidente, a culpa do que estamos presenceando ha tanto tempo não está em nós, está no governo. Quando as camaras não são assiduas e não trabalham com proficuidade, os verdadeiros culpados são os governos.
Eu estive em uma camara em 1852, em que nos reunia-mos ás dez horas da manhã, e saiamos ás seis da tarde. Ha aqui alguns dignos pares d'esse tempo. Eu hei de vir sempre que tenha saude, e que possa obstar com a minha palavra e com o meu voto a alguma cousa que julgue prejudicial a este paiz, para a discussão não faço falta alguma.
O sr. Presidente: - Tem a palavra para uma explicação, o sr. visconde de Fonte Arcada.
O sr. Visconde de Fonte Arcada: - Eu tinha pedido a palavra para uma explicação, mas cedo d'ella. Porém aproveito a occasião para dizer que não posso deixar de me conformar em geral com as opiniões do sr. conde de Cavalleiros.
Ha muito tempo que eu entendo que o nosso parlamento precisa ser reformado. Isto não é possivel continuar assim. S. exa. expoz algumas rasões a este respeito, com as quaes eu estou completamente de accordo, porque eu julgo de grande necessidade a reforma parlamentar, segundo a constituição da Belgica; nada mais, mas nada menos. (Entrou o sr. presidente do conselho de ministros.)
O sr. Marquez de Niza: - Eu não tencionava entrar no debate; mas entendi dever faze lo desde que ouvi dizer ao sr. conde de Cavalleiros que a commissão que deu parecer sobre o projecto relativo aos bancos tinha concedido uns privilegios inqualificaveis. (O sr. Conde de Cavalleiros: - Peço a palavra.)
Como eu tenho a honra de fazer parte d'essa commissão, devo declarar ao digno par que ella tratou aquella questão com o maior zêlo e desinteresse possivel, e não teve em vista fazer favores a pessoa alguma.
E até nem o governo assistiu ás reuniões em que eu estive para tratar d'aquelle objecto. As tres isenções que ella fez foram em resultado do debate, e por convicção da sua justiça. Se errou, que eu creio que não, foi em boa fé. E póde s. exa. estar certo que em uma cousa tão seria e grave, como esta a que o digno par acaba de se referir, não se tratou de fazer favores a estes ou áquelles individuos. A opinião da commissão foi dada segundo os dictames da sua consciencia.
E póde s. exa. socegar o seu espirito, porque eu affianço-lhe que a opinião de qualquer commissão de que eu faça parte ha de ser sempre em harmonia com os verdadeiros principios de justiça e equidade, e nunca para lisonjear ou favorecer ninguem com menos direitos.
O sr. Conde de Cavalleiros: - Peço ao sr. marquez de Niza a sua attenção.
A garantia, para mim, de que a commissão de fazenda, ou qualquer outra, não procede senão segundo os dictames da sua consciencia, não é só de s. exa., mas do caracter de todos os membros d'esta casa, de que tenho sobejas provas de independencia e dignidade.
É grande a estima e respeito que tenho pela dignidade e rectidão do nobre par, mas não é menor a que consagro a todos os nossos honrados e dignos collegas.
Na commissão de fazenda, a que s. exa. diz que pertence, lá estão pessoas que eu muito respeito.
O sr. Marquez de Niza: - Eu sou da commissão de agricultura, commercio e artes.
O Orador: - A mesma cousa. Mas na commissão de fazenda, e nessa até conto amigos do accordo em politica, que têem pouco mais ou menos as mesmas idéas, e a quem eu não podia querer ser desagradavel, e o digno par não podia em todo o caso ver que eu procurasse fazer insinuação alguma ao caracter ou ás intenções dos meus collegas. Quando eu disse, que as alterações que se tinham aqui feito em beneficio e como privilegios a algumas companhias não sabia como qualificar, disse uma cousa segundo os dictames da minha rasão, mas sem nenhuma reserva, com respeito sempre ás intenções, mesmo porque eu entendo que não ha outro meio admissivel de viver com collegas, pois a verdade é que não ha homem, por mais importante e elevado que seja, que tenha rasão de exigir a attenção e o respeito, quando elle é desattencioso (apoiados).
Logo, eu não podia de fórma aguma, nem por pensamentos, referir-me ao digno par em particular, nem á commissão em geral, pois que a todos eu sei considerar; mas tambem os meus collegas por serem homens que têem dignidade, e amam a liberdade, hão de permittir que eu expenda as minhas idéas com aquella franqueza, lealdade e força de genio que Deus me deu, procurando porém sempre conter-me dentro dos limites da boa educação (apoiados). Creio que o digno par estará satisfeito.
O sr. Marquez de Niza: - Satisfeitissimo.