366 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
mente essa proposta no seio da commissão de fazenda da camara dos senhores deputados, attendendo-se, no decurso d’essa discussão, a tudo que foi parecendo rasoavel n’essas indicações ou representações enviadas áquella camara, ouviram-se, por similhante fórma, todas as pessoas que podiam ser ouvidas sobre o assumpto, e a proposta do governo póde por fim transformar-se num projecto de lei, o qual, acompanhado de um extenso e bem elaborado parecer da respectiva commissão, vae dentro em breve ser discutido na outra casa do parlamento, e depois virá a esta para ser submettido á discussão esclarecida dos dignos pares, a receber tambem aqui, quando necessario seja, aquellas alterações que ainda pareça conveniente introduzir em um projecto por sua natureza tão importante.
Continuando, porém, n’esta resenha, que prova a justiça ou injustiça com que se pretende ver inutilisado o pensamento ministerial, perguntarei ainda a v. exa. se não está dado para a ordem do dia d’esta camara um projecto de lei que modifica as tabellas do sêllo, medida de que o governo espera tirar uma receita de centenares de contos de réis?
Não está transformado em lei o projecto auctorisando a arrematação do real de agua e tantos outros que o governo tinha apresentado ao parlamento, e que passaram, n’uma e n’outra camara, sem modificações importantes?
Não mostra isto tudo que se mantem o pensamento primordial do governo de augmentar as receitas publicas, indo affectar principalmente a contribuição directa?
E ainda ha mais. Na commissão respectiva não está sendo examinada a proposta para a reforma do tribunal de contas, e da contabilidade publica, o que trará um melhoramento não só administrativo, mas tambem do mais elevado alcanço financeiro?
N’estas circumstancias, a situação em que o governo se acha perante as duas casas do parlamento não o humilha nem o vexa, e mostra que elle póde esperar ainda largo tempo antes que pense em abandonar estas cadeiras, o que farei por minha parte sem difficuldade, assim que tenha a convicção de que não posso, conservando-me aqui, ser util ao meu paiz e ao partido de que tenho a honra de ser membro.
O sr. Presidente: — Vou ler os nomes dos dignos pares que pediram a palavra, a fim de ver se falta a inscrever alguem mais que a tenha tambem pedido. S. exa. designando se faliam a favor ou contra.
Leu e inscreveram-se:
O sr. Serpa Pimentel, contra parte do projecto.
O sr. Carlos Bento, a favor da generalidade.
O sr. conde de Valbom, contra.
O sr. conde de Castro, a favor.
Os srs. visconde de Bivar e Vaz Preto, contra.
O sr. Presidente: — Tem a palavra contra o sr. Agostinho de Ornellas.
O sr. Agostinho de Ornellas: — Sr. presidente, as breves reflexões que tenho tenção de apresenta: sobre o projecto em discussão teriam talvez mais cabimento por occasião de se discutir o seu artigo 2.°, ao qual sobretudo desejo referir-me; obriga-me, porém, a tomar a palavra na generalidade o desejar tambem dizer alguma cousa, sobre uma disposição contida no artigo 1.º Foi a materia nova d’este artigo principalmente o que me decidiu a entrar na discussão na generalidade, embora não rejeite o projecto na sua totalidade, nem tenha o proposito de sustentar o debate na altura a que o têem elevado os oradores que me precederam.
No artigo 1.° do projecto ha uma disposição que me parece não poder passar sem reparo, pois pretende restaurar nada menos que as antigas alfandegas provinciaes que, em tempos felizmente passados, elevaram barreiras e punham obstaculos ao commercio entre as provincias do mesmo paiz.
Realmente os nossos financeiros parecem ás vezes tomado de tal furor fiscal que não ha principio incontroverso que lhes imponha respeito, nem factos averiguados a que só digam attender. Introduz-se n’este artigo uma disposição nova, que eu considero impolitica e anti-economica, que não teve origem no projecto do governo, mas se foi buscar a uma das muitas propostas formuladas pelo illustre ex-ministro da fazenda, sr. José de Mello e Gouveia, a qual serviu de fonte proxima para se elaborar essa que temos presente.
Dominado pela idéa exclusiva do crear receita separava o sr. José de Mello as ilhas adjacentes do continente, do que pela carta constitucional fazem parte integrante, e considerava exportação o transporte do generos entre os districtos do continente e os districtos insulares. Tinha em vista tributar as rolhas que na Madeira principalmente se importam, e como tributava toda a cortiça indistinctamente, quer manufacturada quer em bruto, podia o seu projecto dar algum proveito ao fisco, embora violasse os mais sagrados principios da boa economia politica.
Ainda na proposta original do governo se comprehendo a conservação de tal disposição, pois tambem sujeitava a cortiça a direitos de exportação; no projecto, porém, que temos presente, que isenta as rolhas de todo o direito, o conservar ainda as palavras «ou ilhas adjacentes» é uma simples violação de principios, para não dizer da constituição do estado, e demais sem o menor resultado financeiro, pois nas ilhas não ha fabrica de cortiça e não se faz lá importação de cortiça em bruto, nem mesmo fabricada, em pranchas ou quadros.
Devo, porem, ainda dizer, para completar o protesto que desejo lavrar contra a idéa de igualar á exportacão para o estrangeiro o transporte dos generos para as ilhas adjacentes, que quando lá existissem fabricas de cortiça, essas deviam ser equiparadas ás nacionaes o não tratadas como estrangeiras. Se as ilhas estão sujeitas aos mesmos encargos que o continente, se os nossos estadistas persistem em centralisar aqui o governo d’ellas a porto de se não concertar um telhado de edificio publico sem licença de Lisboa, concedam-lhos ao menos o tratamento de nacionaes no que diz respeito ao transporte de generos commerciaes.
Quando recentes escriptores fallam de uma liga aduaneira que comprehenda a França, a Belgica, a Suissa e até a Italia, constituindo assim um Zollverein latido; quando em Goa, por exemplo, supprimimos as alfandegas que nos separavam dos dominios da imperatriz das Indias, antepondo as vantagens economicas aos inconvenientes politicas e as susceptibilidades nacionaes, não devemos, para obter um mesquinho resultado financeiro, alienar os sentimentos das populações insulanas, tão portuguezas como as do continente, e que se sentirão offendidas se as tratarem como estrangeiras .
Não acrescentemos mais uma rasão do queixa ás que têem, ou julgam ter, os habitantes das ilhas igualmente tratados emquanto a encargos, desigualmente quanto a vantagens.
Não mando para a mesa uma proposta modificando a doutrina do artigo, porque o sr. ministro da fazenda, e meu amigo, acaba de manifestar um tão decidido proposito de não fazer concessão alguma, que mal posso esperar que consinta n’uma alteração que só tem um valor doutrinal, para assim dizer, pois como está redigido o projecto este artigo nenhum effeito produz na pratica, que vá affectar o commercio entre o continente e as ilhas.
Quanto ao artigo 2.° desejo tambem fazer algumas reflexões.
As objecções geraes contra o imposto que elle cria foram já apresentadas com grande desenvolvimento por alguns dos meus illustres collegas, e por isso pouco tenho a acrescentar ao que disseram.
Não disertado, como o podia fazer na generalidade d’este projecto, a Importantissima e urgente questão da reforma ia nossa pauta, limito-me a tratar dos unicos direitos que