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SESSÃO DE 3 DE JUNHO DE 1871
Presidencia do exmo. sr. Conde de Castro, vice-presidcnte
Secretarios - os dignos pares
Visconde de Soares Franco
Eduardo Montufar Barreiros
Pelas tres horas da tarde, tendo se verificado a presença de 19 dignos pares, declarou o exmo. sr. presidente aberta a sessão.
Leu-se a acta da sescão antecedente, contra a qual não houve reclamação.
O sr. secretario visconde de Soares Franco mencionou a seguinte
Correspondencia
Officio do ministerio do reino, remettendo copia authentica do decreto, pelo que houve Sua Magestade El-Rei por bem determinar que se effectue no dia 3 do corrente junho a sessão real de encerramento das côrtes geraes ordinarias da nação portugueza, e que a este acto solemne assistam por commissão do mesmo Augusto Senhor os ministros e secretarios d'estado de todas as repartições.
Leu-se na mesa o seguinte:
Decreto
Sendo chegada a epocha em que têem de encerrar-se as côrtes geraes ordinarias da nação portugueza, e occorrendo circumstancias que me impedem de assistir a esta solemnidade: hei por bem determinar que a sessão real do encerramento se effectue ámanhã pelas cinco horas da tarde na sala das sessões da camara dos senhores deputados da nação portugueza, reunidos ambos os corpos
co-legisladores, sob a direcção do presidente da camara dos dignos pares do reino, e que por mim assistam á dita sessão os ministros e secretarios d'estado, que compõem o actual ministerio; devendo o presidente do conselho de ministros ler no principio da sessão este decreto, declarar seguidamente em meu nome encerradas 33 côrtes geraes ordinarias, e remetter depois copias do mesmo decreto a uma e outra camara para ficarem depositadas nos seus archivos. O presidente do conselho de ministros e os ministros e secretarios d'estado das diversas repartições assim o tenham entendido e façam executar.
Paço da Ajuda, em 2 de junho de 1871. = REI = Marquez d'Avila e de Bolama = José Marcellino de Sá Vargas = Carlos Bento da Silva = José Maria de Moraes Rego = Jose de Mello Gouveia = Visconde de Chancelleiros.
Para o archivo.
Um officio da presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo a proposição sobre ser auctorisada a camara municipal de Melgaço, a lançar um imposto sobre o sal, e a applicar o seu producto a diversas despezas de interesse e conveniencia do municipio.
Á commissão de administração publica.
Um officio da mesma presidencia, remettendo a proposição de lei sobre ser o governo auctorisado a conceder á camara municipal de Penafiel, o edificio e cerca do extincto recolhimento de Nossa Senhora da Conceição para melhoramentos do municipio.
Á commissão de fazenda.
Outro officio, remettando a proposição sobre ser reconhecido aos vogaes do axtincto conselho de saude publica do reino, nomeados vogaes ordinarios da junta consultiva de saude, o direito á continuação dos vencimentos que legalmente tinham pela legislação anterior ao decreto de 3 de dezembro de 1868.
A commissão de fazenda.
Outro officio, remettendo a proposição de lei sobre serem extensivas a varios errpregados superiores do ministerio das obras publicas as disposições do artigo 3.° da lei de 16
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de abril de 1867, que regulou os vencimentos dos empregados civis de igual categoria.
Á commissão de fazenda.
O sr. Conde de Cavalleiros: - Sr. presidente, permitta me v. exa. que eu declare a rasão por que tenho faltado ás sessões ha mais de um mez; desejo que a camara e o paiz saibam o motivo da minha não comparencia n'esta casa; ella foi derivada da falta da minha saude; e digo isto assim, sr. presidente, para separar esta falta de outra que eu não queria dizer, mas que sempre direi, e é a do desengano e da desconfiança em que estou ha muitos annos (porque isto em mim já data de annos) do nenhum resultado que se tira, e do pouco remedio que vejo ás cousas publicas d'este paiz. Este desengano e esta desconfiança é que muitas vezes dão origem a que eu esteja fóra de toda a discussão, porque se aqui se tratasse de objectos vitaes e uteis ao paiz e aos interesses publicos, eu faria de boa vontade o esforço, mesmo doente, de comparecer n'esta camara, para com o meu voto acompanhar os meus collegas em tudo que d'esse ou podesse vir a dar bom resultado para esta terra.
Sr. presidente, eu tenho assistido a muitas dissoluções das camaras, porque infelizmente ellas são já um mal intermittente no animo dos homens publicos d'esta terra; não se passa um anno que não haja um novo governo, e que não dê em resultado uma nova dissolução, o que é o mesmo que dizer que é raro o anno em que não haja eleições, que só convem a alguma auctoridade insignificante, que, não tendo outro meio de se fazer acreditar perante o governo, precisa das eleições para isso, fazendo-se galopins eleitoraes!
Sr. presidente, dizia eu que tenho assistido a muitas dissoluções, mas a que ainda não assisti na minha vida foi a nenhuma com o caracter mais funebre do que esta que se annuncia! (Apoiados.)
A camara fecha-se hoje, e ha n'esta casa projectos importantes, importantissimos até, e no entanto veja v. exa., sr. presidente, se no banco dos ministros apparece algum a pedir a discussão de qualquer projecto, ou direi antes, a sua approvação; porque discussão já a não póde haver; não só não ha tempo, mas até nem o governo se apresenta e nem se occupa mesmo a vir a esta camara, onde tem maioria, emquanto que na outra não a tem e precisa por isso lá estar.
Ha projectos que vem da outra casa do parlamento de uma fórma, que não convem ao governo que assim fique, e então n'esta casa altera-se á vontade; lá ha uma opinião e aqui ha outra; aqui, o governo dirige-se ás commissões, e interpreta os projectos á sua vontade, mas na outra camara não succede assim, e haja vista á protecção dada aos bancos n'esse projecto que aqui passou ultimamente, e que sinto não ter estado presente na occasião em que se discutiram as alterações que esta camara lhe fez, e contra as quaes eu teria votado; porque eu votaria a lei exactamente como ella veiu da camara dos srs. deputados, visto que ella acabava completamente com esses privilegios e isenções escandalosas de que gosam os bancos, contra o que eu voto, porque entendo que feitos estes privilegios e estas isenções a estabelecimentos publicos d'aquella ordem, equivale a dar uma protecção escandalosa, derivada de um favoritismo inqualificavel que ha longo tempo tem a reprovação publica, e que é vicio da creação d'esses estabelecimentos.
(Entrou o sr. ministro das obras publicas.)
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Vejo entrar, em boa hora, o sr. visconde de Chancelleiros, ministro das obras publicas; s. exa. para mim, e n'este momento, consubstancia em si todo o ministerio, é por consequencia os poderes da todo o governo; talvez pois que s. exa. esteja habilitado a dar quaesquer explicações satisfactorias, a fim de poderem entrar em discussão esses projectos impressos que se acham sobre a mesa. Bem sei que para um d'elles já um digno par pediu o adiamento, até estar presente o sr. ministro da guerra; esse projecto é o que trata das promoções feitas aos militares que fizeram o 19 de maio.
Ora, é possivel que o sr. ministro competente não venha, e o projecto ahi fica adiado indefinidamente. Não gosto d'isto assim, gosto muito mais das posições definidas. Espera-se o sr. ministro, e le não vem, quer dizer que é um modo indirecto que o governo buscou de se não tratar tal cousa.
Ha outro projecto importantissimo, o qual um ministro mesmo pede que fique adiado até chegar o outro ministro, porque já não tem tempo de comparecer, e a questão tara bem se não trata. Isto é que não póde ser, nem deve continuar assim! Fallo ca contribuição pessoal.
Sr. presidente, eu não posso deixar de dizer o que sinto, e supponho que estou na ordem?
Vozes: - Está, está
O Orador: - Mas eu continuo fallando, porque nem mesmo me consta que nunca se tapasse a boca no ultimo dia, a quem está para morrer, e a dissolução mata-nos constitucionalmente! Assim morre o systema parlamentar.
Foi, como já disse, adiado o projecto dos postos dos militares de 19 de maio; esse projecto é importante, porque é uma questão de moralidade, de disciplina e de sustentação da ordem publica; está impresso, e o sr. ministro da guerra calculada ou não calculadamente não apparece. Não trato agora de apreciar es rasões da sua falta; mas o projecto caduca com a dissolução, e é preciso para que elle vá por diante, que tenha nova iniciativa na camara dos senhores deputados; no entanto, por agora, fica suspenso, e a questão não se resolve. Esta é que é a verdade.
Eu, sr. presidente, morria se visse fechar a camara sem dizer estas verdades, e protestar contra o que se está fazendo; e não admira que eu falle assim porque já n'esta casa declarei que era opposição unica, porque não estava nem estou sujeito aos caprichos nem aos interesses de nenhum partido, e a rasão é porque os tenho visto a todos abandonarem as suas bandeiras, não se importando mesmo com a sustentação dos seus principios, em favor d'este governo! Tenho-os visto a todos transigirem com elle em diversos e variados pontos. Mas o tempo demonstrará a verdade e fará a verdadeira justiça, castigando tão grande falta. Alem d'isso, ha uma outra rasão que me faz ser opposicionista, é o vicio de origem d'este governo; é um governo que aceitou e nasceu dos comprimissos que abomino e reprovo, e por consequencia deixa de ser um governo, porque não tem liberdade de acção nem tem principio nenhum de constitucionalidkde; logo é um governo inconstitucional, que eu não posso apoiar, e assim sou e hei de ser, pois, opposição, emquanto elle durar; e digo hei de ser, porque esta camara não se póde dissolver como a dos senhores deputados, ponto forçado de todos os governos!
O outro projecto tambem de grande consideração, a que ha pouco me referi, é o que trata do imposto pessoal e sumptuario.
Este projecto levou mais de um mez a discutir na outra camara, e a final vem aqai morrer, porque o sr. presidente do conselho não julga urgente a sua discussão n'esta casa, e veiu pedir que se não discula o projecto sem estar presente o sr. ministro da fazenda. Ora o sr. ministro da fazenda não vem cá.
O sr. Xavier da Silva: - Esteve cá hontem.
O Orador: - Então a culpa é da camara? Eu não me atrevo a censurar os meua collegas. O facto é que este tributo pessoal ía alterar até um certo ponto o systema tributario, acabando com a repartição e tornando a quota mais equitativa; o facto é que este projecto, de grande importancia, foi posto de parte, veiu acabar aqui. Este é que é o facto. A occasião era propria.
Ha outros projectos nas mesmas circumstancias, que eu podia enumerar, e que não enumero, primeiro porque me canso, segundo porque é inutil, e terceiro porque não quero enfastiar os meus collegas.
Sr. presidente, se estivesse aqui presente o sr. ministro da marinha, chamaria a attenção de s. exa. para um ponto que julgo altamente importante; mas como está presente o sr. ministro das obras publicas, s. exa. poderá conseguir dos seus collegas fazerem o que melhor for a bem d'este paiz.
Apresentei aqui a 27 de março uma representação de seiscentos e tantos cidadãos de Goa, em que era o primeiro um padre respeitavel que tem feito serviços ao nosso padroado, e que muito considerado é. A opinião d'esses cidadãos, e não só d'elles, mas tambem de uma grande parte da população portugueza, appella hoje, como meio de civilisação para as nossas colonias, para as missões (apoiados). Não sé leva o barbaro a abdicar dos seus maus principios, a desprender se dos seus ruins costumes, senão pela idéa santa e religiosa que o impelle para a vida civilisada e o obriga a obediencia. A espada só não basta (apoiados). Vou narrar um facto que li ha tres dias no Jornal da noite.
Esse celebre bonga que assusta tanta gente, pelo menos, porque é muito o dinheiro que nos faz gastar, mandou ultimamente render preito e homenagem á auctoridade portugueza; e sabe a camara a resposta que se lhe deu, sabe qual foi a resposta civilisadora, religiosa e humanitaria que obteve o bonga? Foi
cortar-se a cabeça ao emissario ou parlamentario que aquelle rebelde mandara para apresentar a sua submissão á auctoridade portugueza! Se este facto é verdadeiro, aqui tem v. exa. a fonte e a origem de toda a anarchia que póde haver nas provincias ultramarinas. É que ha governadores com tão pouca intelligencia, já não digo coração, que ensinam ao barbaro que póde cortar a cabeça ao parlamentario! Aqui está por que eu digo que é precisa a missão para o barbaro e a civilisação para o governador (apoiados).
Nós estamos vendo os horrores praticados em França porque ali se extinguiu, se suffocou, se aniquilou todo o sentimento religioso do povo (muitos apoiados). D'ahi é que nasceu todo o mal; só de atheus, de impios, de homens fera religião é que podiam provir idéas tão iniquas como as que importam as atrocidades que com horror se tem presenceado na capital da França (apoiados).
Sr. presidente, o que se tem visto é o fructo das más doutrinas que se teem pregado aos povos, é o fructo da impiedade, e quem tiver filhos deve temer por elles as consequencias funestissimas dos maus principios que se têem propagado.
Préga-se a impiedade publicamente em Lisboa! Ainda mais, sr. presidente, eu já vi justificadas as infamias praticadas em Paris com o que dantes praticava o santo officio! Ora, sr. presidente, pela minha parte, tanto se me dava morrer ás mãos de um frade do santo officio como ás de um daquelles partidarios da communa, que se chamam humanitarios.
Sr. presidente, as missões são necessarias, mas são as missões de pobreza; não são guerrilhas nem milicias, são a primeira tropa, composta daquelles que dizem: vou ali morrer no meu posto, porque fiz voto de obediencia e pobreza. Assim é que eu entendo as missões, e não quero as missões dos mercenarios, d'aquelles que o que querem é ir buscar tantos contos de réis, para, acabado o tempo que não podem deixar de lá estar, virem come-los com a familia em casa.
Eu assim como digo isto tambem entendo que a repre-
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sentação, sendo dirigida a esta camara, não preenche verdadeiramente o fim a que se destina, porque esta questão não póde ser resolvida pela camara, pela sua iniciativa; é da competencia do goverao, o governo é que deve tratar d'estas questões, na resolução das quaes não haverá partido algum que lhe promova embaraços; ao contrario: todos lhe hão de dar força.
Ora, eu que respeito immenso o sr. ministro das obras publicas pela sua seriedade e merecimentos, não posso duvidar de que s. exa. reeommendará este negocio ao seu collega da repartição competente.
Sr. presidente, eu já não leio jornaes quasi nunca, mas ha uns jornaes que são apregoados pelas das logo de madrugada, fazendo acordar toda a gente, que esses é que são os meus jornaes.
Elles sabem mais do que o jornal official, as suas noticias precedem as que apparecem na folha do governo! Para mim tem havido occasiões em que por elles me regulo melhor e com mais acerto de que pelo Diario do governo.
É celebre e significativo.
Li n'um d'elles o seguinte:
Uma desgraçada hespanhola foi atropellada por um trem, ficou mal tratada a ponto de ter de ir para o hospital curar-se, de um braço quebrado quando de lá saiu reclamou do dono do vehiculo uma indemnisação e não alcançou nada, fui ao consul tambem não fez nada; nem o governo lhe fez nada, mar por fim o Diario de noticias é que foi o verdadeiro governo.
Até aqui, é só para elogiar a redacção do jornal que amparou aquella desgraçada e que, em relação a ella, fez em ponto pequeno aquillo que o grande Passos Manuel queria que nós todos fizessemos em ponto grande: e era que - quando se fizesse a menor offensa ao mais insignificante cidadão, todo o corpo social se levantasse, como um só homem, para proteger e desafrontar o offendido. E era muito bem pensado; porque, se isso se fizesse, todos seriam rés peitados. Mas não aconteça assim.
Por exemplo:
Um desgraçado soldado, que commette qualquer delicto, mesmo de indisciplina, una deserção, é preso, julgado e sentenciado a ser deportado para o ultramar. Chega ali, fazem-n'o assentar praça; serve terrivelmente durante todo o tempo do seu degredo a com uma disciplina muito mais severa; e quando volta ao continente, vem cheio de enfermidades adquiridas n'aquellas inhospitas regiões e muitas vezes impossibilitado de trabalhar. Que ha de fazer? Pede esmola. Mas vem a policia, prende-o e leva-o para o governo civil. Ao rico porém, nada d'isto acontece. O rico ou aquelle que tem grandes influencias politicas, ou cama radagens litterarias, ainda que commetta grandes delictos, vae para o ultramar, e masmo quando seja condemnado a trabalhos publicos, chega lá, e logo se lhe destina um ponto em que o clima seja melhor, dando-se-lhe tambem uma vivenda onde se torne mais suave o seu degredo e onde passa uma vida cheia de commodidades como qualquer velho lord inglez; até pela imprensa se attenuam e desculpam os seus crimes, como se o rigor das leis fosse só para os pequenos e ignorantes! Ora aqui está como as cousas se passam no nosso paiz. Chama-se a isto - lei de funil. Para os que têem protecção é a lei suave; para os que não teem protecção é a lei dura.
Quer v. exa. saber o que succedeu á desgraçada mulher que implorava a caridade de quem a tinha feito jazer no hospital? Foi preza por um policia, que a conduziu á estação do caminho de ferro por ordem do consulado para que partisse para Hespanha! Ella tem duas filhas que trabalham, e nem d'ellas se pôde despedir! Felizmente o sr. vice-consul hespanhol, estando na estação, d'ella se condoeu e a mandou embora e solta
Perguntava depois o jornal, a que me referi, como se fazia isto? O consulado hespanhol costuma mandar para Hespanha os mendigos? Pois os mendigos vão para Hespanha? É porque ha mendigos que são puramente vadios e que costumam fazer o seu metter, alugando muitas vezes creanças, para armarem assim á compaixão e á benevolencia do publico. A policia agarra-os e leva-os para o governo civil; e, se são portuguezes, como não póde dar-lhes destino algum, visto não termos casa de correcção e trabalho, solta-os; e, se são hespanhoes, entrega-os ao seu cônsul, que os manda para o seu paiz. De sorte que a policia está revestida de uma auctoridade discricionaria, que não lhe póde competir.
Os estrangeiros que se acham em Portugal devem ter garantias iguaes ás que têem os portuguezes; assim o exigem as boas relações internacionaes, e ninguem tem o direito de agarrar uma pobre mulher, mette-la n'um wagon e manda la para Hespanha; para isso devia preceder um julgamento.
Felizmente, não se levou a effeito esta ultima parte do acontecimento; porque, quando a mulher se achava ainda na estação, appareceu uma ordem que lhe dava a liberdade de ir para onde quizesse. Todavia, o facto deu-se. Consta-me que partiu do sr. vice-consul; honra lhe seja feita.
Eu entendo, sr. presidente, que todas estas irregularidades cessavam se a policia, em certos casos, só procedesse obedecendo ao poder judicial, e á vista de leis ou regulamentos bem explicitos a este respeito.
Acontece o mesmo com relação aos refractarios hespanhoes, que são reclamados á policia como taes, quando muitas vezes podem deixar de o ser. Eu sempre entendi que se não deviam entregar ás auctoridades hespanholas quaesquer subditos d'aquelle paiz sem haver a certeza de serem refractarios, por meio de documento judicial.
Eu vou contar á camara um facto que se deu commigo, sendo eu governador civil de Lisboa, facto que é todo em honra e gloria do digno par o sr. marquez de Niza, a quem muito respeito, e s. exa. faz-me a honra da sua amisade, posto que nos tenhamos achado muitas vezes em campos oppostos.
O governo hespanhol exigiu a entrega de dois individuoi d'aquella nação. Eu recebi ordem de os entregar, mas o sr. marquez de Niza procurou-me e disse me que havia engano, porque não eram criminosos civis, mas sim politicos. Em vista d'esta declaração, suspendi a entrega d'aquelles dois homens e tratei de averiguar o facto, para o que s. exa. me deu esclarecimentos. Informei d'isto o governo que me disse que eu tinha feito bem, e que mandasse os homens para onde estavam, os quaes até estiveram tres dias em casa do sr. marquez de Niza, sob sua palavra, pela qual eu tive e tenho toda a consideração.
Ora imagine v. exa. que o governo portuguez entregava os dois homens! O governo hespanhol podia fuzila los immediatamente por hypothese. E isto que se deu com estes dois individuos, não se póde dar com um pobre gallego que seja entregue sem se ter procedido como cumpre em assumpto tão importante?
Se aqui estivesse o sr. marquez de Avila, que tem mostrado muito zêlo e interesse em resolver todos estes negocios com a Hespanha (eu gosto de fazer justiça a s. exa., quando tenho muitas outras cousas politicas de que o arguir), pedir-lhe-ía que tomasse em consideração estes factos. Mas como s. exa. não está presente, peço ao sr. visconde de Chancelleiros que diga ao seu collega que não descure este negocio. É necessario que haja um regulamento pelo qual a auctoridade administrativa se regule para a entrega d'estes individuos, a fim de que a policia não esteja ao arbitrio de qualquer auctoridade estrangeira. Isto não é censurar a auctoridade portugueza nem a hespanhola, é contar os factos e pedir providencias, porque eu entendo que nós somos tanto representantes dos grandes como dos pequenos. É questão de boa administração.
Eu tinha uma outra observação a fazer, mas era tanto de opposição que a engulo, não a apresento. Demais, vendo diante de mim o sr. visconde de Chancelleiros, não me
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quero tornar desagradavel. Fiz as declarações que devia fazer, chamando a attenção do governo para estes pontos.
Se de futuro elle administrar bem o paiz e apresentar medidas que sejam de reconhecida utilidade publica, prestar-lhe hei o meu voto, aliás continuarei a combate lo. E é isto mesmo o que tenciono fazer a qualquer outro governo que o substitua. Tenho concluido.
(Leu se na mesa uma proposta de lei vinda da outra camara.)
O sr. Ministro das Obras Publicas (Visconde de Chancelleiros): - Pediu que se dispensasse o regimento para entrar em discussão um projecto vindo da outra camara, e que diz respeito á repartição a seu cargo, assim que a commissão respectiva der sobre elle parecer.
O sr. Visconde de Fonte Arcada: - Este projecto veiu agora da camara dos senhores deputados. Não se póde tratar delle sem ir a uma commissão.
Uma VOZ: - Já está na commissão.
O Orador: - Estamos dando um espectaculo ridiculo. O systema representativo está desvirtuado pelo modo por que tratamos as questões mais importantes.
O sr. Ministro das Obras Publicas: - Em resposta disse que pedia a dispensa do regimento, não para que deixasse de haver parecer, mas para que se desse preferencia para a sua discussão a qualquer outro; o que fizera, não como ministro, mas como par do reino.
Por esta occasião, deu explicações sobre varios pontos do discurso do sr. conde de Cavalleiros.
O sr. Larcher: - Direi apenas poucas palavras que vão de accordo com algumas das reflexões apresentadas pelo digno par, o sr. coade de Cavalleiros.
Todos sabem quantas vezes eu tenho procurado chamar a attenção do governo sobre as nossas colonias, a fim de ver se conseguimos dar-lhes o maximo desenvolvimento, do qual póde talvez provir a salvação d'este paiz (apoiados). Entre os meios que a ecte fim conduzem sempre considerei a organisação das missões ultramarinas como o mais proficuo e o mais urgente (apoiados); nenhum meio mais facil nem mais prompto poderá concorrer para a civilisação moralisação, para a conquista pacifica d'aquelles povos (apoiados). Consta-me que á commissão de marinha e ultramar foi presente um projecto com referencia a esta questão, e que por falta de tempo talvez não foi elle apresentado a esta camara, decorro portanto ao governo, representado aqui pelo sr. ministro das obras publicas, pedindo com instancia a elle e a seus collegas que sem mais tardar se occupem do importante assumpto colonial, cuja magnitude está demonstrada, de cuja rapida resolução resulta a melhoria de estado das nossas colonias, assim como a salvação e a regeneração da metropole.
Para alcançar tão desejados effeitos, deve a questão ser resolvida sem demora debaixo do ponto de vista tratado com tanta proficiencia pelo digno par, o sr. conde de Cavalleiros, sem comtudo se descurarem os melhoramentos materiaes que tanto concorrem para o desenvolvimento da civilisação e do progresso.
Lembro tambem como importante, necessario e urgente o estabelecimento de carreiras a vapor, que nos assegurem a rapidez, a regularidade e a frequencia de communicações com as nossas colonias. Recordar-se-ha v. exa. que não ha muitos dias chamei aqui a attenção do governo sobre esta questão de interesse vital, e claramente mostrei quanto receiava que a final de tantas hesitações ficassemos reduzidos ao pessimo serviço da actual companhia de navegação para Africa. Estes receios tomam mais corpo agora, que ha falta absoluta de tempo para se recorrer a outro meio, e não querendo alongar mais estas minhas observações, termino já, pedindo encarecidamente ao illustre ministro, o sr. visconde de Chancelleiros, zeloso pela cousa publica, que, afastando quaesquer considerações mesquinhas por falsas economias, inste sem cessar pela prompta resolução d'estas questões capitães.
O sr. J. L. da Luz: - Sr. presidente, pedi a palavra para declarar a v. exa. e á camara, que dos membros da commissão de fazenda sou o unico que estou presente, e por isso não é possivel dar-se parecer algum. Posso dar a minha opinião sobre o assumpto, como qualquer outro digno par; mas isso não é parecer.
O sr. Visconde de Soares Franco: - Sr. presidente, eu tinha pedido a palavra quando o sr. conde de Cavalleiros se referiu a uma noticia, que se propalou, de que o governador de Tete a resposta que tinha dado a um enviado do Bonga tinha sido mandar-lhe cortar a cabeça.
Não ha noticia alguma offieial com relação a esse facto, nem mesmo indicações que nos possam levar a acreditar nelle; provavelmente foi uma noticia, como tantas outras dadas pelos jornaes, sem fundamento algum, e a que se não deve ligar nenhuma importancia, e menos ainda tirar illações; mas se porventura fosse verdadeiro o facto, o governador devia ser considerado como um assassino, e como tal processado.
Com relação ao outro objecto, de que o digno par se occupou, é de grande importancia, mas não me é possivel n'este momento dar ao assumpto o desenvolvimento que requer.
Refiro me ás missões. Sempre que tenho n'esta camara tratado da marinha,
tenho-me tambem occupado das colonias, pois quem falla em uma cousa occupa se necessariamente da outra, tal é a sua ligação; pois que das nossas colonias tanto temos a esperar, especialmente de Moçambique, d'aquelles terrenos auriferos e diamantinos, aonde brota o cafeeiro, o algodoeiro e a canna de assucar, é já tempo de conhecer que é necessario que se olhe para as nossas provincias ultramarinas com o maior desvelo e attenção, não dando logar a que se diga, como já se diz e escreve no estrangeiro, que se os portuguezes não podem, ou não sabem, ou não querem, providenciar convenientemente com relação a este assumpto, devem ser expropriadas para utilidade publica.
Não desenvolverei n'este momento, por não ser opportuno, a minha oppinião sobre este gravissimo assumpto, porque seria necessario tratar da marinha, sem a qual não poderemos conservar essas terras feracissimas que ainda possuimos, e que constituem uma rica herança; mas infelizmente n'este paiz trata se actualmente de desvairar a opinião publica, desacreditar os nossos navios, ridicularisar a corporação da armada, que tantos serviços está fazendo ao paiz, como todos sabem; precisâmos portanto tratar dos meios materiaes e moraes, lembrando que os navios são as pontes e os caminhos de ferro, que são elles que nos dão importancia, porque, se este paiz não for maritimo e colonial, não tem rasão de ser, não póde existir: é por isso que sustentando e defendendo a necessidade de augmentar a nossa força naval, não sustento nem defendo interesses particulares, ou individuaes, ou mesmo de classe, sustento e defendo a integridade do meu paiz, á sua independencia e autonomia. Tenho portanto a convicção profunda que, se empregarmos os meios convenientes, temos muitos recursos; o que se precisa é civilisar os pretos, crear necessidades, bons governadores e uma marinha propria e adequada para bem desempenhar o serviço feito em climas insalubres, com tanto risco dos nossos valentes marinheiros.
Teria muito que dizer, é necessario esclarecer o paiz, porque n'estes ultimos tempos, tem sido uma epocha nefasta para a marinha e para o paiz; mas não ha remedio, senão resumir o mais possivel as idéas que me occorrem (apoiados), e por isso concluo.
O sr. Marquez de Niza: - Sr. presidente, pedi a palavra quando estava fallando o sr. ministro das obras publicas em resposta ao sr. conde de Cavalleiros.
Quando se apresentou aqui antes de hontem esse projecto, pedindo o seu adiamento o sr. marquez de Vallada, eu insisti em que se entrasse na discussão por duas rasões. A primeira, porque tinha sido ouvido o governo na commissão,
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pois ella dizia "o qual estava de accordo". A segunda, por que, estando presente a commissão de guerra, ella estava por consequencia habilitada a responder ás duvidas do digno par. Ora se foi, como se observou, um digno par de decidida opposição que pediu o adiamento, a insistencia para que se discutisse partiu de um par decididamente ministerial, que sou eu, o que nce acontece bem poucas vezes. Portanto a observação do sr. conde de Cavalleiros parece me que não tem fundamento.
A commissão tem presente aqui n'este momento um dos seus membros, e creio que para esse membro da commissão de guerra não será muito agradavel entrar no debate não tendo vindo preparado para elle. Assim pois entendo que a camara deve sustentar a deliberação que tomou hontem de não discutir este projecto sem estar presente o sr. ministro da guerra.
O sr. Visconde de Ponte Arcada: - Sr. presidente, segundo a declaração que ha pouco se fez n'esta casa, acha-se unicamente presente um membro da commissão de fazenda, e por consequencia não se póde ella reunir para tratar dos projectos vincios da outra camara. Eu desejava saber se outras commissões estão trabalhando.
Vozes: - Nenhuma.
O Orador: - Então como hade a camara discutir os assumptos que precisam do parecer das commissões para serem discutidos, e sobre os quaes ellas ainda o não deram? Não é possivel obrigar a camara a discutir projectos sobre os quaes não têem ainda sido ouvidas as commissões, e de que a camara não tem conhecimento. Pois póde querer-se que a camara vote ás cegas? Isto não póde ser, e é impossivel continuar assim.
Peço desculpa ao meu amigo o sr. visconde de Chancelleiros, de o ter ha pouco interrompido com algum calor e voz mais levantada do que eu queria, quando s. exa. mostrou querer que se discutisse um parecer que veiu da camara dos senhores depurados ha poucos instantes. S. exa. desculpa-me de certo, porque sabe que eu tenho toda a consideração pessoal por s. exa., e que sou incapaz de o offender voluntariamente.
Sr. presidente, parece-me que a sessão não póde continuar, e eu sou de opinião que v. exa. a levante, visto não haver trabalhos preparados em circumstancias de a camara se poder occupar d'elles.
Deploro a maneira porque as discussões têem corrido, ou para melhor dizer a sua falta. Todos os incidentes que se têem dado hão de ser explorados pelos mal intencionados, para desvirtuar o governo representativo; e é para lastimar que os poderes publicos forneçam elles proprios as armas aos inimigos do systema constitucional.
Nós vemos o que está acontecendo em França, e devemos pôr ali os olhos, alem das más doutrinas espalhadas n'aquelle infeliz paiz, grande parte dos desgraçadissimos acontecimentos de que tem sido theatro e victima, proveiu da má administração e to modo porque se dirigiam os negocios publicos n'aquelle estado, dando assim occasião aos partidos desorganisadores da sociedade para explorar mais facilmente tão funestos erros, e rasgar os laços sociaes.
Não queiramos nós tambem pela nosse falta de circumspecção, na avaliação dos negocios publicos, dar occasião a que qualquer partido, aproveitando-se dos nossos erros, possa illudir como pertendem, o nosso povo, para o desvairar.
Não tenho mais nada a dizer.
O sr. Vaz Preto: - Sr. presidente, desejava saber se na mesa estavam já uns documentos que pedi pelo ministerio das obras publicas, e que se referem a gravissimas accusações feitas ao director das obras publicas de Castello Branco.
O sr. Secretario: - Na mesa não existem documentos alguns a respeito do negocio a que se refere o digno par.
O Orador: - Como a sessão se vae encerrar, e os documentos que pedi ainda não vieram, aproveito a occasião de se achar presente o sr. ministro das obras publicas, para lhe recommendar este negocio, que é urgentissimo.
Na secretaria das obras publicas ha representações muito serias contra aquelle empregado, queixas muito graves, accusando-o de factos incriminados pelo codigo penal, e para os quaes as leis deste reino exigem penas severas.
Estas representações serias, aquellas queixas graves, foram ha muito apresentadas n'aquelle ministerio, e até hoje o ministro respectivo não deu uma unica providencia.
É pois preciso que s. exa. tome essas representações na devida consideração, e que tome verdadeiro conhecimento dos factos que ali se allegam, e que verifique se são ou não verdadeiros, que mande proceder a uma syndicancia, que nomeie, se preciso for, uma commissão de inquerito composta de empregados intelligentes e honrados, e que, levados por espirito de classe, não lancem um véu sobre si-milhantes factos; só assim se póde dar um exemplo que sirva de lição, ou mostrar illibado o caracter do empregado a que me refiro.
Queira s. exa. dar-se ao incommodo de chamar a si aquelle processo, de o examinar, como lhe compete, e de fazer o que lhe parecer mais conveniente a bem da utilidade publica e da justiça; é o que eu desejo, e o que me cumpre pedir, e exigir mesmo como membro do poder legislativo.
Se não annunciei a s. exa. uma interpellaçao ácerca d'este momentoso negocio foi porque os documentos que pedi por differentes vezes não me foram enviados, e como não os examinei ainda, não sei se esse era o meio de proceder, ou se será um outro mais conveniente.
O sr. Conde de Cavalleiros: - Sr. presidente, o meu nobre amigo, o sr. ministro das obras publicas, achou-me em contradicção com o digno par, o sr. visconde de Fonte Arcada.
Parece-me que s. exa. se enganou. Eu argui o governo por não promover a discussão dos projectos que estão impressos, e têem pareceres das illustres commissões; até disse quaes elles eram, um dos quaes é da maxima importancia financeira.
O sr. visconde quer evitar a discussão de outros que não têem parecer. Estamos de accordo.
Ouço por ahi dizer por toda a parte, e constantemente, que é preciso crear receita, e ao mesmo tempo vejo desprezar pareceres tão importantes, que são valiosissimas fontes d'essa receita, que se diz ser precisa, e chegar um ministro a pedir o adiamento da discussão até que chegue outro, que elle sabe que não apparece.
Declaro que não percebo tal cousa, e era isto mesmo que eu censurava, e s. exa. sabe que, não se discutindo hoje os projectos que ha impressos, elles caducam, e para que vão por diante é preciso que a nova camara faça outros.
E se elles não vão por diante não é por culpa da camara, mas sim por culpa de algum digno par ou de algum sr. ministro.
Um digno par quiz que certo projecto se não discutisse até estar presente o ministro competente, que era o da guerra, e para o outro quiz tambem um ministro que se não discutisse até estar presente um outro ministro. Ora, nem o da guerra nem o da fazenda cá vem, e ahi ficam os projectos sepultados por uma vez.
Parece-me que isto faz muita differença do que quer o nosso collega, o sr. visconde de Fonte Arcada. S. exa. não quer que se discutam projectos que não estejam impressos, nem outros que por ahi ha vindos da outra camara, sobre os quaes não ha pareceres; e, na realidade, como se podem elles tratar se os não póde haver? A commissão de fazenda resume-se toda no sr. José Lourenço da Luz! Como é, peia, possivel haver pareceres? Nem mesmo o digno par tinha necessidade, sendo sósinho, de dar parecer, porque então pedia a palavra e usava d'ella como qualquer de nós, que não pertencemos á commissão, e ficavamos sabendo a sua opinião, sem ter que estar com similhante trabalho.
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Está, pois, provado que os projectos se não podem discutir, nem pode, repito,, haver pareceres sobre elles, por não comparecerem os membros da commissão.
Ora, a minha opinião é que se discutam aquelles sobre os quaes ha pareceres, que já são antigos, que estão sobre a mesa, e para que houve pedidos de adiamentos, que talvez se possam dispensar.
Houve tambem outro ponto em que o meu nobre amigo o sr. visconde de Chancelleiros se illudiu. Eu não fiz censura nenhuma ao governo civil de Lisboa, não a podia fazer...
O sr. Ministro das Obras Publicas: - S. exa. é que está illudido, eu não suppuz tal, nem podia significar essa idéa nas poucas palavras que disse.
O Orador: - Ainda bem que s. exa. o não suppoz assim, porque eu n'esta simples questão de administração nem fiz censura alguma ao governo civil, nem ao dono do trem a que me referi, e que anda hoje não sei quem é. Se não processaram o cocheiro, se não o chamaram aos tribunaes, de certo que o dono do trem não é o culpado. Eu referi apenas o que disse o jornal; mas o que desejava era, que houvesse uma praxe estabelecida ácerca do serviço da policia com o consulado; pcrque não me parece que um policia deva, ás ordens de em consul qualquer, prender alguem, e acompanhar essa pessoa ao caminho de ferro, e faze la embarcar sem motivo justificado e provado evidentemente. Contra isto é que eu fallo, a não ser os pobres e vadios que procuram Lisboa para a explorar.
Tambem quero dizer ainda ao meu nobre amigo o sr. ministro das obras publicas, que quando fallei na necessidade que temos de missionarios, para civilisar os povos selvagens que estão debaixo do dominio portuguez, não indiquei cousas que se não poasam conciliar ou prestar mutuo auxilio. Se se quer abrir o caminho á civilisação pelo meio da espada, é preciso que cepois a cruz sustente essa civilisação. Mas, quanto a mim, o melhor é que a cruz abra o caminho á civilisação e que a espada a sustente. D'aqui ha sempre o bom resultado da não ir de repente de encontro ás idéas erroneas dos homens menos civilisados do selvagens.
A marinha é indispensavel, mas tão indispensavel como a marinha são os governadores civilisados; porque se se deu o facto, como disse, de um governador portuguez mandar cortar a cabeça a um enviado dos indigenas sublevados, se isto é verdade, repito, o governo deve processar esse governador (apoiados}.
Não pense o meu nobre amigo o sr. visconde de Soares Franco, que eu quero negar a utilidade de um elemento tão necessario como é a marinha, porque nós ainda somos a segunda nação da Europa no que toca a possessões (apoiados).
Se ha nação que tenha rasão para ter marinha somos nós, logo depois da Inglaterra, porque somos a segunda nação colonial, e de tal importancia, que das nossas colonias se podem formar imperios.
O sr. Marquez de Vallada: - Sr. presidente, competia-me a palavra, mas estou em duvida se deverei usar d'ella, porque me parece que não estamos em numero.
O sr. Secretario (Visconde de Soares Franco): - Ha quatorze.
O sr. Ministro das Obras Publicas: - Disse que não tinha recebido nenhuma nota de interpellação ácerca do director das obras publicas do districto de Castello Branco, e sómente um documento em que se lhe annunciava que se exigiam certos documentos, alguns dos quaes deu ordem para que fossem remettidos, e já deviam ter chegado á camara.
Quanto á syndicancia pedida, que a responsabilidade é sua, e portanto só elle é o juiz, tanto da necessidade d'ella, como do modo, e do quando.
Com relação ao que disse o sr. conde de Cavalleiros, observou que se lastimava muito de que, sendo esta camara tão numerosa, apenas concorressem tão poucos dignos pares ás suas sessões, de modo que ás vezes nem as commissões podiam trabalhar como se estava observando a respeito do projecto para o qual tinha pedido a urgencia e dispensa do regimento.
O sr. Vaz Preto: - Sr. presidente, eu não annunciei, nem disse que tinha annunciado interpellação alguma ao sr. ministro das obras publicas; fiz esta declaração quando ha pouco fallei: o que disse foi, que desejava ser informado sobre se já havia sido satisfeito o meu requerimento repetido, em que eu pedi a remessa de varios documentos do ministerio das obras publicas, ácerca dos factos de que é accusado o director das obras publicas d'aquelle districto.
Perguntei e torno a perguntar se já foram remettidos a esta camara, e se estão sobre a meza?
O sr. Ministro das Obras Publicas: - O digno par pediu a representação e o officio do director do districto; e eu já dei as respectivas ordens para esses documentos lhe serem enviados.
O sr. Secretario (Visconde de Soares Franco): - Não consta.
O Orador: - Já vê pois o sr. ministro que se enganou na sua asseveração ou a sua ordem não fui cumprida. Mas não são só esses documentos a que s. exa. se refere, que eu pedi, ha outros de que preciso, que existem na secretaria e que são muito importantes, é á vista d'elles que eu poderei annunciar ou não a minha interpellação, e como esses documentos ainda não vieram, a interpellação ficará para outra vez se as providencias não forem dadas. Como porem esta sessão está a encerrar-se, antes d'isso eu não quero deixar de fazer todas as recommendações a s. exa., para que este negocio não fique no esquecimento, como tem ficado até aqui, o que surprehende a todos, e que não vae bem nem á equidade nem á honra do sr. ministro. Eu não peço favor, peço justiça, requeiro-a, exijo-a até.
Este negocio é gravissimo, é de administração publica, e sobretudo de alta moralidade. Tenho pedido, peço ainda (e supponho que o sr. ministro não se eximirá a este pedido), que se verifiquem os factos, que se procure a verdade, pouco me importa o modo ou a fórma que s. exa. escolher n'esta questão, e para chegar ao fim desejado. É-me indifferente a commissão de inquerito ou a syndicancia, com tanto que se chegue ao conhecimento completo d'aquelles factos.
Esteja e fique s. exa. descançado que eu não lhe imponho o methodo, mas estou no meu direito de lhe fazer indicações, e s. exa. de as seguir ou não conforme julgar mais conveniente ao serviço publico, ou castigando e dando assim um exemplo severo, ou mostrando o caracter iliibado daquelle empregado e da corporação a que pertence.
Portanto proceda o sr. ministro como quizer, dirigindo se sempre ao intuito a que visamos, a justiça.
Isto é que eu peço a s. exa., torno a repetir, é com este pedido que a camara se conforma, e n'este intuito me acompanha; porque são os verdadeiros principios, e estou tambem certo de que o sr. ministro das obras publicas não poderá deixar de os attender e seguir. Creio que s. exa. não duvida d'elles, pois tenho-lhe ouvido sustentar n'outras occasiões a mesma doutrina.
Concluirei pois, pedindo novamente justiça e só justiça.
O sr. Conde de Cavalleiros: - Parece-me que o sr. ministro foi menos justo com a camara. Pois já alguma vez deixou de se discutir e votar algum projecto n'esta casa? Porventura já passou alguma lei importante n'esta camara, a não ser á ultima hora, que não tivesse discussão, e tão pequena que não fizesse com que fossem alterados os projectos vindos da outra casa do parlamento? Parece-me que não.
O exemplo da alteração do projecto relativo aos privilelegios concedidos para os bancos e companhias é uma prova do que acabo de dizer, porque este objecto foi largamente discutido mais de um mez na camara da srs. deputados, e
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nós podiamos ter já formado o nosso juizo a seu respeito; com essa discussão não aconteceu assim, porque este negocio foi remettido a uma commissão que deu sobre elle o seu parecer, e fez as alterações com que o governo concordou, e o projecto voltou pare a outra casa, que rejeitou essas alterações, contra as quaes eu teria votado um milhão de vezes se aqui estivesse quando se tratou d'este assumpto. E diz o sr. ministro das obras publicas que é necessario mostrar zêlo, e estar aqui para discutir os negocios de interesse publico.
Ora, sr. presidente, eu tenho visto que a maior parte das vezes que esta camara tem deixado de funccionar não tem sido por causa da falta de numero, mas sim por não haver trabalhos, a ponto de v. exa. ter adiado as nossas sessões por dois, tres e quatro dias por não termos nada que fazer, porque reserva se tudo para os ultimos dias, e não havendo a discussão que é necessaria o governo parlamentar morre.
Portanto, se o sr. mmistro entende que é necessario reformar esta camara, póde propor a sua reforma, porque na carta constitucional está estabelecido o modo de reformar a camara dos pares sem ser preciso côrtes constituintes para isso. Lá está a lei, e, segundo o meu modo de ver, já disse aqui quaes eram os quatro pontos da minha reforma.
O primeiro era acabar com a hereditariedade; o segundo era fixar e estabelecer numero certo de pares do reino, visto que as fornadas nos têem elevado a perto de duzentos; o terceiro era fazer com que o povo tome parte na formação da camara, elegendo ao manos um terço d'ella, porque é elle quem paga os serviços publicos; e o quarto era as incompatibilidades, para que ninguem, que tivesse negocios ou interesses em contrario dos do estado, podesse vir aqui discutir a sua propria causa. Agora póde acrescentar-se mais outro artigo, como indicou o sr. ministro das obras publicas, isto é, que todo o par do reino que faltasse ás sessões d'esta camara durante um certo periodo, sem motivo justificado, perdesse o seu logar. Porque d'este modo aquelles que tivessem paixão por esta dignidade haviam de comparecer aqui com mais assiduidade, e aquelles que se não importassem com isso continuariam a faltar como até agora. E se nós podessemos estabelecer uma multa pecuniaria, paga pelos dignos pares que não concorressem ás nossas sessões, ainda era melhor, porque esse dinheiro podia ser applicado a favor de algum asylo de beneficencia. Já se vê que o digo só por ironia, porque não ha rasão para tal.
Eu declaro, sr. presidente, que sou um d'aquelles que costumam faltar mais vezes ás sessões d'esta camara, e quando venho aqui faço sempre um grande esforço, porque não desejo nunca faltar ao cumprimento do meu dever, e todos sabem que me acho bastante doente ha mais de dois annos (apoiados).
Eu não posso discutir, porque nem tenho luzes, nem capacidade, nem acção; mas tenho o meu voto. Tencionava vir votar a lei de meies a s. exas., mas com restricções; sem ellas, votava contra. Porém, quando vim, já ella se tinha votado. Foi depressa.
O sr. Marquez de Niza: - Pedi a palavra.
O Orador: - Sr. presidente, a culpa do que estamos presenceando ha tanto tempo não está em nós, está no governo. Quando as camaras não são assiduas e não trabalham com proficuidade, os verdadeiros culpados são os governos.
Eu estive em uma camara em 1852, em que nos reunia-mos ás dez horas da manhã, e saiamos ás seis da tarde. Ha aqui alguns dignos pares d'esse tempo. Eu hei de vir sempre que tenha saude, e que possa obstar com a minha palavra e com o meu voto a alguma cousa que julgue prejudicial a este paiz, para a discussão não faço falta alguma.
O sr. Presidente: - Tem a palavra para uma explicação, o sr. visconde de Fonte Arcada.
O sr. Visconde de Fonte Arcada: - Eu tinha pedido a palavra para uma explicação, mas cedo d'ella. Porém aproveito a occasião para dizer que não posso deixar de me conformar em geral com as opiniões do sr. conde de Cavalleiros.
Ha muito tempo que eu entendo que o nosso parlamento precisa ser reformado. Isto não é possivel continuar assim. S. exa. expoz algumas rasões a este respeito, com as quaes eu estou completamente de accordo, porque eu julgo de grande necessidade a reforma parlamentar, segundo a constituição da Belgica; nada mais, mas nada menos. (Entrou o sr. presidente do conselho de ministros.)
O sr. Marquez de Niza: - Eu não tencionava entrar no debate; mas entendi dever faze lo desde que ouvi dizer ao sr. conde de Cavalleiros que a commissão que deu parecer sobre o projecto relativo aos bancos tinha concedido uns privilegios inqualificaveis. (O sr. Conde de Cavalleiros: - Peço a palavra.)
Como eu tenho a honra de fazer parte d'essa commissão, devo declarar ao digno par que ella tratou aquella questão com o maior zêlo e desinteresse possivel, e não teve em vista fazer favores a pessoa alguma.
E até nem o governo assistiu ás reuniões em que eu estive para tratar d'aquelle objecto. As tres isenções que ella fez foram em resultado do debate, e por convicção da sua justiça. Se errou, que eu creio que não, foi em boa fé. E póde s. exa. estar certo que em uma cousa tão seria e grave, como esta a que o digno par acaba de se referir, não se tratou de fazer favores a estes ou áquelles individuos. A opinião da commissão foi dada segundo os dictames da sua consciencia.
E póde s. exa. socegar o seu espirito, porque eu affianço-lhe que a opinião de qualquer commissão de que eu faça parte ha de ser sempre em harmonia com os verdadeiros principios de justiça e equidade, e nunca para lisonjear ou favorecer ninguem com menos direitos.
O sr. Conde de Cavalleiros: - Peço ao sr. marquez de Niza a sua attenção.
A garantia, para mim, de que a commissão de fazenda, ou qualquer outra, não procede senão segundo os dictames da sua consciencia, não é só de s. exa., mas do caracter de todos os membros d'esta casa, de que tenho sobejas provas de independencia e dignidade.
É grande a estima e respeito que tenho pela dignidade e rectidão do nobre par, mas não é menor a que consagro a todos os nossos honrados e dignos collegas.
Na commissão de fazenda, a que s. exa. diz que pertence, lá estão pessoas que eu muito respeito.
O sr. Marquez de Niza: - Eu sou da commissão de agricultura, commercio e artes.
O Orador: - A mesma cousa. Mas na commissão de fazenda, e nessa até conto amigos do accordo em politica, que têem pouco mais ou menos as mesmas idéas, e a quem eu não podia querer ser desagradavel, e o digno par não podia em todo o caso ver que eu procurasse fazer insinuação alguma ao caracter ou ás intenções dos meus collegas. Quando eu disse, que as alterações que se tinham aqui feito em beneficio e como privilegios a algumas companhias não sabia como qualificar, disse uma cousa segundo os dictames da minha rasão, mas sem nenhuma reserva, com respeito sempre ás intenções, mesmo porque eu entendo que não ha outro meio admissivel de viver com collegas, pois a verdade é que não ha homem, por mais importante e elevado que seja, que tenha rasão de exigir a attenção e o respeito, quando elle é desattencioso (apoiados).
Logo, eu não podia de fórma aguma, nem por pensamentos, referir-me ao digno par em particular, nem á commissão em geral, pois que a todos eu sei considerar; mas tambem os meus collegas por serem homens que têem dignidade, e amam a liberdade, hão de permittir que eu expenda as minhas idéas com aquella franqueza, lealdade e força de genio que Deus me deu, procurando porém sempre conter-me dentro dos limites da boa educação (apoiados). Creio que o digno par estará satisfeito.
O sr. Marquez de Niza: - Satisfeitissimo.
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O Orador: - Se s. exa. pois julgava haver alguma referencia, devia antes entender que podia ser ao governo por não ter procurado evitar o desaccordo que se deu entre as duas camaras, e nada mais, ficando livre a boa fé das apreciações de um e de outro lado e até mesmo do governo, a quem faço opposição, respeitando sempre as suas intenções.
O sr. Presidente: - A hora está bastante adiantada e por isso não podemos continuar. Está fechada a sessão.
Eram mais de quatro horas e meia da tarde.
Relação dos dignos pares que estiveram presentes na sessão de 3 de junho de 1871
Os exmos. srs. Conde de Castro; Marquezes, de Niza, de Vallada; Condes, de Cavalleiros, de Rio Maior; Viscondes, de Chancelleiros, de Fonte Arcada, de Soares Franco; Mello e Carvalho, Fontes Pereira de Mello, Costa Lobo, Xavier da Silva, Rebello de Carvalho, Barreiros, Larcher, Lourenço da Luz, Eugenio de Almeida, Preto Geraldes.