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N.° 40

SESSÃO DE 17 DE MARÇO DE 1879

Presidencia do exmo. sr. Duque d'Avila e de Bolama

Secretarios - os dignos pares

Eduardo Montufar Barreiros
Agostinho de Ornellas

Ás duas horas e um quarto da tarde, sendo presentes 19 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.

Lida a acta da sessão precedente, julgou-se approvada, na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.

Mencionou-se a seguinte

Correspondencia

Um officio do ministerio da guerra, remettendo uma relação dos empregados do mesmo ministerio que accumulam gratificações, a fim de satisfazer ao requerimento do digno par Vaz Preto.

Para a secretaria.

O sr. Reis e Vasconcellos: - Estou encarregado de participar a v. exa., e á camara, que o digno par o sr. Carlos Bento está impossibilitado de comparecer hoje á sessão, por determinação do medico, que o prohibiu de sair de casa.

Apresso-me a fazer esta declaração, porque talvez possa convir no seguimento da ordem do dia.

(Entrou o sr. ministro da fazenda.)

O sr. Miguel Osorio: - Desejo chamar a attenção dos srs. ministros da justiça e da fazenda sobre dois pontos, que me parecem importantes. Não estando presente o sr. ministro da justiça, reservo para outra occasião o que tenho a ponderar a s. exa., e tratarei agora unicamente da parte que se refere ao ministerio da fazenda, e fal-o-hei em poucas palavras.

Primeiramente desejaria saber se o governo já tomou alguma deliberação ácerca da resolução da camara municipal de Coimbra em tributar os juros das inscripções. O sr. procurador geral da corôa já aqui manifestou a sua opinião, e creio que a sua consulta deve estar a esta hora nas mãos do governo.

Agora é preciso que se saiba categoricamente e sem demora qual é a opinião do governo sobre este negocio, e digo sem demora, porque toda a que houver na resolução da questão tem uma gravidade muito maior do que talvez á primeira vista se poderá suppor.

A camara municipal de Coimbra lançou já no seu orçamento a receita proveniente do tributo que impoz ao rendimento das inscripções, usando, na sua opinião, da auctorisação que lhe dava o novo codigo administrativo. Mas, no meu entender, usou mal d'essa auctorisação, porque não podia interpretal-a do modo que se fez, e que tem sido classificado como exorbitante, pelo governo e por pessoas de competencia juridica, como são o sr. procurador geral da corôa e adjuntos.

A commissão districtal approvou o orçamento nos termos que acabo de indicar, isto é, contando como receita o producto d'aquelle tributo, e o secretario geral, que desempenha hoje as funcções do ministerio publico junto aos conselhos de districto, não recorreu, nem da deliberação da camara municipal de Coimbra, com relação ao seu orçamento, nem da decisão da commissão districtal que o approvou.

Se o ministerio publico tivesse recorrido do acto a que me refiro, então é claro que a suspensão tinha logar, porque o recurso d'aquelle funccionario tinha effeito suspensivo quanto á cobrança; porém, como o recurso se não fez, hoje apresentam-se os recursos dos particulares, e, quer elles sejam ou não deferidos, é certo que não têem effeito suspensivo para o facto da execução da deliberação da camara, no que toca á cobrança.

Por consequencia, ainda que sejam attendidos os recursos dos contribuintes, não se segue que a camara tenha de riscar do seu orçamento a verba que ella lançou ali, escudada na má interpretação da lei.

E direi mesmo que, se por qualquer acto administrativo o governo determinar que a camara não cumpra a sua deliberação, ainda que elle se apresente auctorisado com opiniões mais ou menos judiciosas, mais ou menos respeitaveis, não sei até que ponto terá vigor essa ordem do governo para ser respeitada pela camara de Coimbra.

Da energia do governo para com a camara municipal, ou para com qualquer outra entidade similhante, a fim do que ellas não sejam mais governo do que o proprio governo, duvido eu muito, mas, admittindo-a, o que resultava?

Supponhamos que o governo queria exercer essa auctoridade, essa força que até hoje não tem exercido em parto alguma, qual seria o resultado?

A dissolução da camara!

Tudo isto póde ser mais ou menos conveniente para a respeitabilidade das entidades auctoritarias que se não acham envolvidas n'esta questão, e muito principalmente para o governo, mas o effeito pratico é que eu não vejo, o que nós devemos procurar é acautelar desde já os interesses dos contribuintes, que vão injustamente ser chamados a fazer um pagamento que não podem nem devem fazer, mas que, não o fazendo, ficam sujeitos á execução; execução prompta como são as execuções dos impostos.

Acontece ainda, sr. presidente, que a camara municipal de Coimbra, com o intuito talvez da simplificação da sua escripturação (porque eu desejo sempre ser justo com amigos e adversarios) mandou fazer a cobrança d'estes impostos englobados em uma só parcella conjunctamente com os mais impostos, sem descriminar a parte duvidosa da outra parte do tributo, e por isso apresentam ao contribuinte um unico conhecimento, e o contribuinte, ou ha de pagal-o, ou tem de se sujeitar á execução.

Os governos têem, não só obrigação de zelar os interesses da fazenda, como tambem os interesses de todos os cidadãos.

A judiciosa intervenção do sr. conselheiro procurador geral da corôa ha de dar grande luz a este negocio, mas eu, com os fracos recursos da minha intelligencia, lembro ao sr. ministro as difficuldades que se me antolham, para que s. exa. veja que o negocio é urgente, e que é necessario resolvel-o de maneira que não offereça difficuldades na sua execução, porque estas são sempre em prejuizo dos contribuintes.

Nós estamos proximos ao fechar do parlamento, e depois, sr. presidente, eu não tenho confiança alguma no governo; portanto não me admira que se feche tambem a execução das leis, porque nós estamos habituados a ver a longanimidade constante do governo com os potentados das localidades, muitas vezes improvisados por elle.

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Não preciso ir mais alem, porque o sr. ministro sabe, perfeitamente o alcance das minhas palavras, e estou convencido que no fundo da sua consciencia ha de achar-me rasão.

Peço, portanto, a s. exa. que mo perca a auctoridade; que lhe dá o parlamento para poder ter mais acção juntamente com o sr. ministro do reino, que tambem tem necessidade de intervir n'este negocio.

Quando as camaras estiverem fechadas, ha de repetir-se o que estamos habituados a observar, isto é, o procedimento brando do sr. Sampaio. Acautelemos tudo isto, porque é em presença do parlamento que o governo tem mais força e mais auctoridade para a sua acção.

Como procuro sempre ser justo e exacto nas minhas observações, devo rectificar o que disse n'uma sessão anterior. Asseverei então que os recursos levados pelos particulares ao conselho de districto sobre a questão a que me retiro já tinham sido resolvidos desfavoravelmente; mas o facto é que não o foram ainda. Por consequencia, n'essa parte poderia o governo dar quanto antes as suas instrucções ao agente do ministerio publico administrativo junto do mesmo conselho, indicando qual o caminho que elle tem a seguir. Não basta, porém, a resolução de um facto isolado; deve o governo adoptar um expediente de applicação geral.

Agora referir-me-hei ao que ha poucos dias li n'um jornal ácerca da junta do credito publico.

(Leu.)

O sr. Barros e Sá: - Isso é com o sr. Mamede.

O Orador: - Ha muitos annos que respeito como mestre e prézo como amigo o sr. dr. Mamede. S. exa. sabe a consideração em que eu o tenho, e quanto estimo que elle fosse elevado áquelle alto cargo.

Não me assiste o direito de lhe dirigir n'este logar as observações que vou expor; mas dirijo-as ao sr. ministro da fazenda, que é o responsavel; não posso prescindir de as fazer, mesmo na presença do meu amigo o sr. Mamede.

O governo é o fiscal nato da lei em todas as corporações, em toda a orbita da sua responsabilidade. Portanto, é a elle que devo perguntar porque não publicou ainda a, junta do credito a relação dos juristas que têem voto na eleição de dois vogaes para a mesma junta; e porque não se procedeu a essa eleição, conforme a lei ordena?

Podem ser respeitabilissimos os membros d'aquella corporação, e sou o primeiro a consideral-os assim; podem continuar a merecer o voto dos juristas, mas o que é necessario é que o governo se compenetre do dever que lhe impende de cumprir as leis, e, quando não julgue util que essas leis se cumpram, venha ao parlamento pedir que as reforme.

Eu teria talvez duvida de fallar n'este assumpto, se suppozesse que es membros da junta não cumpriam a lei por má fé; mas, em vista dos cavalheiros que fazem parte d'aquelle corpo, quero crer que esta falta é resultado da deploravel administração que temos á frente dos negocios publicos, cujo desleixo no cumprimento da lei vae invadidas corporações mais respeitaveis.

Estou inteiramente convencido que a acção do governo tem actuado sobre aquella corporação.

Espero, pois, da parte do governo algumas explicações.

O sr. Ministro da Fazenda (Serpa Pimentel): - Emquanto ao primeiro assumpto que o digno par o sr. Miguel Osorio expoz, eu posso asseverar a s. exa. que o sr. procurador geral da corôa e fazenda já mandou ao governo a consulta a respeito das inscripções; mandou-a no sabbado depois de fechadas as secretarias, e como o negocio era de pressa, mandou-m'a directamenta. Eu ainda não tive occasião de fallar com os meus collegas para tratarmos d'este importante assumpto. No entanto já li a consulta, e posso asseverar ao digno par que este negocio ha de ser discutido quanto antes em conselho de ministros; é urgente e por consequencia requer que se resolva o mais depressa possivel.

Emquanto ao outro objecto de que se occupou o digno par, tenho a dizer a s. exa. que me consta que a junta do credito publico está procedendo aos trabalhos de revisão das listas para saber quaes são as pessoas que podem votar.

O que eu posso informar, de facto, a s. exa. é que nem o governo nem a junta estão em falta.

A eleição sempre se fez na segunda sessão, e nós estamos na primeira, portanto estamos ainda dentro do praso legal.

São estas as explicações que tenho a dar ao digno par.

O sr. Miguel Osorio: - Emquanto ao primeiro assumpto estou, em parte, satisfeito. O sr. ministro da fazenda diz que o governo ainda não teve tempo de tomar conhecimento da consulta do sr. procurador geral da corôa e fazenda com a promptidão que este negocio exige. O governo reconhe que essa promptidão é tanto mais urgente quanto os interesses dos contribuintes podem ser gravemente affectados com a demora na resolução d'este negocio.

Estimaria muito que o sr. ministro, completando as suas explicações, me dissesse que em breve daria conta ás côrtes da resolução que o governo tomasse, porque basta dizer-se no parlamento essa resolução para influir de alguma fórma no espirito dos contribuintes, que, auctorisados com aquella resolução e escudados no seu direito, eximir-se-iam ao pagamento que está em execução, e que d'aqui a dias serão relaxados os respectivos conhecimentos ao poder judicial.

A urgencia reconhecida pelo governo satisfaz-me, mas o que mais me satisfaria era que o governo declarasse que vinha dar conta ás côrtes da resolução que tivesse tomado. Agora, com relação á junta do credito publico, agradeço as explicações dadas pelo sr. ministro.

Não estou presente na lei; e creio mesmo que tambem o sr. ministro o não está, com especialidade na parte que diz respeito a essa eleição.

A junta, composta de cavalheiros que se respeitam, não desprezará de certo as funcções de que está encarregada, e satisfaz-me já a affirmativa de que a junta, composta, como disse, de cavalheiros, que eu tenho a certeza de terem fieis cumpridores dos seus deveres, está já procedendo á formação das listas.

Quanto á outra parte não posso declarar-me inteiramente satisfeito com as explicações do sr. ministro, porque me parece incrivel que a lei não marque um praso para se proceder á eleição dos membros da junta; como porém não estou presente na lei, nada direi por emquanto a este respeito.

O sr. Costa Lobo: - Não estando presente o sr. ministro da marinha, a quem desejava pedir explicações sobre um facto de que dá noticia um jornal de hoje, talvez o sr. ministro da fazenda possa informar alguma cousa com respeito áquelle facto, e por isso peço a attenção de s. exa. para o que vou expor.

Um jornal de hoje dá noticia de que em Sofala se insurreccionou a guarnição por causa de lhe faltarem com o pagamento do pret.

Este facto, só foi verdadeiro, é de gravidade, porque não só denota uma falta de disciplina, mas tambem o mau estado de administração d'aquella colonia, o que não me admiraria, e justificaria mais uma vez o que eu tenho dito aqui e repetido muitas vezes com relação ás nossas colonias e á sua administração.

Nós estamos na mais completa obscuridade a respeito da situação financeira das nossas colonias. Ignorâmos inteiramente o que ellas rendem e o que ellas gastam.

Ha quatro annos que não verãos um orçamento das colonias.

Entretanto o governo vae pedindo e recebendo auctorisações illimitadas, como a que foi votada aqui ultimamente com relação á Guiné, mas nem uma unica informação nos

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dá sobre o estado economico das colonias, e as circumstancias em que se acha a sua fazenda.

O que o governo faz é pedir em todas ás sessões contos de réis para as colonias, mas nunca sé digna dar conta ás côrtes da applicação d'essas verbas, nem do resultado que se tirou d'essa applicação.

Quanto ao facto da insurreição de um batalhão, que refere o jornal a que alludi, póde ser que o sr. ministro da fazenda não esteja habilitado a dar explicação sobre elle, e sendo assim, peço a s. exa. que communique ao seu collega da marinha o meu desejo de que o illustre ministro venha dar algumas informações á camara a tal respeito.

O sr. Ministro da Fazenda: - Direi ainda, com respeito ao negocio das inscripções, em que fallou o digno par o sr. Miguel Osorio, que não era necessario declarar o governo que daria conta ás côrtes da resolução que tomasse, porque, se o governo resolver apresentar uma proposta de lei sobre esta questão, essa apresentação é a conta que o governo dá ao parlamento do seu procedimento sobre o caso; se porém entender proceder de outra maneira, ha de tambem fazel-o por um acto publico.

Esteja certo o digno par, que, seja qual for o modo por que procuremos resolver o assumpto, o governo não terá duvida em communicar logo á camara a sua resolução.

Agora quanto ao facto á que alludiu o sr. Costa Lobo, eu nada sei officialmente; apenas tive conhecimento d'elle por um jornal que li esta manhã, talvez o mesmo por que s. exa. soube do acontecimento.

Em todo o caso o que se dizia na folha que eu li, não era positivamente que houvera uma insurreição do batalhão; pelo menos não se deprehendia isso dá noticia, porém que o mesmo batalhão pretendera insurreccionar-se; ou, se houve começo de insurreição, não teve seguimento. Este negocio é da competencia do meu collega da marinho, elle ha de ter informações officiaes sobre o caso, e de certo não terá duvida em communical-as á camara com brevidade.

O sr. Costa Lobo: - Parece-me que o illustre ministro da fazenda pretendeu, na resposta que acaba de me dar, amesquinhar as minhas apreciações; pela circumstancia de eu ter colhido n'um jornal á noticia do facto a que me reportei.

Pois como quer s. exa. que eu tivesse conhecimento d'elle senão assim?

O facto vem referido n'aquelle jornal como transmittido n'uma correspondencia da localidade.

E quando se noticia um facto d'essa gravidade, não é natural que o espirito publico se alvoroce, e se peçam sobre elle explicações no parlamento?

O dever do sr. ministro da marinha era, sabendo da publicação d'essa noticia, vir immediatamente, sem necessidade de interpellações, referir os acontecimentos como elles se passaram: E se a noticia não é verdadeira, não lhe incumbe menos o dever de tranquillisar o espirito publico a tal respeito.

Parece-me que a sublevação de uma guarnição colonial não é cousa a que se não deva dar importancia.

O sr. Ministro da Fazenda: - Sr. presidente, eu não estranhei que o digno par fizesse a pergunta em consequencia do que lêra n'um jornal, eu o que disse é que a noticia que tinha do facto era apenas o que tambem lêra n'um jornal, e com isso o que quiz foi tranquilisar os dignos pares, que poderiam julgar que o negocio era mais grave; por isso acrescentei, que deprehendêra do que li, que a insurreição não tinha chegado a effectuar-se e que me parecia que não tinha passado do uma tentativa de insurreição.

Mas de fórma alguma pretendi censurar s. exa. pela sua pergunta.

O sr. Miguel Osorio: - Sr. presidente, como está presente o sr. ministro da justiça, e visto que s. exa. já obteve d'esta camara a approvação do projecto sobre a prorogação do praso para o registo dos onus reaes, approvação que eu não queria demorar, e por isso me abstive de fazer n'aquella occasião as reflexões que o assumpto em suggeria, instarei com s. exa. para que no mais breve espaço possivel (n'esta mesma sessão, podendo ser) traga ao parlamento uma proposta que tenda á resolver de vez as dificuldades que tornam tão difficil esse registo, e que evito novas prorogações de praso para elle se effectuar. E não querendo de fórma alguma coarctar a faculdade que os meus collegas têem de dirigir as suas interpellações, tendo eu varias observações a fazer sobre outros pontos que têem relação com a propriedade, e como está sobre todos esses assumptos annunciada uma interpellação do meu nobre amigo o sr. conde do Casal Ribeiro, quando elle se verificar tratarei, todos essas questões, porque discordo em parte com as opiniões aqui apresentadas na ultima sessão por s. exa., eu não posso admittir a liberdade de testar com prejuizo dos herdeiros necessarios, nem tão pouco quero ver restabelecido o laudemio.

O que por agora me parece dever dizer é que o sr. ministro da justiça devia com a maior brevidade, apresentar uma proposta para melhor regular o registo tornando-o mais barato, assim como me parecia que se devia dar aos conservadores uma compensação para equilibrar, por assim dizer a menor proveniencia de interesses que teriam em consequencia da diminuição do preço dos registos, podendo-se talvez dar tambem ao registo do preterito emolumentos menores do que ao registo do futuro, porque assim dava-se uma vantagem, ou antes uma compensação ao registo de fóros mais pequenos, cujo registo é tão dispendioso que quasi não vale a pena fazer-se.

Do futuro não ha mesmo necessidade, porque os taes canones se não estabelecem, ou são mais faceis de registo na epocha da sua constituição.

Esta idéa póde não ser acceitavel; mas, como póde sel-o, nada perde em a lembrar ao sr. ministro dá justiça.

Uma outra cousa, que eu entendo necessaria, é impor a certas corporações a obrigação do registo. Se não se impozer essa obrigação, é absolutamente impossivel conseguir-se o registo. Nas misericordias e confrarias, mesmo as melhores administradas, é natural que os seus administradores, no pouco tempo que têem de administrar, e rio qual tomam mais a peito o alargamento da area dos beneficios para aquelles estabelecimentos, não possam attender principalmente ao registo, e por isso parecia me ser inconveniente que se preceituasse na lei ou no regulamento que os administradores d'aquellas misericordias ou confrarias não podem eximir-se d'essa obrigação, e para não se poderem escudar, esperando novas prorogações, é necessario estabelecer uma pena, porque se ella se não impozer a esses administradores, continuará a commetter-se a falta, e não se conseguirá nada.

Ha ainda duas especies de corporações, cujos interesses devem ser attendidos por outra fórma. Refiro-me aos cabidos e mitras, e aos conventos de freiras.

As mitras e os cabidos não estão tão largamente remunerados, que possam, pelo seu rendimento, que é consagrado á sua sustentação, dispensar qualquer quantia para o registo. E não seria justo que a quem tem tão poucos rendimentos se lhe fossem defraudar, cerceando-lhe a sua congrua, para ir garantir direitos a terceiro. Isto não se póde fazer a quem não tem meios sufficientes. Portanto, como ha de o governo providenciar? A penalidade seria uma cousa acceitavel e necessaria, mas para isso era conveniente que o governo désse os meios necessarios áquellas corporações. Não digo que os dê a todos os cabidos, porque alguns têem os meios sufficientes para poderem prescindir de parte do seu rendimento, para pagar o registo, e podem fazer recair essa despeza na verba destinada a despezas geraes do cabido.

Quanto ás freiras, quem é herdeiro dos seus bens?

É o estado. A maior parte dos conventos não existem senão por tolerancia do governo; elles não têem numero ca-

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nonico, e a lei prohibe expressamente a admissão de novas freiras. Já não ha profissões; e estou convencido que o sr. ministro da justiça não trará ao parlamento uma medida para a admissão de freiras. E se a trouxesse, não poderia contar com o meu apoio; é materia em que sou intransigente.

N'estas circumstancias, como se póde esperar que as freiras vão fazer o registo á sua custa?

Não seria penoso e altamente barbaro impor-lhes a obrigação de fazerem o registo á sua custa?

O que poderá, pois, servir de garantia aos direitos do estado?

Parece-me, pois, que o unico meio é determinar-se, ou por lei ou por regulamento, se isto cabe nas attribuições regulamentares, o que me parece que não, que o ministerio publico seja competente para requerer aquelle registo e que o estado forneça os meios para elle se effectuar; de outra fórma hão de se perder grandes valores para o estado, como se perderam com a extincção dos frades. Não me parece que o estado esteja tão rico que possa prescindir de uma tal receita, realisavel em futuro muito proximo.

Chamo ainda a attenção do sr. ministro da justiça para o registo das servidões.

No regulamento que se deve fazer é necessario que se attenda ás differentes naturezas das servidões.

Sr. presidente, a reforma do artigo do codigo tornando-o mais explicito, designando as differentes especies de servidões, que deviam ficar sujeitas ao registo, era de uma alta conveniencia, porque muitas d'ellas não se podem registar sem uma despeza extraordinaria, que não está em harmonia com a sua importancia, e não é necessario o registo, porque o onus imposto no predio serviente não lhe tira nada no seu valor.

Supponha-se uma porção de agua correndo por uma extensão de uma ou duas leguas, e que não faz prejuizo nenhum, ou que, se o faz, é elle tão insignificante, que quasi não ha interesse em que essa servidão seja registada, porque os predios são todos abertos e os terrenos não podem ser applicados a cultura delicada, valerá a pena, para a manter, fazer um registo que importa em uma quantia relativamente grande?

Que se acautelem estes pequenos interesses, é justo; mas de modo que o registo não exija um grande sacrificio. Póde pois obrigar-se a registo das servidões cujos predios servientes são de uma certa importancia e valor, que antigamente se denominavam predios nobres, e não os outros. Parece-me que tudo quanto se fizer para facilitar a execução da lei é um beneficio, embora das prorogações do praso para o registo tambem tenham resultado beneficios consideraveis, porque ellas têem dado logar a grande numero de remissões de pequenos fóros. E o facto explica-se.

O directo senhor, vendo-se na impossibilidade de registar um onus pequeno, por ser muito dispendioso esse registo, tem-se entendido a maior parte das vezes com o emphyteuta, e o fôro tem sido remido por meio de escriptura feita em virtude das disposições do codigo civil, consolidando-se assim os dois dominios, o que é uma vantagem economica e agricola. Por consequencia, o cumprimento da lei, tão demorado como tem sido, nem por isso tem deixado de ser um beneficio para o estado e para a propriedade, porque tem feito com que esta se torne mais facilmente alienavel.

Não careço da resposta do sr. ministro da justiça, o que desejo é que s. exa. se lembre d'estas minhas indicações, quando trouxer alguma proposta ao parlamento com relação aos assumptos de que me occupei.

O sr. Ministro da Justiça (Couto Monteiro): - Sr. presidente, prestei a maior attenção ás observações que acabou de apresentar o digno par, e posso asseverar a s. exa. que as tenho na maior consideração, e que tomei nota d'ellas, porque me hão de servir de muito auxilio á proposta de lei que pretendo organisar para submetter á apreciação da camara no mais breve espaço de tempo, que não será ainda n'esta sessão, porque não me parece que o possa fazer, por ser um negocio que demanda muito estudo; mas posso affirmar ao digno par que hei de aproveitar as indicações que s. exa. apresentou, que me parecem todas muito dignas de acceitação.

O sr. Miguel Osorio: - Agradeço ao sr. ministro da justiça a benevolencia com que s. exa. acceitou as minhas considerações, e só tenho a dizer que sinto que a proposta de lei, que o sr. ministro da justiça tem tenção de apresentar, não seja ainda n'esta sessão, e sinto tanto mais quanto s. exa. me ameaçou com a estada d'este governo para a sessão do anno que vem.

Custa-me na realidade sujeitar-me a esta ameaça. (Riso.) S. exa., assim como foi benevolo, podia ser caritativo, não me ameaçar e ao paiz tão cruelmente.

O sr. Ministro da Justiça: - Eu fallei condicionalmente.

ORDEM DO DIA

O sr. Presidente: - Vamos entrar na ordem do dia que é a continuação da interpellação do sr. Carlos Bento, que não está presente.

O sr. Conde do Casal Ribeiro: - Sinto que não esteja presente o sr. Carlos Bento, auctor da interpellação, e de certo a camara sentirá commigo essa ausencia, tanto mais que perde na substituição, tendo de me ouvir discursar em logar d'aquelle meu amigo e illustrado collega.

Não deixarei, porém, de tomar parte n'este assumpto, como já tinha annunciado, porque me parece de importancia grave, e da natureza d'aquelles que, no interesse da causa publica, não digo no interesse d'uma determinada politica, convem que tenham no parlamento discussão larga e esclarecida, a fim de que os poderes publicos sejam auxiliados, e possam acceitar esse auxilio, para melhor resolver um problema difficil.

Sr. presidente, antes de entrar no assumpto da interpellação, permitta-me a camara que, com satisfação da minha parte, possa congratular-me com o sr. ministro da fazenda, porque s. exa., attendendo ás justas reclamações que tinham sido feitas dentro e fóra do parlamento, attendendo, ás considerações mais d'uma vez expostas nesta e na outra casa, aqui por mim e pelo sr. conde de Rio Maior, e lá por um deputado officialmente competente no assumpto, alem de ter a competencia que lhe resulta dos seus conhecimentos, apresentou uma proposta no sentido de equiparar os generos nacionaes aos generos estrangeiros, no tocante ao pagamento dos direitos do consumo em Lisboa. Esta reclamação tinha sido feita, era justa, e foi justo e foi bom que o governo a attendesse, e que alguma vez ao governo lembrasse a nossa agricultura, e particularmente a nossa vinicultura para alguma cousa mais do que para lhes impor tributos.

Sem pela minha parte me gloriar mais ou menos de ter concorrido com os meus esforços para que esta medida fosse adoptada, folgo que ella seja votada, e desde já lhe prometto o meu apoio e adhesão.

Não entro no desenvolvimento da materia, porque não é occasião para o fazer, e porque o negocio que actualmente se trata é bastante largo e contém bastantes capitulos para que possa prender e reter a nossa attenção.

A questão bancaria, sr. presidente, não é uma questão que interesse exclusivamente ao grande capital.

A questão bancaria interessa tambem ao pequeno commercio, por via do qual se realisam as transações de cada dia, interessa ao operario, que concorre com o seu trabalho, ou na esphera rural, ou na esphera industrial, porque todos estes elementos da producção naturalmente se resentem quando as difficuldades do credito restringem a producção.

A situação economica do reino é grave, e sem se poder

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precisamente declarar que estejamos entrados n'uma crise de trabalho, todavia é innegavel que se apresentam symptomas de difficuldades graves.

O trabalho nacional, e refiro-me n'esta parte principalmente ao trabalho fabril, tem diminuido nos ultimos tempos. Nem é de admirar que seja assim.

Espanto seria ou raridade que o contrario acontecesse.

As causas do phenomeno temol-as patentes.

Houve, em periodo recente, um desenvolvimento grande, direi mesmo exagerado, das instituições de credito.

A delirio chegou esse desenvolvimento, a excesso de loucura, a abusos de credito, na phrase caracteristica empregada pelo sr. ministro da fazenda.

Mas é innegavel que, se a multiplicidade dos estabelecimentos bancarios creados em Portugal, principalmente desde o meiado do anno de 1874, não podia, pela sua propria exageração, justificar-se nas necessidades reaes do paiz, se d'elles resultaram prejuizos grandes, prejuizos dos quaes ainda a nossa situação se está resentindo, tambem resultaram vantagens, porque os estabelecimentos de credito novamente creados, aquelles mesmos de mais recente data, não applicaram todos, sempre e de um modo exclusivo, o seu capital disponivel á especulação em fundos hespanhoes e a outras especies de jogo, parte d'esse capital foi consagrado ao desenvolvimento de industrias serias, reaes, que podem ter e que têem no paiz condições de prosperidade natural.

É de lamentar que não fosse mais larga a parte que os novos estabelecimentos bancarios concederam do seu credito a emprezas d'essa ordem.

Entretanto alguns houve que procederam assim; e, ainda que estejamos longe de ter elementos sufficientes de uma boa estatistica industrial, permitta-me a camara que eu cite factos succedidos n'aquella localidade em que me comprazo de viver entre bons amigos. Refiro-me á villa de Alemquer.

Uma fabrica de lanificios d'aquella villa, que se achava reduzida a um estado da maior decadencia na quantidade e na qualidade dos productos, pôde elevar-se a tal desenvolvimento e perfeição no fabrico, que hoje rivalisa com as melhores e emprega grande quantidade de operarios de ambos os sexos.

Outra fabrica da mesma especie se fundou a pequena distancia, empregando hoje tambem muitos braços, e aproveitando ambas, assim como a antiga e excellente fabrica de papel, a força natural do grande curso de agua que atravessa a formosa villa de Alemquer.

Isto que aconteceu em Alemquer, o grande desenvolvimento do trabalho fabril, observa-se em muitas localidades, devido ás facilidades de credito que se encontraram nos bancos.

Com o desenvolvimento do credito crearam-se novos interesses, empregaram-se mais braços, emfim o trabalho aperfeiçoou-se. Mas se o uso do credito é util, o abuso tem inconvenientes; é o que se deu tambem entre nós. Por isso hoje, que estamos no periodo da desconfiança, todos os elementos de prosperidade creados ou augmentados, o commercio, a industria e a agricultura, resentem-se, a decadencia manifesta-se de modo sensivel. E diminuidos os recursos de credito, escasseiam os meios de trabalho, restringindo-se a producção e soffrendo os trabalhadores.

Esta questão dos bancos não interessa portanto exclusivamente os homens chamados do alto banco, segundo uma expressão talvez pouco portugueza; interessa a todos: interessa ao commercio, interessa ao operario, interessa ao trabalhador, que é o principal elemento da producção.

Sr. presidente, ás difficuldades do retrahimento dos capitães, que hoje se sente na praça de Lisboa e todas as outras de Portugal, acresce a alta do juro.

Por um lado as operações de desconto são mais raras, por isso mesmo que, sendo menor a offerta de dinheiro, ha menos quem possa effectual-as.

D'aqui, d'esta causa natural, provém já naturalmente a elevação de juro; mas a essa causa natural vem juntar-se outra artificial e que deriva de um acto do governo, o qual tambem até ao momento actual tem concorrido para aggravar os funestos effeitos.

Refiro-me á elevação do juro a 7 por cento, auctorisada pelo governo em favor do banco de Portugal no decreto de outubro do anno passado.

Nos jornaes de hontem e de hoje vi que o banco de Portugal acaba de baixar a taxa do desconto a 6 por cento. Felicito-o pelo facto, e não trato de inquirir se ha mais que uma simples e pura coincidencia entre elle e a interpellação que estamos fazendo ao sr. ministro encarregado da pasta da fazenda; não trato de inquirir se esta interpellação concorreu de alguma maneira, e até que ponto, para que se produzisse e apressasse uma resolução ha tanto desejada e de muitos esperada.

Sómente ponderarei que em um jornal, que não póde ser suspeito ao nobre ministro da fazenda, a Correspondencia de Portugal, em numero publicado recentemente, e artigo que se refere a materia commercial, habilmente redigido por um cavalheiro que todos nós conhecemos, cuja competencia é innegavel, se dizia em data de 13 de março corrente, isto é, ha muito poucos dias ainda, o seguinte:

«Contra o que geralmente se esperava, não foi alterada, n'esta quinzena a taxa dos descontos, nos bancos e estabelecimentos de credito da nossa praça. Continua ella a 7 por cento, apesar de ter havido fóra d'estes estabelecimentos soffrivel fornecimento de dinheiro a 6 por cento.»

Quando o juro em Londres havia attingido excepcionalmente a taxa de 6 por cento, o governo, tendo em attenção as reclamações do banco de Portugal, reclamações ás quaes logo me referirei, e que de maneira nenhuma censuro, entendeu necessario e opportuno auctorisal-o a elevar a 7 por cento a taxa do juro, que anteriormente tinha sido estabelecida em 6 por cento, o que já não era pouco, o que a meu ver era já muito.

Não se attendeu, porém, quando esta medida se adoptou, que quando providencias similhantes têem rasão de ser, e a podem ter em paizes como a Inglaterra, para servir de obstaculo a uma exportação extraordinaria de oiro que se pronuncia, e a uma procura de oiro demasiada, inherente a exportação que se pretende restringir, taes providencias têem caracter essencialmente temporario, caracter essencialmente restricto.

Esta medida do governo foi tomada na presença quasi de uma crise de trabalho, e ao passo que a elevação da taxa do juro não se conservava já em Londres na altura a que subiram, porquanto tinha descido a 3 por cento, taxa a que tambem tinha descido em Paris, ultimamente baixando a 2 e meio por cento, nós aqui só passados cinco mezes obtivemos que a taxa descesse de 7 a 6 por cento.

N'este mesmo jornal, que citei, faz-se referencia ao facto de uma companhia industrial importante do nosso paiz realisar em uma praça estrangeira uma operação consideravel, na importancia de nada menos que 1.350:000$000 réis. Fallo na companhia de Xabregas, que levantou fóra do paiz aquella quantia, a praso bastante largo, e com um encargo que não é superior a 5 1/2 por cento.

Estimo muito que aquella companhia podesse realisar tão vantajosa operação, felicito-a por isso. Não desejo mal a ninguem; mas é preciso que reconheçamos que esta operação, que aliás denota o credito de que gosa aquella companhia, o que se para ella é um facto feliz, tambem é vantajoso em geral para a economia publica, pois ninguem interessa com o descredito das corporações ou sociedades uteis ao estado, é preciso que reconheçamos, digo, que esta operação a quem de certo fez mal foi ao thesouro, porque foi toda destinada a antecipar o pagamento dos direitos do tabaco; e mais tarde o rendimento publico ha de resentir-se da antecipação agora feita.

É evidente que desde o momento que se apresenta um

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projecto, que deva os direitos a que está sujeita aquella mercadoria, todos se hão de apressar, dentro dos meios de que dispõem, e da medida do seu credito, a realizar fundos para despachar na quantidade maior que poderem o genero que vae soffrer augmento de tributo.

D'aqui resulta que, se estamos muito temporariamente em epocha de vaccas gordas, dentro em pouco tempo os pastos hão de escassear, e as vaccas emmagrecer.

Se agora, por effeitos da antecipação da venda de tabaco, se vae sentir diminuição na divida fluctuante, mais tarde, e sem grande demora, ella crescerá de novo e augmentará o encargo.

Não posso censurar que a companhia de tabacos de Xabregas procurasse fazer para seu lucro uma operarão vantajosa no estrangeiro. Póde esta operação ter sido contraria aos interesses do thesouro; mas a companhia estava no seu direito; nem póde ser censurada por isso.

Eu, porém, estimaria mais que as vantagens de credito que foram obtidas por esta companhia no estrangeiro podessem servir para fins mais uteis ao paiz, por exemplo, á agricultura, á pequena industria, e ao commercio ordinario.

Emquanto a companhia de Xabregas podia realisar no estrangeiro uma grande operação a praso largo, e ao juro de 5 1/2 por cento, o nosso commercio, a nossa industria, a nossa agricultura, para obter dinheiro, tinha de o pagar a 7 por cento no banco de Portugal, que era o unico onde se podiam realisar, e ainda em mesquinhas proporções, para poucos e com difficuldade, operações de desconto. Agora, o juro n'aquelle estabelecimento baixou a 6, e esse facto de certo attenua um pouco a importancia das considerações que estou apresentando. Talvez esta interpellação tenha alguma cousa mais que simples coincidencia n'aquella baixa de juro. Mas, não nos contentemos com isto.

Pela minha parte faço votos para que dentro de um periodo, que não deve ser longo, o juro do nosso primeiro estabelecimento de credito possa baixar a 5, á taxa considerada normal.

E por esta occasião, permitta-me o sr. ministro da fazenda que, sem fazer politica d'este assumpto, lhe lembre, não direi um alvitre, mas uma idéa, que porventura não será praticavel, mas que na sua alta intelligencia e com os seus grandes conhecimentos, o illustre ministro apreciará. Para evitar que no futuro, e mesmo quando possa justificar-se uma nova concessão similhante ao nosso principal estabelecimento de credito, seria conveniente que se estabelecesse uma taxa de juro diversa para as grandes letras sobre praças estrangeiras, da que ficasse regulando para as pequenas letras da terra.

Não me parece impossivel fazer-se isto; e desejava que, mesmo em circumstancias especiaes, houvesse uma differença entre as letras sobre o estrangeiro e as da terra, principalmente as que representam pequenas quantias.

Não é de certo com estas que se tentam as grandes especulações de cambio. É necessario muitas vezes haver excepções, sobretudo a favor d'aquelles que mais favor merecem, que mais nos devem interessar, e a respeito dos quaes não ha perigo que o juro conserve a taxa mais baixa.

E isto que eu digo foi-me suscitado pelas proprias palavras que se encontram n'um, aliás, mui bem elaborado relatorio do banco de Portugal, apresentado na sua ultima reunião da assembléa geral.

Felicito o banco de Portugal e applaudo-o altamente pelo facto de ter baixado a media da importancia das suas letras descontadas.

Convem notar, diz o banco, que a media tem baixado da maneira seguinte:

Tendo sido em 1876 de 1:203$712 réis, desceu em 1877 a 910$903 réis, e foi no anno findo, como acima, de réis 854$295.

Provam estes algarismos ter o banco procurado, quanto em si cabe, vir em auxilio do pequeno commercio, facultando-se o desconto, que a força das circumstancias obrigára a restringir em quasi todos os estabelecimentos bancarios.

Applaudo, sem a menor reserva, este facto, que se acha mencionado no relatorio d'aquella illustre corporação, e por: isso mesmo desejaria que o governo tomasse em consideração este facto importante, se alguma vez se visse nas circumstancias de precisar adoptar uma medida da natureza, d'aquella que adoptou em outubro.

Mas, sr. presidente, se eu faço algum reparo á auctorisação concedida ao banco de Portugal em outubro do anno anno passado, para elevar o juro de 6 a 7 por cento, entendo que o banco procedeu perfeitamente bem.

Em uma epocha em que tantos outros bancos tinham sido favorecidos, não era de notar que o banco de Portugal, que muito tem merecido do paiz, pedisse para si um favor que até certo ponto era uma compensação dos prejuizos soffridos.

Não posso da mesma maneira acceitar, como boas, as rasões que se deram nos considerandos que precedem o decreto de outubro do anno passado, com o fim de fazer similhante concessão.

Esses considerandos não me convencem de que as medidas adoptadas em circumstancias como foram as d'essas epocha servissem para restringir a exportação do oiro, nem tambem para resolver a questão do cobre.

Não repitamos as cousas unicamenee porque ellas se dizem no estrangeiro em circumstancias diversas. Não desconheçamos que a nossa situação não é a situação de Londres.

Ali sim, porque do toda a Europa, e ainda mesmo d'alem do Atlantico, vem ali buscar o capital para a especulação.

Entre nós não acontece o mesmo. Embora tenhamos exportado oiro, principalmente nos ultimos annos, as cousas são outras.

É, porventura, este phenomeno devido aqui á larga especulação? Não de certo.

Fste phenomeno é devido infelizmente a causas inevitaveis, e, senão permanentes, até certo ponto normaes.

Qual é a origem da exportação do oiro entre nós? É o desequilibrio entre a importação e a exportação. E n'esta parte eu applaudo completamente as palavras do nobre ministro da fazenda, e direi que, se nem sempre lucramos com as resoluções que s. exa. toma na sua qualidade de ministro, talvez porque essas resoluções muitas vezes não são inspiradas pelo seu alto conhecimento das materias de que trata, mas pela força das circumstancias, lucramos sempre em ouvir a esclarecida palavra de tão distincto economista, o quando s. exa. fala sobre qualquer assumpto, e lança sobre elle a grande luz do seu espirito e a grande copia dos seus conhecimentos, nós lucrâmos sempre muito em a escutar, e não podemos deixar de a applaudir. (Apoiados.)

N'esta parte, repito, estou completamente de accordo com o que disse o nobre ministro da fazenda.

As causas que determinaram nos ultimos annos o desequilibrio notavel entre a producção e o consumo, e entre a importação e a exportação, são quatro, e vou repetil-as, sem nada diminuir, sem nada acrescentar, como as referiu o nobre ministro da fazenda.

A primeira foi a falta de remessas do Brazil: a segunda foram as más colheitas nas nossas provincias ultramarinas, colheitas que em grande parte alimentam o nosso commercio de exportação; a terceira, a deficiencia das colheitas no reino, que foram de facto diminutissimas, principalmente em vinhos e cereaes; a quarta, a necessidade de importar muito mais em consequencia d'essas mesmas faltas e deficiencias.

Podia acrescentar-se ainda que ha uma outra rasão ou causa para que o desequilibrio se sinta, que é a exportação permanente de dinheiro, que fazemos para satisfazer os encargos da divida externa.

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Era necessario que a producção não só supprisse o consumo, mas que o excedesse, para que este facto não alterasse aquillo a que chamarei, se m'o permittem, balança do commercio, á falta de melhor expressão, e a expressão não me parece que falseie o pensamento.

Quando fallo de balança do commercio não quero dizer que me limito á comparação dos valores inscriptos nos mappas das alfandegas de importação e exportação, mas com o addicionamento de todos os elementos, que devem ser comparados e mettidos em linha de conta.

O absoluto da theoria economica não se encontra sempre nos factos da vida pratica.

Tambem por excepção se póde asseverar que ha muito quem adquira valores á custa de credito, e não obstante a theoria economica diz-nos em absoluto que os productos se trocam contra productos, e os valores contra valores.

Ora ha, como disse, quem obtenha valores á custa de credito, e quem compre sem ter com que pagar, e sem pensar de que modo ha de pagar.

As consequencias no fim de um, dois, tres annos são manifestas, e se um paiz marchar no mesmo caminho, acontecer-lhe-ha o mesmo que temos visto acontecer a tantas casas e tantos morgados, que foram poderosos.

Ha, portanto, desequilibrio entre a producção e o consumo, e n'esta parte, acceitando completamente as causas a que se referiu o sr. ministro da fazenda, permitta-me s. exa., que lhe offereça uma pequena rectificação, se assim se póde chamar.

Disse o nobre ministro, que estas causas não são permanentes, e que se deram apenas nos ultimos annos.

De accordo em que estas causas se não tenham feito sempre sentir, mas peço licença para observar, que desde que admittiu, como não podia deixar de admittir, que uma das causas é a falta de remessas do Brazil; ha de admittir tambem que a producção nacional está abaixo do que as necessidades do consumo exigem.

As remessas que vem do Brazil representam o trabalho de compatriotas, mas não representam o trabalho nacional.

É sempre que a nossa colonia no Brazil nos não póde mandar, ou o fructo dos seus rendimentos ou o resultado da sua capitalisação, immediatamente o nosso estado economico se resente, porque sem estes supprimentos, que já se nos têem tornado indispensaveis, sem que possamos mugir essas vaccas gordas, permitta-se-me a expressão, estamos logo sentindo o cambio desfavoravel, e uma situação economica pesada.

D'aqui deduz-se facilmente que as condições ordinarias nos são favoraveis no que respeita ao equilibrio da nossa producção e do nosso consumo.

O que é certo, sr. presidente, é que precisamos de um supprimento estranho, embora provenha de compatriotas nossos, para attenuar estas difficuldades. Esta situação não pesa só sobre o commercio, pesa sobre todos.

Sr. presidente, não pretendo entrar agora, porque não o comporta a occasião, nem eu tenho forças, nem estofo, nem sciencia para isso, na grave questão de saber se a emigração para o Brazil nos traz vantagens ou prejuizos. Questão gravissima é esta, questão de grandissimo alcance, mas ao mesmo tempo de solução extremamente difficil. Para se chegar a assentar sobre ella uma opinião segura, seria preciso comparar o que se vê com o que se não vê. O que se vê podemos nós apreciar, palpar, reconhecer, mas o que não se vê, não se póde examinar tão facilmente.

Vemos que da nossa emigração para o Brazil, ou da nossa colonia, que é filha d'essa emigração, vem annualmente para o paiz uma somma de dinheiro importante, que ajuda a supprir a differença entre a nossa producção e o nosso consumo.

Este facto é extremamente agradavel, e á vista d'elle bem podemos dizer que o Brazil ainda nos manda até certo ponto a nau dos quintos. Este facto prova mais uma vez que os paizes que fundam colonias em certas condições, porque ha colonias e colonias, dão-se melhor com ellas quando chegam á maioridade, como aconteceu á Inglaterra com os Estados Unidos e a nós com o Brazil.

Mas, sr. presidente, se este é o lado agradavel, não poderiamos tambem suppor qual seria o resultado do trabalho e dos esforços que ali se empregam, se fossem empregados em cousas directamente nossas? (Apoiados.) Mas, podemos nós, porventura, comparar o conhecido com o desconhecido? Poderiamos saber, se nos fosse possivel, dirigir as correntes da nossa emigração, como quereriam alguns, para as nossas colonias de alem mar, ou talvez antes para a nossa grande colonia alemtejana, quaes seriam os resultados d'essa emigração?... Difficil seria a resolução do problema.

Nem eu tenho conhecimentos, nem sciencia para isso, nem o poderia mesmo fazer agora senão de uma maneira imperfeita. Abstenho-me, portanto, de o fazer, e limito-me a considerar ligeiramente os prós e contras.

Quanto ás causas da emigração, parece-me mais facil acertar com ellas.

Em regra podemos dizer que não é a miseria nem a falta de trabalho que dá causa á emigração; é principalmente uma tentação, uma loteria, uma especulação.

A emigração funda-se no exemplo do parente ou do amigo, que d'ali vem rico, porque esse é o que se vê; o desgraçado que lá fica, esse não se vê.

Loteria em que o nosso povo é tão tentado, porque o nosso povo, diga-se a verdade, é tentado com todas as loterias! Entre as suas virtudes, que são muitas de certo, não existe a de ser isento do jogo.

O nosso povo tende para o jogo, e creio que o esforço, aliás muito louvavel, do sr. governador civil e meu amigo o sr. D. Luiz da Camara Leme, tem de luctar e muito com uma tendencia, que não é boa, mas que existe na nossa sociedade.

Com isto não quero desanimal-o no seu esforço, porque elle procede dentro da lei, e eu já aqui emitti a opinião de que era contra as loterias, não só contra a hespanhola, mas contra a portugueza, (Apoiados.) porque não é de um governo serio, unicamente porque uma cousa agrada, favorecel-a.

Em vez de tratar dos interesses do povo, seria isso adoptar o panem et circenses

Dizia que o nosso povo tem tendencia para a loteria, e para elle uma grande loteria é a emigração para o Brazil.

Consideram aquelle grande imperio como o Potosi, onde hão de ir buscar as grandes riquezas, as grandes fortunas para depois as poderem gosar na sua terra natal, para depois as poderem compartilhar com as suas familias, ou applicar mesmo parte d'ellas a grandes actos de beneficencia e philantropia, de que não faltam exemplos da parte de compatriotas que voltam d'aquelle paiz.

Depois o exemplo excita-os; o exemplo de um primo ou de um parente que lá teêm, e que tem obtido alguns meios, levam o nosso povo a emigrar para o Brazil, não tanto pela falta de trabalho aqui, mas pela tendencia, a habilitarem-se no que consideram uma grande loteria.

Ainda alem d'esta tentação, existe outra, a do horror que têem ao recrutamento militar, porque o nosso homem do povo tem, como é evidente um verdadeiro horror a ser soldado.

Para este ponto deve seriamente olhar o governo.

Emquanto a sorte do recrutamento for uma sorte que póde tirar-se com carta falsa, emquanto o recrutado não tiver a convicção de que o numero que sáe é só devido ao acaso da propria sorte, e não consequencia de patronatos, de favores é de venda de votos, (Apoiados.) esse horror ha de existir.

Estes factos a que alludo repetem-se constantemente, (Apoiados.) estes factos são o estado normal do nosso re-

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crutamento como bem o póde attestar, principalmente quem vive no campo, como eu, uma grande parte do anno.

Quem tem certa valia, quem representa uma certa influencia por si, ou pelos seus, ou quem dá uma certa quantia a certos especuladores, é isento do serviço militar, e d'estas isenções resulta carregar o serviço sobre os que de facto pela sorte Meariam isentos.

Emquanto estes factos se derem do sul ao norte, do Algarve ao Minho, o horror ao recrutamento ha de durar e augmentar.

O que eu receio, pois, sr. presidente, é que á natural tentação pelas leterias, ao horror que o nosso povo ha de continuar a sentir pelo recrutamento, venha juntar-se a falta de trabalho.

É por isso que, sem querer de modo algum impellir o governo a estabelecer as officinas nacionaes, eu desejo que elle estude profundamente estas questões gravissimas de trabalho, tão complexas, que se não podem resolver simplesmente dentro de uma secretaria.

Voltando ao credito, sr. presidente, eu vejo que a disposição que elevou a taxa do juro a 7 por cento foi inefficaz, e não conseguiu diminuir a exportação do oiro.

Aquella medida auctorisada pelo sr. ministro da fazenda elevou a taxa do juro de 6 a 7 por cento, sem diminuir em nada a importação do oiro, e dificultando aliás as transacções.

Veja-se o que a elevação da taxa significou em relação ao banco de Portugal durante os cinco mezes era que a taxa de 7 por cento vigorou.

N'esses cinco mezes, sobre treze mil e tantos contos, em que póde reputar-se a media annual de letras descontadas, realisou o banco de Portugal cincoenta e tantos contos de interesse, e com isto cobriu o banco a perda que teve em cambios em todo o anno de 1878. Se fazemos o calculo, não já em relação a 1 por cento de augmento sobre a taxa de 6 por cento, mas a 2 por cento sobre a taxa normal de 5 por cento, acharemos então que o banco cobriu aquella perda e lucrou outra igual quantia.

Sr. presidente, não pretendo eu de maneira nenhuma irrogar censura áquelle estabelecimento de credito, por procurar os meios de augmentar os seus interesses. (Apoiados.)

Não estranho que o banco de Portugal pedisse o favor, porque o banco de Portugal é o primeiro estabelecimento de credito do nosso paiz; é o mais antigo de entre todos, e ninguem se póde escandalisar que elle mereça, não só tanto, mas mais algum favor que os outros. Melhor seria, porém, que não houvesse favor para nenhum e só justiça para todos. (Apoiados.)

Eu entendo, sr. presidente, que os bancos, e sobretudo os privilegiados, devam querer defender as suas reservas; mas, a pretexto de as defenderem, podem lançar um imposto sobre a sua forçada clientela.

Isto é até certo ponto tentador, porque o banco privilegiado não póde agora receiar da concorrencia, pois só elle póde descontar, ou seja a 6 ou seja a 7 por cento, em certa escala, visto que os demais bancos se vêem obrigados a restringir consideravelmente as operações.

Póde-se, pois, dizer que é forçada a clientela do banco, a não ser que se de facto perfeitamente excepcional, como o que se deu com a companhia de Xabregas, que pôde effectuar no estrangeiro operações em melhores condições

A pequena industria porém, o commercio, aonde hão de ir buscar dinheiro, senão ao banco de Portugal? Aonde se desconta hoje, a não ser lá? E se em alguma outra parte se desconta, é porventura com o mesmo juro que no banco?

Não, de certo.

Se em alguma parte se desconta alguma cousa, é por mais ainda do que no banco de Portugal, nem póde deixar de ser assim, quando escasseia o credito, e fogem os depositos.

É uma grande tentação para o banco privilegiado munir se e gosar de tanto favor, quanto ao augmento do juro, porque primeiro que tudo cumpre-lhe zelar os interesses dos seus accionistas.

Ao governo, porém, cumpre tutelar uma o outra ordem de interesses.

Não se deprehenda das minhas palavras, que eu venho do uma maneira absoluta defender a theoria da taxa fixa dos juros.

Eu sei perfeitamente, e creio que já o sustentei, que um estabelecimento, mesmo privilegiado, póde, quando bem organisado, alterar a sua taxa de juro, sem que o governo intervenha.

Não se trata, porém, agora, de uma theoria, mas de um facto pratico.

Não se trata de uma these, mas de uma determinada hypothese.

O banco da Belgica, sr. presidente, tem emissão privilegiada na Belgica inteira. Mas esta emissão foi concedida gratuitamente?

O banco da Belgica, em primeiro logar, faz de graça o serviço de todas as transferencias de fundos do estado. Succede o mesmo entre nós? Quanto custam as nossas transferencias de fundos?

Alem d'isto faz mais.

Reparte com o thesouro uma parte dos seus dividendos, quando elles excedem uma certa taxa.

Em 1872 na sua reorganisação foi augmentada a parte do estado.

Na Belgica desde que o dividendo excede a 6 por cento o thesouro partilha do excedente.

Eis-aqui uma compensação que é importante.

Mas na Belgica ha alguma causa mais, que vale muito mais do que as duas compensações a que me referi.

Quer v. exa. saber o que na Belgica acontece?

Na Belgica não se estabeleceu a taxa maxima do desconto, mas acontece que quando ali o desconto excede a 5 por cento, todo o excedente reverte a favor do thesouro.

Isto é importante, porque na Belgica comprehendeu-se que póde um banco, em virtude das suas funcções reguladoras, achar-se em circumstancias de ser obrigado a elevar a taxa do desconto, mas ao mesmo tempo para que elle não seja tentado a abusar d'essa faculdade, para lhe tirar toda a tentação do lucro, com o levantamento da taxa, desde que esse lucro excede a 5 por cento, o excedente é para o thesouro, e assim a tentação não existi como existe entre nós. Logo não se póde argumentar com os exemplos dos outros paizes onde as cousas estão organisadas de uma maneira mais conveniente e normal.

E d'aqui vamos naturalmente a dizer algumas palavras, poucas, sobre a grave questão da circulação das notas, á qual se referiu o digno par interpellante, o sr. Carlos Bento.

Se por um lado o que eu expuz acontece ao banco de Portugal, por outro lado é innegavel que é pouco, que é quasi insignificante, que é quasi nullo o partido que aquelle estabelecimento tira do privilegio da emissão. (Apoiados.)

Quando existiam os depositos com juro nos diversos bancos em larguissima escala argumentava-se e argumentava-se com certa plausibilidade: como quereis vós que augmente a circulação fiduciaria quando tem augmentado tanto o habito de depositar?

Dizia-se: o cheque substitue a nota, e até certo ponto o argumento era plausivel.

Mas, sr. presidente, que acontece agora?

Hoje os depositos diminuem, têem escasseado; o cheque tornou-se raro, e a nota não apparece, e a circulação fiduciaria não augmenta, antes pelo contrario vemos, por exemple, comparando assim o fim do anno de 1877 com o do anno de 1878, em vez de augmentada a circulação fiduciaria diminuida, porque sendo nos fins de dezembro de 1877 de réis

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4.079:000$000, o valor das notas em circulação, em fins de 1878 foi 3.763:000$000 réis

Desappareceu o cheque, e a nota não o veiu substituir.

Tambem ouvimos hontem fazer referencia a um projecto apresentado pelo sr. ministro da fazenda na sessão de 1876, pelo qual, reformando a organisação do banco de Portugal, lhe duplicava o capital, e estabelecia outras medidas, pretendendo investir aquelle estabelecimento no privilegio; absoluto da emissão de notas em todo o paiz, e ouvimos dizer que esse projecto tivera tal opposição que fôra mister sacrifical-o.

Esta não é a historia completa, houve mais alguma cousa.

Eu não desejo de maneira nenhuma entercalar referennias politicas n'uma questão economica, mas não posso deixar de lembrar 1876, quando se discutia a questão ecocomica, a questão bancaria n'esta casa.

Foi então que aconteceu, com grave desgosto nosso, que o sr. ministro da fazenda se sentiu incommodado, que o sr. presidente do conselho tambem padeceu molestia, e que, em virtude d'estes achaques, que se deram nas pessoas dos srs. ministros, não, de certo, na sua politica, que estava diziam elles, sã e defensavel, se retirou o ministerio.

Foi elle substituido por outro sob a presidencia de v. exa., que nos apresentou, cheio de convicção e muito sinceramente, programma de economia e moralidade, programma que, não me cansarei nunca de o repetir, devia parecer banal, visto como a moralidade e a economia: devem ser a norma de todos os governos. E, todavia, parecendo banal, foi applaudido de todos os lados das camaras, tanto parece que havia fome e sêde de justiça, (Apoiados.) fome e sede de moralidade. (Apoiados.)

O sr. Miguel Osorio: - E ainda ha.

O Orador: - Veiu v. exa. com o seu programma é, atravessando um curto periodo de governação, teve de retirar-se logo depois.

Voltou o antigo governo, voltaram os srs. ministros opulentos em saude, augmentados nas suas forças physicas; mas pena é que não possamos dizer absolutamente mais correctos nos seus actos politicos e economicos. (Apoiados.)

O que não voltou, nem augmentado nem correcto, nem ao menos, tal como tinha, nascido, foi o projecto relativo á circulação fiduciaria. Esse desappareceu no periodo das doenças; nunca mais se tornou a tratar d'elle no periodo da saude.

E, sr. presidente, não julgue v. exa. que eu tenho grandes saudades de tal projecto. Em duas palavras vou dizer o que se me afigura que elle era.

Diz-se que soffreu grande opposição, e sobretudo na cidade do Porto.

É certo que se levantaram ali apprehensões graves e resistencias contra o privilegio do banco de Portugal. Mas é certo que tanto este como outros projectos analogos hão de suscitar opposição insuperavel desde que tenham sido laborados e fabricados unicamente nas secretarias dos srs. ministros.

Questões d'esta ordem não se resolvem assim. Procura-se-lhes primeiramente a solução na opinião esclarecida; é para que a opinião se forme fazem-se largos e illustrativos inqueritos; chamam-se os entendidos, chamam-se os interessados; ouve-se o que elles allegam, aproveita-se o que póde ser util, demonstra-se que nem em tudo que desejam têem rasão, e só por estes meios se chega á solução, quando solução se pretende obter.

Foi assim que procedeu a Belgica; assim tem feito a França; fal o a Inglaterra, em todos os ramos de administração.

Por que não o fazemos nós? Quando começaremos a fazel-o? Quando quererão os srs. ministros dar-se-ao incommodo de praticar d'aquella fórma?

Mas. sr. presidente, quando mais opportunamente deveria ter sido aberto o inquerito sobre a circulação fiduciaria, quando se poderia ter tratado mais utilmente d'esta importante questão economica, era em 1874, occasião opportunissima, occasião perdida, occasião que não volta ou que tarde voltará.

Em 1874 estavamos muito proximos da epocha em que acabava o privilegio do banco de Portugal, pelo que respeita ao exclusivo da emissão das suas notas no districto de Lisboa.

Em 1874 estava-se na situação economica mais desafogada de que havia muito se tinha noticia; em 1874 havia já algum desenvolvimento na creação de institutos bancarios, pois alguns se tinham de novo creado; mas a febre não tinha chegado ainda; a febre chegou no segundo semestre d'aquelle anno e no seguinte; em 1874 havia, todas estas circunstancias favoraveis, circumstancias perfeitamente analogas áquellas em que, no anno de 1872, se havia atacado esta grave questão da circulação fiduciaria na Belgica.

Em 1874 estava-se n'uma situação mil vezes melhor do que aquella em que estava o governo em 1847; quando deu ao banco de Portugal a sua carta organica, porque então era uma epocha de calamidades politicas e financeiras, e o banco de Portugal resultou da união do antigo banco de Lisboa com a companhia Confiança Nacional, como todos sabem, assim como sabem quaes eram, n'essa occasião, as circumstancias do paiz, e por isso escuso de as descrever...

É certo que tambem o banco de França se organisou em 1848 debaixo da pressão de circumstancias adversas; mas não prova isso contra a minha doutrina, porque é sempre melhor preparar-nos na prosperidade para o caminho que temos a encetar, do que embrenharmo-nos em perigosa e desconhecida senda no momento da adversidade.

Em 1874, pois, é que se devia ter estudado largamente para em tempo resolver. Mas que se fez em 1874? Nada, não se estudou, nem se resolveu.

O sr. ministro da fazenda, tão illustrado como é, e como todos o reconhecem; o sr. ministro da fazenda, um economista distincto e que distincto seria em qualquer parte onde se apresentassem os seus escriptos economicos; o sr. ministro da fazenda, em quem todos tanto merecimento admiram, comprehendia de certo e não podia deixar de comprehender, e melhor do que ninguem, a gravidade da questão; e, comtudo, deixou-se ficar commodamente reclinado na inercia politica, pois foi inercia politica o que o determinou a não tomar então o papel importantissimo de reformador das nossas instituições bancarias e da nossa circulação fiduciaria.

A questão era grave, mas não era commoda, e como não era commoda e como os interesses se agitavam por um lado e por outro:, e como havia conflictos, e como podia haver attritos, que melhor fazer do que nada fazer? E nada se fez.

Trouxe-se um projecto ao parlamento, projecto insignificante, no qual sem precedencia de nenhum estudo, de nenhum inquerito se limitou o governo a declarar que aquillo que até então estava iria continuando emquanto continuasse. Porque esse projecto, não diz outra cousa senão: vamos assim andando, emquanto assim andarmos. Qual foi a garantia que n'elle se deu no futuro? Nenhuma. Qual foi a garantia com que ficou o banco de Portugal a respeito do seu privilegio? Nenhuma. A lei era tão boa que a unica defeza que tem, foi que podia ser revogada.

Excellente defeza, e ao mesmo tempo excellente garantia para os interessados e para o paiz que carecia ter uma circulação fiduciaria bem organisada! Ficámos no statu quo, e peior, porque foi sem garantia. Se ao menos se tivessem cumprido as promessas que se fizeram!. .. Então o governo declarou na camara electiva, instado para que procedesse a um inquerito a respeito d'esta questão importante, que acceitava o principio do inquerito e ia proceder a elle.

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Estas declarações foram feitas, constam dos annaes parlamentares. Qual foi a execução que tiveram? Qual foi o inquerito que se fez? Podem mostrar-m'o? Nenhum, absolutamente nenhum se fez.

Em 1874 era possivel adoptar-se a idéa, fosse da federação bancaria, fosse da cooperação, ou qualquer outra maneira que melhor conviesse aos interesses creados em favor da unidade da circulação. Esta idéa vigorava, tinha-se inoculado em muitos espiritos e em muitos animos.

Porque não se aproveitou da sesão do momento? Isto era tambem uma monção. Era uma monção como aquella de que nos fallava ha dias o sr. ministro da marinha; era uma monção como aquella com que se queria apressar a lei de administração da Guiné para se apressar a partida de soccorros para aquella colonia, pretendendo-se assim pôr termo, não direi á nossa eloquencia, mas á nossa loquacidade. Porque não se aproveitou, pois, a monsão de 1874?

Eu não gosto de citar escriptos meus, poderá parecer isto immodestia. Mas como n'aquella occasião escrevi alguma cousa, que está publicada, que pouco ou nenhum valor terá pelas idéas ali emittidas, mas que significa o desejo de chamar a attenção publica para uma questão importante; sem pretensões a ser propheta na minha terra, não posso, n'esta occasião, deixar de pedir licença para ler á camara as conclusões com que fechava um artigo de pouca valia, por certo, que publiquei em um jornal da capital. Em 1874 dizia eu o seguinte:

«Que a circulação fiduciaria, tal como existe entre nós, não corresponde ás necessidades actuaes;

«Que o desenvolvimento das operações bancarias e outras manifestações da riqueza publica reclama uma reforma radical do nosso vicioso systema de circulação;

«Que a proposta discutida em côrtes adia apenas a solução do problema, tornando evidente a necessidade de lei definitiva;

«Que a pluralidade de bancos emissores não póde resolver satisfatoriamente a questão;

«Que a unidade só póde fundar-se equitativamente e produzir resultados praticos pelo accordo e cooperação dos estabelecimentos existentes;

«Que o privilegio deve ser acompanhado de compensações para o thesouro;

«Que do privilegio assim organisado resultará a baixa do juro e a diffusão do credito, estimulando a producção e beneficiando todas as classes.»

N'esta idéa estou ainda; adhiro ainda ao pensamento fundamental d'aquelle escripto sem desconhecer que hoje são mil vezes maiores as difficuldades praticas para o levar a execução. Queria acreditar que o inquerito seria aberto, mas sem que me sentisse possuido de firme crença na adopção pelo governo d'esse optimo expediente e até desejando que o governo não fosse abalado por quaesquer hesitações.

Concluia assim:

«Congreguem-se todos os pareceres; pesem-se todos os alvitres; comparem-se todas as soluções. Mas chegue-se a final a uma conclusão pratica.

«Ao governo corre o dever de procural-a, de achal-a, de traduzil-a em lei.

«O inquerito está acceito em principio. Da discussão na imprensa e da discussão no parlamento resultou claramente a urgencia d'elle.

«Inquira-se, mas com o animo resoluto de quem quer decidir e não com a tenção vacilante de quem se contenta de adiar.»

As palavras que fecham este escripto exprimiam bem o desejo tenaz, e ao mesmo tempo duvida em o ver satisfeito.

Pois os factos vieram dar rasão á duvida e á descrença! A idéa do inquerito foi acceita pelo governo em 1874, não com o animo determinado de se realisar, mas com a intenção evidente de quem se contentava em adiar. E o inquerito não era para offender interesses, mas para estudar os meios de estabelecer a circulação fiduciaria em melhores bases.

N'este mesmo numero d'este jornal, um escriptor muito illustrado, o sr. Seixas, concluia um artigo com idéas perfeitamente analogas:

«A idéa, pois, da concentração da emissão fiduciaria é digna da mais seria discussão. Não póde, porém, a nosso ver, levar-se a pratica senão por concurso unido de todos os bancos estabelecidos; é para nós ponto de fé que os mesmos bancos interessam em levar á pratica o commettimento que a idéa representa. Tudo isto é emquanto a actualidade. Expomos a nossa humilde opinião sobre esta debatida questão sem o pensamento de combatermos as opiniões contrarias e as já expostas na imprensa.»

Estas idéas vogavam então. Porque não se pozeram em pratica? Porque não se inqueriu?

Pois, sr. presidente, quem pretendeu impor ao governo esta ou aquella idéa, esta ou aquella doutrina?

Pedia-se-lhe estudo, exame, luz. Porque não se precedeu ao inquerito? Porque não se procurou alcançar que os interesses empenhados na questão da circulação fiduciaria chegassem a um accordo conveniente? Nada se fez. E porque não se fez, chegámos das prosperidades de 1874 ás decadencias e afflicções de 1876. E em 1876 manifestou-se a crise; pequena em maio, terrivel em agosto.

E foi em virtude da crise, e porque ella se tinha dado, que acordou o sr. ministro da fazenda para a questão bancaria.

Então era urgente, acordara o estimulo; então a opportunidade; era a opportunidade da miseria, não era a opportunidade da prevenção.

Em 1877 dizia o sr. ministro da fazenda no seu relatorio:

«Uma d'estas medidas diz respeito á circulação fiduciaria. Os acontecimentos do mez de agosto impõem-nos o dever de nos occuparmos unicamente d'este melindroso problema.»

Triste affirmativa!

Os acontecimentos de agosto impunham a obrigação de nos occuparmos seriamente d'aquillo de que seriamente já nos deviamos ter occupado! E se o tivessemos feito, não teriamos passado por esses acontecimentos, ou pelo menos não se teriam pronunciado com tanta gravidade!

Em 1877, segundo se lê no relatorio do sr. ministro, era urgente, inadiavel, occuparmo-nos da questão da circulação fiduciaria, porque a crise tinha-se pronunciado. E depois? ... Encontraram-se resistencias na cidade do Porto. E depois? Adoeceram alguns ministros. E depois? Dado o intervallo politico, restabeleceram-se ministros, a sua saude vigorou. E depois? Em 1879 não apparece uma palavra no relatorio do sr. ministro da fazenda a respeito da circulação fiduciaria! Pois já não é inadiavel a questão? Espera-se, para a resolver, que venha outro agosto de 1876?

Em 1874 era corrente, se não absolutamente facil, a idéa da federação bancaria, ou a idéa da união dos bancos, por uma fórma qualquer, em ordem a organisar uma circulação fiduciaria regular, mas esta idéa, que era talvez facil em 1874, tornou-se extremamente difficil, se não impossivel, em 1876.

No segundo semestre de 1874, e em todo o anno de 1875, tinham-se creado dezenas de estabelecimentos bancarios, e uma parte d'elles estava vergando debaixo do peso de circumstancias fataes para o credito. De modo que a idéa da federação ou accordo, que tinha sido boa e util, tinha-se, pela inercia, tornado impossivel.

O illustre ministro da fazenda disse que a crise significava o abuso do credito; mas como se manifestou esse abuso?...

S. exa. no seu relatorio de 1877 diz-nos alguma cousa mais, e mais illustrativa, a este respeito. Diz:

«A primeira manifestação de desconfiança data da fal-

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lencia da casa Roriz. O balanço d'esta casa e de outras menos importantes que tambem falliram, deixou perceber que a principal causa d'estas fallencias fôra a especulação em fundos hespanhoes.

«Os bancos do Porto, receiando uma verdadeira crise, pediram o auxilio do governo e do banco de Portugal. Alguns emprestimos feitos por este banco aos do Porto, para o que mandou vir, por accordo com o governo, algumas sommas em oiro da praça de Londres, pareceram por um momento conjurar o desastre. Comquanto fosse já menor a confiança, e se notasse um certo retrahimento do capital, é certo que os bancos antigos, e dos modernos os bem constituidos e prudentemente administrados, pareciam nada ter a receiar, e os balancetes de todos nos ultimos dias do mez de maio, de junho e de julho, mostravam no seu conjuncto uma situação satisfactoria.»

O sr. ministro da fazenda, alem das qualidades que o adornam, tanto as de espirito como as de caracter, e ás quaes nunca me cansarei de prestar homenagem, tem tambem a de ser, tanto quanto póde, e talvez ás vezes mais do que póde, extremamente sincero.

Esta confissão, sr. presidente, é preciosa!

Pois havia quem tivesse visto, quem soubesse, porque tinha examinado; e só o governo é que não sabia?!...

Pois o governo deixou-se chegar quasi a agosto, depois dos prenuncios de maio, parecendo-lhe ter conjurado a tempestado com as medidas adoptadas de accordo com o banco de Portugal?!

Pois aquelles males, pois aquelle trovão subterraneo não estava chegando a todos os ouvidos de quem queria ouvir?

Quantos não o presentiram? Não se poderia determinar a data em que o acontecimento se havia de dar; mas muitos reconheciam que alguma cousa fatal se preparava, sabiam-n'o todos, e melhor do que todos, e melhor do que ninguem, tel-o-hia sabido o sr. ministro da fazenda se inquirisse, se quizesse saber, se não descansasse, e quando digo, não descansasse, não o quero censurar de perguiçoso, porque tambem tal pécha não tem, mas affirmar que descansou, porque á sua politica, ou á politica que s. exa. representa, ou á politica que lhe tem sido imposta, convem o descanso; (Muitos apoiados.) convem não resolver; e para ter pretexto para não resolver convem não saber ou fingir que não se sabe. (Apoiados.)

Diz o sr. ministro da fazenda que houve abusos de credito; houve mais alguma cousa, e se houve abusos de creditos de que natureza foram esses abusos, os principaes?

Eu recorro ainda ao relatorio de 1877, e quem o ha de dizer é o sr. Serpa Pimentel:

«Alguns estabelecimentos tinham as suas carteiras recheadas de acções dos outros bancos, ou das suas proprias, sobre cujo penhor imprudentemente tinham feito emprestimos, acceitando pelo nominal aquelles titulos, alguns dos quaes nunca tinham tido seria cotação nas bolsas. Alguns dos novos bancos por consequencia quasi não teriam capital proprio, porque muitos subscriptores para pagarem as suas prestações tinham ali empenhado os proprios titulos.»

Curiosa revelação, grande verdade, incontestavel verdade, comprovada hoje e verdadeira, e sabida hontem por quantos a queriam saber desde o indicio! E porque não a sabia o governo? E porque se espantou o gabinete de achar uma situação creada em agosto de 1876 quando desde os fins de 1874, e durante o anno de 1875 se tivesse examinado, se tivesse procurado informações, se tivesse feito inqueritos a tudo aquillo que a todos era constante, teria sabido? Não sabia então porque não inquiriu; só se sabe quando chegâmos a querer inquirir quando chegâmos a querer saber, quando chegâmos a querer conhecer o que nos convem saber e a politica permitte saber. N'isto está a questão toda, n'isto se resume tudo quanto se possa dizer sobre o assumpto. Porque tudo se ignora, tudo se desconhece, e nada se póde encontrar para a solução do um problema quando se quer estar no poder, e nada mais do que estar. (Apoiados.)

Sr. presidente, debalde e em vão o sr. Carlos Bento recommenda ao sr. ministro da fazenda que seja feroz! Em primeiro logar a ferocidade não está nada no caracter do illustre ministro, nem na sua indole, antes o que está na indole do sr. Serpa é a benevolencia, talvez uma tendencia para a condescendencia excessiva, nunca para a ferocidade. A illustração do nobre ministro é grande, é incontestavel; mas s. exa. é a primeira victima, no que diz respeito á sua reputação, d'esta politica detestavel, (O sr. Miguel Osorio, apoiado) pessima. (O sr. Miguel Osorio, apoiadissimo) d'esta politica do quietismo, que não é politica progressista, nem politica conservadora, nem politica retrograda, nem politica avançada; mas que é politica de estar de guarda ao poder com soffreguidão de poder, e pela força da inercia. (Muitos apoiados.)

Queremos resolver a questão da circulação fiduciaria. Eu não vou emittir a minha opinião sobre ella.

Eu considero que o projecto apresentado em 1877 pelo sr. ministro da fazenda é insufficiente, porque não foi precedido de estudos necessarios, e não resolve a questão.

Esse projecto não era só insufficiente na parte relativa ás compensações; porque isso seria de mais facil emenda, era insufficiente ainda, porque não continha a garantia de que a circulação fiduciaria podesse ser largamente aproveitada, porque essa garantia não se encontra sem multiplicidade de agencias onde as notas sejam trocadas á vista, e sem ellas nunca poderá haver circulação fiduciaria extensa.

O projecto limitava-se a ordenar que o banco de Portugal estabelecesse agencias nas capitães dos districtos administrativos, o que revela a tendencia que têem sempre os governos para esta uniformidade em concentrar tudo nas cabeças de districto.

Mas isto era de todo insufficiente por um lado, e quasi impossivel de realisar com efficacia para o banco de Portugal.

Este estabelecimento de credito não podia manter um numero tal de agencias como seria preciso crear em todo o reino para que podessem ahi ser trocadas as suas notas. Aconteceria que muitas d'essas agencias teriam de ficar unicamente destinadas aquelle fim, receber e trocar notas, porque guardados os regulamentos dos descontos, os quaes se não podem nem devem relaxar, quando se trate de augmentar a circulação, as pequenas agencias não teriam nas localidades materia para operar por falta de papel de desconto nas condições requeridas. E n'isto precisamente estava a utilidade, a conveniencia, a necessidade do accordo com estabelecimentos, que obrigando-se a trocar as notas do banco emissor, tivessem em muitas localidades agencias com possibilidade de funccionar.

A formula antiga está prejudicada.

Vejam se encontram formula nova, ou se podem prescindir d'ella. Mas vejam, se querem ver, se querem tratar com attenção dos interesses publicos; e para ver, perguntem; e para ver, ouçam; e para ver, inquiram.

Finalmente, o que se póde ponderar com respeito á circulação fiduciaria é o mesmo que podemos dizer ácerca da questão geral bancaria.

A crise não se teria dado com aquellas terriveis proporções a que chegou, se se tivessem feito os inqueritos a tempo; porém, não se fizeram e a crise foi temivel. Em presença d'ella adoptaram-se medidas que se podiam justificar até certo ponto na urgencia das circumstancias. O governo estabeleceu a moratoria. Applaudo-o por isso. O governo foi mais longe: prestou a garantia de aval aos contratos celebrados com varios bancos pelo de Portugal.

Alem d'isso emprestou directamente a varios estabelecimentos e casas bancarias até á somma de 1.100:000$000

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réis sobre titulos de divida publica. Estas providencias podiam ter contestação, mas podia-se attenuar a responsabilidade d'ellas, podiam ser, e foram effectivamente, approvadas por ambas as camaras no projecto relevando o governo d'essa responsabilidade, em attenção ás circumstancias que se deram. Tudo isto approvámos, mas, ao mesmo tempo instavamos com o governo para que inquirisse, para que examinasse, para que soubesse qual era o verdadeiro estado das cousas. E nem assim, com aquella grave lição, se tratou depois de inquirir; nada se examinou, nada se quiz saber!...

Chegámos, a 1878 com a mesma falta de informações, e em 1879 o illustre ministro da fazenda diz-nos, como ante hontem lhe ouvimos n'esta casa: «Protesto que ignorava o que se passara no banco ultramarino».

Creio bem que ignorava. Basta-me a sua palavra de cavalheiro, da qual não duvido; e antes de s. exa. dar a sua palavra, bastava-me ainda a convicção de que, se o nobre ministro soubesse em 1876; ou n'outra qualquer epocha posterior, os factos occorridos n'aquelle estabelecimento de credito, não teria deixado de proceder de alguma fórma. Acceito a declaração. Mas porque foi que o sr. ministro da fazenda não soube? Não soube porque não inquiriu.

Ora, não só o sr. ministro da fazenda deve ser vigilante pelo que se passa em todos os importantes estabelecimentos de credito, mas era sobre o banco ultramarino, pelas muitas relações que o governo com elle mantem, pelas suas transacções nas colonias, pelo seu privilegio de emissão no ultramar, que essa vigilancia se devia exercer com mais cuidado. Principalmente depois do que occorrêra com relação a esse banco, que foi um dos soccorridos em 1876, devia-se ter syndicado. Isto teria sido melhor para o governo e melhor para o banco.

Por conseguinte, se as cousas chegarem ao que chegaram, cabe gravissima responsabilidade ao governo. E quando fallo em responsabilidades e nas que podem caber nos gerentes d'aquelle banco, não trato de responsabilidade criminal.

Creio bem que d'essa nenhuma caberá a mais alguem do que aos já visivelmente estão compromettidos. Não ha aqui nenhum Fouquier Tainville dos banoos.

A do governo nunca poderia ter relação áquelles factos, não se trata d'isso. A responsabilidade do que ao trata é toda moral e politica, é a de ter descurado a obrigação de inquirir, para garantir os interesses do thesouro e garantir os interesses do publico, resalvando a fé que deve haver nas operações de um banco privilegiado.

E agora, depois dos factos deploraveis occorridos no banco ultramarino, maior é ainda a responsabilidade do governo em não ter desde logo inquirido. Já era tempo que se separasse o trigo do joio, o que é bom do que é mau. Emquanto assim se não fizer não haverá credito n'este paiz.

Mas não, senhores, o governo não inquiria em 1876, não inquiriu em 1878. O que tem feito é acudir aos bancos com auxilios de dinheiro, quando as crise se manifestam. Ora, tal principio é inacceitavel, e se mais uma vez eu applaudo o ministro por querer manter o credito, mais uma vez tambem reprovo o systema que tem empregado. Não só em 1878, mas já em 1876, o que o governo devia ter feito não era sómente acudir com dinheiro. Quando da primeira vez o tivesse feito, deveria ter immediatamente syndicado; e teria evitado a necessidade em que se viu agora de, sob color de uma transferencia de fundos, acudir ainda com dinheiro ao banco ultramarino. A final foi o que fez, e tudo quanto fez: da primeira vez um supprimento de 200:000$000 réis, e da segunda de 500:000$000 réis; o primeiro sobre acções do proprio banco; o segundo sobre garantia de titulos hypothecarios, representando emprestimos feitos por aquelle banco, e mesmo das proprias hypothecas, emquanto as obrigações não estão emitida.

Quer isto dizer que o governo está hoje credor hypothecario dos proprietarios do ultramar, interinamente é verdade, mas ainda, assim essa interinidade não é tão pequena que não dure dezoito mezes.

Não quero censurar o facto, não quero exagerar-lhe a importancia, nem quero mesmo dizer que em circunstancias taes, como as que se deram, não haja rasão para que o procedimento do sr. ministro da fazenda possa ser confirmado pelo parlamento, creio que ha de sel-o, e que o deve ser, mas creio tambem que melhor seria que não tivesse havido necessidade de confirmar, que não tivesse havido necessidade de soccorrer, (Apoiados.) que tivesse deixado de acontecer o que aconteceu.

Aquelle banco tem o privilegio exclusivo da emissão das notas no ultramar, e se se visse arriscado, porventura, a suspender pagamentos, então adviria grave calamidade para as nossas colonias; por consequencia entendo que o sr. ministro da fazenda fez bem em soccorrer o banco ultramarino; e fui soccorro que s. exa. lhe prestou, ainda que não queira dar este nome ao auxilio que lho deu, ainda que não queira dizer que o soccorreu.

E se bem que eu nada queira exigir, desejaria antes que se dissesse claramente que era soccorro o que se tinha feito, porque não havia necessidade nenhuma de esconder uma cousa que não era illicita.

Diga o que disser o preambulo, o corpo do contrato falla mais alto do que elle; as disposições d'este contrato dizem que o soccorro existiu, e dil-o o relatorio feito pelo proprio governador do banco ultramarino apresentado aos seus accionistas.

«Com aquelle fim, alem de tornar mais immediatamente disponiveis todos os recursos proprios, buscou o auxilio do estado, com as solidas garantias de que o banco, na sua especialidade colonial, podia dispor. O estado encontrou no banco desde a sua fundação a mais ampla coadjuvação na administração financeira das provincias ultramarinas; e o orçamento colonial uma diminuição annual de encargos de algumas centenas de contos de reis.»

Nem outra cousa o governador do banco podia dizer, as expressões são sinceras, e significam a verdade.

Foi buscar auxilio ao estado, e o estado prestou-lhe esse auxilio.

Não digo mesmo que outro qualquer na situação em que estava o sr. ministro da fazenda não procedesse da mesma maneira que elle procedeu.

Lastimo que se tivesse deixado chegar as cousas a tal estado, lastimo não se terem conhecido previamente, como succederia se se houvesse inquirido tanto a respeito do banco ultramarino, como a respeito de outros bancos, sobretudo d'aquelles que o governo soccorreu em 1876.

Se se tivesse inquirido o que realmente estava nas carteiras d'esses bancos, se se tivesse inquirido como elles eram geridos, qual era a sua situação, não chegaria á nova e grave situação que se creou em 1878 para o banco ultramarino; não ficaria sempre pendente o receio de que similhantes desvios possam vir apparecer em outras carteiras.

Os inqueritos podiam n'um momento ser desagradaveis a certos e determinados bancos, mas a final havia de resultar a cura completa.

Sr. presidente, medecina sem sondar, não comprehendo. Medico ou cirurgião que queira curar a ferida sem que a sonde primeiramente, não chegará nunca a resultado efficaz.

É preciso primeiro saber onde o mal existe e como existe, é preciso conhecer a profundidade, as dimensões, a fórma e a extensão da ferida, é preciso conhecer toda a historia do mal, conhecel-a bem, para apreciar bem a gravidado d'elle, é preciso sondal-o, e só depois de se obterem os conhecimentos indispensaveis, os elementos necessarios para se proceder á cura, é que a cura póde ser radical.

Sem esses elementos, tudo são paliativos, expediente

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tristes e deploraveis, que a nada conduzem no interesse do estado e da economia politica.

Para concluir, e referindo-me ainda ao contrato do governo com o banco ultramarino, reputo que este contrato póde e deve ser encarado debaixo de diversos pontos de vista, da conveniencia publica em todas as suas relações, attendendo ás circumstancias de um certo e determinado momento, e tambem ser encarado quanto á legalidade.

Para este ponto chamo a attenção do governo e do parlamento.

Sr. presidente, eu não faço questão politica, e creio que ninguem a quererá fazer; mas peço aos meus collegas que reflictam sobre isto.

Em 1877 apresentou-se um projecto ás côrtes, pelo qual se legalisavam os contratos, que tinham sido feitos com diversos bancos, prestando-se a garantia de aval. N'esta camara foi addicionada ao projecto uma disposição comprehendendo os adiantamentos feitos aos estabelecimentos sob garantia de titulos de divida publica. Hoje apresentam-se dois contratos feitos com o banco ultramarino, pelos quaes se vê que lhe foram feitos adiantamentos similhantes, com a differença só do praso ser muito mais largo, e as garantias, em vez de serem titulos de divida publica, serem acções do proprio banco e obrigações hypothecarias.

Esta differença de garantia não attenua agora, antes aggrava, a responsabilidade do governo.

Ninguem poderá dizer que isto seja uma operação de thesouraria regular. Se quizermos chamar operação de thesouraria a tudo quanto se faz na repartição do thesouro, falseâmos a linguagem financeira. Operações d'esta natureza, sem lei que as auctorise, não estão nas attribuições do governo. Por operações de thesouraria regular entende-se a representação da receita; e alem da representação da receita existente, ha tambem a da receita que não existe, que é o deficit.

Eu não quero de modo nenhum incriminar, nem mesmo censurar o governo; mas perguntarei se elle já veiu pedir ao parlamento, a legalisação d'estes contratos. Estão elles legalisados? Não estão. Portanto já devia ter sido pedida. Não o foi; e como o não foi, tomemos em mão o assumpto, e enviemos estes contratos, á commissão de fazenda, que é a competente, para que os examine.

Eu não quero dizer que a minha opinião seja a melhor; póde ser mesmo que a commissão de fazenda entenda que esses contratos são ou não são legaes. Em todo o caso, é indispensavel que os examine. Eis os fundamentos da minha proposta. E se desejo que a commissão de fazenda examine esses contratos, é porque não quero que assumpto d'esta ordem passe sem ser examinado pelas commissões competentes. Por muito que se queira condescender com o governo, por parte dos que o apoiam não podem sacrificar as attribuições do parlamento em assumptos d'esta ordem, prescindindo do exame indispensavel.

Concluindo, mando para a mesa a minha proposta, a qual será votada na occasião que v. exa. julgar opportuna. E digo na occasião que v. exa. julgar opportuna, porque os contratos a que me refiro não estão ainda publicados no Diario. Instarei com o sr. ministro da fazenda para que mande publicar estes contratos, se não hoje, ámanhã.

O sr. Ministro da Fazenda: - Já os mandei publicar.

(Entrou o sr. ministro dos negocios estrangeiros.)

O sr. Conde do Casal Ribeiro: - Antes de qualquer resolução sobre a minha proposta, a camara poderá, querendo, ter presentes os contratos.

Nada mais é preciso que a simples leitura, para convencer de que eu nada exagero, e portanto que a minha proposta não póde deixar de ser approvada, a não ser que se queira derogar todos os direitos parlamentares, o que não espero. Mando portanto para a mesa a minha proposta, que é a seguinte.

(Leu,)

O sr. Presidente: - Vae ler-se a proposta, que acaba de mandar para a mesa o digno par.

Leu-se na mesa e é do teor seguinte:

Proposta

Proponho que os contratos celebrados entre o governo e o banco ultramarino em 14 de junho e 3 de dezembro de 1878 sejam enviados á commissão de fazenda, a fim de propôr á camara o que for conveniente, em attenção á legalidade o aos interesses publicos. = Conde do Casal Ribeiro.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que admittem esta proposta á discussão tenham a bondade de se levantar.

Foi admittida á discussão.

O sr. Presidente: - O sr. ministro da fazenda pediu a palavra; se s. exa. pretende usar d'ella para combater a proposta do sr. conde do Casal Ribeiro, para que sejam remettidos á commissão de fazenda os dois contratos feitos pelo governo com o banco ultramarino, vou conceder-lh'a; no caso contrario consultarei, a camara sobre essa proposta, concedendo em seguida a palavra ao sr. ministro.

O sr. Ministro da Fazenda: - Eu nada tenho a oppor-me.

O sr. Presidente: - N'esse caso vou consultar a camara.

Consultada a camara, foi approvada a proposta do sr. conde do Casal Ribeiro.

O sr. Presidente: - Vae ler-se uma mensagem que acaba de chegar da outra camara.

Leu-se

Um officio dá presidencia dá camara dos senhores deputados, enviando a proposição de lei, que tem por fim approvar a convenção postal e accordos para a união postal universal, assignada em Paris.

O sr. Presidente: - Segundo o acto addicional, estas convenções são apresentadas em sessão publica, remettidas á commissão competente, que apresenta o seu parecer tambem em sessão publica, tendo, porém, logar a discussão em sessão secreta. Vae á commissão dos negocios externos, para dar o seu parecer.

O sr. Barros é Sá (sobre a ordem): - Mando para a mesa um parecer das commissões reunidas de fazenda e legislação.

Leu-se na mesa e foi a imprimir.

O sr. Ministro da Fazenda: - Sr. presidente, eu desejo e necessito responder ás observações apresentadas pelo sr. conde do Casal Ribeiro; mas, como o sr. Costa Lobo pediu a palavra e acaba de me dizer, creio que não ha indiscrição da minha parte em o repetir, que tenciona fallar pouco, e que o podia fazer ainda hoje, eu não tenho duvida em ceder da palavra, para usar d'ella depois do digno par.

O sr. Costa Lobo: - Eu peço perdão a v. exa., mas não foram bem comprehendidas as minhas palavras. Não manifestei desejo de fallar hoje, mas sim, que seria, talvez mais conveniente para v. exa. o fazer eu algumas breves considerações que desejo, apresentar, respondendo depois v. exa., não só ao sr. conde do Casal Ribeiro, mas a essas minhas observações.

O sr. Ministro da Fazenda: - Perfeitamente de accordo; eu cedo da palavra, e usarei d'ella depois do digno par.

(Entra o sr. ministro das obras publicas.)

O sr. Costa Lobo: - Sr. presidente, eu tenho pouco a dizer, e creio que poderei apresentar as minhas considerações dentro do quarto de hora que nos resta.

Como o sr. ministro da fazenda tem de certo de responder largamente ás judiciosas considerações apresentadas pelo sr. conde do Casal Ribeiro, eu desejo dizer duas palavras sobre um ponto, que tanto no discurso do sr. Carlos

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Bento, que escutei com toda a attenção, como no do sr. conde do Casal Ribeiro, cujo elogio não faço, porque seria superfluo repetir o que está na consciencia de todos, ha um ponto que s. exas. tocaram, mas de leve, e a que provavelmente os dignos pares dão a importancia que eu dou, porque de todas as cousas que aqui se têem sustentado é a que reputo mais importante.

Eu não concordo, sr. presidente, com a proposição do sr. ministro da fazenda, de que a causa principal das crises é o resultado do abuso do credito.

O abuso do credito é uma das causas, mas secundaria; a causa principal da crise, no meu entender, é o consumo em escala superior ás posses do consumidor; porque, quando o publico consome mais do que póde consumir, a consequencia infallivel é o desequilibrio entre a sua receita e a sua despeza.

A verdadeira causa da crise é, pois, o demasiado consumo, e não o abuso do credito, como disse o sr. ministro da fazenda.

O que está acontecendo em toda a Europa prova a verdade d'esta minha asserção,

O que afflige a Allemanha e a Inglaterra?

Os manufactores de Manchester, Bradford, Sheffield, e de muitos outros pontos de Inglaterra, tinham produzido demasiados algodões, lanificios, ferragens, etc., confiando no consumo extraordinario dos ultimos annos, e hoje, que esse consumo diminuiu, vêem-se obrigados a vender os seus productos muito baratos, e a diminuir o trabalho nas suas fabricas.

Esta é que é, em geral, a verdadeira causa das crises, que me parece não póde ser contestada, depois de um rigoroso exame dos factos, e o abuso do credito não passa de ser uma consequencia, e portanto uma causa secundaria.

Sr. presidente, esta doutrina torna-se muito mais clara se estudarmos a crise que afflige a Allemanha.

Pois como é que se explica que um paiz, que recebeu da França, cinco mil milhões de francos, esteja soffrendo uma crise economica? Não se póde explicar de outro modo, senão que elle entendeu que podia gastar á larga, que podia augmentar o numero das fabricas, augmentar a sua importação para satisfazer ao luxo, que ali se desenvolveu; e digo luxo, no sentido economico, isto é, aquillo que se gasta alem das faculdades pecuniarias de cada um.

Se o sr. ministro da fazenda reparar no que se passou n'estes ultimos annos, ha de reconhecer que o que havia em Portugal era a tendencia para gastar mais do que se podia gastar, e isto em virtude da falsa idéa, que então vigorava, de que estavamos em circumstancias muito prosperas.

Existiam realmente elementos pare acreditar que o paiz estava muito prospero?... Tinham-se levantado fabricas em proporção tal, ou tinham-se creado instrumentos de producção, que se podesse dizer que a prosperidade do paiz tinha augmentando de uma maneira importante?... De certo que não.

Não se póde dizer que a prosperidade do paiz tinha augmentado de uma maneira tão extraordinaria. Era uma illusão, que a mais leve reflexão bastava a dissipar. Mas o sr. ministro da fazenda, em logar de procurar desvanecel-a, não fazia senão assoprar esta bola de sabão. Assim era que, nas vesperas da crise, na sessão parlamentar de 1876, s. exa. no seu relatorio ousava dizer que a nossa situação financeira era uma das mais prosperas que havia no mundo.

Eis as suas proprias palavras. (Leu.)

Esta asserção, que não era exacta de nenhum ponto, e muito menos quando a apregoada prosperidade era puramente ficticia, concorria para desmanchar ainda mais esta tendencia para os gastos demasiados, os quaes foram a verdadeira causa da crise.

O dinheiro que veiu do Brazil para Portugal, em consesequencia de ter terminado a guerra com o Paraguay e se ter tornado favoravel o cambio, constituiu um avultado capital disponivel e que procurava emprego.

Esta abundancia repentina deu, como era natural, logar a maior consumo, e d'esse maior consumo resultou augmento de importação, e por consequencia cresceram as receitas das alfandegas.

Este facto, puramente transitorio, foi tomado pelo vulgo como se houvesse de ser annual e permanente; como se todos os annos houvesse de vir-nos do Brazil a mesma somma de dinheiro. Mas o sr. ministro da fazenda, menos do que ninguem, não devia animar uma tão falsa e tresloucada imaginação.

A creação de muitos bancos, que hoje o sr. ministro tanto deplorou, foi saudada n'aquella epocha por s. exa. com grande alegria. Póde-se dizer, empregando uma imagem muito vulgar, que um tal acontecimento foi saudado pelo illustre ministro com foguetes e luminarias. Bem sei que o sr. ministro da fazenda póde dizer que é muito facil ser sabio depois dos acontecimentos, e quem falla depois d'elles realisados póde fazel-o sem receio de ser desmentido.

Mas a creação de tantos bancos, e até em villas de nenhum movimento commercial, era objecto de riso para pessoas muito menos illustradas que s. exa., e que não tinham nem os conhecimentos que lhe facilita o seu cargo, nem as obrigações que elle lhe impõe. Um facto citado no proprio paragrapho do seu relatorio de 1875, o mesmo paragrapho em que s. exa. se congratulava pela creação dos bancos, um facto, digo, citado n'esse paragrapho, bastava a mostrar-lhe a inanidade das suas felicitações.

Peço á camara licença para ler esse trecho. Por elle se vê o empenho que o sr. ministro da fazenda mostra sempre de pintar com cores muito rosadas o estado da fazenda publica. Ao ler-se este trecho podia-se crer que estava alvorecendo para nós um verdadeiro millenio. (Leu.)

Ora, esta verba de 2.366:000$000 réis, empregada em sociedades industriaes, comparada com a verba de réis 6.995:000$000 réis, empregada em bancos, é o que devia fazer pensar a s. exa. que esta febre bancaria havia de ter um triste resultado. Como é possivel que n'um paiz onde só se encontram 2.366:000$000 réis para se empregarem em sociedades industriaes, haja ao mesmo tempo a quantia de 6.995:000$000 réis para sociedades bancarias?! Isto é um contrasenso economico; o contrario é que devia ser; mas desde que aquillo succedeu era de primeira intuição que esses estabelecimentos de credito não tinham base nenhuma solida.

Vozes: - Já deu a hora.

O Orador: - Ouço dizer que já deu a hora, e como eu tenho ainda algumas considerações a fazer, peço a v. exa. que me reserve a palavra para a sessão seguinte.

O sr. Presidente: - A primeira sessão terá logar na quarta feira, 19 do corrente, e a ordem do dia é a continuação da que estava dada para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 17 de março de 1879

Exmos. srs.: Duque d'Avila e de Bolama; João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens; Duque de Palmella; Marquezes, de Fronteira, de Penafiel, de Sabugosa, de Vallada; Condes, dos Arcos, do Bomfim, do Casal Ribeiro, da Louzã, de Paraty, de Porto Covo; Bispo de Vizeu; Viscondes, de Alves de Sá, do Seisal, de Monforte, da Praia Grande, de Sagres, de Seabra, da Silva Carvalho, de Soares Franco, de Villa Maior; D. Affonso de Serpa, Ornellas, Mello e Carvalho, Sousa Pinto, Barros e Sá, D. Antonio de Mello, Couto Monteiro, Serpa Pimentel, Costa Lobo, Cau da Costa, Palmeirim, Sequeira Pinto, Montufar Barreiros, Maldonado, Mamede, Pestana Martel, Braamcamp, Pinto Bastos, Heis e Vasconcellos, Camara Leme, Canto e Castro, Miguel Osorio, Andrade Corvo, Dantas, Barjona de Freitas.

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