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N.º40

SESSÃO DE 1 DE JULHO DE 1887

Presidencia do exmo. Sr. João Chrysostomo de Abreu e Sousa

Secretarios - os dignos pares

Frederico Ressano Garcia
João Candido de Moraes

SUMMARIO

Leitura e approvação da acta. - Correspondencia. - Tem a palavra antes da ordem do dia o sr. Simões Margiochi, que desiste d´ella, por não estarem presentes os srs. ministros da fazenda e das obras publicas. - O digno par o sr. D. Luiz da Camara Leme manda para a mesa varios requerimentos de officiaes de engenheria, reclamando contra o decreto dictatorial que organiaou o serviço technico do ministerio das obras publicas, e pergunta por esclarecimentos que pedira em tempo. Responde-lhe o sr. presidente. - O digno par o sr. conde do Bomfim declara constituida a commissão do ultramar e pede para que lhe seja aggregado o sr. Henrique de Macedo. A camara assim resolve. - O digno par o sr. Candido de Moraes pede a palavra para quando estiver presente o sr. ministro da justiça. - O digno par o sr. Antunes Guerreiro manda para a mesa diversos requerimentos de conductores do corpo de engenheiros, pedindo que se modifique o artigo 61.° da organisação do serviço technico das obras publicas. - O digno par o sr. Costa Lobo manda o parecer da commissão de negocios externos, ácerca da convenção com a China. - O digno par o sr. Barros e Sá manda dois pareceres da commissão de guerra, o primeiro com relação ao projecto de lei n.° 19 e o segundo com referencia ao projecto de lei n.° 20. - O digno par o sr. conde de Castro manda o parecer da commissão de fazenda, relativo ás contas da commissão administrativa. - Ordem do dia: discussão do parecer n.° 58, sobre o projecto de lei n.° 8. - Usa da palavra o digno par o sr. Antonio de Serpa, ao qual responde o sr. ministro das obras publicas, fallando subsequentemente os dignos pares Thomás Ribeiro, Ressano Garcia e Vaz Preto. - Em seguida é o projecto approvado na sua generalidade especialidade. - O digno par o sr. conde de Castro pede para que entre em discussão o parecer n.° 59, sobre o projecto de lei n.° 10. A camara resolve afirmativamente. - Usa da palavra o digno par o sr. Franzini, ao qual responde o sr. conde de Castro, fazendo por ultimo varias considerações o sr. Ressano Garcia. - Submettido á votação, é esse projecto approvado na sua generalidade e especialidade. - O digno par o sr. barão de Salgueiro faz algumas perguntas ao sr. ministro das obras publicas, referentemente ao fogo que houve ultimamente no pinhal de Leiria. Responde-lhe o mesmo sr. ministro. - Levanta-se a sessão, designa-se a immediata e a respectiva ordem do dia.

Ás duas horas e meia da tarde, estando presentes 43 dignos pares, o sr. presidente declarou aberta a sessão.

Lida a acta da sessão precedente, julgou-se approvada, na conformidade do regimento, por não haver reclamação em contrario.

Mencionou-se a seguinte:

Correspondencia

Um officio do ministerio do reino, remettendo o decreto autographo que proroga as côrtes geraes até ao dia 15 do corrente mez.

Ficou a camara inteirada.

Outro da mesma procedencia, enviando os documentos referentes ao sr. visconde de Alemquer, por ter sido nomeado par do reino, por carta regia de 23 de junho ultimo.

Á commissão de verificação de poderes.

Outro do juiz de direito da sexta vara, que, em virtude de uma deprecada vinda de Cintra, pede licença para ser intimado o digno par o sr. Simões Margiochi para uma diligencia requerida com relação ao inventario de Sua Magestade D. Fernando.

Foi concedida a licença.

Outro da presidencia da camara dos senhores deputados, remettendo uma proposição que tem por fim regular o lançamento e cobrança das contribuições de renda de casas e sumptuaria.

A commissão de fazenda.

Outro auctorisando o governo a concluir por empreitadas geraes as obras dos portos artificiaes de Ponta Delgada e Horta.

A commissão de fazenda.

Outro permittindo ao alumno Manuel Thomás de Sousa Azevedo a permanencia no real collegio militar, alem do limite fixado no artigo 13.° do decreto de 11 de dezembro de 1851.

Á commissão de guerra.

Outro no mesmo sentido, mas relativo ao alumno João Antonio Ferreira Maia.

Á mesma commissão.

Outro, emfim, enviando uma proposição que auctorisa o governo a contratar por dois annos, e por um subsidio que não exceda a 400$000 réis mensaes, o serviço de navegação a vapor do rio Sado, entre Setubal e Alcacer do Sal.

As commissões de fazenda e de agricultura.

Outro do presidente do primeiro conselho de guerra permanente da primeira divisão, pedindo para comparecerem e deporem ali os dignos pares os srs. Francisco Maria da Cunha e dr. Senna.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que concedem a licença pedida, tenham a bondade de se levantar.

Está approvado.

{Estava presente o sr. presidente do conselho.)

O sr. Presidente: - Vou conceder a palavra aos dignos pares que a pediram na sessão passada, e que por ter de se passar á ordem do dia, não poderam fazer uso d´ella.

Segundo a inscripção, seguem os srs. Margiochi e marquez de Pomares.

Tem a palavra o sr. Margiochi.

O sr. Margiochi: - Como não está presente o sr. ministro da fazenda, nem o sr. ministro das obras publicas, desisto por agora da palavra, e peço a v. exa. que ma reserve para quando esteja presente algum destes illustres ministros.

O sr. Presidente: - Não estando presente o sr. marquez de Pomares, tem a palavra o sr. D. Luiz da Camara Leme.

O sr. D. Luiz da Camara Leme: - Pedi a palavra para mandar para a mesa alguns requerimentos de officiaes

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de engenheiros, reclamando contra a ultima reforma de engenheria no ministerio das obras publicas.

Aproveitando o estar com a palavra, peço a v. exa. que me informe se já foram remettidos a esta camara os esclarecimentos que pedi pelo ministerio da guerra; não me refiro aos que pedi ultimamente, mas sim a uns que pedi haverá talvez um mez.

O sr. Presidente: - Os documentos ainda não chegaram á mesa. Logo que cheguem participarei ao digno par. Quanto aos requerimentos que o digno par enviou para a mesa, serão remettidos á commissão competente.

O sr. Conde do Bomflm: - Pedi a palavra para participar a v. exa. e á camara que se acha installada a commissão do ultramar, tendo nomeado para presidente o sr. vice-almirante Andrada Pinto, e para secretario a mim . participante.

Peço a v. exa. tambem, que consulte a camara sobre-se permitte que seja aggregado a esta commissão o sr. Henrique de Macedo, o qual certamente prestará uma valiosa coadjuvação, por ter ainda ha pouco exercido o cargo de ministro da marinha e do ultramar.

O sr. Presidente: - Os dignos pares que approvam o pedido que acaba de fazer o sr. conde do Bomfim, para que seja aggregado á commissão do ultramar o sr. Henrique de Macedo, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O .sr. Candido de Moraes: - Sr. presidente, eu tinha pedido a palavra (e peço a v. exa. que ma reserve) para quando estivesse presente o sr. ministro da justiça, pois o que eu pretendo dizer é relativo á administração da justiça nos Açores, e especialmente ao facto de estar o juiz da comarca da Horta mandando cobrar os emolumentos em moeda forte, contra o que expressamente manda a lei.

O sr. Antunes Guerreiro: - Sr. presidente, pedi a palavra para mandar para a mesa alguns requerimentos.

(Leu.)

Todos estes individuos são conductores de 3.ª classe e pedem que se modifique o artigo 61.° da organisação do serviço technico das obras publicas.

Os requerimentos enviados para a mesa pelo digno par o sr. Antunes Guerreiro serão remettidos á commissão respectiva.

Tendo entrado na sala o sr. ministro das obras publicas e sendo horas de entrar na ordem do dia, passou-se a esta.

ORDEM DO DIA

Leu-se na mesa o parecer n.° 58 sobre o projecto de lei n° 8 que é do seguinte teor;

PARECER N.° 58

Senhores. - As vossas commissões reunidas de fazenda e de obras publicas examinaram com a mais escrupulosa attenção o projecto de lei n.° 8, vindo da camara dos senhores deputados, o qual tem por fim habilitar o governo com os meios necessarios para poder concluir, dentro do praso de dezoito annos, toda a rede de estradas reaes e districtaes, no continente e nas ilhas adjacentes.

O estado de adiantamento d´estas estradas, referido ás datas até onde foi possivel obter esclarecimentos de confiança, é o que consta do mappa seguinte:

Estradas reaes .
(Ver valores da tabela na imagem)

Por este1 mappa se vê que, apesar das despezas importantes que durante muitas dezenas de annos temos feito para desenvolver a nossa viação ordinaria, só metade approximadamente da rede real e districtal se acha construida.

Para tirar o maximo proveito dos sacrificios já feitos e levar a cabo o que falta, com rapidez e economia, adoptaram-se no projecto de lei providencias muito salutares, tendentes a concluir promptamente as estradas já começadas e a evitar que de futuro se disseminem os trabalhos por pequenos lanços com grave prejuizo de tempo e desaproveitamento parcial das quantias despendidas.

O systema de construcção projectado é o de empreitadas, por estradas completas, zonas ou grandes lanços, postas em praça simultaneamente no conjuncto e na sub-divisão em pequenas empreitadas, de valor não excedente a 25:000$000 réis, dando se a preferencia, em igualdade de preço, a estas ultimas. É este um meio acertado de chamar ás arrematações os pequenos empreiteiros, que, ás vezes, por se contentarem com menores lucros, poderão luctar vantajosamente com os grandes empreiteiros, beneficiando o estado com esta concorrencia.

A base da licitação para cada empreitada será determinada pelo governo, ouvida a junta consultiva de obras publicas e minas, mas a media do preço kilometrico, no conjuncto das empreitadas adjudicadas em cada anno, não poderá ser superior a 3:600$000 réis, incluidas as obras de arte, por se considerar muito justamente este preço como devendo representar a media do custo kilometrico da rede real e districtal.

A despeza annual com a construcção das estradas é fixada em 1.600:000$000 réis, ficando, para este effeito, auctorisado o governo a emittir todos os annos igual quantia de obrigações de 90$000 réis de juro nominal não superior a 5 1/2 por cento, amortisaveis semestralmente até o anno de 1939-1940.

Em dezoito annos successivos o producto d´estas emissões será de 28.800:000$000 réis, e tanto bastará para concluir toda a rede de estradas reaes e districtaes.

No que respeita ás quantias que o governo terá de inscrever annualmente nos orçamentos do estado, até 1939 a 1940, para pagamento dos juros e amortisação das obrigações emittidas nos referidos dezoito annos, vão ellas indicadas no mappa seguinte, onde se suppoz que os titulos são emittidos ao par e que os dois primeiros sorteios semestraes caem ainda dentro do proximo futuro anno de 1887-1888.

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Annos economicos a que se referem os orçamentos

Verbas a inscrever aos orçamentou

(Ver valores da tabela na imagem)

Reconhece-se pela inspecção d´este mappa que, alem dos beneficios, já demonstrados, que o projecto de lei offerece sob o ponto de vista technico, tem tambem pelo lado financeiro a vantagem, incontestavel no momento presente, de transportar para o futuro parte dos encargos actuaes, porque allivia o orçamento extraordinario da verba que ahi figurava ha muitos annos para a construcção das estradas, consignando-se apenas nos orçamentos ordinarios os encargos crescentes das operações de credito a que successivamente se ha de recorrer para completar a referida construcção no praso de dezoito annos.

Os sacrificios para o estado vão por este systema augmentando gradualmente, mas. como é de esperar que do progressivo desenvolvimento das forças vivas do paiz resulte tambem o acrescentamento das receitas publicas, haverá assim justa compensação entre a despeza devida a uma obra essencialmente reproductiva e o beneficio que d´ella resulta.

Por todas estas considerações entendem as commissões reunidas de obras publicas e de fazenda, que o projecto de que se trata merece ser approvado para subir á sancção regia.

Sala das sessões das commissões, em 25 de junho de 1887. = A. de Serpa (com declarações) = Sebastião Lopes de Calheiros & Menezes = Conde de Castro = Manuel Antonio de Seixos = Marino João Franzini = A. de Aguiar (com declarações)= Henrique de Macedo = Domingos Pinheiro Borges = Augusto José da Cunha = Hintze Ribeiro (com declarações) = Visconde de Bivar (com declarações) = Conde de Magalhães = M. Cortez = Barros e Sá = Frederico Ressano Garcia, relator = Tem voto dos srs.: Antonio Augusto Pereira de Miranda = José Bandeira Coelho de Mello.

Projecto de lei n.° 8

Artigo 1.° É o governo auctorisado a concluir, por empreitadas geraes, e no praso de dezoito annos, toda a rede de estradas reaes e districtaes.

Art. 2.° O governo, ouvidas as juntas geraes dos districtos e a junta consultiva de obras publicas e minas, procederá immediatamente á revisão dos planos geraes de estradas reaes e districtaes ao presente classificadas, decretando nesses planos as alterações que se julgarem necessarias, não podendo introduzir n´ellas novas estradas, sem que sejam supprimidas extensões, pelo menos iguaes, nos actuaes planos.

N´estes planos não se incluem os lanços de serviço para as estacões de caminhos de ferro, cuja extensão seja inferior a 10 kilometros.

§ 1.° Só por lei poderão ser classificadas novas estradas como reaes ou districtaes.

§ 2.° As condições technicas das estradas reaes e districtaes serão as que constam da legislação actualmente em vigor, attendendo-se ao que preceitua a portaria de 10 de setembro de 1886.

Art. 3.° As empreitadas serão sempre compostas por estradas completas, por zonas ou por grandes lanços. A media do preço kilometrico, no conjuncto das empreitadas adjudicadas em cada anno, não poderá ser superior a 3.600$000 réis, incluidas as obras de arte. Se, em qualquer anno, essa media das adjudicações, ficar abaixo de 3:600$000 réis, e se tiverem sido adjudicados 441 kilometros, pelo menos, o que sobrar dos 1.600:000$000 réis, auctorisados no artigo 8.° poderá acrescer á media dos annos seguintes.

§ 1.° As empreitadas poderão ser adjudicadas por uma duração até tres annos, mas as liquidações annuaes do pagamento não poderão ir alem da media do preço contratado, embora seja superior a ella o valor dos trabalhos effectuados, e de tal modo que a somma total das liquidações em cada anno nunca exceda a quantia de 1.600:000$000 réis auctorisada no artigo 8.° para este serviço.

§ 2.° As empreitadas por estradas completas por zonas ou por grandes lanços serão postas em praça simultaneamente no conjuncto e na sub-divisão em pequenas empreitadas de valor não excedente a 20:000$000 réis. Em igualdade de preço para toda a grande empreitada posta em praça, serão preferidas para a adjudicação as pequena empreitadas em que ella tiver sido subdividida.

§ 3.° Nenhuma estrada ou lanço de estrada será adjudicado sem que previamente tenham sido feitos por conta do governo os respectivos estudos.

§ 4.° A base da licitação para cada empreitada será fixada pelo governo, ouvida a junta consultiva de obras publicas e minas.

§ 5.° Será applicado um quarto da verba annual á conclusão das estradas a que faltem menos de 15 kilometros e ao pagamento do subsidio para a estrada da circumvallação do Porto.

Art. 4.° As empreitadas serão adjudicadas em hasta publica, precedendo concurso por trinta dias pelo menos, sendo o empreiteiro obrigado a começar as obras dentro do praso de tres mezes, a contar da data da adjudicação.

§ unico. Os direitos e obrigações do estado e dos empreiteiros, serão regulados segundo as clausulas e instrucções que na data do concurso vigorarem para as empreitadas e respectivos contratos.

Art. 5.° Se depois de dois concursos successivos não apparecer empreiteiro para algumas estradas ou obras de arte, poderá o governo construir umas ou outras directamente por meio de empreitadas parciaes ou tarefas.

Art. 6.° Fica expressamente prohibida a construcção por conta do estado, de estradas não incluidas no plano geral de que trata o artigo 2.° d´esta lei, municipaes ou quaesquer outras, quer seja por adiantamento ou por qualquer outra forma, com excepção dos lanços de accesso a estações de caminhos de ferro, cuja extensão seja inferior a 10 kilometros.

Art. 7.° Fica o governo auctorisado a dar como subsidio de construcção a quantia orçada para qualquer estrada de longo percurso, contanto que não exceda a base kilometrica fixada no artigo 3.°, ao emprezario ou empreza que se proponha construir, em substituição d´ella, um caminho de ferro em leito proprio, com tracção de vapor, sempre que, ouvidas as estações competentes, o governo julgue conveniente a substituição.

§ 1.° Esta adjudicação será feita em hasta publica, tendo direito de opção o primeiro requerente.

2.° A importancia do subsidio, que o estado dever pagar, ficará em deposito, vencendo em favor da empreza ou emprezario o juro medio da divida fluctuante em cada anno, como garantia da exploração do caminho de ferro, durante o praso de dez annos, se antes se não realisar, durante tres annos seguidos a hypothese do § 5.°

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§ 3.° Se o emprezario ou empreza abandonar a construcção ou a exploração, ou não effectuar qualquer d´ellas nas condições estipuladas, o governo tomará conta de todo o material fixo e circulante, alem do deposito a que se refere o paragrapho antecedente.

§ 4.° Os caminhos de ferro contratados em virtude desta lei ficarão sujeitos ás condições de reversão para o dominio de estradas ao fim de noventa e nove annos, e a todas as mais estabelecidas nos contratos analogos.

§ 5.° Quando o dividendo de emprezas de caminhos de ferro, n´estas condições, exceder 6 por cento do capital desembolsado pelos accionistas ou empreza, metade d´este excesso pertencerá ao estado até concorrencia da importancia do subsidio pago pelo governo.

Art. 8.° Para occorrer ás despezas resultantes da execução desta lei, é o governo auctorisado a emittir todos os annos obrigações de 90$000 réis, com o juro até 5 1/2 por cento, amortisaveis até o anno de 1939-1940, por sorteios semestraes, não podendo em cada anno exceder réis 1.600:ÒOO$OQO effectivos a quantidade emittida, e terminando n´aquelle mesmo, anno a amortisação de todas as series emittidas.

§ 1.° O governo incluirá todos os annos no orçamento da despeza do ministerio da fazenda, as quantias necessarias para fazer face aos encargos de cada serie, ficando estabelecida para o anno de 1887-1888 a, quantia de réis 93:794$558.

§ 2.° Se as obrigações de que trata este artigo forem emittidas acima do par, o excesso do producto será applicado a acrescentar a dotação para estradas municipaes.

Art. 9.° No orçamento annual do estado será incluida, em artigo especial, a verba de 80:000$000 réis para subsidios a estradas municipaes e respectivas pontes.

Art. 10.° O governo dará annualmente conta ás côrtes do uso que fizer das auctorisações conferidas n´esta lei, e publicará os regulamentos necessarios para a, sua execução.

Art. 11.° Fica revogada a legislação contraria a esta.

Palacio das côrtes, em 14 de junho de 1887, = José Maria Rodrigues de Carvalho, presidente = José Maria Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, deputado secretario = Francisco José Machado, deputado secretario.

O sr. Antonio de Serpa: - Sr. presidente, o projecto que acaba de ser posto em discussão tem uma parte que se refere propriamente a obras publicas e outra que é essencialmente financeira.

Quanto á primeira parte, isto é, no que se refere aos estudos, á maneira de construir as estradas e todos os outros pontos que são assumptos de obras publicas, limito-me a dizer que se o fim do projecto é, como eu entendo, que deve ser, conseguir que as estradas se façam com mais brevidade e por um preço menor do que até aqui se teem feito, estou perfeitamente de accordo. É sabido que nós hoje temos já uma longa aprendizagem n´este genero de trabalhos, que tem produzido fructos: temos engenheiros muito distinctos, - temos empreiteiros, o que não acontecia dantes; portanto temos hoje mais elementos para construir com mais facilidade, melhor e mais barato.

A camara sabe que, se ás estradas teem custado ao paiz mais do que poderiam ter custado, tem sido por causa da distribuição dó trabalho.

Todas as provincias, todas as localidades, desejam possuir estes melhoramentos, e é natural da parte do governo o desejo de satisfazer aos pedidos que n´este sentido sempre lhe são feitos; tanto melhor, pois, se o governo poder conseguir centralisar um pouco a organisação dos trabalhos d´esta especie por meio d´este projecto, sobretudo resultando d´ahi economia.

No que eu porem não estou de accordo, sr. presidente, é sobre1 o artigo 7.°, que auctorisa o governo á substituir as estradas por caminhos de ferro, sempre que elles poderem ser concedidos com uma subvenção problematica igual ao preço medio fixado para as estradas.

O subsidio não póde ser excedente á base kilometrica

fixada no artigo 3.°, que é 3:600$000 reis.

(Continuou lendo o artigo 7.°)

Á primeira vista parece que não ha nada mais simples do que obter um caminho de ferro em logar de uma estrada ordinaria, se ella não custa mais ao estado.

Parece, á primeira vista, que não devia haver nenhuma objecção a este artigo, que foi introduzido na lei na camara dos senhores deputados e que não figurava na proposta primitiva do governo.

A substituição de uma estrada por um caminho de ferro não é cousa indifferente.

A construcção de caminhos de ferro póde ser prejudicial a determinadas localidades, e prejudicialissima a outros caminhos de ferro já existentes.

Toda a camara estará lembrada que ainda não ha muitos annos o governo concedeu a construcção e exploração de um caminho de ferro gratuito, que não custava nada ao estado, antes era um grande melhoramento para a região que atravessava. Apesar d´isso, encontrou uma grande opposição, mesmo n´esta camara, porque todos imaginavam que aquelle caminho de ferro, apesar da sua construcção ser gratuita, ia prejudicar, não só os interesses do thesouro, porque ia fazer concorrencia a um caminho de ferro explorado pelo estado, diminuindo-lhe a receita, mas tambem ia prejudicar uma certa localidade.

Em vista d´estas circumstancias, não me parece que se possa dar ao governo uma auctorisação tão ampla.

Em materia de caminhos de ferro devemos fazer o que se faz em todos os paizes onde os projectos sobre caminhos de ferro são largamente discutidos nos parlamentos, antes de serem auctorisados.

Em França, por exemplo, não se construe um unico caminho de ferro, sem que o projecto venha ás camaras, e assim se faz e se deve fazer em todos os paizes constitucionaes.

As questões de caminhos de ferro são demasiadamente importantes, para que se de ao governo faculdades da latitude d´esta.

E aqui, sr. presidente, não vae a minha questão de desconfiança pessoal, nem politica; mas, o que é certo, o que é regra estabelecida em todos os paizes que se governam pelo systema representativo, quando se trata de questões d´esta ordem, em que mais ou menos vem envolvida a idéa financeira e a questão de interesses pessoaes, é que as leis n´estes casos são leis de desconfiança.

Alem d´isso, esta lei auctorisa o governo a construir um certo numero de estradas que hão de formar a rede geral no periodo de dezoito annos.

Ora, a construcção de um caminho de ferro traz sempre como necessidade e como consequencia a construcção de novas estradas. E assim, pois, estou convencido que no periodo de dezoito annos, que marca este projecto, não hão de estar construidas todas as estradas, porque á maneira que se reconhece a necessidade de construir uma nova linha ferrea, a consequencia immediata é a exigencia da construcção de novas estradas.

Eis-aqui a rasão por que eu não posso votar o artigo 2.° do projecto, e, torno a dizer, não o voto, não por questão politica, mas unicamente porque entendo que se não devem votar a nenhum governo auctorisações d´esta ordem, e que os projectos sobre determinados caminhos de ferro devem em regra ser discutidos e votados pelo poder legislativo.

A proposito, devo dizer que é notavel que não ha uma só proposta de lei d´este governo que não traga uma auctorisação ampla!

O governo actual, depois de fazer larga dictadura, apresenta successivamente ás camaras uma serie de propostas de lei que não são senão a continuação da dictadura.

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Uma das disposições do projecto sobre a conversão é uma auctorisação ao governo. O sr. ministro da fazenda não quiz de modo algum acceitar a idéa do concurso, nem quaesquer regras que dessem a garantia de publicidade e concorrencia, e o peior é que defendeu isto com boas rasões, e eu logo explicarei porque digo com boas rasões.

No projecto sobre o banco emissor, que foi já discutido na camara dos senhores deputados, e que brevemente o será aqui, vem tambem uma auctorisação ampla, para que o governo faça um accordo com os bancos do Porto, e esta auctorisação é tão ampla, que, pelo que se lê nos jornaes, e por uma carta que o sr. ministro da fazenda nos leu aqui ha uns dias, se pensou em conceder, como compensação aos bancos do Porto, a exploração dos caminhos de ferro do Minho e Douro.

No orçamento rectificado vinha uma auctorisação do sr. ministro das obras publicas, que nunca se concedeu a governo algum O sr. ministro das obras publicas fica auctorisado a transferir, como entender, todas as verbas dos diversos capitules do orçamento, e até a despender, alem da somma total fixada no orçamento para o seu ministerio, todas as sobras do exercicio do anno anterior, e que, como eu já tive occasião de ver, podem elevar-se a centenares de contos de réis.

N'esta lei vem ainda uma outra auctorisação ampla.

Disse eu, ha pouco, que o sr. ministro da fazenda tinha defendido com boas rasões, na questão da conversão, a auctorisação ampla. Defendeu-a igualmente o sr. relator da commissão, que foi o mesmo que é n´este projecto. Mostraram aqui, e mostraram muito bem, que o governo na questão da conversão, tendo uma auctorisão ampla, permanente, sem limites, podia realisar melhor as operações de que se tratava, e cumprir melhor o pensamento do projecto. E isto é perfeitamente verdade; mas é a questão do governo liberal e do governo absoluto. O governo absoluto, sem restricções, sem limites, sem regras a que tenha de sujeitar-se, pôde, em determinados casos, praticar melhor, fazer uma melhor operação financeira do que o governo representativo, sujeito ás restricções da lei, que ás vezes podem ser um embaraço. Mas nem por isso eu quero, nem nenhum de nós quer, o governo absoluto.

Alem d´isto, não seria difficil demonstrar que o arbitrio num governo absoluto não tem tantos inconvenientes como o arbitrio no governo representativo. No governo absoluto, o ministro, se é um verdadeiro estadista, faz o que julga util ao paiz, e nenhumas influencias o demovem do seu proposito. No governo representativo, o ministro está sujeito a variadas influencias politicas, partidarias; filhas da sua posição, e por isso a lei constitucional lhe não dá, nem lhe deve dar, o arbitrio. O marquez de Pombal foi, como todos sabem, um grande estadista, a quem a civilisação d´este paiz deve grandes beneficios, posto que nem todos, como aqui ouvimos ha poucos dias, sejam d´esta opinião. O marquez de Pombal entendeu que prestava um valioso! serviço a uma das regiões mais ferteis do paiz, á agricultura, ao commercio e á riqueza publica, estabelecendo aquella serie de medidas que foi chamada a legislação restrictiva dos vinhos do Douro.

A essas medidas oppoz-se o commercio do Porto e a cidade do Porto; mas o marquez não fez caso, e levou por diante o seu projecto.

Ora supponhamos que, com relação ao commercio dos vinhos do Douro, nos achavamos hoje na situação em que se achava o paiz no tempo do marquez de Pombal, e que no governo estavam homens que pensavam que aquella legislação restrictiva podia salvar os interesses do paiz, e que tinham a opposição do commercio e da cidade do Porto.

E isto não é uma hypothese inteiramente gratuita, porque ha um anno os agricultores do Douro reclamavam aos poderes publicos, não exactamente a legislação do marquez de Pombal, mas uma certa legislação restrictiva para o commercio dos vinhos do Douro. E um dos homens mais

importantes da commissão dos agricultores d´aquella região adquiriu tanta influencia pelo modo como defendeu os interesses d´aquella região, que nas ultimas eleições, apesar da lucta dos partidos politicos, a que elle não pertencia, quasi que chegou a obter o numero de votos para poder ser deputado por accumulacão.

Ora supponhamos que o governo estava auctorisado por uma lei para fazer aquillo que os agricultores do Douro pediam, e supponhamos que no governo estavam ministros que pensavam n´esta questão como o marquez de Pombal; apesar da boa vontade d´esses ministros, o governo não faria a vontade dos lavradores do Douro. E porque?

Porque tinha de attender á importancia politica e eleitoral da cidade do Porto.

Mas outro exemplo ainda.

Supponhamos que uma localidade qualquer pede ao governo um melhoramento local, uma estrada, um caminho de ferro, uma ponte. No regimen absoluto, suppondo-se, já se vê, um ministro recto e justo, examinava o ministro o pedido, debaixo do ponto de vista do interesse publico, da despeza a fazer e das circumstancias do thesouro em relação á despeza proposta; ao passo que, perante um governo constitucional, o primeiro cuidado do ministro é avaliar a importancia politica ou eleitoral da localidade reclamante.

Todos sabem que isto assim é e que eu não estou phantasiando.

Muitas despezas se têem feito com as quaes, na realidade, o estado não devia ficar, sobrecarregado, porque a sua vantagem geral, embora seja grande a sua vantagem para a localidade, não compensa o sacrificio do thesouro.

Ora, estes abusos não se dariam no systema absoluto.

Um ministerio, no systema representativo, que precise de viver, e que julga que a sua vida ministerial é util ao paiz, vê-se constantemente cercado pelas influencias e pela pressão dos interesses das localidades, das classes, das companhias, dos individuos, e tentado, no interesse da sua conservação, a ceder a essas influencias. E por isso que as leis constitucionaes são e precisam de ser leis de desconfiança. É por isso que eu reprovo e combato as auctorisações amplas.

Dito isto, sr. presidente, passarei a occupar-me da parte financeira do projecto, e perdoe-me a camara o eu dizer que o que a tal respeito n´elle encontro me parece pouco é mau.

Sinto não ver presente o sr. ministro da fazenda, porque, quando me refiro a alguem, gosto sempro de fazel-o na presença da pessoa a cujos actos faço referencia.

Determina-se n´este projecto que não se gastará mais de 1.600:000$000 por anno com as estradas.

Não vejo a necessidade de se estar n`esta lei a estatuir que durante dezoito annos se gaste precisamente essa somma, nem mais nem menos, quando é certo que póde succeder, por exemplo, que n´um certo anno não seja conveniente gastar tanto, e que n´um outro conviesse gastar mais.

Par a eventualidade do primeiro caso se tornar possivel, bastará que algum embaraço grave, como já tem succedido, affecte a nossa situação financeira; para o segundo, uma crise de trabalho, de industria, de agricultura, poderia obrigar o governo a aproveitar tantos braços sem trabalho. Póde tambem acontecer que as circumstancias financeiras, n´este longo periodo de dezoito annos, melhorem alguma vez tanto, que seja conveniente e possivel activar a conclusão das obras, e portanto despender mais em cada anno do que esta somma agora fixada.

Emquanto á parte financeira, a parte importante do projecto, a qual dispõe que para se construirem as estradas o governo haja da emittir titulos de 90$000 réis, amortisaveis em cincoenta annos, cujo typo não exceda a 5 1/g por cento, não vejo a necessidade, nem a conveniencia, em se estabelecer hoje o limite e o typo da emissão. Eu entendo que não é conveniente, é muito menos necessario

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estabelecer estes typos e este limite, começando por que, seria inconveniente fazer hoje uma emissão de 5 1/2 por cento.

A camara sabe perfeitamente que só em caso muito excepcional é conveniente fazer um emprestimo, em titulos emittidos acima do par, escuso de o dizer, porque o sr. ministro da fazenda ainda ha poucos dias explicou aqui muito cabalmente esta questão dos titulos acima do par, que perdem n´este caso a elasticidade que tinham emquanto estavam abaixo.

N´este momento, pois, o typo de 5 1/2 por cento é excessivo, mas não podemos saber o que se passará n´estes dezoito annos, e é natural de suppor que n´este praso os fundos possam alguma vez descer abaixo de 50 por cento, como ainda ha pouco tempo desceram, e se compararmos este periodo com os dezoito annos passados, vemos que os fundos estiveram umas vezes acima, outras abaixo de 50, estiveram abaixo de 40, e até uma vez abaixo de 30, no tempo da guerra franco-prussiana.

Não podemos ter a certeza que durante dezoito annos na o possa haver uma guerra; entretanto a 40, ou mesmo abaixo de 50 que estejam os fundos, já póde haver a conveniencia em se fazer um emprestimo em titulos de 6 por cento, o que se não pôde fazer em virtude d´esta lei, que marca o limite maximo de 5 1/2 por cento.

Não vejo a necessidade, nem a conveniencia, nem a utilidade em se marcar n´esta lei o typo limite de 5 1/2 por cento. Por outro lado, pouca importancia financeira tem isto, porque logo que fosse necessario alterar o typo, como o que votâmos, não é um contrato, mas uma lei, o governo póde vir á camara propor a alteração d´esta lei.

Tambem não resultaria inconveniente nenhum em não se votar esta lei, porque o governo podia continuar a construir estradas como até aqui, e a levantar como até aqui os fundos necessarios para as construir, pedindo annualmente a auctorisação necessaria, e nos termos que mais conviesse n´aquella occasião.

Em logar de se fazer uma lei especial para auctorisar o governo a fazer annualmente este emprestimo de réis 1.600:000$000, estabelecendo regras para vigorarem dezoito annos, que podem para agora ser boas, e ser inconvenientes para mais tarde, era melhor e mais pratico inserir cada anno no orçamento a respectiva verba para estradas, sendo então o governo auctorisado a emittir os titulos que se julgasse mais conveniente.

As cousas passam-se exactamente da mesma maneira,, quer se vote, quer se não vote o projecto. A importancia financeira é completamente nulla.

Mas, se assim é, para que vem este projecto ao parlamento?

O sr. ministro da fazenda é um homem muito intelligente, e não vinha trazer ás côrtes uma providencia inutil.

A proposta vem assignada pelo sr. ministro da fazenda e pelo sr. ministro das obras publicas; mas pela natureza da proposta parece que ella devia ser apresentada, como é costume, pelo sr. ministro das obras publicas, e não pelo sr. ministro da fazenda.

A proposta, foi apresentada como uma medida financeira de importancia.

Mas, sr. presidente, que importancia financeira tem este projecto de lei?

Este projecto tem apenas por fim fingir que o deficit é menor do que o é na realidade, e que fica diminuido de 1.600:000$000 réis.

Esta ficção já aqui a vimos em pratica, n´uma discussão anterior. Ha dias, o sr. ministro da fazenda, respondendo ao digno par o sr. Hintze Ribeiro, apresentou uma theoria de deficits que cresciam até certa epocha, e que começam a diminuir depois do advento do actual ministerio.

Disse o sr. ministro que o déficit, depois de 1882-1883 foi crescendo; que o deficit do anno passado foi muito grande, que o d´este anno já é um pouco menor e que o do anno que vem ha de ser muito menor.

Eu já tive occasião de mostrar que não era comparavel o deficit que está para vir, que ainda não é conhecido senão por prevenção muito fallivel com os deficits conhecidos dos annos anteriores.

Mas não é só isso. O sr. ministro da fazenda, comparando os deficits passados com o deficit presumido do anno futuro, como elle resulta dos seus orçamentos, comparou cousas heterogeneas, comparou deficits, em que se incluem as despezas das estradas, com o deficit dos seus orçamentos, em que não vem descriptas as despezas com estradas. Ora eis-aqui está para que serve unicamente o projecto que estamos discutindo, para se poder simular que o déficit diminuiu 1.600:000$000 réis.

Sinto que o sr. ministro da fazenda não esteja presente, porque desejo alludir, a proposito d´esta questão, ás considerações que s. exa. apresentou na commissão.

O sr. ministro da fazenda apresentou uma theoria, notavel, uma theoria curiosa, comparando as finanças do estado com as das companhias de caminhos de ferro, ou de companhias industriaes.

A theoria é a seguinte.

Uma companhia, constituia-se para explorar uma certa rede de caminhos de ferro, mas quando mais tarde tinha necessidade de contratar um ramal ou mais um caminho
de ferro, a companhia attribue essa despeza ao que se chama conta de primeiro estabelecimento.

Essa despeza não sáe dos lucros ordinarios da companhia. A companhia faz um emprestimo, emitte obrigações e leva a despeza á conta do primeiro estabelecimento.

Uma companhia industrial tem uma grande fabrica, e se a fabrica prospera e os lucros augmentam, a companhia augmenta o edificio, faz acquisição de novas machinas, e todas estas despezas são lançadas á custa do primeiro estabelecimento.

Não ha nada mais regular, e é assim que as cousas se passam.

O sr. ministro da fazenda, porem, quer applicar este systema á fazenda publica.

Ora eu não posso admittir que se faça esta assimilação entre a contabilidade de uma companhia e a contabilidade do estado.

Na estado ha despezas reproductivas e despezas que o não são. Mas não ha despezas extraordinarias de primeiro estabelecimento, ou ha sempre despezas permanentes, que podem ter esta obrigação.

N´uma companhia industrial estas despezas são verdadeiramente despezas extraordinarias, porque só occorrem poucas vezes durante a vida da companhia; emquanto que no estado, estas despezas reproductivas, e que constituem capital, são despezas ordinarias.

O estado está constantemente a fazer d´estas despezas a que se quer chamar agora de estabelecimento.

As nossas estradas começaram a ser construidas ha quarenta annos, e agora temos dezoito annos para as completar.

Antes mesmo de ha quarenta annos, no antigo regimen já se construiam estradas, e hão de construir-se sempre. Por consequencia, não se póde fazer uma conta á parte, uma conta especial d´estas despezas, e tiral-as do orçamento.

Eu comprehendo, como já disse outro dia, que nos orçamentos do estado se façam distineções entre as despezas que são fataes e obrigatorias, como as dos juros da divida publica, as despezas de administração, que são variaveis, as despezas verdadeiramente extraordinarias, occasionaes, e que vem por casos imprevistos, e despezas reproductivas ou de fomento; mas que se tirem estas despezas do orçamento, com o pretexto de que são reproductivas, ou despezas de estabelecimento, isto é que eu não comprehendo.

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Mas suppunhamos que se póde fazer esta assimilação entre a contabilidade de uma companhia e a contabilidade do estado.

O que eu entendo é que de modo algum estas despezas devem deixar de vir todos os annos descriptas no orçamento ordinario ou extraordinario, para conhecimento de todos, e para facilitar o exame do estado das finanças pelo parlamento.

Alem d´isto, adoptada a doutrina do sr. ministro da fazenda, não havia de ser só para as estradas.

Como todos sabem, no orçamento vem mencionada a despeza que se faz annualtnente com o porto de Leixões.

Esta despeza foi auctorisada por uma lei especial. Estava muito mais do que a despeza das estradas no caso de não precisar de vir no orçamento.

Adoptado este principio, de tirar do orçamento as despezas com obras publicas votadas por leis especiaes, o deficit apparente, o deficit no papel e só no papel, fica muito mais reduzido. Será isto para illudir os estrangeiros? Tenho idéa de que ouvi esta phrase. Mas os capitalistas estrangeiros não se illudem assim. Se se illudem vendo na folha official o resumo do nosso orçamento, perdem a illusão vendo tambem na folha official e nos jornaes o resumo das contas do thesouro. Ahi ha um grande déficit. Ora, elles são demasiado intelligentes para entenderem que o que vale são as contas e não os orçamentos.

Eu não acho que seja conveniente esta idéa de tirar do orçamento despezas que se fazem, e que sempre ou quasi sempre lá estiveram. Ainda se póde admittir para uma obra tão extraordinaria como era n´outros tempos entre nós um caminho de ferro.

Alem d´isso, se esse caminho de ferro era construido para ser explorado pelo estado, o producto da exploração podia vir com o andar dos tempos a compensar directamente toda a despeza que com elle se tivesse feito, e ficava assim no futuro saldada aquella conta especial. Mas isto não acontece com estradas, que servem para augmentar a riqueza publica, mas não dão receita directa, que possa saldar a conta da sua despeza.

O projecto que se discute, na sua parte financeira, é um artificio de orçamento- logia e mais nada.

É na verdade curioso. Se houve alguem n´este paiz que se mostrasse adversario implacavel da orçamentologia foi o sr. Marianno de Carvalho, quando ainda não era ministro; mas apenas subiu ao poder, fez as pazes com a orçamentologia.

Este projecto não é senão, como disse, um artificio de orçamentologia, mas um artificio que, sem espirito de offensa, me parece pueril, porque não engana ninguem.

O sr. Conde de Castro: - Mando para a mesa o parecer da commissão de fazenda, approvando o relatorio e contas da commissão administrativa d´esta camara.

A imprimir.

O sr. Ministro das Obras Publicas (Emygdio Navarro): - Diz que o projecto em discussão não é, como alguem lembrara um artificio orçamentologico para dissimular o deficit, senão verdadeiramente uma segunda edição de outro projecto elaborado em 1881 pelo sr. Saraiva de Carvalho.

Quanto ao artigo 7.°, principalmente impugnado pelo sr. Antonio de Serpa, pondera que esse artigo não vinha na proposta primitiva do governo e que fora addicionado na commissão respectiva, ficando por este meio auctorisado o governo a subsidiar qualquer empreza que tão sómente se proponha substituir uma estrada por um caminho de ferro, que siga o relativo traçado d´aquella.

Argue de evidentemente contranatural que o governo vá subsidiar uma estrada justaposta a um caminho de ferro, e que portanto lhe venha a fazer concorrencia.

Segundo o novo plano de estradas, a construir, assegura n´ellas se attenderá a que sejam traçadas de modo a servirem a differentes caminhos de ferro, e consequentemente em harmonia com os interesses publicos.

Em abono da substituição, que faculta o mencionado artigo 7.°, apresenta a hypothese de se ligar o caminho de ferro de Mirandella com a linha de Elvas ou a de Coimbra com a da Beira Baixa, demonstrando quanto maior vantagem não resultaria de se realisar essa communicação por meio de um caminho de ferro de via reduzida que por intermedio de uma estrada ordinaria.

Dá por democratisados os caminhos de ferro, visto que antigamente sómente se construiam os de via larga, quando actualmente abundam já os propriamente vicinaes, de 10, 12 e 15 kilometros, os quaes têem produzido optimos resultados.

Justifica o praso de dezoito annos, a fim de se levar a effeito a rede total de estradas reaes e districtaes.

A uma interrupção do digno par, o sr. Vaz Preto, que não se ouviu, o orador observa que nunca o estado lucrara tanto como depois que desappareceram os syndicatos, não contestando todavia a utilidade que possam ter desde que se mantenham na sua esphera e não a excedam e invadam as estações superiores.

Ainda se refere ao digno par, o sr. Antonio de Serpa, por sua exa. haver dito que, sendo prosperas as condições do thesouro, o governo teria occasião de gastar mais do que o projecto prescreve; e, de contrario, convir-lhe-ia gastar menos. Applaude-o, mas lembra-lhe que uma simples proposta que o governo trouxesse á camara, em qualquer dos casos o habilitaria a proceder consoante as circumstancias.

Afinal, tem por certo que esta lei não tolhe a acção dos governos futuros.

(O discurso de s. exa. será publicado na integra, quando haja revisto as notas.)

O sr. Antonio de Serpa: - O sr. ministro das obras publicas diz que este projecto não foi agora inventado, que em 1881 tinha sido apresentado pelo sr. Saraiva de Carvalho um identico.

Mas permitia-me s. exa. que lhe diga que o projecto a que se refere me parece não ter sido apresentado como um expediente orçamentologico, nem para fazer desapparecer do orçamento as verbas para estradas.

Quanto á questão da publicidade das despezas, estou perfeitamente de accordo.

Não vale a pena discutir este ponto, porque, como s. exa. bem diz, as despezas fazem-se quer estejam ou não no orçamento, ou em lei especial, e depois ha-de apparecer nas contas.

Tambem por fórma alguma contesto que mais vale, em cifra, um caminho de ferro do que uma estrada, sobretudo não custando aquelle ao governo mais do que esta.

Não neguei que na maioria dos casos seria vantajoso substituir uma estrada por um caminho de ferro.

Mas póde haver excepções, e em todo o caso o que eu pedia é que, antes de se fazer qualquer concessão, ella viesse sempre á camara, para aqui ser discutida.

São estas as declarações que tinha a fazer á camara, e que fundamentam o meu procedimento de não dar a minha approvação a tão ampla auctorisação.

Tenho concluido.

O sr. Thomás Ribeiro: - Uso, sr. presidente, da palavra, simplesmente para fazer a declaração do meu voto. Quero dizer ao sr. ministro que voto contra este projecto, porque elle será uma arma nas mãos do governo a favor dos seus respectivos partidarios.

O artigo 2.° da lei indica bem claramente que, durante a administração progressista, as estradas que mais interessarem aos regeneradores serão substituidas por aquellas que convierem, aos amigos do governo, assim como tambem sob uma administração regeneradora ás estradas regeneradoras irão substituir aquellas onde predominarem as influencias progressistas. N´este sentido não posso contri-

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buir com o meu voto para a sancção de uma lei que traz tal inconveniente e, alem d´isso, por me parecer que no contexto da mesma lei ha alguns obstaculos de que o governo dificilmente poderá sair-se na sua execução.

Vou ler um dos artigos que me parecem mais difficeis na pratica, se o sr. ministro das obras publicas quizer conscienciosamente cumprir o dever a que esta lei o obriga. Diz o § 2.° do artigo 3.°- (Leu.)

Se este é o pensamento do governo, dá-se o caso de uma só vez, se, pôr em praça uma zona que comprehende muitos kilometros de estrada, e será tão grande essa zona quanto ao governo convenha; porque n´esta designação arbitraria não ha limites nem condições.

Que designações, ou caracteristicos determinam essas zonas? Serão os districtos administrativos? Serão as provincias? Serão os concelhos? Ter-se-ha em attenção as regiões que possam mais ou menos pertencer a uma divisão geographica? Attender-se-ha á affinidade das condições geológicas? As regiões mais affins, commerciaes, industriaes ou agricolas? Não posso, saber. Em todo o caso é uma designação demasiadamente abstracta para que possamos saber até aonde póde chegar a grande empreitada.

Confesso a v. exa., sr. presidente, que assim como tenho medo das grandes companhias, tenho, medo das grandes empreitadas, porque representam grandes syndicatos. Não é em absoluto que os prescrevo da administração dos estados, não é; mas julgo bem dispensal-os sempre que, sem damno, possam dispensar-se.

Li algures, em jornal de ha poucos dias, que o sr. ministro das obras publicas era contrario ao arrendamento dos caminhos de ferro do Minho e Douro e, sobretudo, á companhia, real de norte e leste.

Applaudo esta opinião de s. exa., não só por motivos economicos, mas tambem por motivos politicos.

Eu tenho receio das grandes companhias, porque, como v. exa. sabe, em paizes muito maiores do que o nosso são temidas pelos estorvos que podem causar, e os governos procuram sempre meio de se livrarem da sua influencia, dos seus meios de acção, que são grandes.

Ora, se isto acontece nos grandes paizes, creio que os homens que estão á frente da administração dos paizes pequenos devem ser extremamente cautelosos em não se deixarem enleiar nas malhas das grandes redes.

Por estas mesmas rasões eu temo as grandes empreitadas, que podem, aliás, dados certos casos e certas circumstancias, ser convenientes; e se soubesse ou podesse avaliar a extensão das grandes zonas, talvez podesse votar n´esta parte pelo governo.

O que tambem não comprehendo é como possa tornar-se valiosa e exequivel a parte d´esta combinação na presença das grandes empreitadas; excepto se ellas falharem ou se não poderem organizar.

Por exemplo, o governo põe em praça, mesmo antes de feitos os estudos, uma região que não posso dizer qual seja, mas das de maior extensão. É uma hypothese.

A empreitada geral póde ser do valor de 500:000$000 ou 600:000$000 réis, e o governo simultaneamente, como diz o respectivo artigo do projecto, punha em praça as mesmas estradas por empreitadas pequenas em que a grande se subdividia; mas se os estudos ainda não estão feitos, qual é a base para as pequenas empreitadas? A que fica reduzida a faculdade que se dá aos pequenos empreiteiros, de concorrerem? Terão de se associar para concorrerem á grande empreitada. Este será sempre o remate das suas cogitações e das suas fadigas.

Note esta consideração o nobre ministro das obras publicas, cuja competencia eu reconheço; note-a o sr. relator da commissão, que é um distincto engenheiro. Se a empreitada, é de 500:000$000 reis tem de se formar uma associação de tantos, empreiteiros pequenos, quantos sejam necessarias para perfazer aquella somma, a fim de lhes ser adjudicada à empreitada total.

Eu sei perfeitamente que bastou iniciar a minha duvida, para estar já prompto a esclarecel-a o digno par relator, que pediu a palavra; mas eu desejava que elle ouvisse bem a minha pergunta. Digo eu, que é preciso, para que se realise o pensamento do governo e da commissão, que appareçam tantos pequenos empreiteiros quantos sejam necessarios para perfazer a somma de empreitada geral.

Assim, por exemplo: uma empreitada de 500:000$000 réis exige que se apresentem, pelo menos, vinte empreiteiros, com o capital, cada um, de 25:000$000 réis. Como póde então o pequeno empreiteiro concorrer á praça? Só se arranjar tantos, quantos sejam necessarios, para que a somma total de aquella importancia, porque do contrario não póde concorrer.

Se não ha vinte com 25:000$000 réis cada um, não concorrem os que houver; se ha, mais lhes vale associarem-se para concorrerem á grande empreitada.

Portanto, o que eu entendo é que n´esta parte a idéa do governo é perfeitamente inutil, embora pareça muito generosa.

O que ha de prevalecer é a grande empreitada. A pequena empreitada nunca ha de realisar-se.

Suppunhamos que não apparecem concorrentes á grande empreitada, e que apparecem. dois ou tres pequenos empreiteiros.

O que faz o governo n´este caso?

Adjudica a empreitada a estes, ou abre novo concurso?

Ora, n´estas circumstancias, eu supponho que o governo ha de achar-se em embaraços na occasião em que quizer realisar o seu pensamento.

Quanto á primeira parte do projecto, aquella a que já me referi, eu tenho a certeza de que os que não forem amigos da actual situação hão de ser esquecidos.

Conheço o meu paiz e não me illudo.

Os que não forem amigos do governo hão de ser prejudicados por este projecto, e eu já sei, quem ha de pagar as custas.

Por consequencia, voto contra o projecto, porque não quero dar uma auctorisação ao governo, que irá prejudicar uma grande parte da nação.

Eu sei perfeitamente como se governa entre nós.

Mas agora, sr. presidente, em relação a uma disposição do projecto, eu sou mais ministerial do que o proprio ministerio, e sinto não poder votar uma auctorisação mais ampla do que aquella que se pede.

Refiro-me á disposição que trata dos lanços de estradas que liguem com as estações dos caminhos de ferro.

N´esta parte o governo priva-se com a sua proposta de fazer um grande bem ao paiz, porque não fica auctorisado a construir estradas, ou lanço de estrada, que liguem com estações de caminhos de ferro, quando ellas excedam a 10 kilometros de distancia d´essas estações. Isto limita a sua faculdade, lamentavelmente.

O governo limitou-se extraordinariamente, porque a pequena distancia é muito mais facil de vencer do que a grande distancia.

N´esta parte eu seria mais ministerial do que o ministerio. Tenho pena de não votar uma faculdade mais ampla, de que resultariam por certo grandes bens para a nossa industria, para o nosso commercio, para a nossa agricultura, emfim, para este movimento que representa a civilisação de um paiz,

Por isso já vê o nobre ministro que não venho aqui fazer opposição ao seu projecto. Se n´uma parte tenho duvidas, noutras sinto que elle ficasse áquem dos meus desejos e aspirações.

Tenho concluido. Não pretendi alongar o debate, mas julguei que não devia deixar de dizer a minha opinião.

O sr. Ressano Garcia (relator): - Vou responder mui precisamente ao digno par o sr. Thomás Ribeiro, procurando resolver as duvidas que ao espirito de s. exa. se offerecem ácerca do projecto actualmente em discussão.

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O digno par perguntou, em primeiro logar, como hão d ser organisadas as zonas a que se refere o artigo 3.° do projecto.

É evidente que se não póde dizer a priori como ella serão constituidas, visto que ainda não estão estudadas todas as estradas que devem formar, tanto a rede real como a districtal.

(Áparte do sr. Thomás Ribeiro.)

Exactamente. A primeira restricção refere-se ao orça mento, porque é necessario que a media do preço kilometrico, no conjuncto das empreitadas adjudicadas em cada anno, não exceda 3:600$000 réis, incluidas as obras de arte.

O sr. Thomás Ribeiro: - Mas é essa a unica restriccão imposta na organisação das zonas?

O Orador: - Não, senhor, porque tambem é obvio que para constituir uma zona tem de tomar-se estradas que es tejam na mesma região.

Uma zona, por exemplo, póde ser composta das estradas, já mandadas estudar, destinadas a ligar todas as estações do caminho de ferro do Douro com a via fluvial e com as estradas ordinarias.

Mas seria desconhecer profundamente a significação das palavras o pretender que se podesse organisar uma zona com uma estrada em Traz os Montes e outra no Algarve.

Disse tambem o sr. Thomás Ribeiro que o governo não estaria sempre habilitado a fixar a base para a licitação, visto que esta se póde verificar antes de feitos os projectos das estradas que lhe respeitam.

Parece-me que s. exa. leu com menos cuidado o § 3.° do artigo 3.° do projecto, o qual diz:

" Nenhuma estrada ou lanço de estrada será adjudicado sem que previamente tenham sido feitos por conta do governo os respectivos estudos."

(Interrupção do sr. Thomás Ribeiro que se não ouviu.) Peço perdão a s. exa., mas a arrematação é um acto immediatamente subsequente ao da praça, e se o projecto é indispensavel para se verificar a adjudicação, tambem o é para a licitação.

Segundo a mal fundada interpretação dada por s. exa. aos §§ 3.° e 4.° do artigo 3.° do projecto, o governo poderia abrir a licitação, sem projecto, mas teria de aguardar por este para adjudicar a empreitada.

Basta enunciar esta tão extraordinaria consequencia, para desde logo se comprehender que a interpretação de s. exa. póde ser muito engenhosa, mas não é, por certo, a que o governo e a camara dos senhores deputados deram á lei em discussão.

Que utilidade teria o governo em abrir a licitação antes de ter o projecto, se em caso algum podia adjudicar a empreitada, se não depois de feito?

Tambem o digno par receia que, numa determinada região ou zona, não haja vinte pequenos empreiteiros para tomarem as subdivisões, limitadas a 25:000$000 réis, de uma grande empreitada de 500:000$000 réis, resultando d´ahi ficarem os grandes empreiteiros senhores da praça. Não creio, em primeiro logar, que as grandes empreitadas attinjam a enorme cifra de 500:000$000 réis, porque, devendo o governo quanto possivel repartir igualmente por todo o paiz o beneficio da viação, hão é de presumir que concentre as obras de um anno em tres pontos somente.

Mas, quando mesmo houvesse uma empreitada de réis 500:000$000, eu creio, ao contrario do digno par, que mais difficil seria encontrar grandes empreiteiros que a tomassem na totalidade, do que pequenos empreiteiros, em numero suficiente, para arrematarem todas as vinte secções de 25:000$000 réis, em que ella teria de subdividir-se. Ficam assim respondidas as objecções do digno par o sr. Thomás Ribeiro.

Permitta-me, porem, a camara que eu me refira tambem a uma observação feita pelo digno par o sr, Antonio de Serpa.

S. exa. criticou a limitação de 5 1/2 por cento imposta ao juro nominal das obrigações a emittir, porque, se esse typo convém hoje, póde amanhã ser prejudicial.

Respondo a s. exa. que, se effectivamente variarem as condições do nosso credito, póde ser inconveniente fazer a emissão de obrigações do typo de 5 1/2 Por cento; mas nesse caso devemos confiar em que o governo proporá ao parlamento a modificação da lei.

No presente anno economico o juro de 5 1/2 por cento é judiciosamente escolhido; para o futuro anno veremos se convem conserval-o ou alterai-o.

Disse tambem s. exa. que este projecto não passa de um artificio para occultar o deficit.

A este respeito já respondeu o nobre ministro das obras publicas, mas eu não posso deixar de observar que o digno par o sr. Serpa não viu ou não quiz ver as apreciaveis vantagens economicas e financeiras d´este projecto.

Pelo processo até aqui seguido, os 2:682 kilometros de estradas reaes, que resta construir, custariam a 6:020$125 réis cada kilometro, ou 16.146:000$000 réis na totalidade. Os 5:620 kilometros de estradas districtaes custariam analogamente 3:376$543 réis por kilometro ou 18.976:000$000 réis na totalidade.

A despeza a fazer para completar a rede de viação real e districtal montaria, portanto, a 35.122:000$000 réis.

Mas pelo methodo adoptado na lei a despeza reduzir se-ha a 8:302 kilometros a 3:600$000 réis ou 29.887:000$000 réis, havendo, portanto, uma economia de 5.235:000$000 réis.

Ainda mais. Pelo antigo systema seriam necessarios mais de vinte annos para concluir a rede real e quarenta e oito para a districtal, entretanto que pelas disposições da nova lei devem uma e outra estar inteiramente terminadas em dezoito annos.

A isto limito as minhas observações, porque limitados foram tambem os reparos dos dignos pares os srs. Serpa e Thomás Ribeiro.

O sr. Vaz Preto: - Sr. presidente, não pedi a palavra para combater o projecto que está em discussão, pois sei que por mais valiosos, palpaveis e evidentes que fossem os meus argumentos, não influiriam no animo da maioria, que vota tudo quanto o governo quer.

Como tenho a convicção de que seriam baldados todos os meus esforços, limitar-me-hei a pedir a palavra para fazer uma declaração de voto.

Voto contra este projecto, como votarei sempre contra todos aquelles que envolvam qualquer auctorisação ao governo, é em que haja augmento de despeza.

O sr. ministro das obras publicas disse que este projecto não é mais nem menos do que uma copia de um outro que foi apresentado ás côrtes em 1881 pelo sr. Saraiva de Carvalho.

Isso não impede que elle traga augmento de despeza, e que não fosse melhor prescindir d´elle. Acrescentou que se tivesse sido approvado o contrato Langlois, que faz lembrar este, já as estradas em Portugal estariam concluidas.

Todos sabem que esse projecto caiu, porque começou a crear-se um syndicato, contra o qual o paiz, o parlamento o proprio governo, se revoltaram immediatamente.

Foi tão grande a indignação publica, e a má impressão produzida, que o projecto não chegou a ser convertido em lei, nem sequer discutido.

Promettia-se um tanto pour la reussite de l´affaire, como agora se está fazendo em muitos negocios, infelizmente. Eu o que sinto é que essa indignação de então não appareça agora, o que prova que a corrupção e a immoralidade em alastrado o nosso paiz por toda a parte.

Voto, pois, contra mais esta auctorisação. O sr. Presidente: - Como mais ninguem pede a palavra, vou pôr á votação o parecer n.° 58.

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Posto este parecer á votação, foi approvado, tanto na generalidade, como na especialidade.

O sr. Conde de Castro: - Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se consente que entre desde já em discussão o parecer n.° 59, que admitte a transferencia para a camara municipal de Lisboa do dominio da tapada do Campo Grande.

Creio que este parecer está no caso de ser discutido, porque já foi distribuido pelos dignos pares e, alem d´isso porque teve voto unanime dos membros da commissão de agricultura.

O ar. Presidente: - Os dignos pares que approvam o requerimento do sr. conde de Castro, para que se entre na discussão do parecer n.° 59, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado

O sr. Costa Lobo: - Mando para a mesa um parecer da commissão dos negocios externos.

Foi a imprimir.

O sr. Presidente: - Está, pois, em discussão o parecer n.° 59 sobre o projecto de lei n.° 10.

É o seguinte:

PARECER N.° 59

Senhores. - A vossa commissão de agricultura examinou attentamente o projecto de lei n.° 10, vindo da camara dos senhores deputados, e que auctorisa o governo a transferir o Campo Grande e suas dependencias para o dominio da camara municipal de Lisboa, mediante as condições impostas no mesmo projecto de lei; e

Considerando que a camara municipal pediu ao governo que lhe fizesse esta concessão, a fim de estabelecer n´aquella mata um grande viveiro de arvoredo para satisfazer ás necessidades da arborisação a seu cargo;

Considerando quanto é attendivel este pedido, não só porque a camara melhor poderá aformosear aquelle passeio, seguindo o plano geral que houver de approvar para o embellezamento da cidade, mas porque, pela creação d´esse grande viveiro, mais facil e apropriadamente poderá arborisar as avenidas, praças e jardins, concorrendo assim efficazmente para a salubridade publica;

Considerando que de tal concessão nenhum prejuizo resulta para o estado, attento o pequeno valor florestal d´esta mata e o seu insignificante producto;

Considerando que pela ultima e mais larga circumscripção do municipio de Lisboa, está n´elle comprehendida a tapada do Campo Grande, sendo por isso mais rasoavel e conveniente que esta pertença á camara municipal, que até 1858, e em condições menos vantajosas, a possuiu e custeou; e

Considerando, finalmente, que ao governo fica reservada por este projecto a faculdade de utilisar dos viveiros annexos, para a arborisação das estradas reaes e districtaes, as arvores que ao presente n´elles existem:

E a vossa commissão de parecer, por todos estes fundamentos, que approveis o seguinte projecto de lei, para que suba á real sancção.

Sala da commissão, em 28 de junho de 1887. = Duque de Palmella = Visconde de Carnide = Manuel Antonio de Seixas = Anselmo Braamcamp Freire = Francisco Simões Margiochi = João de Andrade Corvo = Conde de Valenças = Candido de Moraes = Conde de Castro, relator.

Projecto de lei n.° 10

Artigo 1.° É transferido para o dominio da camara municipal de Lisboa o Campo Grande, com todas as suas dependencias, ficando a cargo da mesma camara as despezas de limpeza, conservação e aformoseamento.

§ unico. Dos viveiros annexos poderá o governo retirar successivamente as arvores actualmente ali existentes que lhe forem necessarias para a arborisação das estradas reaes e districtaes.

Art. 2.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Palacio das côrtes, em 23 de junho de. 1887. = José Maria Rodrigues de Carvalho, presidente = Francisco José de Medeiros, deputado secretario = José Maria, de Alpoim, de Cerqueira Borges Cabral, deputado, secretario.

O sr. Franizni: - Sr. presidente, eu pedi a palavra, quasi com vontade de votar contra este projecto; mas basta que a camara municipal de Lisboa deseje tanto possuir a tapada do Campo Grande, para eu votar o projecto. Não lhe quero ser desagradavel.

Todos nós sabemos que não é prospera a situação financeira da camara municipal. È a prova está nas gravosas licenças estabelecidas no codigo novo de posturas, e, nos addicionaes lançados sobre as contribuições geraes do estado com applicação ás despezas municipaes.

Quando uma corporação assim lucta com difficuldades financeiras não póde nem deve tomar conta de novas obras e contrahir novos encargos.

Esta precaria situação financeira evidenciou-se com o lançamento dos impostos, e apesar disto, o déficit municipal é enorme.

Mas. não obstante esta situação desfavoravel, a camara municipal de Lisboa decretou uma obra, que é de certo um grande embellezamento para a capital, mas que se devia pôr de parte por agora, attentas as suas más circumstancias financeiras. Refiro-me ao grande parque da Avenida, o qual está orçado, creio que em cerca de 200:000$000 réis despeza que agora vae ser augmentada com o embellezamento da tapada do Campo Grande.

Essa tapada tem muito arvoredo, que naturalmente a camara aproveitará para a arborisação da cidade.

Nós já temos o parque da Avenida, teremos outro parque, o do Campo Grande, porque, a camara municipal ver-se-ha de certo forçada a grande despeza com o embellezamento, que lhe será exigido, e não se limitará a ter ali simplesmente um viveiro.

E já que fallei de arvoredos, permitta-me a camara que eu faça algumas observações com respeito ao modo por que são tratadas as arvores nas das e praças de Lisboa.

Esse tratamento não está em harmonia com os principios mais triviaes da botanica e arboricultura, é bom será que ao viveiro do Campo Grande se não applique o systema seguido até hoje.

O córte, que, a pretexto de limpeza, fazem ás arvores é de tal forma, que ellas ficam só com o tronco principal e cotos dos secundarios, fazendo lembrar uma especie de esqueletos.

Todos sabem que as folhas são essenciaes para a vida das arvores, são os orgãos respiratorios que elaboram a seiva absorvida pelas raizes do solo em que se acham mergulhadas.

Como se sabe, os vegetaes absorvem o acido carbonico e exhalam o oxygenio sob a influencia da luz solar, ficando o carbonio nos tecidos vegetaes.

Pois, sr. presidente, não raro é ver nas das e praças de Lisboa as arvores cuidadosamente privadas dos seus mais importantes orgãos vitaes.

No aterro da Boa Vista, que já conta um quarto de seculo, não tem tido nenhum desenvolvimento o arvoredo ali plantado, porque lhe faltam abundantes regas, nas raizes e nas folhas.

É preciso que seja modificado o systema de rega das arvores, que actualmente é seguido, devendo-se-lhes lavar as folhas, que são os orgãos respiratorios, como já disse, e que achando-se impossibilitadas de exercerem as suas funcções por estarem constantemente cobertas de poeira, produzem a morte das arvores por asphyxia.

Eu tenho já quarenta e oito annos, sr. presidente. Pois sei de arvores municipaes que foram plantadas pela epocha do meu nascimento e que, apesar disso, pouca mais estatura têem do que eu. (Riso.)

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SESSÃO DE 1 DE JULHO DE 1887 567

Aproveito tambem a occasião para chamar a attenção de quem competir, para a falta absoluta de regas que se nota nas das e praças de Lisboa.

Quando chega o verão, e começa a longa estiagem, ha das que durante toda ella nunca são regadas, o que era bem preciso sendo em grande parte macadamisadas.

O systema inglez Mac-Adams applicado ás das do interior da cidade não tem para nós vantagens; é prejudicial pela poeira enorme que origina: convem sómente para as estradas.

É proprio para a Inglaterra e outros paizes do norte, onde o clima é humido; mas para os paizes de clima mais secco e similhante ao nosso, o que é mais proprio é a calçada de pedra e até o lagedo, como se observa em Hespanha, em muitas cidades, principalmente na Andaluzia, e no nosso paiz como nas cidades de Vianna do Castello, Vizeu e outras.

Eu tenho a infelicidade de ter a minha habitação n´uma d´estas das de macadam, que atravessa toda uma estiagem sem ser regada; é a calçada das Necessidades, que de mais a mais é constantemente percorrida por numerosos vehiculos, por cayallaria e artilheria, o que faz com que frequentemente a poeira attinja ali a espessura de um palmo.

Tenho visto pessoas verdadeiramente afflictas, angustiadas e quasi cegas e asphyxiadas, principalmente as senhoras, procurando evitar a poeira que lhes entra pelos olhos, pelos ouvidos e pelos orgãos da respiração. Acresce que esta calçada communica o bairro de Belem com a parte occidental e alta de Lisboa, e para muitas pessoas é forçoso exporem-se aos perigos de tão inhospita passagem.

Desejava eu, pois, que a camara municipal impedisse a continuação d´estes inconvenientes, que tornam Lisboa insupportavel de verão.

Isto e. assim, a poeira constitue um verdadeiro flagello, um perigo e uma causa de perda de valores.

A muitos clinicos tenho ouvido dizer que uma grande parte das doenças que reinam em Lisboa são devidas á aspiração da poeira, que nas grandes cidades principalmente está sempre carregada de organismos inferiores, aos quaes, como é sabido, são devidas muitas das mais mortiferas doenças.

Portanto, o que eu lamento é que a camara municipal esteja a despender os seu poucos recursos em obras que não são de absoluta necessidade, em vez do os applicar em beneficio da hygiene publica, tão descurada, e termino votando o projecto, isto é, que a posse da tapada do Campo Grande parece causar grande satisfação á camara municipal.

Tenho concluido.

O sr. Barros e Sá: - Mando para a mesa dois pareceres da commissão de guerra.

O sr. Conde de Castro: - Sr. presidente, o digno par o sr. Franzini não combateu o projecto, e limitou-se unicamente a apresentar algumas duvidas e escrupulos em attenção ao estado das finanças municipaes, que, no entender de s. exa., não permittem, nem aconselham que a tapada do Campo Grande passe a ficar a cargo do municipio.

Ora eu vou mostrar ao digno par que, embora actualmente o custeio d´aquella mata seja um ónus para o estado, rasões ha, e de facil demonstração, que mostram ser essa transferencia de dominio de grande vantagem para a mesma camara.

Eu estou de accordo com o digno par, quanto ás observações que s. exa. fez sobre o modo como em Lisboa são tratadas as arvores, e quanto se resentem da falta de regas.

Effectivamente basta passar pelo aterro, para observar como aquellas arvores teem sido mal decotadas e para ver o que ellas têem soffrido com a falta de agua; no entanto é conveniente que isto se diga, e que a camara municipal
saiba que na camara dos pares sé fizeram estas observações, que aliás nada teem com o projecto.

Sr. presidente, devo tambem dizer que este projecto não partiu da iniciativa do governo. Foi a camara municipal que solicitou d´este que lhe concedesse o dominio do Campo Grande. E entendo que procedeu bem.

Não só a tapada do Campo Grande deve vir a ser o complemento da grande avenida da Liberdade, e estando a camara a fazer grandes sacrificios para levar a seu termo essa avenida, parece-me justo e necessario que ella adquira aquella tapada para melhor poder realisar este melhoramento, como estou convencido de que a camara municipal hade empregar todos os meios ao seu alcance para que aquelle passeio seja aformoseado.

Alem d´isso a camara entende que a posse da tapada é para ella de grande utilidade, porque ali poderá estabelecer um grande viveiro, d´onde saiam as arvores precisas para a arborisação das avenidas, praças e jardins publicos da capital.

Até 1858, como a camara de certo sabe, a mata do Campo Grande foi possuida e custeada pela camara municipal de Lisboa, com a differença, porem, de que então estava ella fora da area do municipio.

Ora é minha opinião que a actual camara municipal vae administrar o Campo Grande em condições mais vantajosas do que aquellas em que por ella foi custeado até 1858, porquanto, como todos nós devemos recordar, houve um ministerio progressista, em 1869 e 1870, que cuidou muito em melhorar o Campo Grande, sendo ministro das obras publicas o sr. Lobo d´Avila, hoje conde de Valbom. Então fez-se ali uma importante plantação de arvoredo e construiu-se um grande lago, mas infelizmente esses melhoramentos não foram avante, porque sobreveiu a revolução de 19 de maio, e entenderam os novos ministros que não se devia gastar mais com aquella obra. Mas o que é certo é que se fizeram grandes plantações, e hoje a camara municipal vae possuir aquella mata em circumstancias muito mais favoraveis do que na epocha a que já me referi.

Por outro lado, sr. presidente, podemos votar desafogadamente este projecto, porque não ha prejuizo para o estado na concessão que por elle se faz á camara.

E não ha prejuizo, em primeiro logar porque a mata, como dominio florestal, tem realmente muito pouco valor. Basta abrir o orçamento de 1887-1888, para ahi se ver que o seu rendimento é apenas de 400$000 réis, emquanto que a despeza é de 1:200$000 réis.

E em segundo logar, porque pelo § unico do artigo l.º fica o governo com o direito a todas as arvores existentes nos actuaes viveiros, para assim as poder distribuir pelas estradas reaes e districtaes.

Por todas estas considerações, parece-me, pois, que não ha inconveniente algum, antes ha vantagem, em que esta mata passe para o dominio do municipio de Lisboa, ficando a cargo d´este a sua administração.

Vozes: - Votos, votos.

O sr. Ressano Garcia: - Mal sabia eu, sr. presidente, que havia de tomar parte na discussão d´este projecto; mas como, em vez de se tratar da concessão do Campo Grande á camara municipal de Lisboa, eu VI discutir a administração da mesma camara, entendi que não podia deixar de tomar a palavra.

O digno par e meu collega o sr. Franzini, a quem immensamente respeito, parece-me que foi muito contradictorio na sua argumentação.

Por um lado receia que a camara municipal não possa tomar sobre si a administração do Campo Grande, que para o estado representava o encargo de 1:200$000 réis por anno e que ao municipio póde importar em menos, porque já possue um pessoal numeroso, empregado exclusivamente no serviço dos jardins e arvoredos.

Mas, por outro lado, o digno par, que tanto se assusta com o encargo de 1:200$000 réis que vae pesar sobre as

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588 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

finanças do municipio, deseja arvores em todos os pontos da cidade, abundantemente regadas pela parte superior e pela parte inferior, bem como calçadas dos systemas os mais perfeitos e tambem profusamente lavadas.

Suppõe, porventura, s. exa. que bastem dez, vinte, trinta ou cem vezes 1:200$000 réis para que a cidade se encontre nas condições em que todos nós desejariamos vêl-a?

A camara municipal de Lisboa, regando, como s. exa. disse, mesquinhamente, não está livre de que a companhia das aguas pretenda exigir-lhe em um anno 300:000$000 róis por excesso de consumo de agua.

Para que a cidade fosse regada como o digno par deseja; seria necessario fazer uma enorme despeza e, alem d´isso, creio mesmo que não haveria agua suficiente em Lisboa para tal serviço.

O sr. Franzini disse que quando por acaso nas das de Lisboa encontra uma arvore, vê-a sem folhas. Pois se essas arvores, são quasi todas de folha caduca, n´uma certa estação perdem fatalmente a ramagem. Se ellas tivessem folha permanente, então o digno par vel-as-ia sempre com folhas:

O sr. Franziu!: - Eu referi-me principalmente á estação de verão. No inverno não passeio pelas das de Lisboa.

O Orador: - Oh, sr. presidente, assim como não está na nossa mão conservar as folhas nas arvores, que por sua natureza ás perdem, assim tambem as não podemos arrancar ás arvores de folhas permacentes, salvo se cortassemos as arvores pelo tronco. A caducidade ou conservação da folha está sujeita a leis naturaes que ninguem póde alterar.

Tambem s. exa. disse que não quer calçadas á macadam, porque fazem muito pó, com grave incommodo para os transeuntes, e como exemplo citou a calçada das Necessidades.

Ora eu não sei, francamente, que outro systema de calçada possa adoptar-se n´uma rua tão inclinada como a que s. exa. indicou.

Mas, deixando de parte este exemplo, tão mal escolhido por s. exa., observarei que, se ha das de nivel, em Lisboa, calçadas á mac-adam, é porque este systema é immensamente mais economico que o de parallelipipedos de granito ou madeira, a que s. exa. se referiu.

Sr. presidente, este projecto de lei é de grandissima vantagem para a camara municipal, já porque o Campo Grande prende com os melhoramentos que estão projectados para o norte da Avenida da Liberdade, já porque n´esse Campo ha viveiros, e podem estabelecer-se outros, destinados a fornecer as arvores necessarias para as das e jardins publicos, e até para os jardins particulares.

Parece-me, portanto, que o digno par foi muito injusto quando pareceu censurar a camara por praticar o monstruoso crime de acceitar um importante beneficio que o estado lhe faz gratuitamente.

Tenho dito.

Posto o parecer a votação, foi approvado.

O sr. Presidente: - O digno par o sr. barão do Salgueiro deseja fazer uma pergunta ao sr. ministro das obras publicas.

Os dignos pares que annuem a este pedido, tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado.

O sr. Barão do Salgueiro: - Agradeço á camara o ter accedido ao pedido que fiz.

Sr. presidente, eu desejava chamar a attenção do sr. ministro das obras publicas para um telegramma que li n´um jornal sobre o incendio do pinhal de Leiria.

Desejava que s. exa. se dignasse informar-me se effectivamente é verdadeira a noticia, e, sendo verdadeira, que importancia teve o fogo, se já se extinguiu ou se ainda dura, e quaes as causas que lhe deram origem.

Eu tenho toda a confiança no governo, e nos seus delegados, e por isso não venho pedir providencias a s. exa. Estou certo que se hão de tomar todas as que o caso pedir.

O meu fim, pedindo a palavra, foi dar occasião a que o nobre ministro possa dar explicações, que tranquillisem o espirito publico, sobre um caso grave como este, que póde trazer comsigo a perda da mata mais importante do paiz.

O sr. Ministro das Obras Publicas: - Sr. presidente, as informações que posso dar ao digno par e á camara são desagradaveis.

O incendio que se manifestou no pinhal de Leiria começou ás duas horas e só foi dominado ás oito, durando portanto seis horas. O incendio é talvez o maior que tem havido.

Os estragos foram grandes, e as providencias possiveis foram tomadas pelo commandante de caçadores n.° 6, que está em Leiria.

O que posso assegurar ao digno par é que o governo ha de proceder ás necessarias averiguações, para saber se houve desleixo da parte de algum empregado, e, se o houver, creia s. exa. que o culpado ha de ter a devida correcção.

O sr. Barão de Salgueiro: - Agradeço ao sr. ministro das obras publicas a promptidão com que me respondeu.

Estou certo que s. exa. ha de empregar todos os meios ao seu alcance para saber se houve ou não desleixo da parte de algum empregado a fim de ter o devido castigo.

O sr. Presidente: - Vae ser enviado á commissão de verificação de poderes a carta regia que elevou á dignidade de par vitalicio o sr. visconde de Alemquer, bem como os documentos que s. exa. enviou para a mesa.

Os pareceres que foram mandados para a mesa por varios dignos pares vão ser impressos para serem distribuidos.

A primeira sessão é amanhã, 2 do corrente, e a ordem do dia é a discussão do parecer n.° 60.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas da tarde.

Dignos pares presentes na sessão de 1 de julho de 1887

Exmos. srs.: João Chrysostomo de Abreu e Sousa; Marquezes, de Rio Maior; de Pomares, Condes, de Alte, de Bomfim, de Castro, da Folgosa, de Linhares, de Magalhães; Viscondes, da Arriaga, de Benalcanfor, de Borges de Castro, de Carnide, da Silva Carvalho; Barão do Salgueiro; Pereira de Miranda, Quaresma, Silva e Cunha, Antunes Guerreiro, Barros e Sá, Adriano Machado, Serpa Pimentel, Costa Lobo, Augusto Cunha, Sequeira Pinto, Hintze Ribeiro, Margiochi, Van Zeller, Ressano Garcia, Carlos Bento, Larcher, Candido, de Moraes, Melicio, Holbeche, Valladas, Vasco Leão Gusmão, Bandeira Coelho, Baptista de Andrade, Fernandes Vaz, Silva Amado, Ponte Horta Sá Carneiro, José Pereira, Mexia Salema, Sampaio e Mello, Camara Leme, Luiz Bivar, Seixas, Pereira Dias, Vaz Preto, Franzini, M. Osorio Cabral, Gonçalves de Freitas, Placido de Abreu, Calheiros, Thomás Ribeiro, Thomás de Carvalho, Henrique de Macedo, Senna, Braamcamp Freire, Bocage, Barros Gomes, D. Miguel Coutinho, Serra e Moura.

Redactor = Ulpio Veiga.

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