8 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
Conforme o relatorio da proposta de lei de 2 de maio de 1880, quando foi apresentado, em 16 de março de L885, o emprestimo de 700 contos de réis, de 30 de dezembro de 1880, em 700 contos de réis estava; o de 200 contos de réis, de 12 de agosto de 1880, estava em 230 contos de réis, por virtude da accumulação dos juros.
Tinham sido vendidos os diamantes para a compra de inscrições, a fim de, por esta forma, se aumentar a lista civil; os juros das inscrições perderam-se nos juros dos emprestimos e por fim as inscrições foram vendidas para os emprestimos serem pagos, em execução da lei de 2 de maio de 1885:
E autorizada a Junta do Credito Publico a adeantar, ao juro de 5 por cento ao anno, pela Caixa Geral de Depositos, as quantias necessarias para pagamento dos emprestimos contrahidos pela administração da Casa Real, em contratos de 12 de agosto de 1880 e 30 de dezembro de 1882, recebendo em caução valor suficiente em inscrições de usufruto da Coroa, que, para seu desembolso, poderá alienar, de acordo com o Governo, como mais conveniente for aos interesses da Fazenda.
A venda foi feita no valor nominal de 1.638:100$000 réis, privando-se a Casa Real da renda de 49:143$000 réis. Por aqui se vê que as difficuldades da Casa Real vêem de longe, e que os poderes publicos procuravam sempre por processos indirectos cobri-las á custa do Thesouro.
Os diamantes foram vendidos para comprar inscrições, para com o seu rendimento aumentar a dotação do Rei. Empenhadas a um emprestimo de 700 contos de réis, foram vendidas para pagamento dos emprestimos de 200 e de 700 contos de réis, os quaes foram evidentemente pagos pela nação.
A dotação do Rei era ainda a fixada na lei de 19 de dezembro de 1834 para a Rainha D. Maria II. Em igualdade de circunstancias de administração, a carestia de vida era em 1889 maior do que em 1834. Era evidente.
Note-se que a lei de 1834 não aumentou a dotação do Chefe do Estado, alem de que era no antigo regime.
Tenho á mão a copia das contas da administração publica no anno de 1803 e dos orçamentos para 1804, 1805 e 1806. Havia orçamentos e contas.,
Em 1803 a Casa Real teve a seguinte despesa, saida do erario commum:
Particulares de serviço..... 299:658$219
Ucharia................... 353:502$551
Cavallariças............... 347:329$075
Thesouraria da Casa Real... 82:976$600
Coroa e outros artigos...... 143:568$580
1.226:034$625
Para 1805 estas despesas foram calculadas em 1:310 contos de réis e para 1806 em 1:380 contos de réis.
A ucharia da Casa Real foi sempre uma cousa bem estranha. Ora vejam: em 1803, 352 contos de réis, em 1804, 368 contos de réis, em 1805, 400 contos de réis.
Já no antigo regime a ucharia era de respeito.
Ferreira Borges, no Corrtio Interceptado, na sua carta n.° 9, publica as seguintes tabellas da ucharia: 3:000 arrobas e 27 arráteis de presuntos, 292 arrobas de manteiga de porco, 2:782 arrobas de toucinho, 2:667 cantaros de azeite, 22:477 sacos de carvão e 5:624 arrobas de neve.
Não é hoje a despesa da Casa Real cousa que se aproxime do qua foi no tempo de D. João VI, é certo, mas creio na possibilidade, com uma rigorosa administração, que a dotação dos ultimos Reis devia ser suificiente. Mas o que é certo é que não foi sufficiente.
A dotação do Rei D. Carlos I foi a mesma do Rei D. Luiz, mas já cerceada de 49:143$000 réis, pela venda de 1:638 contos de réis de inscrições realizada em 1889, por virtude da lei de 2 de março de 1885, e destinada ao pagamento dos emprestimos de 1880 e 1882.
A verdade é que, se a dotação real era a mesma do remado de D.. Luiz I, a Casa Real, em rendas de casas, em adeantamentos, recebeu muito maiores quantias do que as attribuidas pela lei que fixou a lista civil. Era isso indispensavel para a decencia do viver do Rei? Não. Tenho a hombridade de o declarar, embora isso a alguem venha a desagradar.
Não é meu intuito contrariar alguem, mas direi o que penso ao apreciar factos de gravidade como os que envolvem o projecto que se discute.
Não faço censuras á memoria de ninguem, não só porque isso ao meu caracter- repugna, mas porque não são os Reis os mais culpados nos esbanjamentos que nas suas Casas se fazem.
Ha falta de economia na administração da Casa Real? Sem duvida. Em quê? Não sei dizê-lo, mas é para mim, intuitivo que a dotação de 1 conto de réis por dia deve dar para a vida decente dos Reis, desde que se tome a resolução de metter a despesa nesta receita legal.
Não é esse equilibrio entre a receita e despesa compativel com o arranjo permanente de casas diversas, como numerosas pensões e subsidios, com despesas, emfim, que, sem em cousa alguma contribuirem para a decencia do viver do Rei, levam o indispensavel para a despesa obrigatoria, do que resultou o processo dos diamantes da Coroa ou dos adeantamentos, á espera de um aumento da dotação real.
Esse systema foi em parte responsavel dos acontecimentos lastimaveis da epoca. Mudaram as cousas? Assim o espero das nobilissimas qualidades do homem que está á frente da administração da Casa Real, como nobilissimas eram as do seu antecessor. Mas as casas antigas vivem sempre da tradição e do habito, com os quaes os administradores de officio nada podem, a não ser que não dependam de quem da tradição vive, e que é impeditiva das reformas.
Vieram de novo as dividas e os emprestimos, a cujo pagamento foram applicadas as rendas atrasadas dos edificios de que a Coroa é usufrutuaria e occupados pelas repartições publicas.
A lei de 16 de julho de 1855 consignou no seu artigo 3.°:
Os bens da Coroa declarados nos artigos antecedentes poderão ser arrendados, mas o prazo dos arrendamentos não poderá exceder a vinte annos, etc.
A disposição d'este artigo não comprehende os jardins de recreio nem os palacios destinados para residencia ou recreio do Rei, os quaes nunca poderão ser arrendados.
Podiam, pois, ser arrendados os bens de que a Coroa era usufrutuaria, com excepção dos jardins de recreio e dos palacios de residencia ou de recreio do Rei.
Foram por isso considerados arrendados os edificios occupados por estabelecimentos do Estado e repartições publicas.
Mas antes da reclamação sobre as rendas dos predios occupados pelo Estado e do usufruto da Coroa, a Administração da Casa Real havia reclamado que lhe liquidassem por encontro de débitos seus á alfandega, contas que ella julgava ter sobre o Thesouro.
Para fazer a liquidação, Barros Gomes, por portaria de 28 de novembro de 1879, nomeou uma commissão, que parece não ter levado ao fim o seu papel.
Annos depois, em setembro de 1894, a Administração da Casa Real de novo fez reclamações, reeditando as antigas e fazendo outras de novo, fixando as antigas em 145:994$ 190 réis e as que fazia de novo, na sua maior parte fundadas na occupação do Palacio da Bem-posta, na importancia de 508:698^998 réis.
O total era de 654:693$188 réis, mas, encontrando-se com creditos do Thesouro, a reclamação reduzia-se a 428:695$743 réis.
Então pertenciam á commissão os Srs. Arthur Cunha e Sá Brandão, Luiz Perestrello e Pereira Carrilho.
A commissão deu parecer favoravel ás reclamações, julgando-as justificadas.