DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
póde estar habilitado sr. ministro da fazenda a apresentar uma reforma da pauta; comtudo urge muito que ella seja apresentada no anno proximo e de modo que satisfaça, pouco mais ou menos, áquellas indicações que acabei de fazer. Ha sobretudo uma necessidade a que se deve attender, e vem a ser a de embaratecer a producção nacional, pois de facto ha um certo desaccordo entre o salario e o preço da producção.
O salario em muitas localidades não está em harmonia com o preço elevado das subsistencias, mas, onde está, faz com que a producção saia muito cara.
No anno passado, e na outra casa do parlamento, assisti a uma discussão muito interessante e desenvolvida sobre este assumpto, na qual tomaram parte dois oradores muito competentes, os srs. Barros e Cunha e Andrade Corvo, então ministro. Esta questão foi tratada proficientemente por s. exa., que apreciando o estado das nossas industrias fabris e da nossa producção agricola, mostraram que para ellas poderem concorrer com as dos paizes estrangeiros era absolutamente precisa a reforma da nossa pauta, a fim de diminuir o preço dos generos de primeira necessidade. Portanto, uma reforma debaixo d’este ponto de vista é importante e urgente.
Apresentaram-se tambem: por parte do meu digno collega e contemporaneo da universidade, o sr. Agostinho de Ornellas, diversas considerações sobre os inconvenientes que podem resultar do imposto do carvão em relação á ilha da Madeira. Creio que se justificaria pouco uma excepção para aquelle porto, não a fazendo para nenhum outro porto do continente. Mas não entro por emquanto na apreciação d’essas considerações, porque tendo o digno par declarado que formularia uma proposta no sentido indicado por occasião da discussão na especialidade, então o farei mais detidamente. Devo, porém, desde já observar que me não parece que o porto do Funchal se encontre em uma situação tão excepcional como se pretendeu, e até mesmo, se bem me recordo, o municipio d’aquella cidade esteve já para lançar um imposto sobre o carvão,
Não insisto, porém, como disse, n’estas observações, reservando-me, como s. exa., para a discussão do projecto na especialidade.
Tenho concluido.
O sr. Serpa Pimentel:— Sr. presidente, eu tenho por costume quando discuto, restringir-me exactamente ao objecto da discussão; e sem de modo algum querer fazer censura, sinto que em vez de se responder aos meus argumentos de hoje, se responda ao que eu disse ha vinte annos.
O projecto é tão bom, que em vez de se me contestarem as proposições que estabeleço a respeito do carvão, discutem-se todos os outros artigos da pauta.
Sr. presidente, eu não accusei o sr. ministro da fazenda por elle ter cedido na outra casa do parlamento acceitando modificações ao projecto; não o accuso por isso, louvo-o pela sua condescendencia.
O que é o governo constitucional senão um governo de transacções?
É necessario que as opiniões se harmonisem, pois se todos fossem de uma inflexibilidade inabalavel, como se poderia chegar a um resultado?
Para que serviria então a discussão, que é a essencia do systema parlamentar?
De que accusei s. exa. foi de não ser tão condescendente n’esta casa como o foi na outra camara.
Não era de certo referindo-se a mira, mas a outro qualquer cavalheiro, que s. exa. pretendeu justificar a sua coherencia.
Nada tenho com a incoherencia ou com as contradicções dos srs. ministros. Podem ter mudado de opinião muito conscienciosamente.
Na vida pratica em que se aprendo todos os dias ou com as lições da experiencia ha de ficar-se eternamente com a mesma opinião sobre todos os assumptos que prendem com a causa publica, embora as circumstancias hajam mudado?
O illustre ministro, condescendendo com as emendas que na outra camara fizeram ao seu projecto, mudou de opinião, mas mudou para melhor, dou-lhe os parabens.
Uma mudança de circumstancias póde muitas vezes fazer mudar de opinião, e justificar completamente esse facto.
N’isto estou perfeitamente de accordo.
Mas o caso de que se trata não é esse, e eu vejo que não só respondeu aos argumentos que eu aqui apresentei contra o imposto sobre o carvão de pedra.
Eu não disse que este imposto vae matar as industrias. Deus nos livre que podesse ter essa desastrosa consequencia, porque em tal caso era necessario combatermos aqui até á ultima extremidade, para que se não désse tão grande desgraça.
O que eu disse, e o que se não respondeu, foi que estes 70:000$000 réis que ha de dar o imposto sobre o carvão é um onus que vae recair unica e exclusivamente sobre as nossas pequenas industrias fabris. O mal não está na importancia dos 70:000$000 réis, que significaria um pequeno encargo, se elle fosse recair e repartir-se sobre todos os consumidores.
Mas eu provei, e ninguem o contestou, que este imposto vae recair unica e exclusivamente nas industrias. Que fosse de 100:000$000, de 200:000$000, de 1.000:0000000 réis, o producto do imposto, se elle fosse distribuido pela grande massa dos consumidores, como a taxa complementar não teria os graves inconvenientes que vae ter este.
Esta é que é a verdade, e ninguem mostrou o contrario.
As industrias vão soffrer com este tributo, porque não podem fazer com que elle recaia sobre os seus productos, em rasão da concorrencia que lhes fazem as industrias estrangeiras. As nossas fabricas, apesar da grande protecção da nossa pauta com relação a ellas, não podem apresentar productos mais baratos que os estrangeiros, e por consequencia não podem elevar o preço d’esses productos: logo, toda a incidencia d’este direito, vae recair, era compensação, nos interesses que ellas actualmente podem tirar dos seus artefactos. Eis-aqui está o motivo por que eu acho que esta medida é muitissimo mais gravosa do que a taxa complementar de que trata o artigo 6.° d’este projecto, apesar d’aquella render só 70:000$000 réis e esta 270:000$000 réis; e não me parece rasoavel que, pelo facto de nós precisarmos, de receita, vamos lançar impostos seja como for, porque assim se estabelecerão alguns que serão contraproducentes, como este que vae causar prejuizo ás industrias, e, portanto, affectar a riqueza publica, e com ella, indirectamente, a receita do estado.
O sr. ministro da fazenda fallou no relatorio da commissão que foi nomeada para tratar da reforma da pauta. Eu pergunto a s. exa. se o meu nome está assignado n’esse relatorio? Emquanto fui ministro da fazenda presidi áquella commissão, mas não assignei relatorio algum, e não sou, portanto, responsavel pelo que se acha n’esse a que o sr. ministro se referiu.
Demais, durante todo o tempo que fui ministro não me consta que a commissão, a que já alludi, fizesse relatorio algum.
Entendo que esse relatorio, que em todo o caso não representa a minha opinião, porque não está assignado por mira, não é senão a opinião individual do empregado a que me referi. Se foi assignado pela commissão, foi no tempo em que eu já não era ministro. Por consequencia, não tenho responsabilidade pelas opiniões que lá estão. Eu não trato de discutir aqui o relatorio nem os trabalhos da commissão. Se se tratasse disso havia de defendel-o, não digo em geral, porque n’um ou outro ponto a opinião adoptada