DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 345
tureza d’esta que se discute, têem proposto gratificações aos conselheiros de districto.
Tenho aqui diante de mim uma proposta do sr. Anselmo Braamcamp, apresentada em 1864, que diz o seguinte:
«Os conselheiros de districto vencerão uma gratificação de 400$000 réis nos districtos de l.ª classe, de 350$000 réis nos de 2.ª classe e de 300$000 réis nos de 3.ª classe, pagas pelo cofre do respectivo districto.»1
Repito, isto não é novo. Poderia ser erro da minha parte, mas foi sabedoria e prudencia da parte dos meus antecessores.
Para mim nem esta gloria me póde caber, porque copiei; não fiz mais do que seguir os bons exemplos por parte dos meus antecessores n’esta reforma, que não tem sido combatida pela opinião publica.
É verdade que eu ouvi dizer aos meus adversarios na outra camara, e ouvi predizer que a reforma não passaria n’esta camara, por isso mesmo que a julgavam perfeita.
Eu não a julgo uma perfeição; ha de ter defeitos, como todas as cousas humanas; mas creio que ella melhora alguma cousa a administração publica, o que para mim já é uma grande satisfação.
Disse o digno par que - as reformas devem ser feitas a pouco e pouco; mas eu tenho sido accusado porque esta reforma está na tela parlamentar desde 1872! Não sei se a demora tem sido um bem ou um mal; o que já ouvi dizer, é que tendo ella estado ha seis annos na tela da discussão, podia ficar para mais tarde. O argumento não me parece acceitavel. Se é necessario demorai-a, já se ve que ella é um mal.
Ora, o que é mau não se adia, rejeita-se, e o que é bom, tambem não se adia, approva-se. Escolhe-se, aproveitando o que é bom e rejeitando o que é mau.
E o que têem feito os dignos pares, que têem fallado; e eu confesso que tenho gostado de ouvir as suas opiniões.
Outro grande defeito, de que é accusada esta reforma, é o de o governo abdicar as suas prerogativas. Na verdade, não pensava ouvir este argumento.
Pois um governo que tira de si attribuições e prerogativas, que podia aproveitar, póde ser accusado por um tal facto?
Não será diminuição de poder, o entregar o governo a administração do povo ao mesmo povo?
Será isto centralisar?
Creio que não. É descentralisar; é separar os poderes para todos trabalharem na grande obra da civilisação.
Já tambem um digno par accusou esta reforma por ter posto umas certas restricções aos governadores civis, ficando elles privados ... Engano-me. Não ficaram privados de cousa nenhuma, porque a garantia que se dá agora é a de ouvirem um corpo que funccione junto d’elles, um corpo formado de membros que ella tem indicado e um conselho cujo voto podem não seguir.
Esta tyrannia para mim é honrosa, este desprendimento de uma prerogativa do poder creio que não póde ser condemnado, pelo menos pela opinião publica, que não é formada só de deputados, de pares do reino e de escriptores publicos.
Por isso eu acceitei como gloria essa restricção, que dizem que eu ponho ao poder do governo. Não é preciso que lha venha arrancar, elle mesmo a larga em beneficio da liberdade.
Um digno par quer uma reforma radical, que ao mesmo tempo reformasse a lei do recrutamento e a leis sobre as corporações de beneficencia publica, e declarou que, depois d’estas reformas, é que se devia fazer a reforma administrativa. Outro digno par entende que as reformas se deviam fazer pouco a pouco. Isso era mais prudente, mas é preciso tambem saber, para que estas medidas sejam exequiveis, por onde se ha de começar e por onde se ha de acabar.
Nós não podemos estar cada anno a fazer um poucochinho de reforma administrativa.
Esta reforma é, como todas as reformas d’esta natureza, um corpo de providencias para reger cortas corporações populares. Por isso não póde vir de cada vez um retalho, não póde ser, ha devir toda de uma vez, ou como está ou de outra qualquer forma.
A reforma do sr. Mártens Ferrão tambem não era para se executar a pouco e pouco, veiu de uma vez, e veiu perfeitamente. Se nós fossemos a reformar hoje uma cousa, no anno seguinte outra, e assim successivamente até completar-se a, reforma, quando chegássemos ao ultimo ponto d’ella aconteceria como antigamente acontecia nos nossos arsenaes, que, quando se chegava a acabar de metter o mastro n’uma embarcação, já estava podre.
O sr. Vaz Preto: — É o que succede a esta medida.
O sr. Ministro do Reino:- Eu não posso prever de tão longe as desgraças futuras. Eu não fallo em nome da opinião publica, fallo em meu nome; a opinião publica póde ser differente.
O que póde parecer conveniente a uns, póde parecer inconveniente a outros.
Dizem alguns dignos pares que a opinião publica não acceita esta reforma.
Pelo menos, a mim não me consta que tal facto se de, nunca recebi representação alguma contra ella, nunca vi, n’esse sentido, indicação feita pela imprensa adversa ao governo, a qual accusa mais a minha demora do que a minha impaciencia.
E eu declaro que tenho alguma impaciencia. Encontro-me no caso de quem deseja acabar uma obra, e que está sempre impaciente por que ella chegue ao seu termo. Já se dizia de Cesar: Nil actum credens, guum quid superesset agendum. Parece-me que o iniciar é bom, más o concluir é melhor. Se o digno par, a quem estou respondendo, quizesse ser-me agradavel, de certo concorreria para que tambem eu conseguisse a conclusão da minha obra.
A respeito de todos os alvitres, que têem sido apresentados durante o debate, era uma imprudencia se agora me pronunciasse de qualquer maneira.
Sendo só eu que decidisse, tinha evitado esta discussão que já vae tão larga. Mas não póde ser assim. Ha primeiramente necessidade de ouvir a commissão, que deve dar parecer sobre todas as propostas de emendas mandadas para a mesa. Portanto, não quero arriscar-me a dizer ámanhã o contrario do que estou dizendo hoje. Todavia, não julgo uma vergonha reconsiderar, e tanto, que reconsiderei ácerca de alguns pontos d’esta reforma; vergonha julgaria eu, errar conscientemente. (Apoiados. — Vozes: — Muito bem )
Quero sempre escolher o melhor, venha de onde vier. (Apoiados. — Vozes: — Muito bem, muito bem.)
Com este procedimento, de que me honro, estou resolvido a affrontar todos os labéus da contradicção.
Se quizerem contradizer-me, contradigam-me, lembrando que na camara dos senhores deputados propuz uma larga circumscripção e acceitei as circumscripções desiguaes. Porque? Porque attendi primeiro que tudo á ordem publica, que se julgava podia ser de alguma fórma compromettida pela nova divisão territorial.
Cedi com pezar a essa consideração, porque o meu ideal era que em cada comarca houvesse um recebedor, um administrador e um juiz: queria todos estes funccionarios no mesmo local. (Apoiados.) . Não o pude conseguir.
Desgraçado d’aquelle que ve antes de tudo a propria opinião, que póde ser boa, póde ser util, mas precisa sempre de uma condição: ser acceita por todos.
Ainda que eu fosse omnisciente não teria a pretensão de impor o meu voto a todos.
Legislâmos para o povo, legislâmos para nós mesmo, e portanto devemos legislar á vontade de todos. N’esta parte, e por esta rasão, podem notar contradicções entre o que tenho escripto e quaesquer doutrinas sustentadas depois pela necessidade de transigir no bem geral.