368 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
Acresce a isto que o systema de cobrança do direito por inteiro, restituindo metade por drawback, é oneroso, por dar logar a um empate inutil do capital empregado n'este commercio. O negociante que importa carvão só para fornecimento de vapor, é obrigado a pagar o direito total que fica na mão do fisco para depois lhe ser restituido quando for embarcado o genero.
Ora, todos, ou quasi todos os productos destinados á reexportação, ficam armazenados em franquia e não pagam direitos.
Porque se não applica o mesmo processo ao carvão?
O drawback obriga os negociantes a empatarem o seu capital, e o capital empatado vence um juro que equivale a mais um addicional que vae augmentar o custo do genero e torna mais graves as consequencias d'este direito, sem vantagem alguma para a receita que ele produz.
Creio ter demonstrado que, ainda que o governo julgue o contrario, este systema de cobrança vae aggravar o preço do carvão de pedra, não só do que se destina ao consumo, mas ainda do que é destinado á reexportação, e creio tambem tem demonstrado que o porto do Funchal excepcionalmente em virtude d'este novo imposto.
O sr. Camara Leme: - Apoiado.
O Orador: - Movido por estas rasões entendi dever assignar uma proposta que tenciono mandar para a mesa (quando se discutir o artigo 2.°) com o meu amigo e collega o sr. D. Luiz da Camara Leme, para que, se a camara entender dever approvar aquelle artigo, conceda ao menos uma justa isenção ao porto cujos interesses são por elle mais gravemente prejudicados.
O sr. Presidente: - Seguia-se com a palavra o sr. Carlos Bento, mas tambem o sr. relator do parecer a pediu, e prefere. Perguntarei pois ao sr. relator se quer usar agora da palavra?
O sr. Conde de Castro (relator): - Sr. presidente, usarei agora da palavra, começando por mandar para a mesa um parecer da commissão de fazenda sobre o projecto de lei que proroga o praso da isenção de direitos do nacionalisação para as embarcações estrangeiras movidas a vapor.
Quanto á materia em discussão, direi que da outra vez que me coube a palavra, tive occasião de responder ao digno par o sr. Vaz Preto sobre a sua argumentação acercados direitos relativos á cortiça, cumprindo-me agora responder aos argumentos apresentados por alguns dignos pares contra os outros artigos do projecto. Mas, antes de passar adiante, desejo fazer um reparo sobre uma apreciação que se fez n'um jornal que se publica na capital, e que, referindo-se a mim, é inexacta: eu não sei ao certo quem é o auctor do artigo, mas supponho que me escuta, e não posso crer que essa apreciação partisse de má vontade contra a minha pessoa, nem do desejo de indispor contra mim uma corporação tão respeitavel, e na qual tenho alguns amigos, como é a associação commercial de Lisboa.
Diz-se n'esse artigo que eu notei como defeito do projecto o ter-se introduzido n'elle, com respeito ao direito da cortiça, algumas modificações quasi inteiramente moldadas na representação da associação commercial de Lisboa. Eu appello para o cavalheirismo de quem escreveu esta ipreciacão, e espero que rectificará similhante engano. O que eu declarei foi que era possivel que alguem considerasse como defeito e accusasse o sr. ministro da, fazenda por ter consentido n'aquellas alterações, que, com uma muito pequena differença, têem por base a representação a que me referi. Mas tambem declarei que pela minha parte não podia sustenta que o sr. ministro da fazenda, todas as vezes que lhe fossem apresentadas quaesquer reclamações justas, as não devesse acccitar.
Repito, pois, que não só não pronunciei tal asserção, como nem podia ter uma tal idéa, e antes pelo contrario disse que o projecto n'aquelle ponto está mais acceitavel, por ir de accordo com as indicações apresentadas pela associação comercial de Lisboa.
Fazendo justiça ao auctor do artigo, entendo que devo talvez attribuir a inexactidão ás pessimas condições acusticas d'esta casa, e por isso espero da sua probidade merecer-lhe uma reparação.
Sr. presidente, quanto ao direito sobre o carvão, devo dizer que n'este ponto estou de accordo com alguns dignos pares, que têem fallado sobre o assumpto, de que o imposto sobre o carvão não e sympathico, estando no caso de muitos outros, ou, por assim dizer, de todos os impostos.
Dizia, e dizia muito bem o sr. Fontes, no seu relatorio sobre o estado da fazenda publica em 1872, que «desejava bem encontrar impostos sympathicos, mas que não os conhecia»; e na realidade todos são antipathicos, e o do carvão está n'este caso. E creio até que s. exa. usára d'aquella phrase para justificar de algum modo o imposto que desejava então estabelecer sobre o sal.
Effectivamente o imposto sobre o sal estava quasi no mesmo caso do que o imposto sobre o carvão de pedra, porquanto ia recair sobre um genero de geral consumo, e affectar principalmente as classes menos abastadas.
No emtanto, o sr. Fontes Pereira de Mello apresentou ás côrtes uma proposta de lei tributando o sal.
Eu não me refiro a essa proposta para censurar o digno par, porque sou o primeiro a reconhecer que se as nossas circumstancias financeiras não melhorarem, seremos ainda obrigados a recorrer a esse imposto. Elle é pouco sympathico, mas por isso mesmo o sr. Fontes, que o queria tornar mais acceitavel, abolia ao mesmo tempo o imposto do pescado.
Sr. presidente, é verdade que não ha imposto que seja symipathico, e que este sobre o carvão tambem o não é, mas e igualmente verdade que são exageradas as apreciações que são extraordinariamente exageradas as apreciações que se fizeram. O meu respeitavel amigo, o sr. conde de Valbom, fez uma descripção por tal modo assustadora, pintou com cores tão carregadas a situação em que ficava a nossa industria, se passasse este projecto, que me cheguei a recordar d'aquella descripção que se fez n'essa camara a respeito do arrematante, quando só tratou do projecto relativo ac real de agua, apresentando-o a gosar de todos os privilegios e a praticar todos os vexames que gosavam e praticavam em outro tempo.
Comparando a descripção que então se fez, com a que se faz actualmente, confesso que noto a mesma exageração. Ao sr. conde de Valbom só faltou fallar no pão negro da industria.
Sr. presidente, quando se discutem assumptos, d'esta ordem, assumptos de um carater positivo, como são os de fazenda, é preciso que não tratemos de querer influir sobre o espirito publico com apreciações exageradas; o que precisâmos saber e se o imposto sobre o carvão vae perturbar o movimento industrial e se póde de algum moda affectar a navegação. Se se poder fazer essa demonstração, muito bem; mas dar a entender que a industria nacional ha de soffrer immensamente, sem que haja dados nenhuns que justifiquem similhante asserção, isso é que não me pareçe justo.
O projecto estabelece o direito de 300 réis por cada tonelada de carvão de pedra que se importar, e faz isto porque, sendo absolutamente necessario crear receita, havia de naturalmente escolher-se um genero, cuja importação fosse valiosa, de modo que merecesse a pena lançar esse imposto.
Vejo pela ultima estatistica que temos a este respeito, que é a relativa ao anno de 187, que nós importámos n'esse anno de Inglaterra 217.544:104 kilogrammas no valor de 1.203:890$000 réis.
Já se vê, pois, que a importação do carvão é avultada, e que a idéa de recorrer a este imposto havia de naturalmente occorrer a um governo, compenetrado como o actual,