DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 478
Bento, que escutei com toda a attenção, como no do sr. conde do Casal Ribeiro, cujo elogio não faço, porque seria superfluo repetir o que está na consciencia de todos, ha um ponto que s. exas. tocaram, mas de leve, e a que provavelmente os dignos pares dão a importancia que eu dou, porque de todas as cousas que aqui se têem sustentado é a que reputo mais importante.
Eu não concordo, sr. presidente, com a proposição do sr. ministro da fazenda, de que a causa principal das crises é o resultado do abuso do credito.
O abuso do credito é uma das causas, mas secundaria; a causa principal da crise, no meu entender, é o consumo em escala superior ás posses do consumidor; porque, quando o publico consome mais do que póde consumir, a consequencia infallivel é o desequilibrio entre a sua receita e a sua despeza.
A verdadeira causa da crise é, pois, o demasiado consumo, e não o abuso do credito, como disse o sr. ministro da fazenda.
O que está acontecendo em toda a Europa prova a verdade d'esta minha asserção,
O que afflige a Allemanha e a Inglaterra?
Os manufactores de Manchester, Bradford, Sheffield, e de muitos outros pontos de Inglaterra, tinham produzido demasiados algodões, lanificios, ferragens, etc., confiando no consumo extraordinario dos ultimos annos, e hoje, que esse consumo diminuiu, vêem-se obrigados a vender os seus productos muito baratos, e a diminuir o trabalho nas suas fabricas.
Esta é que é, em geral, a verdadeira causa das crises, que me parece não póde ser contestada, depois de um rigoroso exame dos factos, e o abuso do credito não passa de ser uma consequencia, e portanto uma causa secundaria.
Sr. presidente, esta doutrina torna-se muito mais clara se estudarmos a crise que afflige a Allemanha.
Pois como é que se explica que um paiz, que recebeu da França, cinco mil milhões de francos, esteja soffrendo uma crise economica? Não se póde explicar de outro modo, senão que elle entendeu que podia gastar á larga, que podia augmentar o numero das fabricas, augmentar a sua importação para satisfazer ao luxo, que ali se desenvolveu; e digo luxo, no sentido economico, isto é, aquillo que se gasta alem das faculdades pecuniarias de cada um.
Se o sr. ministro da fazenda reparar no que se passou n'estes ultimos annos, ha de reconhecer que o que havia em Portugal era a tendencia para gastar mais do que se podia gastar, e isto em virtude da falsa idéa, que então vigorava, de que estavamos em circumstancias muito prosperas.
Existiam realmente elementos pare acreditar que o paiz estava muito prospero?... Tinham-se levantado fabricas em proporção tal, ou tinham-se creado instrumentos de producção, que se podesse dizer que a prosperidade do paiz tinha augmentando de uma maneira importante?... De certo que não.
Não se póde dizer que a prosperidade do paiz tinha augmentado de uma maneira tão extraordinaria. Era uma illusão, que a mais leve reflexão bastava a dissipar. Mas o sr. ministro da fazenda, em logar de procurar desvanecel-a, não fazia senão assoprar esta bola de sabão. Assim era que, nas vesperas da crise, na sessão parlamentar de 1876, s. exa. no seu relatorio ousava dizer que a nossa situação financeira era uma das mais prosperas que havia no mundo.
Eis as suas proprias palavras. (Leu.)
Esta asserção, que não era exacta de nenhum ponto, e muito menos quando a apregoada prosperidade era puramente ficticia, concorria para desmanchar ainda mais esta tendencia para os gastos demasiados, os quaes foram a verdadeira causa da crise.
O dinheiro que veiu do Brazil para Portugal, em consesequencia de ter terminado a guerra com o Paraguay e se ter tornado favoravel o cambio, constituiu um avultado capital disponivel e que procurava emprego.
Esta abundancia repentina deu, como era natural, logar a maior consumo, e d'esse maior consumo resultou augmento de importação, e por consequencia cresceram as receitas das alfandegas.
Este facto, puramente transitorio, foi tomado pelo vulgo como se houvesse de ser annual e permanente; como se todos os annos houvesse de vir-nos do Brazil a mesma somma de dinheiro. Mas o sr. ministro da fazenda, menos do que ninguem, não devia animar uma tão falsa e tresloucada imaginação.
A creação de muitos bancos, que hoje o sr. ministro tanto deplorou, foi saudada n'aquella epocha por s. exa. com grande alegria. Póde-se dizer, empregando uma imagem muito vulgar, que um tal acontecimento foi saudado pelo illustre ministro com foguetes e luminarias. Bem sei que o sr. ministro da fazenda póde dizer que é muito facil ser sabio depois dos acontecimentos, e quem falla depois d'elles realisados póde fazel-o sem receio de ser desmentido.
Mas a creação de tantos bancos, e até em villas de nenhum movimento commercial, era objecto de riso para pessoas muito menos illustradas que s. exa., e que não tinham nem os conhecimentos que lhe facilita o seu cargo, nem as obrigações que elle lhe impõe. Um facto citado no proprio paragrapho do seu relatorio de 1875, o mesmo paragrapho em que s. exa. se congratulava pela creação dos bancos, um facto, digo, citado n'esse paragrapho, bastava a mostrar-lhe a inanidade das suas felicitações.
Peço á camara licença para ler esse trecho. Por elle se vê o empenho que o sr. ministro da fazenda mostra sempre de pintar com cores muito rosadas o estado da fazenda publica. Ao ler-se este trecho podia-se crer que estava alvorecendo para nós um verdadeiro millenio. (Leu.)
Ora, esta verba de 2.366:000$000 réis, empregada em sociedades industriaes, comparada com a verba de réis 6.995:000$000 réis, empregada em bancos, é o que devia fazer pensar a s. exa. que esta febre bancaria havia de ter um triste resultado. Como é possivel que n'um paiz onde só se encontram 2.366:000$000 réis para se empregarem em sociedades industriaes, haja ao mesmo tempo a quantia de 6.995:000$000 réis para sociedades bancarias?! Isto é um contrasenso economico; o contrario é que devia ser; mas desde que aquillo succedeu era de primeira intuição que esses estabelecimentos de credito não tinham base nenhuma solida.
Vozes: - Já deu a hora.
O Orador: - Ouço dizer que já deu a hora, e como eu tenho ainda algumas considerações a fazer, peço a v. exa. que me reserve a palavra para a sessão seguinte.
O sr. Presidente: - A primeira sessão terá logar na quarta feira, 19 do corrente, e a ordem do dia é a continuação da que estava dada para hoje.
Está levantada a sessão.
Eram cinco horas da tarde.
Dignos pares presentes na sessão de 17 de março de 1879
Exmos. srs.: Duque d'Avila e de Bolama; João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens; Duque de Palmella; Marquezes, de Fronteira, de Penafiel, de Sabugosa, de Vallada; Condes, dos Arcos, do Bomfim, do Casal Ribeiro, da Louzã, de Paraty, de Porto Covo; Bispo de Vizeu; Viscondes, de Alves de Sá, do Seisal, de Monforte, da Praia Grande, de Sagres, de Seabra, da Silva Carvalho, de Soares Franco, de Villa Maior; D. Affonso de Serpa, Ornellas, Mello e Carvalho, Sousa Pinto, Barros e Sá, D. Antonio de Mello, Couto Monteiro, Serpa Pimentel, Costa Lobo, Cau da Costa, Palmeirim, Sequeira Pinto, Montufar Barreiros, Maldonado, Mamede, Pestana Martel, Braamcamp, Pinto Bastos, Heis e Vasconcellos, Camara Leme, Canto e Castro, Miguel Osorio, Andrade Corvo, Dantas, Barjona de Freitas.