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N.º40

SESSÃO DE 16 DE ABRIL DE 1880

Presidencia do exmo sr. Duque d’Avila e de Bolama

Secretarios — os dignas pares

Eduardo Montufar Barreiros
Francisco Simões Margiochi

Leitura e approvação da acta da sessão antecedente. — A correspondencia e enviada ao seu destino. — O digno par Franzini manda para a mesa o parecer das commissões reunidas do obras publicas e fazenda, approvando o contrato provisorio celebrado entre o governo e a empreza de navegação a vapor entre Setubal e Alcácer do Sal. — Ordem do dia. Continuação da discussão do projecto n.° 31. — Discursos dos srs. Antonio de Serpa, ministro da fazenda, Agostinho de Ornellas e conde de Castro (relator do projecto).

As duas horas e um quarto da tarde, sendo presentes 19 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.

Lida a acta da sessão precedente, julgou-se approvada, na, conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.

Mencionou-se a seguinte:

Correspondencia

Um officio da presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo a proposição que tem por fim reformar a legislação vigente com relação á contribuição predial.

Á commissão de fazenda.

Um officio do ministerio da fazenda, remettendo 120 exemplares das propostas de lei rectificando a receita e a despeza do estado para o corrente exercicio de 1879-1880.

Mandaram-se distribuir.

Outro do ministerio da negocios ecclesiasticos e de justiça, remettendo copias de documentos pedidos a requerimento do digno par D. Luiz da Camara Leme, apresentado em sessão de 28 de fevereiro proximo passado.

Para a secretaria.

(Estava presente o sr. presidente do conselho e filtraram durante a sessão os srs. ministros da fazenda e das obras publicas.)

O sr. Franzini: — Mando para a mesa o parecer das commissões reunidas de obras publicas e fazenda sobre o projecto que approva o contrato provisorio celebrado entre o governo e a empreza da navegação a vapor entre Setubal e Alcacer do Sal, e a contratar o governo a continuação da mesma navegação no rio Sado.

Leu-se na mesa e foi a imprimir.

ORDEM DO DIA

Continua a discussão do parecer n.° 48

O sr. Presidente: — Vamos entrar na ordem do dia, que é a continuação da discussão do parecer n.º 48, sobre o projecto de lei n.° 31, na sua generalidade. Tem a palavra o sr. Serpa Pimentel.

O sr. Serpa Pimentel: — Sr. presidente, sinto ter de fallar na ausencia do sr. ministro da fazenda, mas como o governo está representado, e v. exa. me deu a palavra, procurarei desempenhar a tarefa que me impuz de discutir o projecto que está na ordem do dia.

Voto a maior parte dos artigos do projecto; porém não posso approvar o que se refere ao imposto sobre o carvão de pedra. Se não me reservei para fallar na especialidade a respeito do artigo 2.°, e tomei a palavra na generalidade do projecto, é porque, para fundamentar o meu voto, preciso considerar o seu conjuncto.

Este projecto, sr. presidente; differe consideravelmente do que foi primitivamente apresentado pelo sr. ministro da fazenda. À commissão de fazenda da camara dos senhores deputados alterou e transformou completamente o projecto, e só pela comparação dos artigos de um e outro se póde conhecer a importancia das mudanças e transformações.

O projecto do governo, no seu artigo 1.°, isentava de direitos tanto a importação como a exportação do gado pelos portos da raia.

Esta disposição altamente importante e conveniente para o serviço das alfandegas e para á agricultura não foi adoptada.

Em primeiro logar, ella simplificava de tal maneira o serviço, que talvez se podesse diminuir o pessoal interno das alfandegas; em segundo logar, dava vantagens á agricultura, que é escusado enumerar agora.

Todos sabem que nós importamos gado em abundancia do reino vizinho, sobretudo gado vaccum, e que depois da engorda o exportamos para a Inglaterra; e, segundo se vê pelas estatisticas, o gado que exportâmos é vendido por um preço oito ou dez vezes superior áquelle por que o importámos.

(Entrou o sr. ministro da fazenda.)

É verdade que por esta disposição a receita publica ficava alguma cousa defraudada, mas para compensar este inconveniente o artigo 2.° estabelecia um augmento de direito sobre a exportação do gado vaccum pelos portos do mar.

O artigo 3.° do projecto do governo estabelecia um direito sobre a cortiça do 100 réis por cada 15 kilogrammas, o que dava ao estado uma receita superior a 100:000$000 réis.

O artigo 4.° estabelecia um direito sobre o carvão de pedra de 500 réis por tonelada, o que dava tambem uma receita de alguma importancia para o thesouro. O artigo 5.° estabelecia um direito sobre o óleo de semente de algodão, o que não tem quasi nenhuma importancia financeira. Finalmente, o artigo 6.° reduzia a metade o favor que a legislação concede aos direitos dos generos importados das nossas possessões ultramarinas em navios nacionaes.

Vejamos como a camara dos senhores deputados modificou e transformou este projecto.

Quanto aos artigos 1.° e 2.° eliminou-os, e por Consequencia é escusado fallar n’elles.

No artigo 3.° reduziu o imposto de 100 réis por cada 15 kilogrammas de cortiça d’este modo. Para a cortiça em bruto ou em pranchas, isto é, para a porção mais importante que exportamos, estabeleceu o imposto de 30 réis por cada 15 kilogrammas. Para a cortiça fabricada em quadros, o que é já um producto industrial, manteve o imposto de 100 réis. Para a cortiça em aparas e virgem fica o imposto de 5 réis por cada 15 kilogrammas.

A exportação da cortiça fabricada em rolhas fica completamente livre.

A alteração feita no projecto primitivo foi, pois, profunda o muito importante, e se o artigo relativo á cortiça, como veiu da camara dos senhores deputados, não impõe á agricultura o onus que lhe impunha o artigo da proposta primitiva do governo, e que lhe seria muito prejudicial
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neste ramo, porque arruinaria o seu commercio, por outro lado diminue consideravelmente a receita que o sr. ministro da fazenda calculava obter pela sua proposta e que devia ser pelo menos de 100:000$000 réis, á vista das ultimas estatisticas.

Pelo projecto actual não sei a que algarismo chegará essa receita. Fallou-se aqui que elle daria um rendimento de 12:000$000 a 10:000$000 réis; creio, porém, que não chegará a dar 10:000$000 réis, e se formos a comparar esta receita com a que resulta do direito actual, que é ad valorem, veremos que o thesouro ainda vem a perder.

No artigo relativo ao carvão de pedra a aliciarão não foi tão importante. O direito foi reduzido de 500 a 300 réis sobre o carvão importado para consumo, e a l50 réis sobre o mesmo genero destinado a fornecer as embarcações. Mais tarde me occuparei mais largamente ácerca d’este ponto.

O artigo seguinte tem toda a relação com este; lança o imposto de 600 réis sobre o coke.

O outro artigo é a respeito do óleo da semente do algodão.

Este artigo, como já disse, não tem importancia financeira; d’aqui não vem receita apreciavel. No entanto, não deixa de ser certo que, entrando hoje este genero sem um pequeno direito, e servindo, como se tem dito, para adulterar o azeite de oliveira, é isso um grande inconveniente. Por consequencia só debaixo d’este ponto de vista é que eu emendo que o artigo deve ser acceito.

Finalmente, o artigo primitivo do projecto do governo, que favorecia os generos provenientes das nossas provincias ultramarinas, exportados por navios portuguezes, foi transformado em um artigo que augmenta em 20 por cento o imposto sobre o café. N’este ponto é preferivel a proposta do governo ao projecto da commissão de fazenda da outra casa do parlamento. E é preferivel por muitas rasões. Em primeiro logar, o projecto do governo estabelecia que os generos de producção propria das provincias ultramarinas, exportados por navios nacionaes, pagariam 75 em vez de 50 por cento dos direitos de importação marcados na pauta geral, estabelecendo assim uma protecção menos exorbitante; e o projecto actual estabelece um direito sobre o café, que hoje é considerado um genero do primeira necessidade.

Em segundo logar, o projecto do governo dava uma receita muito maior para o thesouro.

O projecto primitivo do governo estabelecia um bom principio economico, e não prejudicava as nossas possessões ultramarinas, porque é facto sabido que a maior porto dos generos importados das nossas provincias do utlramar é para reexportar e não para consumo, como, por exemplo, o marfim a cera, a urzella, etc. Com o café não se dá exactamente a mesma circumstancia, porque o seu consumo aqui é muito mais importante do que o dos outros generos.

Ainda assim, a respeito do café, diz a ultima estatistica de todas as alfandegas que foi publicada, a de 1370, que importámos, para consumo, 1.400:009 kilogramma, e para exportação, 1.500:000 kilogrammas. Por consequencia, por um lado o favor actual não aproveita, em parte, ao commercio das nossas colonias; e por outro, não é necessario, porque, se estes generos vão concorrer lá fóra com os generos estrangeiros, em igualdade de circumstancias, dentro do paiz, o favor de 25 por cento seria sufficiente.

O projecto ao governo, repito, não prejudicava o commercio das nossas colonias, e estabelecia um bom principio, diminuindo a protecção, porque esta é sempre uma excepção que não póde durar perpetuamente. Por outro lado, a receita, do thesouro era muito maior, como se vê da mesma estatistica de 1870, que diz que os3 generos importados pagaram de direitos 30:000$000 réis. Ora, diminuindo o favor, isto é, estabelecendo-se que os generos coloniaes, em logar de pagarem 50 por cento, pagassem 75, está claro que, se pagando-se 50 por cento, se receberam 30:000$000 réis, pagando-se 75 recebiam-se 120:000$000 réis.

No anno de 1876 os direitos sobre o café importaram em 98:000$000 réis, proximamente 100:000$000 réis, 20 por cento d’esta somma são menos de 20:000$000 réis.

Portanto, pelo projecto actual, o augmento dos direitos sobre este genero deve dar uma receita que não chega a 20:000$000 réis, ao passo que pelo projecto inicial do governo deviam produzir mais de 40:000$000 réis.

Resumindo, e considerando que o governo calculára em 250:000$000 réis a receita que havia de obter por esta medida, vamos a ver em quanto importa approximadamente a receita que fica em virtude dos artigos que foram modificados pela camara dos senhores deputados.

Até ao artigo 4.° não chegâmos a apurar 100:000$000 réis, porque do imposto sobre a cortiça não podem vir mais do 10:000$000 réis, o carvão deve render 70:000$000 réis, e do óleo de sementes de algodão não é de esperar resultado algum.

O artigo sobre o café não dá 20:000$000 réis. Logo temos ao todo uma receita de menos de 100:000$000 réis.

Para obviar a este inconveniente de diminuição de receita calculada, introduziu a outra casa do parlamento um novo artigo no projecto: é o que estabelece mais 1 por cento na taxa complementar relativa á importação. Este imposto, que era de 1 por cento e que ficará sendo de 2 por cento, rendeu no ultimo anno perto de 280:000$000 réis; por conseguinte, o artigo que acamara dos senhores deputados introduziu vale de per si só mais do que todo o projecto primitivo, que rendia apenas 250:000$000 réis.

Tambem approvo este artigo. É um expediente que me parece preferivel a qualquer outro. Esta somma assas consideravel de 280:000$000 réis vão abranger absolutamente todos os generos de consumo. Daqui resulta um onus minimo em relação a cada contribuinte, sendo, aliás, a receita que se cobra de alguma importancia nas actuaes circumstancias.

Como expediente, parece-me completamente acceitavel. Tem, como todos os impostos, inconvenientes, e agora ficou peior, mas ainda assim não duvido approval-o.

Agora o que não voto, o que me parece que a camara não deve votar, e aquillo em que me parece que o sr. ministro da fazenda não deve insistir, é no imposto relativo ao carvão.

O imposto sobre o carvão é o imposto sobre uma das 1 materias primas mais importantes, sobre a materia prima por excellencia, e que vae pesar todo sobre a nossa pequena, rachitica e mesquinha industria.

Eu comprehendo que em uma nação adiantada como a França, ou a Inglaterra, se adopte o imposto sobre a materia prima, se bem que uma proposta d’esta ordem, apresentada pelo distincto estadista Thiers, não foi approvada; comtudo comprehendo que paizes como a França e a Inglaterra possam tributar estas materias, pois que estes tributos recairão sobre todos, visto serem paizes tão adiantados, que não só têem o seu mercado proprio, mas que, levam com vantagem os seus productos a todos os mercados estrangeiros.

Podem, portanto, acrescentar os preços com o valor do imposto sem que haja gravame para a producção. Entre nós não. Não se dá o mesmo facto, porque es nossos productos não só não podem concorrer lá fóra, mas aqui mesmo no mercado nacional têem de luctar com a concorrencia dos productos estrangeiros, o que dá em resultado os nossos productores não poderem augmentar nem um real no preço
dos seus productos, vindo elles supportar todo o peso dos direitos.

Quer dizer: este imposto, que á primeira vista parece pequenissimo, não vae senão recair sobre a nossa desgraçada industria fabril, que ha do pagar tudo, alem das dif-

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ficuldades com que lucta, sobretudo nas actuaes circumstancias.

Portanto, alem dos inconvenientes geraes que têem todos os impostos sobre a materia prima, no caso especial de que se trata é o imposto mais anti-economico e mais gravoso que se póde dar.

Á vista d’isto, sr. presidente, e tendo obtido o sr: ministro da fazenda, em virtude do artigo novo introduzido na outra camara, uma verba superior áquella que pedia no seu projecto originario, não comprehendo para que se ha de ir aggravar a industria com este imposto.

Isto é pelo que respeita ao imposto sobre o carvão, applicado ao consumo interno. Pelo que respeita ao carvão para o fornecimento das embarcações a vapor, ainda é peior.

Nós devemos á natureza o termos um dos melhores portos do mundo, não só pela sua vastidão e por ser accessivel a navios de todas as lotações que n’elle têem entrada franca a qualquer hora do dia ou da noite, mas tambem pela sua posição geographica. Entretanto, elle não offerece as condições reclamadas pelo progresso actual, e que outros portos quasi todos muito inferiores pelas condições naturaes hoje offerecem; porque não temos docas para carga e descarga, nem para abrigo; e todos sabem que em todos os invernos se dão no nosso porto maior ou menor numero de desastres, que occasionam não só desgraças pessoaes, mas grossas avarias materiaes, e note-se que nós tambem não temos docas de reparação para essas avarias.

Isto não admira muito, porque todos sabem que todos esses melhoramentos custam sommas consideraveis, e que os nossos recursos pecuniarios são pequenos.

Mas havia esta vantagem da facilidade de poderem entrar aqui de dia e de noite navios de todas as lotações, muitos só para se fornecerem de carvão, e que essa vantagem vae tambem desapparecer em parte; porque, comquanto o imposto de 150 réis sobre cada tonelada de carvão de pedra não seja muito excessivo, para que o imposto fique reduzido a essa quantia é necessario o cumprimento de todas as formalidades do drawback que trazem demoras a que muitos vapores não se podem sujeitar. E a camara dos senhores deputados já fez um grande serviço ao commercio, e por consequencia aos interesses do thesouro, acabando com a pesagem, só com a excepção dos casos em que haja suspeita de fraude; porque na verdade não havia nada mais vexatorio e inconveniente para o commercio, do que estar a medir ou a pesar a grande quantidade de carvão que aqui entra, e o que é outra vez embarcado para os barcos de vapor. Porém esta regra não se póde applicar ao carvão que sáe para fornecimento dos navios. Isto não teria grandes inconvenientes, se entrassem no nosso porto sómente as embarcações das carreiras regulares, porque essas já são esperadas com a necessaria antecedencia e têem cá os seus agentes, que já podiam ter cumprido antecipadamente todas as formalidades; mas para as que entram sem serem esperadas, trazem grande demora as formalidades a preencher com o drawback.

Por esta occasião, seja-me permittido tratar de uma questão, até certo ponto pessoal, mas que creio ter o direito de o fazer, por isso que vem o meu nome invocado num documento official, que me attribue opiniões que eu nunca tive, e careço de estabelecer a verdade dos factos.

A commissão de fazenda da camara dos senhores deputados, no seu parecer, faz-me a honra de invocar a minha auctoridade, em favor do imposto do carvão, dizendo que era já minha opinião e minha intenção lançar aquelle imposto, assim como era de uma commissão que foi creada por decreto de 1848.

Mas, sr. presidente, a verdade é que o ministro da fazenda d’aquella epocha encarregou uma commissão de propor uma reforma de pautas, declarando lhe no decreto que a nomeou, que essa reforma deveria basear-se em determinados principies, sendo um d’estes a eliminação ou a diminuição pelo menos dos direitos, sobre as materias primas

Era, pois, uma das principaes idéas extinguir completamente o imposto sobre as materias primas, ou, pelo menos, diminuil-o quanto fosse possivel. Ora, o carvão é uma materia prima, e, portanto, estava nas mesmas condições.

Esta commissão trabalhou durante alguns mezes, tendo sessões duas vezes por semana; estudaram-se todos os artigos da pauta, e mandou-se fazer uma pauta nova á vista do trabalho que se tinha feito; n’esse trabalho appareçe o carvão com o imposto de 5 réis, e por esse facto se disso que eu tinha intenção de adoptar este imposto. Isto não é exacto. A commissão era presidida pelo ministro da fazenda, como todos sabem, que tinha o seu voto de desempate, caso houvesse empate; mas não se segue que a opinião apresentada por uma commissão seja a de todos os seus membros; a opinião póde ser apresentada em nome da commissão, mas terem ficado vencidos, alguns dos seus membros; e eu tenho a completa certeza de que pugnei constantemente na commissão pela liberdade das materias primas.

Ainda mesmo que eu tivesse concordado no imposto sobre o carvão, depois do que se dizia no decreto, não podia deixar de conhecer-se que só o teria feito por transacção; e a transacção é um acto em virtude do qual cada uma das partes cede da sua opinião extrema para vir á opinião intermedia; por consequencia, do trabalho d’essa commissão não se póde tirar um só artigo, para se dizer depois — esta foi a opinião de um certo membro da commissão, ou do seu presidente. E tanto foram sempre estas as minhas opiniões sobre a inconveniencia de tributar as materias primas, e, sobretudo, o carvão, que em 1873, quando propuz ás côrtes a creação da taxa complementar, fiz a proposta de maneira que não fosse recair sobre os artigos que estavam isentos de direitos. A lei diz que a taxa recáe unicamente sobre a importação dos generos que já pagam direitos, exactamente para não comprehender os que não estavam sujeitos ao imposto, e d’estes o unico verdadeiramente importante era o carvão de pedra.

Sr. presidente, de todas as medidas para augmentar a receita publica, a que me parece mais inconveniente é a que tem por fim tributar o carvão de pedra, porque os 70:000$000 réis que ella possa produzir não são cousa alguma em relação aos centenares de contos que se perdem com os prejuizos que devem resultar para a nossa pequena industria e para a navegação do porto de Lisboa.

Não posso, pois, de modo nenhum concordar neste imposto.

Ha tambem o artigo 3.°, que eu não approvo, embora não me referisse a elle quando assignei o parecer. Este artigo, que tributa o coke, e que não ha de produzir nem 5 réis para o thesouro, ha de seguir a sorte do que tributa o carvão de pedra; se este não for approvado, tambem aquelle o não será.

O artigo 3.°, sr. presidente, não é mais do que um favor feito ás companhias de gaz porque tem por fim allivial-as do onus que lhes resulta do imposto sobre o carvão, mas este favor é feito á custa do contribuinte. As companhias de gaz indemnisam se do imposto sobre o carvão, vendendo o coke por mais seis tostões em tonelada aos consumidores.

A indemnisação não é completa, porque para dar um kilogramma de coke, creio que são necessarios mais de dois kilogrammas de carvão, mas sempre é uma indemnisação á custa dos consumidores.

Ora, para que havemos de pôr na lei um artigo que não dá nada para o thesouro,- e que beneficia apenas algumas companhias á custa dos outros contribuintes?

Á vista de todas estas considerações eu entendo que a camara faria um grande -beneficio á nossa industria, não approvando o artigo, e isto sem prejuizo para o thesouro, porque nós damos ao governo mais do que elle pedia. Pelo projecto o governo pedia 250.000$000 réis, e em virtude

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das emendas, mesmo diminuindo o artigo do (carvão, dá-se lhe muito mais,

N’estas condições eu pediria ao sr. ministro da fazenda que não insistisse por esto imposto. Eu voto por todos os outros, mas pedia- a s. exa. que não insistisse por este, e o sr. ministro da fazenda, que foi tão condescendente na camara dos senhores deputados, acceitando emendas que lhe transformaram completamente o projecto, não ha de ser entre nós tão intransigente que não prescinda de um artigo que lhe dá uma verba da receita insignificante, a troco de tantos prejuizos, tanto mais que se lhe concede ainda uma receita superior á que pedia e julgava necessaria para occorrer ás circumstancias do thesouro.

Parece-me que não é ser muito exigente. Se a camara dos senhores deputados mereceu tanta condescendencia não será muito que transija com esta camara, prescindindo do imposto sobre o carvão, que vae prejudicar de uma maneira inqualificavel a nossa pobre industria.

Sr. presidente, eu não mando para a mesa nenhuma proposta, porque entendo que basta apenas que nos limitemos a rejeitar o artigo; e limito-me a pedir ao sr. ministro da fazenda que não insista, ou pelo menos que nos, declare que não faz d’este artigo uma questão ministerial; o que collocará a camara muito mais á vontade S. exa. obteve mais do que desejava, portanto não necessita de insistir em um imposto que tanto prejudica a industria.

O sr. Ministro da Fazenda (Barros Gomes): — Sr. presidente a minha situação n’esta casa é n’esse momento acha-se singularmente facilitada. Por occasião dos debates muito amplos, verificados n’esta assembléa quando se apreciou um outro projecto de lei, que auctorisava a arrematar o real de agua, entendeu-se que era esse o ensejo oppurtuno para, em geral, tratar da questão de fazenda. Apreciaram-se então largamente as propostas financeiras apresentadas pelo governo, e uma d’aquellas que mais referencias mereceu aos dignos pares foi precisamente a que n’este momento se discute. Tive assim ensejo de responder aos dignos pares, manifestando-lhes as rasões que levaram o governo a formular esta proposta, declarando, comtudo, a respeito d’ella, como de todas as restantes, que de boa mente acceitaria as modificações aconselhadas pela opinião publica ou pelo parlamento, e que concorressem para aperfeiçoal-as, garantida que fosse a receita, que d’ellas esperava retirar o governo.

Portanto, pouco mais posso fazer hoje seguindo n’isso o exemplo dos dignos pares, que não têem feito senão repetir os argumentos da outra vez empregados, de que resumirei por meu lado as considerações que já em outra occasião apresentei n’esta camara.

Sr. presidente, começo por declarar a v. exa. que não tenho particular enthusiasmo pelas disposições da proposta de lei apresentada pelo governo.

Em circumstancias normaes é claro que o governo nunca se lembraria de tributar a exportação, nem teria recorrido ao imposto sobre o carvão de pedra mas na situação em que nos achâmos, pôde explicar-se bem um procedimento diverso, por isso que nos vemos na presença de um deficit que no anno economico corretnte attinge 7.000:000$000 réis, como por mais de uma vez se tem dito aqui, e é confirmado pelo orçamento rectificado, que acaba de ser presente na outra casa do parlamento.

Por esse documento bem se vê com offeito quanto eram fundadas as previsões do meu relatorio sobre o estado da fazenda publica, e em taça condições, repito, quando as diversas fontes tributarias já se achavam largamente exploradas pelos meus illustres antecessores, não era natural, cabendo-me um campo tão restricto a explorar na questão do aggravamento do imposto, que me fosse dado deparar com meios por todos acceites, e livres de qualquer inconveniente apreciavel para augmentar os rendimentos publicos.

Esta rasão suprema justifica a acceitação de expedientes financeiros; que outra cousa não era a proposta, primitiva do governo, como outra cousa não é o projecto que a illustre commissão de fazenda da outra camara, de accordo com o governo, formulou tomando, por base aquella proposta, e que hoje occupa a attenção dos dignos pares.

Ora, quando se trata de meros expedientes da ordem d’aquelle que se discute, a unica cousa a fazer consiste em verificar só elles podem trazer embaraços serios ou affectar por modo sensivel as circumstancias economicas do paiz e o desenvolvimento da producção.

Comecei por declarar que não tinha nenhum particular enthusiasmo pelas disposições d’este projecto; mas devo tambem declarar por outro lado que estou profundamente convencido, que elle não traz os graves inconvenientes que os dignos pares receiam, e no meu modo de ver os terrores que por tal motivo dominam e assaltam o animo de s. exa. não têem nenhuma rasão de ser.

Occorre-me n’este momento á memoria que havendo em tempo o meu iliustre amigo, o sr. Carlos Bento, apresentado na outra camara uma proposta de lei, que aliás tinha já sido apresentada por outros ministros da fazenda antecessores de s. exa., pela qual estabelecia um imposto de 5 réis sobre cada litro de vinho, deu isso causa a que n’aquella casa do parlamento se pronunciassem discursos muito eloquentes o calorosos, declarando-se pelo modo mais terminante, que similhante medida a ser adoptada seria a desgraça do paiz, a ruina completa da nossa agricultura num dos seus ramos mais productivos, pois que assim se iria sobre carregar com um imposto, excessivo os nossos vinhos, e impossibilitar especialmente o consumo do vinho verde.

Mas o que aconteceu a final?

Aconteceu que o imposto foi lançado e cobrado, e a agricultura não se arruinou, o vinho não deixou de se produzir, nem o commercio d’este genero soffreu estorvo que o aniquilasse.

Vê-se, portanto, quanto eram exageradas as taes apprehensões, e tanto assim que mais tarde outro ministro da fazenda não duvidou propor a elevação de 5 réis a 10 réis d’aquelle imposto sobre o vinho, e nem ainda uma elevação ao dobro bastou para produzir a ruina da agricultura, nem qualquer dos terriveis inconvenientes com que se havia argumentado quando se tratou de lançar tal imposto pela primeira vez.

Por conseguinte já estou habituado a ver, quando se trata de lançar impostos, os espiritos timoratos, os animos assustadiços formularem vaticinios sombrios com relação ás consequencias que hão de trazer taes impostos, e annunciarem com antecedencia os perigos que hão de provir d’elles para as nossas industrias, e para producção e desenvolvimento economico do paiz; mas depois na pratica tenho conhecido que as cousas não são tão feias como pareciam apresentar-se aos olhos dos oradores que faziam aquelles vaticinios.

Com este, expediente de que tratâmos vejo tambem levantarem-se as mesmas apprehensões; mas a minha convicção, como já disse, é que elle não trará os inconvenientes que se apregoam, que não ha motivo para os receiar, e que, adoptando-o, se proporciona ao thesouro um acrescimo de receita de algumas dezenas, se não de centenas, de contos de réis.

Discutiram-se- hoje n’esta casa as modificações que a iliustre commissão de fazenda da outra camara introduziu na proposta primitiva do governo.

E comquanto eu não estivesse presente ao principio da sessão, constou-me que o sr. Serpa dissera que lamentou ver que as disposições do artigo 1.° da proposta do governo houvessem sido sacrificadas ...

O sr. Serpa Pimentel: — Eu referi-me unicamente ao artigo 5.°

O Orador: — Mas em todo o caso devo dizer que a rasão por que o governo abandonou o artigo 1.° do seu projecto, foi porque, tendo em vista com elle unicamente um

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melhoramento economico carecia de dispor as cousas de modo a garantir este, e bem assim a acabar com os motivos de rixa que ha a proposito do gado, e se estão continuamente dando na raia.

O motivo principal por que aquella disposição só eliminou foi porque se entendeu que para ella produzir todos os resultados que se esperavam da sua adopção, era conveniente chegar-se a um accordo com o governo do paiz vizinho, a fim de que as disposições que ali se tomassem fossem identicas ás que entre nós adoptassemos.

D’isto se está tratando, e espero que os resultados hão de ser satisfatorios.

Tambem ouvi dizer, criticando o artigo d’este projecto que tributa a cortiça, que pela primitiva proposta do governo se devia obter uma importancia de 100:000$000 réis approximadamente; mas que nas condições a que a commissão de fazenda da outra camara tinha reduzido n’esta parte o projecto, não se poderia obter mais de 12:000$000 réis ou l5:000$000 réis; e que em taes condições e por tão pequena somma não valia a pena estabelecer um imposto novo.

Esta cifra creio que até foi classificada do aparas. Ora, é exactamente da reunião de muitas d’estas aparas que se compõem as quantias importantes que entram nos cofres do thesouro.

Nas condições em que nos encontrâmos uma receita de 12:000$000 réis ou 15:000$000 réis, que se póde estabelecer sem receio de affectar o commercio de um genero tão importante como é a cortiça, annualmente exportado por 1:000 e mais contos de réis, não me parece que seja para desprezar.

Ora eu já disse a v. exa. e á camara, que nas condições em que o governo se encontrou quando assumiu a gerencia dos negocios publicos, carecendo de formular rapidamente propostas que assegurassem um immediato e consideravel augmento de receita publica, inteirando-se previamente da verdadeira situação do thesouro e do estado dos diversos ramos de administração, teve para isso de trabalhar muito e depressa, e d’essa sua actividade dão testemunho as propostas variadas que apresentou.

Não pôde pois admirar que em taes condições de trabalho nem sempre nos fosse possivel, apesar do auxilio das estações officiaes, colligir todos os documentos precisos para obter uma absoluta segurança na doutrina de algumas das suas propostas, e tão possuido estava eu d’isto por minha parte, que não duvidei declarar desde logo que não teria duvida em ouvir e acceitar as opiniões dos homens competentes, a fim de se depurarem essas propostas de algumas imperfeições que contivessem.

Aberto assim um largo inquerito resultou dos factos que elle veiu revelar, que efectivamente o imposto de 100 réis por 15 kilos de cortiça, que eu fóra buscar a uma proposta de lei apresentada em 1878, era na realidade demasiadamente elevado, e ahi tem v. exa. e a camara as rasões porque se modificou este projecto no que dizia respeito á cortiça; mas não se diga por isso que elle foi por tal fórma alterado, que possa, considerar-se completamente aunullado o seu pensamento essencial e primitivo.

Com a apresentação d’elle conseguiu o governo algum resultado; e é o proprio sr. Antonio de Serpa que o confessa, dizendo que o augmento de receita obtido pelas disposições da proposta primitiva não vae longe de 100:000$000 réis.

Foi affirmado por um digno par que n’esta questão do imposto sobre a cortiça, aliás resolvida em harmonia com as indicações da opinião e esclarecimentos fornecidos pelas associações commerciaes, se tinha querido proteger de um modo ostensivo uma certa industria, quando era certo que em face da lei todas as industrias devem ter igual protecção.

Não me parece que similhante doutrina Apossa sustentar-se em absoluto. A questão da protecção, na qual não quero entrar n’este momento, é muito complexa, e por muito diversas que sejam as escolas economicas, casos ha em que todos concordam que ella se justifica.

É bem sabido que em muitos paiz, e particularmente na Allemanha, o direito que se tem lançado sobre a importação das rolhas tem por fim aclimar ahi a industria da producção d’aquelle artigo.

Não me parece, pois, que entre nós fosse desassisado attender n’esta parte ás reclamações que se apresentaram, tentando segurar para o paiz o exercicio de uma industria valiosa, cuja materia prima é produzida abundantemente pelo mesmo paiz.

Ainda para justificar a providencia de que se trata, basta referir que na Catalunha, por exemplo, se chagou a obter em 1878 pela exportação da rolha a cifra de 6.125:741$640 réis.

Em taes condições, pergunto a v. exa. e á camara se, pela nossa parte, não devemos tambem contribuir, por uma providencia legislativa adequada, para aclimar esta industria no nosso, paiz era vez de nos limitarmos exclusivamente a exportar em bruto a sua materia prima? (Aparte do sr. Vaz Preto.)

Depois de acabado o direito prohibitivo em Hespanha, diz o digno par; mas no projecto trata-se unicamente de estabelecer uma protecção moderada e que tem por fim unico combater os direitos do direito exagerado com que n’outros paizes, como a Allemanha, por exemplo, só tem querido favorecer a industria da producção das rolhas.

Dadas assim as rasões por que o governo não duvidou acceitar n’um ou n’outro ponto da sua proposta algumas modificações, irei agora occupar-me de um dos artigos que mais foi impugnado pelos dignos pares, e que a commissão de fazenda da camara dos senhores deputados quasi não alterou, pois só limitou apenas a fazer uma pequena reducção no direito primitivamente proposto pelo governo. Re firo-me ao carvão.

É sobre os inconvenientes da taxa que vae recair sobre a importação d’aquelle genero que de um modo mais particular insistiu o sr. Serpa, quando usou da palavra.

Devo dizer que não partilho absolutamente nada dos receies de s. exa.; não imagino que este novo imposto vá de qualquer maneira affectar a industria nacional ou diminuir o movimento dos nossos portos.

Tenho muito boas rasões para me apoiar quanto a este meu modo de apreciar esta questão.

E uma d’essas rasões desde já direi a v. exa. qual ella é: é o exemplo da vizinha Hespanha.

Um imposto de 300 réis sobre tonelada de carvão póde dizer-se em extremo medico. Não digo em relação ao preço do genero, mas v. exa., sabe perfeitamente que quando se trata do um genero de infimo preço, mas de um grande peso o de grande volume, e cujo transporte offerece por isso dificuldades e traz consideraveis despezas, podo facilmente dar-se a circumstancia de ver duplicar ou mesmo triplicar pelo encargo do frete o preço primitivo do genero, e ainda assim conservar-se este relativamente muito baixo.

Um direito que só contém dentro dos limites das fluctuações ordinarias do valor do genero não póde rascavelmente dar motivo para tantos receios, o tanto assim e que era Hespanha, tendo-se augmentado o imposto sobre o carvão do 225 a 450 réis, ainda assim a importação do carvão augmentou, o que quer dizer que não se verificou ali de modo algum a que os dignos pares temem que aconteça cá em resultado da approvação d’este imposto.

Mas note-se que mesmo entre nós nem todos temem os resultados d’este imposto nem o acham tão defeituoso. E eu estimo ter agora occasião de communicar á camara alguns esclarecimentos sobre o assumpto, fornecidos por um negociante do Porto muito intelligente e considerado, que é fornecedor de carvão para varias companhias de navegação. Diz esse commerciante o seguinte:

«A fiscalização na fórma adoptada para as reexporta-

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cões, cifra-se em fazer acompanhar o carvão até bordo por um guarda da alfandega, que recebe do fornecedor o insignificante emolumento de 260 réis pela conducção. Na minha opinião não se teria feito concessão ao carvão para consumo dos barcos a vapor, e note-se que eu sou negociante de carvão e fornecedor de muitos vapores que aqui vem.»

O que quer dizer que as difficuldades da fiscalisação são na realidade muito menores do que se afigura e que esse fornecimento occasiona menos incommodos e delongas do que a fiscalisação sanitaria e outras causas de demora a que os navios têem de sujeitasse nos nossos portos.

Continua esse negociante:

«Não é por mais 150 ou 300 réis em tonelada que as embarcações deixam de tomar o carvão aqui ou em Lisboa, onde o carvão é consideravelmente mais barato do que em Vigo, Gibraltar, S. Vicente ou qualquer outro porto de escala. A differença de custo entre Vigo e o Porto, é hoje de 5 1/2 a 6 schellings, e acontece pouco mais ou menos o mesmo nos outros portos de escala, comparativamente com o Porto ou Lisboa. Eu ainda ha pouco recebi dois carregamentos de carvão de Cardiff de 650 toneladas cada um por vapor que me ficaram por 17 shelligns e 6 pence, e que vendi por 18 schellings a tonelada pagando 9 de frete.»

Aqui está, até certo ponto, confirmado, mas não em absoluto, o que disse o sr. conde de Valbom; isto é, que o frete importava para o carvão grosso a 166 por cento; ainda que aqui falla-se em 9 schellings, o que corresponde a 100 por cento e não 166 por cento.

O sr. Conde de Valbom: — Eu referia-me a todas as despezas, não era só ao frete.

O Orador (continuando a ler): —«Hontem recebi uma carta de..., d’essa praça, dizendo-me que tinha fretado vapores para ahi a 8 schellings devendo por isso ficar-lhe ahi o carvão por 16 schellings e 6 pence por tonelada. Hontem vendi a um vapor 50 toneladas a 22 schellings e 6 pence, incluindo toda a despeza de carreto, barcagem e recolher a bordo, e sei, por capitães de vapores que se tem fornecido em Vigo ultimamente, que ahi o teem pago a 28 schellings por tonelada.»

Portanto, bem vê v. exa. sr. presidente, em quanto importam todas as despezas, ou quasi todas, porque não sei se entram aqui as despezas com seguro e armazenagem.

Confirma-se assim a circumstancia de que em Vigo se obtem o carvão por mais 5 schellings do que em Lisboa. Alem d’isso as formalidades a preencher com o drawback resumem-se, quando muito, em ir o carvão para bordo acompanhado por guardas fiscaes, que têem de fazer obra pela factura ou pela lotação das fragatas, para mais tarde se liquidar em terra o valor dos direitos.

Á vista d’isto não tenho, nem me parece justificavel o receio de que este imposto vá affectar a nossa navegação. Mas irá elle por outro lado opprimir a nossa industria?

O digno par, o sr. Serpa, referiu-se ainda agora a uma opinião que lhe tinha sido attribuida na camara dos senhores deputados, affirmando se que elle advogara, o estabelecimento do imposto sobre o carvão.

Eu, sr. presidente, não fiz parte da commissão a que alludiu o digno par o sr. Serpa, mas o relator da commissão de fazenda da camara dos senhores deputados era membro da commissão creada por s. exa.; quero crer porém, que aquelle cavalheiro se enganou, porque o sr. Serpa Pimentel, que é um caracter digno e respeitavel, não vinha affirmar n’essa camara o contrario do que pensa.

E, porém, certo que s. exa. presidiu á commissão que votou pelo imposto do carvão, e, diga-se a verdade, eu não comprehendo muito como a commissão presidida pelo ministro, votasse, por puro amor platonico, um imposto odioso, a que só a vontade do ministro podesse dar realidade.

Ora, eu vou ler a v. exa. um trecho de um relatorio que resume os trabalhos d’aquella commissão na parte que se refere ao carvão, e ahi se diz qual a influencia que este

imposto sobre o carvão poderia ter na nossa industria, influencia que se declara dever ser insignificante:

«Os cambustiveis fosseis, diz o relatorio, são isentos de direitos pela pauta actual (salvo o óleo de petroline) e o projecto marca-lhe a taxa de 0,5 real por kilogramma, taxa excessivamente modica e que está dentro dos limites das constantes fluctações de valor que os generos experimenta no mercado.

«Alem d’isso o carvão de pedra ou hulha, o unico combustivel fossil que tem importancia, custa quasi tanto em Lisboa como em alguns pontos das ilhas britannicas afastados das regiões hulheiras, e menos talvez do que nos portos francezes do Mediterreno, não sendo portanto a insignificante taxa proposta, que influirá na exploração das diversas industrias nacionaes em que é indispensavel esta especie de combustivel. Assim uma machina a vapor trabalhando doze horas com a força de vinte cavallos (o que representara já um importante motor) consome approximadamente 700 kilogrammas de carvão, o que exprime em relação á taxa proposta (0,5 real por kilogramma) a modica somma de 350 réis. Os estabelecimentos ou companhias de gaz, os maiores consumidores de carvão de pedra, estrahem-lhe o hydrogenio e vendem depois o pixe, o asphalto, e o coke quasi pelo preço da hulha, e portanto apesar das differenças de peso, não é o insignificante augmento proposto, que influirá no resultado economico d’estas uteis emprezas.

«Sem sacrificio, portanto, para as industrias nacionaes, póder-se-ia com a taxa projectada realisar uma receita importante, que até certo ponto serviria de contrabalançar os desfalques provenientes de varias redacções feitas em muitos direitos da pauta.»

Portanto, sr. presidente, bem vê v. exa. como a commissão de pautas tendo discutido e tratado largamente da influencia que o imposto sobre o carvão poderia ter na nossa industria, acabou por entender que não teria valor nenhum essa influencia.

E não se pretenda allegar que este imposto se justificava, por isso que por outro lado o projecto isentava ou reduzia o direito, materias primas empregadas pela industria, porque similhante isenção ou reducção de direito, não chegava de certo a compensar a consideravel diminuição nos direitos da importação de artefactos estrangeiros, diminuição que no todo não deveria baixar de 300:000$000 réis ou 400.000$000 réis.

Se portanto o trabalho da commissão se baseava na reducção dos direitos das materias primas, o que importava beneficio para as nossas industrias, por outro firmava-se na diminuição dos direitos de importação n’alguns artefactos que aliás se acham bastante sobrecarregados, o que daria em resultado vantagem para o consumidor, mas damno ou pelo menos diminuição de proteção para a industria, o n’essas condições já o novo imposto sobre o carvão se não poderia apresentar como elemento compensador. E tanto assim é, sr. presidente, que desde o momento em que por indiscrição não sei de quem, appareceu transcripto n’um jornal do Porto o projecto da nova pauta foi isto o sufficiente para no ministerio da fazenda choverem as reclamações, os pedidos e as cartas aconselhando me a não ceder ao impulso natural de reformar a pauta, e affirmando-se que o projecto iria affectar sensivelmente as nossas industrias.

Era vista disto já v. exa. vê que será injusta, sob este ponto de vista, toda a apreciação em que se não tenha em conta simultaneamente estes tres factores: direito sobro o carvão, reducção nos direitos do importação e dos artefactos e reducção nos direitos das materias primas.

Portanto, sr. presidente, firmando-me na opinião tão auctorisada d’esta commissão, e olhando para, o que se passa em Hespanha, julgo achar-me justificado, quando declaro não ter receio algum de que o direito sobre o carvão de pedra possa affectar a navegação ou a industria portugueza, e n’estas circunstancias não posso, apesar da muita amabilidade de que usou n’essa parte do seu dis-

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curso o sr. Serpa Pimentel, condescender com o pedido feito por s. exa. ao propor-me que cedesse do artigo 2.° do projecto. Não posso na actualidade prescindir do uma receita de 70:000$000 réis, que até certo ponto eu julgava auctorisada com a propria opinião aliás muito para attender do s. exa. emquanto ministro da fazenda.

Desde o momento em que concordei com as modificações feitas pela camara dos senhores deputados na proposta que primitivamente apresentara, era natural que só me offerecessem compensações, a fim de que obtivesse a receita que esperava obter por essa proposta. Foi com esse intuito que se suscitou a idéa de duplicar a taxa complementar. Acceitei essa idéa, de que deve resultar um augmento de receita não inferior a 250:000$000 réis.

Sr. presidente, nas condições em que se encontra o thesouro, creio que o governo podia, como expediente e por um anno apenas, acceitar, como acceitou, esta proposta, embora conheça amplamente que ella tem muito graves inconvenientes economicos, que muito bem foram ponderados pelo sr. Anselmo Braamcamp, em 1873, quando o sr. Serpa Pimentel trouxe á camara dos senhores deputados o projecto da creação da taxa complementar. As circumstancias, porém, hoje são diversas e por mais de uma rasão.

Como o digno par o sr. conde de Valbom disse, um dos maiores inconvenientes da creação da taxa complementar era a extraordinaria complicação do expediente das alfandegas pela difficuldade de acrescentar ao calculo de um direito fixo o de um novo direito ad valorem, mas essa difficuldade não augmenta agora, porque tanto faz calcular a taxa de 1 por cento como a de 2; a difficuldade está em fazer o calculo.

Um dos inconvenientes do estabelecimento da taxa complementar, não deve pois de modo algum imputar-se ao seu proposto aggravamento. Só esse inconveniente não desapparece, pelo menos não se torna maior.

Mas ha ainda um outro argumento, e esse capital, a favor da proposta da duplicação da taxa complementar.

Quando se estabeleceu a taxa do 1 por cento, affirmava-se e repetia-se que a receita publica estava quasi elevada ao nivel da despeza, e que se se lançava uma taxa complementar sobre os direitos aduaneiros, era, como esta expressão mesmo está indicando, para conseguir equilibrar inteiramente a receita com a despeza.

Em tão extraordinarias condições de prosperidade financeira, era, pois, licito exigir que se procurasse outra forma de tributo, que offerecesse menos inconvenientes economicos; mas hoje a situação é inteiramente diversa, e as necessidades do thesouro sobrepujam tudo, e obrigam a acceitar expedientes, embora maus, preferiveis comtudo á impossibilidade de satisfazer aos nossos encargos.

Sr. presidente, a posição do meu illustre collega o sr. Anselmo Braamcamp está plenamente justificada.

S. exa. combateu a creação da taxa complementar em 1873, porque as circumstancias eram relativamente favoraveis; na presença, porém, de um deficit que no anno economico actual attinge 7.000:000$000 réis e no futuro não baixaria de 5.000:000$000 réis, parece me que se póde acceitar, corço expediente por um, anno, aquillo que até certo ponto se combateu em outra occasião.

Sr. presidente, eu vejo felizmente os nossos fundos em Lisboa a 52 por cento, e em Londres, segundo as noticias que tenho recebido, chegaram esses fundos a 53 3/4 . Ora, pondo completamente de parte as pessoas, e nem sequer pretendo alludir a mim; que nada valho, mas sim aos meus collegas que valem muito, seja dito isto sem quebra, por modestia, do solidariedade ministerial, eu devo declarar que tem de certo concorrido muito para esta melhoria a consciencia que lá fóra vão tendo os capitalistas interessados nos nossos fundos, de que a camara dos senhores deputados e a maioria desta casa procuram por todos os modos
auxiliar o governo no seu empenho de melhorar a nossa situação.

Estou muito convencido de que ao proposito de conjurar as nossas difficuldades e á certeza de que muitas das providencias que se submetteram á camara, e era que se pedem sacrificios ao paiz para esse fim, se póde em parte attribuir que os nossos fundos não só mantenham uma cotação alta, mas se elevem mesmo a um preço que desde muito tempo não attingiam, conservando manifesta tendencia para melhoria.

Aqui está a rasão por que, como ministro da fazenda, insisto na prompta approvação d’este e de outros projectos, não duvidando acceitar modificações em um ou outro ponto d’elles, quando possam melhoral-os, comtanto que se conserve bem firme o proposito em que todos estamos de procurar habilitar o governo a satisfazer a todos os encargos publicos, para que o paiz não falte aos seus compromissos.

Sr. presidente, alludiu o sr. conde de Valbom á dignidade do ministro da fazenda, que julga ver offendida, permitta-me s. exa. que lhe diga que essa dignidade encarrego-me eu da a zelar, attendendo aos dictames da minha consciencia e aos conselhos dos meus amigos e correligionarios.

A todos nós cumpre ter em vista a manutenção da propria dignidade, mas não é de certo no conselho dos adversarios que podemos encontrar a mais desinteressada opinião para amoldarmos por elle o nosso procedimento. Cabe-me pois a mim o não ao digno par o ser juiz dessa dignidade, ouvindo para isso quando muito os conselhos dos meus amigos e dos meus correligionarios, mas seguindo principal mente o que a minha consciencia mo indicar.

Aonde estão porem, sr. presidente, essas alterações essenciaes no pensamento ministerial, que justifiquem os accusações do que o governo deixa mutilar e transformar completamente os seus projectos?

Aonde estão destruidos pelas emendas as propostas principaes e os intuitos do ministro da fazenda?

O pensamento do governo, o seu intuito principal era e é o augmento da receita. N’este sentido acceitou, o acceitará todas as alterações que possam concorrer para tornar menos oneroso para o contribuinte o novo sacrificio que d’elle se exige, condescendendo até em pontos secundarios com as suas sympanhias, ainda mesmo quando não concorde em absoluto com a conveniencia das indicações que admitte.

Mas, sr. presidente, não está já votado na outra casa do parlamento, não está já apresentado a esta camara o projecto de lei que modifica e transforma a contribuição predial em uma contribuição de quota, e que deve produzir um melhoramento importantissimo para a nossa receita?

Não tem sido largamente estudado na Commissão de fazenda da outra camara e não lhe será brevemente submettido um outro projecto financeiro capital no systema do governo, o que se refere á contribuição do rendimento?

E poder-se-ia porventura imaginar que uma proposta d’aquelle imposto fosse admittida pelo paiz, que aliás não estava nada preparado para a receber, sem modificações, sem que se ouvissem previamente as opiniões dos mais directamente interessados e competentes n’essa materia? De certo que não. E tão convencido estava d’isto que eu proprio desejei demorar muito de proposito a discussão da proposta no seio da commissão de fazenda da outra camara, a fim de dar tempo a que a opinião publica se manifestasse a seu respeito, e se apresentassem todas as indicações que fossem julgadas opportunas, para dentre ellas se escolherem áquellas que se julgassem acceitaveis, de modo que, sem prejudicar o pensamento essencial do governo, se podesse tornar o imposto menos repugnante, removendo o mais que fosse possivel os attritos que a proposta do governo convertida em lei houvesse de encontrar na sua execução.

Obteve-se assim uma base segura para discutir larga-

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mente essa proposta no seio da commissão de fazenda da camara dos senhores deputados, attendendo-se, no decurso d’essa discussão, a tudo que foi parecendo rasoavel n’essas indicações ou representações enviadas áquella camara, ouviram-se, por similhante fórma, todas as pessoas que podiam ser ouvidas sobre o assumpto, e a proposta do governo póde por fim transformar-se num projecto de lei, o qual, acompanhado de um extenso e bem elaborado parecer da respectiva commissão, vae dentro em breve ser discutido na outra casa do parlamento, e depois virá a esta para ser submettido á discussão esclarecida dos dignos pares, a receber tambem aqui, quando necessario seja, aquellas alterações que ainda pareça conveniente introduzir em um projecto por sua natureza tão importante.

Continuando, porém, n’esta resenha, que prova a justiça ou injustiça com que se pretende ver inutilisado o pensamento ministerial, perguntarei ainda a v. exa. se não está dado para a ordem do dia d’esta camara um projecto de lei que modifica as tabellas do sêllo, medida de que o governo espera tirar uma receita de centenares de contos de réis?

Não está transformado em lei o projecto auctorisando a arrematação do real de agua e tantos outros que o governo tinha apresentado ao parlamento, e que passaram, n’uma e n’outra camara, sem modificações importantes?

Não mostra isto tudo que se mantem o pensamento primordial do governo de augmentar as receitas publicas, indo affectar principalmente a contribuição directa?

E ainda ha mais. Na commissão respectiva não está sendo examinada a proposta para a reforma do tribunal de contas, e da contabilidade publica, o que trará um melhoramento não só administrativo, mas tambem do mais elevado alcanço financeiro?

N’estas circumstancias, a situação em que o governo se acha perante as duas casas do parlamento não o humilha nem o vexa, e mostra que elle póde esperar ainda largo tempo antes que pense em abandonar estas cadeiras, o que farei por minha parte sem difficuldade, assim que tenha a convicção de que não posso, conservando-me aqui, ser util ao meu paiz e ao partido de que tenho a honra de ser membro.

O sr. Presidente: — Vou ler os nomes dos dignos pares que pediram a palavra, a fim de ver se falta a inscrever alguem mais que a tenha tambem pedido. S. exa. designando se faliam a favor ou contra.

Leu e inscreveram-se:

O sr. Serpa Pimentel, contra parte do projecto.

O sr. Carlos Bento, a favor da generalidade.

O sr. conde de Valbom, contra.

O sr. conde de Castro, a favor.

Os srs. visconde de Bivar e Vaz Preto, contra.

O sr. Presidente: — Tem a palavra contra o sr. Agostinho de Ornellas.

O sr. Agostinho de Ornellas: — Sr. presidente, as breves reflexões que tenho tenção de apresenta: sobre o projecto em discussão teriam talvez mais cabimento por occasião de se discutir o seu artigo 2.°, ao qual sobretudo desejo referir-me; obriga-me, porém, a tomar a palavra na generalidade o desejar tambem dizer alguma cousa, sobre uma disposição contida no artigo 1.º Foi a materia nova d’este artigo principalmente o que me decidiu a entrar na discussão na generalidade, embora não rejeite o projecto na sua totalidade, nem tenha o proposito de sustentar o debate na altura a que o têem elevado os oradores que me precederam.

No artigo 1.° do projecto ha uma disposição que me parece não poder passar sem reparo, pois pretende restaurar nada menos que as antigas alfandegas provinciaes que, em tempos felizmente passados, elevaram barreiras e punham obstaculos ao commercio entre as provincias do mesmo paiz.

Realmente os nossos financeiros parecem ás vezes tomado de tal furor fiscal que não ha principio incontroverso que lhes imponha respeito, nem factos averiguados a que só digam attender. Introduz-se n’este artigo uma disposição nova, que eu considero impolitica e anti-economica, que não teve origem no projecto do governo, mas se foi buscar a uma das muitas propostas formuladas pelo illustre ex-ministro da fazenda, sr. José de Mello e Gouveia, a qual serviu de fonte proxima para se elaborar essa que temos presente.

Dominado pela idéa exclusiva do crear receita separava o sr. José de Mello as ilhas adjacentes do continente, do que pela carta constitucional fazem parte integrante, e considerava exportação o transporte do generos entre os districtos do continente e os districtos insulares. Tinha em vista tributar as rolhas que na Madeira principalmente se importam, e como tributava toda a cortiça indistinctamente, quer manufacturada quer em bruto, podia o seu projecto dar algum proveito ao fisco, embora violasse os mais sagrados principios da boa economia politica.

Ainda na proposta original do governo se comprehendo a conservação de tal disposição, pois tambem sujeitava a cortiça a direitos de exportação; no projecto, porém, que temos presente, que isenta as rolhas de todo o direito, o conservar ainda as palavras «ou ilhas adjacentes» é uma simples violação de principios, para não dizer da constituição do estado, e demais sem o menor resultado financeiro, pois nas ilhas não ha fabrica de cortiça e não se faz lá importação de cortiça em bruto, nem mesmo fabricada, em pranchas ou quadros.

Devo, porem, ainda dizer, para completar o protesto que desejo lavrar contra a idéa de igualar á exportacão para o estrangeiro o transporte dos generos para as ilhas adjacentes, que quando lá existissem fabricas de cortiça, essas deviam ser equiparadas ás nacionaes o não tratadas como estrangeiras. Se as ilhas estão sujeitas aos mesmos encargos que o continente, se os nossos estadistas persistem em centralisar aqui o governo d’ellas a porto de se não concertar um telhado de edificio publico sem licença de Lisboa, concedam-lhos ao menos o tratamento de nacionaes no que diz respeito ao transporte de generos commerciaes.

Quando recentes escriptores fallam de uma liga aduaneira que comprehenda a França, a Belgica, a Suissa e até a Italia, constituindo assim um Zollverein latido; quando em Goa, por exemplo, supprimimos as alfandegas que nos separavam dos dominios da imperatriz das Indias, antepondo as vantagens economicas aos inconvenientes politicas e as susceptibilidades nacionaes, não devemos, para obter um mesquinho resultado financeiro, alienar os sentimentos das populações insulanas, tão portuguezas como as do continente, e que se sentirão offendidas se as tratarem como estrangeiras .

Não acrescentemos mais uma rasão do queixa ás que têem, ou julgam ter, os habitantes das ilhas igualmente tratados emquanto a encargos, desigualmente quanto a vantagens.

Não mando para a mesa uma proposta modificando a doutrina do artigo, porque o sr. ministro da fazenda, e meu amigo, acaba de manifestar um tão decidido proposito de não fazer concessão alguma, que mal posso esperar que consinta n’uma alteração que só tem um valor doutrinal, para assim dizer, pois como está redigido o projecto este artigo nenhum effeito produz na pratica, que vá affectar o commercio entre o continente e as ilhas.

Quanto ao artigo 2.° desejo tambem fazer algumas reflexões.

As objecções geraes contra o imposto que elle cria foram já apresentadas com grande desenvolvimento por alguns dos meus illustres collegas, e por isso pouco tenho a acrescentar ao que disseram.

Não disertado, como o podia fazer na generalidade d’este projecto, a Importantissima e urgente questão da reforma ia nossa pauta, limito-me a tratar dos unicos direitos que

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o sr. ministro da fazenda julgou dever modificar ou crear de novo.

Eu creio que se devemos e podemos reduzir de algum modo a protecção á nossa industria, devemos fazer modificando os direitos exorbitantes que o sr. ministro no seu relatorio não duvida chamar quasi prohibitivos, e que, portanto, nenhum resultado podem produzir para o fisco.

Se a industria nacional póde sem prejuizo supportar uma redacção na protecção que todos concordam em conceder-lhe, antes diminuir os direitos protectores em beneficio dos consumidores, e com o augmento da receita publica, do que tributar as materias primas.

Ora, este artigo tributa a, materia prima por excellencia, aquella de que todas as industrias têem necessidade impreterivel, e cada vez mais hão de ter, á medida que se forem desenvolvendo e tomando maior incremento.

Sendo o resultado financeiro d’este imposto sobre o carvão relativamente pequeno, e sendo os inconvenientes que d’elle resultam á industria e á navegação de tão alta importancia, seria mais vantajoso, conforme os bons principios economicos, renunciar a elle.

Os inconvenientes que se dão, e que o sr. ministro da fazenda procurou attenuar no seu discurso, affirmando que não ha que temer em relação aos portos do continente, sobem de ponto com relação ao Funchal, onde ha circumstancias especiaes que tornam este imposto excepcionalmente grave e summamente perigoso.

Não me parece que n’este momento, quando deve brevemente concluir-se o caminho de ferro da Beira, que nos approxima consideravelmente do centro da Europa, quando todos os esforços do governo deviam convergir para dotar o porto de Lisboa com os melhoramentos do que carece para rivalisar com os portos das nações civilsadas, não me parece opportuno que em vez de construir docas, de tornar aqui possiveis as grandes reparações navaes, de dar abrigo ás embarcações, de facilitar o trafico, de tornar pouco dispendioso o abastecimento dos vapores com o combustivel que aqui vem tomar, vamos lançar sobre esse combustivel um pesado o inconveniente imposto.

Difficultamos assim, em vez de o facilitar, que o porto de Lisboa preencha o fim a que o destinam as suas esplendidas condições naturaes que, se não lhe obstarem o desleixo e as erradas medidas dos nossos governos, hão de fazer que seja para a navegação africana e transatlantica, o que é hoje para a navegação do oriente o porto de Brin disi.

Não temos docas, não temos facilidade alguma de embarque e desembarque, cobrâmos pesados direitos de porto, de quarentena, etc., e vamos aggravar todos esses inconvenientes tributando o carvão de pedra! Parece que em vez de querer attrahir a navegação, procurâmos afugental-a, e para obter um mesquinho augmento de receita vamos sacrificar o grandioso futuro de um porto que a natureza fadou para ser um dos primeiros do mundo.

A posição unica que teve o porto de Lisboa, quando era o emporio do commercio do oriente, passou para nunca mais voltar, mas podemos antever, n’um proximo futuro, iguaes proveitos aos que auferiamos de um monopolio transitorio, estabelecendo-se aqui no extremo occidente da Europa o emporio do commercio com a costa occidental de Africa e com a America, do sul. Para isso, repito, é necessario, em vez de crear novos obstaculos á navegação, remover os que ainda existem, e em voz de tornar mais caro o abastecimento das embarcações, tornal-o mais facil, mais rapido e mais barato que em nenhum outro porto vizinho.

É possivel que o imposto que em Hespanha se lança actualmente sobre as materias similares, não permitia que desde já se sintam os funestos resultados d’esta medida, e não deixem tornar contraproducente o imposto sobre o carvão, dando logar a que Vigo supplante o Porto, e Cadiz ou Gibraltar, Lisbos.

Mas deverá suppôr-se fundada em base solida uma medida financeira, que está dependente da conservação de um imposto que existe n’um paiz estrangeiro e rival, não tendo nós, nem podendo ter, garantia alguma de que elle não possa ser modificado do um momento para o outro?

Se acontecer que, poucos mezes depois do approvado este projecto, o governo hespanhol queira diminuir o imposto sobre o carvão, não soffrerá muito com isso a navegação dos nossos portos?

Não seremos obrigados a renunciar immediatamente a este recurso fiscal?

Mas, como dizia: se ao porto de Lisboa não póde presentemente, em virtude da actual legislação hespanhola, fazer concorrencia o porto de Gibraltar, o mesmo não acontece com o do Funchal, que tem por concorrentes como pontos de escala e de abastecimento de navios, os portos de Teneriffe e S. Vicente de Cabo Verde.

Em Teneriffe, que é porto franco, ha tambem um molhe, quando no Funchal nem sequer um cães existe.

Começou-se a construir uma estrada que ligasse o cães da Pontinha, a um kilometro da cidade, com a alfandega, mas quando estavam vencidas as maiores difficuldades da obra, quando parecia que devia proseguir activamente, mandou o governo suspendel-a e os trabalhos interrompidos já soffreram sem defeza os estragos dos ultimos temporaes.

Alem d’isso os fretes do carvão de pedra que de Inglaterra vae para Teneriffe e S. Vicente de Cabo Verde, são os mesmos que para a Madeira, o que prova que não é só a distancia que os determina, senão tambem os fretes de saida e de retorno, as facilidades de embarque e desembarque, as correntes maritimas que favorecem ou difficultam a viagem, o risco de avaria, etc.

Estas informações foram-me fornecidas por pessoas que traiam d’estes negocios. Tenho, portanto, motivo para as julgar exactas.

O frete que actualmente se paga por uma tonelada de carvão de pedra dos portos de Inglaterra para a ilha da Madeira, sobe ali schellings.

As despezas de desembarque, armazenagem, seguro, commissão, orçam por 7 schellings e 6 pence; addicionando 9 sechellings e 6 pence, custo primitivo do carvão, vemos que se não póde vender no Funchal uma tonelada por menos de 28 schellings, sem contar o lucro do negociante.

Ora em Teneriffe vende-se por preço inferior a este, aos navios mercantes e por preço igual aos de guerra.

N’estas circumstancias, todo o addicional que for recair sobre o carvão de pedra faz com que o Funchal fique impossibilitado de concorrer com o seu mais proximo o perigoso rival n’este ramo de commercio.

Desejava acrescentar algumas rasões deduzidas da estatistica do nosso movimento commercial; são, porém, esses dados tão pouco seguros, que só a medo a elles recorro. Julgo, comtudo, que se calcula em 40:000 toneladas o carvão de que annualmente se abastecem os vapores que fazem escala pelos portos do continente e ilhas.

Pagando cada tonelada 150 réis, dá este vexatorio direito para o fisco, como unico resultado financeiro, uma somma de 6:000$000 réis annuaes.

Valerá a pena, por tão pequena somma, correr o risco do afugentar dos nossos portos a navegação a vapor, quando não podemos ter a certeza de a tornar a chamar aos antigos pontos de escala, uma vez estabelecida para outros pontos a corrente da navegação?

E se o direito sobre todo o carvão embarcado em todos os portos do reino apenas dá 6:000$000 annuaes, o que poderá produzir a cobrança d’este imposto no porto do Funchal? Uma quantia insignificante, que não irá engrossar a receita do thesouro e póde concorrer para a ruina de uma provincia importante, que pagas as suas despezas, produz liquidos para o thesouro 130:000$000 réis por anno.

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Acresce a isto que o systema de cobrança do direito por inteiro, restituindo metade por drawback, é oneroso, por dar logar a um empate inutil do capital empregado n'este commercio. O negociante que importa carvão só para fornecimento de vapor, é obrigado a pagar o direito total que fica na mão do fisco para depois lhe ser restituido quando for embarcado o genero.

Ora, todos, ou quasi todos os productos destinados á reexportação, ficam armazenados em franquia e não pagam direitos.

Porque se não applica o mesmo processo ao carvão?

O drawback obriga os negociantes a empatarem o seu capital, e o capital empatado vence um juro que equivale a mais um addicional que vae augmentar o custo do genero e torna mais graves as consequencias d'este direito, sem vantagem alguma para a receita que ele produz.

Creio ter demonstrado que, ainda que o governo julgue o contrario, este systema de cobrança vae aggravar o preço do carvão de pedra, não só do que se destina ao consumo, mas ainda do que é destinado á reexportação, e creio tambem tem demonstrado que o porto do Funchal excepcionalmente em virtude d'este novo imposto.

O sr. Camara Leme: - Apoiado.

O Orador: - Movido por estas rasões entendi dever assignar uma proposta que tenciono mandar para a mesa (quando se discutir o artigo 2.°) com o meu amigo e collega o sr. D. Luiz da Camara Leme, para que, se a camara entender dever approvar aquelle artigo, conceda ao menos uma justa isenção ao porto cujos interesses são por elle mais gravemente prejudicados.

O sr. Presidente: - Seguia-se com a palavra o sr. Carlos Bento, mas tambem o sr. relator do parecer a pediu, e prefere. Perguntarei pois ao sr. relator se quer usar agora da palavra?

O sr. Conde de Castro (relator): - Sr. presidente, usarei agora da palavra, começando por mandar para a mesa um parecer da commissão de fazenda sobre o projecto de lei que proroga o praso da isenção de direitos do nacionalisação para as embarcações estrangeiras movidas a vapor.

Quanto á materia em discussão, direi que da outra vez que me coube a palavra, tive occasião de responder ao digno par o sr. Vaz Preto sobre a sua argumentação acercados direitos relativos á cortiça, cumprindo-me agora responder aos argumentos apresentados por alguns dignos pares contra os outros artigos do projecto. Mas, antes de passar adiante, desejo fazer um reparo sobre uma apreciação que se fez n'um jornal que se publica na capital, e que, referindo-se a mim, é inexacta: eu não sei ao certo quem é o auctor do artigo, mas supponho que me escuta, e não posso crer que essa apreciação partisse de má vontade contra a minha pessoa, nem do desejo de indispor contra mim uma corporação tão respeitavel, e na qual tenho alguns amigos, como é a associação commercial de Lisboa.

Diz-se n'esse artigo que eu notei como defeito do projecto o ter-se introduzido n'elle, com respeito ao direito da cortiça, algumas modificações quasi inteiramente moldadas na representação da associação commercial de Lisboa. Eu appello para o cavalheirismo de quem escreveu esta ipreciacão, e espero que rectificará similhante engano. O que eu declarei foi que era possivel que alguem considerasse como defeito e accusasse o sr. ministro da, fazenda por ter consentido n'aquellas alterações, que, com uma muito pequena differença, têem por base a representação a que me referi. Mas tambem declarei que pela minha parte não podia sustenta que o sr. ministro da fazenda, todas as vezes que lhe fossem apresentadas quaesquer reclamações justas, as não devesse acccitar.

Repito, pois, que não só não pronunciei tal asserção, como nem podia ter uma tal idéa, e antes pelo contrario disse que o projecto n'aquelle ponto está mais acceitavel, por ir de accordo com as indicações apresentadas pela associação comercial de Lisboa.

Fazendo justiça ao auctor do artigo, entendo que devo talvez attribuir a inexactidão ás pessimas condições acusticas d'esta casa, e por isso espero da sua probidade merecer-lhe uma reparação.

Sr. presidente, quanto ao direito sobre o carvão, devo dizer que n'este ponto estou de accordo com alguns dignos pares, que têem fallado sobre o assumpto, de que o imposto sobre o carvão não e sympathico, estando no caso de muitos outros, ou, por assim dizer, de todos os impostos.

Dizia, e dizia muito bem o sr. Fontes, no seu relatorio sobre o estado da fazenda publica em 1872, que «desejava bem encontrar impostos sympathicos, mas que não os conhecia»; e na realidade todos são antipathicos, e o do carvão está n'este caso. E creio até que s. exa. usára d'aquella phrase para justificar de algum modo o imposto que desejava então estabelecer sobre o sal.

Effectivamente o imposto sobre o sal estava quasi no mesmo caso do que o imposto sobre o carvão de pedra, porquanto ia recair sobre um genero de geral consumo, e affectar principalmente as classes menos abastadas.

No emtanto, o sr. Fontes Pereira de Mello apresentou ás côrtes uma proposta de lei tributando o sal.

Eu não me refiro a essa proposta para censurar o digno par, porque sou o primeiro a reconhecer que se as nossas circumstancias financeiras não melhorarem, seremos ainda obrigados a recorrer a esse imposto. Elle é pouco sympathico, mas por isso mesmo o sr. Fontes, que o queria tornar mais acceitavel, abolia ao mesmo tempo o imposto do pescado.

Sr. presidente, é verdade que não ha imposto que seja symipathico, e que este sobre o carvão tambem o não é, mas e igualmente verdade que são exageradas as apreciações que são extraordinariamente exageradas as apreciações que se fizeram. O meu respeitavel amigo, o sr. conde de Valbom, fez uma descripção por tal modo assustadora, pintou com cores tão carregadas a situação em que ficava a nossa industria, se passasse este projecto, que me cheguei a recordar d'aquella descripção que se fez n'essa camara a respeito do arrematante, quando só tratou do projecto relativo ac real de agua, apresentando-o a gosar de todos os privilegios e a praticar todos os vexames que gosavam e praticavam em outro tempo.

Comparando a descripção que então se fez, com a que se faz actualmente, confesso que noto a mesma exageração. Ao sr. conde de Valbom só faltou fallar no pão negro da industria.

Sr. presidente, quando se discutem assumptos, d'esta ordem, assumptos de um carater positivo, como são os de fazenda, é preciso que não tratemos de querer influir sobre o espirito publico com apreciações exageradas; o que precisâmos saber e se o imposto sobre o carvão vae perturbar o movimento industrial e se póde de algum moda affectar a navegação. Se se poder fazer essa demonstração, muito bem; mas dar a entender que a industria nacional ha de soffrer immensamente, sem que haja dados nenhuns que justifiquem similhante asserção, isso é que não me pareçe justo.

O projecto estabelece o direito de 300 réis por cada tonelada de carvão de pedra que se importar, e faz isto porque, sendo absolutamente necessario crear receita, havia de naturalmente escolher-se um genero, cuja importação fosse valiosa, de modo que merecesse a pena lançar esse imposto.

Vejo pela ultima estatistica que temos a este respeito, que é a relativa ao anno de 187, que nós importámos n'esse anno de Inglaterra 217.544:104 kilogrammas no valor de 1.203:890$000 réis.

Já se vê, pois, que a importação do carvão é avultada, e que a idéa de recorrer a este imposto havia de naturalmente occorrer a um governo, compenetrado como o actual,

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da urgente necessidade de crear novas receitas para pôr termo á nossa precaria situação financeira.

Sr. presidente, não posso crer que o direito que se propõe n’este projecto venha a influir no movimento da navegação a vapor que faz escala pelos nossos portos, sobretudo pelo de Lisboa.

Se considerarmos a questão por este lado, vejo que em Hespanha o direito sobre o carvão de pedra tem sido sempre muito mais elevado que entre nós.

De 1846 a 1800 esteve ali estabelecido um direito, quasi prohibitivo, de 16 pesetas ou 2$880 réis por cada tonelada! Depois, em 1869 o direito sobre aquelle artigo desceu a l,25 pesetas ou 225 réis por tonelada. E em 1877 tornou a augmentar, isto é, duplicou, pois foi elevado a 2,5 pesetas ou 450 réis.

O sr. conde de Valbom disse na ultima sessão que esta equivalencia não era exacta; todavia a haver differença é pouco apreciavel, e eu computo a peseta em 200 réis.

Ora é para notar que tendo sido a importação media de 1869 a 1876, de 486:802 toneladas, a importação em 1877, depois do direito ter duplicado, foi de 7.64:461 toneladas. E em 1878 foi approximadamente na mesma importancia que no anno anterior, isto e 761:557 toneladas. Poderia suppor-se que houvesse alguma causa excepcional que determinasse essa maior importação no anno de 1877.

Mas vê-se que a estatistica do anno immediato mostra que esse augmento se manteve, e que por conseguinte não foi devido a essa causa excepcional.

O nobre ministro da fazenda no excellente discurso que acaba de pronunciar, demonstrou que o direito que se vae estabelecer imo eleve perturbar o movimento industrial, e que este projecto se não póde considerar senão como um expediente financeiro.

E efectivamente assim é.

Não tratâmos agora de alterar ou reformar a pauta, o que talvez só tarde poderá succeder, mas sim de recorrer a um meio de receita, de que não podemos deixar de lançar mão nas circumstancias actuaes do thesouro.

Hoje, o carvão pelo preço actual, juntando-lhe ainda as despezas de frete, armazenagem e outras, a que se têem aqui referido, é baixo, relativamente ao seu preço em outras epochas.

Posso dizer isto porque tenho acompanhado o estudo d’este assumpto nas diversas reformas das pautas que se têem feito ha vinte annos a esta parte.

Succede muitas vezes estar o carvão a 5$000 e 6$000 réis a tonelada, o que actualmente se não dá, pois regula approximadamente por 4$200 reis?, comprehendidas todas as despezas. Ora, acrescentando-lhe 300 réis de imposto por tonelada, vem a ficar a 4$500 réis, e não me parece que este augmento possa prejudicar de uma maneira sensivel a nossa industria, como, se tem pretendido.

Apresentou-se aqui tambem um argumento, que produz um certo effeito, mas que não me parece, francamente o digo, que tenha força alguma.

Argumenta-se dizendo que o direito em Hespanha é um direito protector. Mas que importa? Essa circumstancia prova tão sómente que a extracção da hulha dos jazigos carboniferos da Extremadura e das Asturias é custosa, e por isso o carvão produzido em Hespanha carece de um direito protector.

É claro, pois, que esse carvão, vindo para o consumo, ha de ser mais caro do que aquelle que nós importâmos Isto é logicamente verdadeiro. E não devemos deixar de notar que o direito em Hespanha é, como diz a commissão no seu parecer, muito mais elevado que o nosso, pois paga ali o carvão 450 réis por tonelada.

Desejo tratar mais largamente este assumpto na parte que diz respeito á navegação, para assim fundamentar bem os motivos por que me não intimidam, nem produzem impressão no meu espirito, as rasões que se têem allegado contra o imposto.

Com relação ao carvão que se destina a embarque, isto é, ao carvão que reexportâmos, com applicação ao fornecimento das embarcações a vapor, estabelece-se apenas o direito de 150 réis, emquanto que aos portos de Hespanha o direito que está estabelecido é de 450 réis.

Eu disse já na commissão, que no nosso paiz a importação do carvão de Inglaterra, pois é de Inglaterra que principalmente nos abastecemos, essa importação faz-se em condições muito mais vantajosas do que em Hespanha, e ainda hoje sustento esta opinião. Essa vantagem provem não só da proximidade em que estamos dos portos inglezes, mas tambem das muitas relações commerciaes que existem entre os dois paizes, e effectivamente nós temos mais relações commerciaes com a Inglaterra, do que esta nação tem com a Hespanha. E a circumstancia de virem os navios carregados de carvão, e terem um retorno certo, faz com que os fretes sejam mais baratos.

Tenho ouvido dizer, o que á primeira vista parece absurdo, que succede muitas vezes que o carvão fica em Portugal, depois de pagos os direitos, fretes e armazenagem, por um preço mais barato do que em alguns pontos da Inglaterra.

Isto devo acreditar-se desde o momento em que se compare a modicidade do frete maritimo em relação ao frete terrestre, que por mais elevado, torna mais caro o transporto da hulha para os centros manufactureiros em que ella se consome.

O sr. ministro da fazenda, com aquelle desejo que tora sempre de esclarecer as discussões, e de fazer com que sejam approvadas as suas medidas á força de boas rasões, deu-nos alguns esclarecimentos, de cuja verdade não podemos duvidar, a respeito do preço do carvão.

D’esses esclarecimentos, e funda de outros, se vê que effectivamente ha grande differença entre o preço do carvão no porto de Lisboa, e principalmente no Porto, com relação ao seu preço no porto de Vigo. Segundo aquella nota que s. exa. leu, a differença do preço por tonelada é de 1$300 réis, comprehendidas todas as despezas.

N’estas circumstancias, sendo exactos, como me parece que são, aquelles- esclarecimentos, como é que só receia que 150 réis por tonelada possa fazer com que a navegação a vapor transatlantica vá de preferencia procurar o porto de Vigo, ou qualquer outro de Hespanha?

Eu podia adduzir outros argumentos para demonstrar que ainda quando fossem grandes as vantagens, como só quer fazer suppor, da escala pelo porto de Vigo, ainda assim, pela differença de direito sobre o carvão, não poderiamos ser prejudicados. Mas a verdade é que essas vantagens para o commercio realmente se não dão ali.

O anno passado estive eu em Vigo, e uma das cousas que me surprehendeu mais foi o pequeno movimento maritimo d’aquelle porto, em relação á idéa que d’elle formava.

O que deveremos receiar, sim, é um desvio do commercio da cidade do Porto, desde que seja lançada a ponte sobre o Minho, ligando o nosso caminho de ferro com o da Galliza, e que a barra do Porto não esteja ainda melhorada, sendo para temer então que por Vigo se faça era parto o abastecimento das nossas provincias do norte; mas que o porto de Vigo seja preferido no de Lisboa como porto de escala, não é isso para acreditar.

N’esses dias que lá estive, os navios entrados, tanto no quadro, á carga e descarga, como no lazareto, não passavam de uma duzia! Alem d’isto, sendo a Hespanha uma nação tão desenvolvida, e dispondo de tantos recursos, procurei ver só aquelle porto já teria melhoramentos de arte, que em certos casos até supprem as excellencias naturaes do outros portos, màs não encontrei lá nem uma unica doca, ou d’aquellas a que se referiu o sr. Antonio de Serpa, para a carga e descarga dos navios, ou fixas, ou fluctuantes, para a reparação d’elles. Nem docas, nem grandes armazens.

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Apenas vi, sim, uma excellente ria, um porto de entrada muito facil, condições naturaes esplendidas, mas do que é propriamente obra da mão do homem, não encontrei nada ou muito pouco.

Portanto, quando não fosse sufficiente a circumstancia de que a differença do imposto sobre o carvão é muito grande a nosso favor, mesmo pelas condições d’aquelle porto não deve haver receio de que os navios que vem fornecer-se de carvão em Lisboa, procurem ali esse abastecimento.

Tambem n’esta discussão se mostraram muitas apprehensões quanto ao systema de cobrança d’este imposto, suppondo que deve trazer embaraços para o commercio. A este respeito já o sr. ministro da fazenda esclareceu a camara, e disse qual o modo pratico de effectuar a mesma cobrança.

Pela minha parto só observo n’este artigo grandes facilidades para o commercio, desde o momento em que se não exige a pesagem do carvão, e o direito respectivo se vae cobrar á vista dos manifestos, tendo a pesagem tão sómente logar no caso em que se suspeite haver fraude n’essas declarações.

Tanto o sr. conde de Valbom como o sr. Antonio de Serpa (e este digno par ainda me causou n’este ponto mais admiração, porque assignou o parecer com declaração unicamente quanto ao artigo 2.°), quizeram considerar como direito protector o que se estabelece no artigo 3.° sobre o coke.

Ora, este imposto, nem de facto, em era frente dos principios economicos, pelos quaes estamos costumados a guiar-nos, póde considerar-se protector. O que se pretende fazer com este imposto é exactamente o que diz a cem missão de fazenda no seu parecer.

(Leu.)

Isto é, trata-se tão sómente de collocar as fabricas do gaz n’uma situação normal de producção, e essa situação normal deixaria de existir, desde o momento em que se impozesse o direito sobre o carvão o se deixasse de estabelecer outro sobre o coke. Por consequencia aqui não ha protecção; ha apenas uma justa compensação, impondo-se um direito sobre o coke equivalente ao que se estabelece para o carvão.

Diz-se mais que o imposto sobre o coke vae influir muito na economia das familias.

Ora, pergunto eu: será crivei que o coke que viesse de fóra, com todas as despezas do freto, seguro e armazenagem, podesse ser vendido mais barato para o nosso consumo domestico?

Não sei se se estranhou que o sr. ministro tivesse annuido a umas certas modificações que a commissão de fazenda da camara dos senhores deputados introduziu na sua proposta de lei.

Eu, sr. presidente, não penso assim, e, muito pelo contrario, louvo esse procedimento. Deus nos livre de outra politica. Deus nos livre de um systema que tenda a fazer passar todos os projectos taes quaes são apresentados, sem ter em attenção as reclamações que só reputarem justas. (Apoiados.)

E que admira que isto se fizesse com este projecto, acceitando modificações que não alteram a sua idéa fundamental, quando eu tenho visto outros ministros acceitarem alterações que modificam profundamente o sentido dos seus projectos! E s. exa. o sr. conde de Valbom muito menos do que outro qualquer digno par só deve admirar d’esta maneira de proceder do sr. ministro da fazenda, porque s. exa. se deve lembrar da reforma da lei do tabaco. Effectivamente, e comquanto aquella campanha parlamentar lhe faça muita honra, é certo comtudo que s. exa. na commissão de fazenda d’esta camara acceitou consideraveis modificações ao seu projecto, e, se assim não fosse, não teriamos talvez hoje aquella importante lei. Portanto eu louvo

o sr. ministro da fazenda por ter concordado com as modificações rasoaveis que se fizeram no seu projecto.

O sr. Serpa Pimentel: — E porque não acceita as que agora se lhe propõe?

O Orador: — pediu-se a reforma da pauta, e eu declaro que a respeito d’essa reforma tenho tambem idéas minhas, e que não renego. Eu entendo que a reforma da pauta e indispensavel, e confesso que acredito muito n’ella, julgando-a uma medida de alto alcance financeiro. Entendo que podemos reduzir os direitos em alguns artigos, que são os absolutamente necessarios e de maior consumo, ou póde dizer se, de consumo geral. Esta redacção daria em resultado, talvez, uma diminuição temporaria de receita, mas creio que nós poderemos obter o meio de lhe fazer face, desde que tivermos conseguido que a receita geral augmente pelas medidas que têem sido approvadas, e pelas que nos falta ainda votar, isto é, pelo imposto directo. Com esta base creio que poderemos fazer uma reforma mais profunda e mais larga na pauta, satisfazendo assim ás necessidades do commercio, da industria e do consumo era geral. Estas idéas, sr. presidente, foram compartilhadas por algum dos meus collegas, que só acha presente, e com elle as sustentei em epochas passadas, mas, infelizmente, têem decorrido bastantes annos e essa reforma nunca se fez! Ultimamente tive occasião de ler uma discussão que houve na outra casa do parlamento em 1861, quando se discutiu um projecto de reforma da pauta, da iniciativa de v. exa., sr. presidente, e de que eu fui relator.

N’essa larga discussão o sr. Antonio de Serpa, era quem todos reconhecem grande superioridade e a maxima competencia sobre estes assumptos, approvava a reforma e perguntava a v. exa., então ministro da fazenda, se acceitava uma reducção de 50 por cento nos direitos sobre o bacalhau, justificando a necessidade d’essa reducção pelo consumo que se faz d’este artigo, e dizendo estar persuadido que essa diminuição de imposto não influiria nada, ou muito pouco, nos rendimentos das alfandegas, mas que ainda, na peior das hypotheses, quando produzisse um desfalque de 186:000$000 réis, n’essa s. exa. pedil-os ao parlamento, que elle estava prompto a votar-lh’os.

Assim obedecia o sr. Antonio de Serpa a um plano financeiro, com o qual eu muito sympathiso, mas que ainda se não poz em pratica, e rematava assim, o seu discurso: «Todas estas considerações me levam, pois, a crer que uma diminuição de direitos neste genero ha de trazer um augmento tão consideravel no consumo, que o desfalque na receita publica, quando o haja, ha de ser muito pequeno; e repito, não tenho duvida em votar os meios necessarios para de fazer face. Depois de ouvir as explicações do nobre ministro mandarei a minha proposta para a mesa, se o julgar conveniente».

Isto foi em 1861, e então perdia tambem s. exa. uma reducção importante no direito do arroz.

Quando vi entrar o digno par para o ministerio da fazenda, disse commigo: «Eis quem póde realisar essas grandes reformas, porque estou almejando». Mas o que succedeu? S. exa. entrou para o ministerio em 1872 ou 1873, esteve cinco annos gerindo a pasta da fazenda, e no seu relatorio de 1879, promettendo-nos essa tão desejada reforma da pauta, dizia-nos o seguinte a respeito d’ella: «Sem modificar es principios economicos e financeiros em que assenta a actual pauta das nossas alfandegas, não só acaba com algumas deficiencias exorbitantes que resultam das variações que tem soffido a industria, o consumo e o preço dos objectos depois da ultima reforma, que data de muitos annos, mas introduz nos serviços facilidades o clareza, que serão de uma inapreciavel vantagem para o commercio.

Ora, pergunto eu: Seria esta a tal prometida reforma da pauta?... Seria esta, que se limitava a arredondar direitos e a alcançar umas certas facilidades para o commercio?...

Sr. presidente, entendo que n’esta sessão legislativa não

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póde estar habilitado sr. ministro da fazenda a apresentar uma reforma da pauta; comtudo urge muito que ella seja apresentada no anno proximo e de modo que satisfaça, pouco mais ou menos, áquellas indicações que acabei de fazer. Ha sobretudo uma necessidade a que se deve attender, e vem a ser a de embaratecer a producção nacional, pois de facto ha um certo desaccordo entre o salario e o preço da producção.

O salario em muitas localidades não está em harmonia com o preço elevado das subsistencias, mas, onde está, faz com que a producção saia muito cara.

No anno passado, e na outra casa do parlamento, assisti a uma discussão muito interessante e desenvolvida sobre este assumpto, na qual tomaram parte dois oradores muito competentes, os srs. Barros e Cunha e Andrade Corvo, então ministro. Esta questão foi tratada proficientemente por s. exa., que apreciando o estado das nossas industrias fabris e da nossa producção agricola, mostraram que para ellas poderem concorrer com as dos paizes estrangeiros era absolutamente precisa a reforma da nossa pauta, a fim de diminuir o preço dos generos de primeira necessidade. Portanto, uma reforma debaixo d’este ponto de vista é importante e urgente.

Apresentaram-se tambem: por parte do meu digno collega e contemporaneo da universidade, o sr. Agostinho de Ornellas, diversas considerações sobre os inconvenientes que podem resultar do imposto do carvão em relação á ilha da Madeira. Creio que se justificaria pouco uma excepção para aquelle porto, não a fazendo para nenhum outro porto do continente. Mas não entro por emquanto na apreciação d’essas considerações, porque tendo o digno par declarado que formularia uma proposta no sentido indicado por occasião da discussão na especialidade, então o farei mais detidamente. Devo, porém, desde já observar que me não parece que o porto do Funchal se encontre em uma situação tão excepcional como se pretendeu, e até mesmo, se bem me recordo, o municipio d’aquella cidade esteve já para lançar um imposto sobre o carvão,

Não insisto, porém, como disse, n’estas observações, reservando-me, como s. exa., para a discussão do projecto na especialidade.

Tenho concluido.

O sr. Serpa Pimentel:— Sr. presidente, eu tenho por costume quando discuto, restringir-me exactamente ao objecto da discussão; e sem de modo algum querer fazer censura, sinto que em vez de se responder aos meus argumentos de hoje, se responda ao que eu disse ha vinte annos.

O projecto é tão bom, que em vez de se me contestarem as proposições que estabeleço a respeito do carvão, discutem-se todos os outros artigos da pauta.

Sr. presidente, eu não accusei o sr. ministro da fazenda por elle ter cedido na outra casa do parlamento acceitando modificações ao projecto; não o accuso por isso, louvo-o pela sua condescendencia.

O que é o governo constitucional senão um governo de transacções?

É necessario que as opiniões se harmonisem, pois se todos fossem de uma inflexibilidade inabalavel, como se poderia chegar a um resultado?

Para que serviria então a discussão, que é a essencia do systema parlamentar?

De que accusei s. exa. foi de não ser tão condescendente n’esta casa como o foi na outra camara.

Não era de certo referindo-se a mira, mas a outro qualquer cavalheiro, que s. exa. pretendeu justificar a sua coherencia.

Nada tenho com a incoherencia ou com as contradicções dos srs. ministros. Podem ter mudado de opinião muito conscienciosamente.

Na vida pratica em que se aprendo todos os dias ou com as lições da experiencia ha de ficar-se eternamente com a mesma opinião sobre todos os assumptos que prendem com a causa publica, embora as circumstancias hajam mudado?

O illustre ministro, condescendendo com as emendas que na outra camara fizeram ao seu projecto, mudou de opinião, mas mudou para melhor, dou-lhe os parabens.

Uma mudança de circumstancias póde muitas vezes fazer mudar de opinião, e justificar completamente esse facto.

N’isto estou perfeitamente de accordo.

Mas o caso de que se trata não é esse, e eu vejo que não só respondeu aos argumentos que eu aqui apresentei contra o imposto sobre o carvão de pedra.

Eu não disse que este imposto vae matar as industrias. Deus nos livre que podesse ter essa desastrosa consequencia, porque em tal caso era necessario combatermos aqui até á ultima extremidade, para que se não désse tão grande desgraça.

O que eu disse, e o que se não respondeu, foi que estes 70:000$000 réis que ha de dar o imposto sobre o carvão é um onus que vae recair unica e exclusivamente sobre as nossas pequenas industrias fabris. O mal não está na importancia dos 70:000$000 réis, que significaria um pequeno encargo, se elle fosse recair e repartir-se sobre todos os consumidores.

Mas eu provei, e ninguem o contestou, que este imposto vae recair unica e exclusivamente nas industrias. Que fosse de 100:000$000, de 200:000$000, de 1.000:0000000 réis, o producto do imposto, se elle fosse distribuido pela grande massa dos consumidores, como a taxa complementar não teria os graves inconvenientes que vae ter este.

Esta é que é a verdade, e ninguem mostrou o contrario.

As industrias vão soffrer com este tributo, porque não podem fazer com que elle recaia sobre os seus productos, em rasão da concorrencia que lhes fazem as industrias estrangeiras. As nossas fabricas, apesar da grande protecção da nossa pauta com relação a ellas, não podem apresentar productos mais baratos que os estrangeiros, e por consequencia não podem elevar o preço d’esses productos: logo, toda a incidencia d’este direito, vae recair, era compensação, nos interesses que ellas actualmente podem tirar dos seus artefactos. Eis-aqui está o motivo por que eu acho que esta medida é muitissimo mais gravosa do que a taxa complementar de que trata o artigo 6.° d’este projecto, apesar d’aquella render só 70:000$000 réis e esta 270:000$000 réis; e não me parece rasoavel que, pelo facto de nós precisarmos, de receita, vamos lançar impostos seja como for, porque assim se estabelecerão alguns que serão contraproducentes, como este que vae causar prejuizo ás industrias, e, portanto, affectar a riqueza publica, e com ella, indirectamente, a receita do estado.

O sr. ministro da fazenda fallou no relatorio da commissão que foi nomeada para tratar da reforma da pauta. Eu pergunto a s. exa. se o meu nome está assignado n’esse relatorio? Emquanto fui ministro da fazenda presidi áquella commissão, mas não assignei relatorio algum, e não sou, portanto, responsavel pelo que se acha n’esse a que o sr. ministro se referiu.

Demais, durante todo o tempo que fui ministro não me consta que a commissão, a que já alludi, fizesse relatorio algum.

Entendo que esse relatorio, que em todo o caso não representa a minha opinião, porque não está assignado por mira, não é senão a opinião individual do empregado a que me referi. Se foi assignado pela commissão, foi no tempo em que eu já não era ministro. Por consequencia, não tenho responsabilidade pelas opiniões que lá estão. Eu não trato de discutir aqui o relatorio nem os trabalhos da commissão. Se se tratasse disso havia de defendel-o, não digo em geral, porque n’um ou outro ponto a opinião adoptada

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372 DIARIO DA CAMABA DOS DIGNOS PARES DO REINO

não foi a minha, mas na generalidade e na grande maioria das suas conclusões.

O sr. ministro da fazenda disse que havia industrias que se tinham queixado quando tiveram conhecimento de algumas alterações feitas pela commissão da pauta. Isso é verdade, e não admira, porque uma grande parte não só dos nossos industriaes, mas dos industriaes de todos os paizes, julga que o que os salva é a protecção pautal.

Eu estou persuadido, até certo ponto, que não é assim. Creio que, diminuindo-se o direito sobre alguns productos estrangeiros manufacturados, conseguia-se robustecer a nossa industria mais facilmente.

V. exa., que é muito conhecedor das questões economicas, deve de certo saber o que acontece em outros paizes a este respeito.

No pequeno Piemonte, quando por uma reforma do conde de Cavour se alliviaram os direitos sobre objectos manufacturados, a industria d’aquelle para robusteceu-se extraordinariamente.

Os industriaes, n’este ponto, não têem rasão de queixa, nem encontram a seu favor a opinião dos economistas. A verdadeira protecção é outra, e uma parte essencial d’essa protecção é isentar completamente de direitos a materia prima.

Diz-se tambem no parecer que estamos discutindo, que em Hespanha ha um imposto maior sobre o carvão.

Isso não admira, porque em Hespanha ha minas de carvão, e o direito que ali existe é um direito protector.

Diz-se que no nosso porto, por differentes circumstancias, o carvão é ás vezes mais barato do que em alguns portos de Inglaterra.

Se em Lisboa não se encontravam as vantagens que se encontram em Inglaterra, tinhamos ao menos essa compensação, e não vamos acabar com ella, como se vae fazer por este projecto.

O sr. ministro da fazenda, descrevendo no seu relatorio o estado triste das nossas finanças, tratou de lhe applicar o remedio o com esse fim apresentou algumas propostas que estão em via de discussão.

Entre essas propostas era esta a que esperava produzis se 250:000$000 réis de receita: era, votando nós só n’este artigo da taxa complementar, uma importancia de réis 270:000$000 réis, parece-me que s. exa. podia prescindir perfeitamente do imposto sobre o carvão, mas o que eu vejo é o seguinte: o deficit augmenta ou diminuo, conforme ao governo convem.

Quando julga necessario votar impostos, diz o sr. ministro da fazenda: votae, porque o paiz está á beira, de um abysmo.

Quando se trata de um contrato com uma companhia de caminhos de ferro, á qual se concedem 6 por cento para garantia de juro, então não se falla em abysmo, e vem-se declarar ao parlamento que dentro da tres annos estará o nosso thesouro n’uma situação excellente, e que, portanto, se póde votar essa concessão.

O illustre ministro da fazenda acaba de nos dar a agradavel noticia de que os fundos publicos portuguezes sobem em Londres a 53, e s. exa. entende que a rasão d’esta subida é por estarem o governo e o parlamento dispostos a augmentar a receita do estado.

Observarei a s. exa. que a rasão por que os nossos fundos mantêem n’aquella praça cotação elevada é porque os inglezes se persuadem de que nós não estamos á borda do abysmo que nos pintou o sr. ministro, é porque elles ou não leram ou não acreditaram no seu relatorio.

Por ultimo, e para que s. exa. se convença de que não é a nossa disposição de augmentarmos a receita publica o que faz com que os fundos subam na praça de Londres, observarei que no anno de 1874—1876; em que elles chegaram ali, não a; 53, mas a.55, foi exactamente aquelle em que só não propôs augmento algum de receita.

O illustre relator da commissão fallou ainda no imposto do coke e disse que este imposto não era protector, como eu pretendia.

(Aparte do sr. conde, de Castro:)

O que eu disse e não teve resposta, é que o imposto sobre o coke, não dando um real para o estado, tem unicamente por fim indemnisar, a custa do contribuinte, as fabricas de gaz do imposto que vae pagar sobre o carvão.

As companhias do gás, tendo pago como todas as outras companhias 300 réis por cada tonelada cio carvão, vão-se indemnisar por meio do coke, que venderão 600 réis mais caro; isto não tem contestação.

Em vista d’isto, eu não pedirei já ao sr. ministro da fazenda que ceda, porque vejo que s. exa. não está disposto a ceder; mas desejaria effectivamente que s. exa. se não quizesse agora mostrar inflexivel n’esta camara, depois de ter sido tão condescendente na outra, isso é, que s.º exa. não fizesse questão ministerial d’este artigo relativo ao carvão de pedra.

Terminarei dizendo, sr. presidente, que entendo que esta camara faria um grande serviço ao para e á industria não votando o imposto sobre o carvão.

O sr. Presidente: — Ámanhã ha sessão, e a ordem do dia será a mesma que estava dada para hoje, e alem d’isso o parecer n.° 53.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas, e um quarto da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 16 de abril de 1880

Exmos srs.: Duque, d’Avila e de Bolama; João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens; Duque de Palmella; Marquezes, de Ficalho, de Fronteira, de Vallada; Condes, de Bonfim, de Cabral, de Castro, de Gouveia, de Linhares, de Samodães, de Valbom; Bispo eleito do Algarve; Viscondes, de Alves de Sá, de Bivar, de Borges de Castro, de Chancelleiros, de S. Januario, de Ovar, da Praia, do Valmór, de Villa Maior, da Praia Grande; Barão de Ancede; Ornellas, Quaresma, Sousa Pinto Barros e Sá, D. Antonio de Mello, Couto Monteiro, Fontes Pereira de Mello, Rodrigues Sampaio, Serpa Pimentel, Coutinho de Macedo, Cau da Costa, Xavier da Silva, Palmeirim, Carlos Bento, Sequeira Pinto, Montufar Barreiros, Fortunato Barreiros, Margiochi, Andrade Corvo, Mendonça Cortez, Braamcamp, Baptista Andrade, Pinto Bastos, Castro, Reis e Vasconcellos, Lourenço da Luz, Mexia Salema, Mattoso, Camara Leme, Daun e Lorena, Seixas, Vaz Preto, Franzini, Mathias do Carvalho, Canto e Castro, Miguel Osorio, Eugenio de Almeida, Placido de Abreu, Calheiros, Thomás de Carvalho, Ferreira Novaes, Barjona de Freitas, Costa Lobo.

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