O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

601

com que provar a identidade de pessoa? Como não tinha meios para isso, apesar de innocentissimo lá ia para a prisão, e não podia sair della em quanto não houvesse alguem que o conhecesse: e eis como é exacto dizer-se que os passaportes são tambem um meio para provar a identidade de pessoa; e quando mesmo não fosse facil allegar esta circumstancia, bastava a disposição do artigo 2.° do projecto para se poder asseverar, pois que o artigo diz: (leu.)

Que o digno Par bem sabe que, quando uma nação está em agitação, qualquer medida desta ordem que se adopte naquella occasião, ainda põe o paiz em maior commoção. Suppondo-se que o projecto era approvado e estava em execução; o paiz achava-se em paz, más que ámanhã havia uma agitação, e saía um Decreto dizendo, que ninguem podia transitar no reino sem tirar passaporte: não seria esta medida uma causa de excitação que havia de ainda agitar os animos? O que muitas vezes um Governo faz com o intuito de reprimir a desordem vai augmenta-la, tornando em elementos de guerra o que elle adopta no interesse da paz (apoiados).

O orador pergunta, para o caso em que se approvasse já este projecto, como havia de ser a policia das casas de pasto e das hospedarias? Fica tambem revogada, e os donos não hão de ser obrigados a dizer quem teem em sua casa? Se forem obrigados os donos dellas a dar parte dos seus hospedes, ha de ser pelo que cada um lhe disser? Isso não lhe parece regular.

O orador sente muito estar em opposição como digno Par, que respeita e considera sempre, mas especialmente quando falla em cousas do paiz, que mostra conhecer bem, e que estuda com attenção os factos, e está acostumado a conhecer as cousas; mas elle orador tambem conhece o nosso paiz, os seus costumes, os habitos desta gente toda, e medita sobre os factos; e é em presença de tudo isto, que tem formado a sua opinião sobre o assumpto em questão. Aproveita portanto esta occasião para lembrar aos Srs. Ministros, que quando o Parlamento, uma e outra vez, pede certas medidas que intende serem necessarias para a boa ordem, não quer isso dizer que seja por opposição a SS. Ex.ªs; pelo contrario elle orador está convencido de que assim, e com isso, o Governo se fortifica mais. Pelo que lhe respeita faz notar a sua actual posição: não é um homem que se possa dizer ministerial; nunca se declarou como tal, e a posição que tomou no centro da Camara é um signal exterior dessa posição independente: liga-se muitas vezes com o Governo actual; ligou-se muitas vezes com o Governo que passou; e ha de ligar-se com o que vier, quando as suas medidas forem de ordem. Tal é a sua posição.

Disse por ultimo, que quando propoz o seu adiamento, foi por se persuadir que isso dava força ao Governo com relação a esta medida de policia, ou a qualquer outra que se propozer, a qual lhe pede que apresente quanto antes aos Corpos legislativos, para ser substituida esta que agora se discuta, porque do contrario vêr-se-ha forçado a approvar o que se contém no projecto. Foi para fazer estas poucas observações que pediu a palavra, e concluiu dizendo, como principiou, que retira a sua proposta de adiamento, e que acceita a que foi apresentada pelo Sr. Ministro do Reino.

O Sr. Visconde de Fonte Arcada — Principiarei, Sr. Presidente, por onde acabou o digno Par que me precedeu; S. Ex.ª disse que tinha tomado logar no centro desta Camara, para assim mostrar a sua independencia: mas permitta-me que eu lhe observe, que qualquer digno Par póde tomar logar em qualquer dos lados da Camara, sem que por isso deixe de ser independente. (O Sr. Marquez de Ficalho — Concordo.) S. Ex.ª continuou dizendo, que não fazia opposição ao Governo, mas que havia de votar conforme achasse conveniente. Permitta, porém, o digno Par que eu lhe diga, que á vista das declarações que fez na ultima sessão a respeito do estado em que se acha o paiz e o Exercito: — não sei como S. Ex.ª póde apoiar um Governo que tem o paiz em tal estado, mas eu com isso nada tenho.

Agora occupar-me-hei do projecto em discussão, e espero que não se notará que ao mesmo tempo que tractar do addiamento diga algumas palavras sobre a questão principal.

Sr. Presidente, a Lei que se pertende addiar indefinidamente é reconhecido por todos, mesmo por quem a combate, que seria muito popular, e que seria muito, bem recebida pelo povo, o que mostra evidentemente que é uma Lei de grandissima utilidade, e que seria recebida com grande applauso, e tanto basta para não a devermos addiar. É, repito, uma Lei popular, e tanto o é, que o proprio digno Par o Sr. Marquez de Ficalho assim o reconheceu quando fallou na ultima sessão, e reconheceu tambem que esta Lei é uma Lei necessaria.

Sr. Presidente, a obrigação de tirar passaporte, é realmente um grande vexame, e já hontem o digno Par o Sr. Barão de Porto de Moz, expôz com a clareza que costuma, o que actualmente se está passando no paiz e os vexames que se soffrem em tempos ordinarios; e eu agora mostrarei que mesmo em tempos de revoluções ou sedições, os passaportes de nada servem, e referirei o que se passou comigo.

Em 1844 por occasião da insurreição de Almeida, sendo o Sr. José Bernardo da Silva Cabral Governador civil de Lisboa, dois criados meus que tinham precisão de me fallar, um delles do Termo de Torres-vedras, e o outro de Aldêa-gallega da Merceana; indo buscar passaportes á respectiva authoridade dos seus concelhos, não lh'os concederam porque não os haviam nas administrações: elles que tinham muita precisão de me fallar vieram a Lisboa, e vieram sem elles; meteram-se no barco a vapôr e desembarcaram sem que fossem incommodados. Depois querendo eu manda-los para cima com passaportes, para que o não fossem mandei-os á Administração geral para que os tirassem; quatro ou cinco dias se gastaram na diligencia de os obter, e apesar de apresentarem fiadores que nunca poderiam ser suspeitos, assim mesmo não lh'os quizeram conceder; o resultado foi irem sem elles, e apesar de irem no vapôr ninguem lhes perguntou por passaportes, e chegaram a casa sem incommodo algum. Isto pois mostra que a Lei não satisfaz ao seu fim, e que é vexatoria, inutilmente só para quem se sujeita a ella.

Disse um digno Par, que os passaportes serviam para conhecerem-se os malfeitores, e disse por exemplo, que se um malfeitor commettia um crime, e levando passaporte, servia para se conhecer a identidade da pessoa; porque se passavam logo ordens para que fosse preso aonde quer que se achasse, e effectivamente o era; em resposta a isto tenho a dizer a S. Ex.ª que ainda ha pouco tempo no concelho de Rio-maior assassinaram o Coronel Romarino, os seus assassinos vieram logo á Administração geral tirar passaportes que se lhes concederam, e fugiram sem que ninguem os perseguisse, e tão culpados estavam que foram pronunciados, entretanto fugiram para Hespanha. Avista disto, pergunto eu, de que serviu o passaporte, e de que serviu o fiador destes assassinos? De nada, porque o passaporte, apesar do que disse o digno Par, que serve para reconhecer os criminosos, de nada serviu. O mesmo digno Par considerou os passaportes como fonte de rendimento para o Thesouro pelo importe do sello que pagam; mas note-se, que entre todos os objectos sobre que póde recair o imposto, é o passaporte o menos proprio, por isso se deve attender, que o sello é o menos que paga quem tira passaporte, o mais são os incommodos, os trabalhos, e os vexames que dahi resultam, e prejuisos que muitas vezes soffrem, como já está provado pelos exemplos que se adduziram; tudo isto, Sr. Presidente, vale muito dinheiro, e todos os economistas reconhecem que o imposto é tanto mais justo quanto a sua importancia, na maior parte, entra no Thesouro! Ora, do que paga o povo em consequencia de ser obrigado a tirar passaportes, só uma pequenissima parte é que entra no Thesouro; logo é evidente, que o direito de transitar, não é objecto em que possa recair o imposto, nem deve ser collectado.

O mesmo digno Par tambem disse que todas as nossas Leis estabelecem providencias sobre passaportes e as regulavam, mas isto não obsta, porque as Leis antigas quaesquer que sejam podem ser revogadas pelo Parlamento, e aquelle argumento não prova que as Leis sobre passaportes não o devam ser, quando se achar conveniente.

Agora, porém, o Sr. Ministro do Reino propoz o addiamento da Lei, mas este adiamento nenhuma differença tem do addiamento que tinha proposto o Sr. Marquez de Ficalho, por quanto o do Sr. Marquez era até que houvesse uma guarda que fizesse a policia; e o addiamento proposto pelo Sr. Ministro do Reino é, até que S. E.ª colha informações sobre o assumpto, para em vista dellas ver se convém extinguir os passaportes, ou propôr uma medida que os substitua, sem os vexames actuaes. Mas parece impossivel que tendo S. Ex.ª sido Ministro de Estado dos Negocios do Reino por diversas vezes, e tendo tanto conhecimento dos negocios publicos, parece impossivel, digo, que ainda hoje não esteja S. Ex.ª habilitado para poder formar a sua opinião sobre a utilidade ou inconveniencia dos passaportes!

Se o Sr. Ministro pedisse um addiamento por qualquer tempo rasoavel, para no entretanto preparar qualquer medida a este respeito, sem os vexames que actualmente se soffrem, nada se podia dizer contra isso: — mas, Sr. Presidente, o addiamento do Sr. Ministro, como elle diz, é para colher informações: isto é extraordinario, porque as informações estão todas colhidas, nem podem deixar de o estar, por não ser este um assumpto novo de que agora se trate pela primeira vez. O facto verdadeiro é, que se os passaportes não pagassem emolumentos, já se tinham acabado ha muito tempo, e por isso ha de ser difficultoso o acabar com elles pelos interesses que delles resultam. Grande honra cabe porém ao digno Par o Sr. Visconde de Sá em tomar a iniciativa a este respeito, e espero que elle não desanimará, nem affrouxará o seu zelo até o conseguir.

Eu desejava que o Sr. Ministro limitasse o adiamento que propoz, pois que esse é o meio de acabar agora esta questão, mas um adiamento indefinido é cousa em que eu não posso convir, até mesmo porque é difficil acreditar-se que S. Ex.ª não esteja ao facto do negocio, nem que não possa obter já todos os esclarecimentos, se é que lhe faltam alguns.

O Sr. Barão de Porto de Moz — Eu tenho por costume não abandonar facilmente uma idéa, quando permaneço persuadido da sua utilidade: bem vejo que os meus esforços naturalmente hão de ser baldados, mas não importa, quando estou persuadido marcho avante, anima-me a esperança de que por fim ha-de succeder o que sempre succede a tudo que tem por base a verdade, e a razão: ha-de vir um dia em que se ha-de approvar aqui aquillo mesmo que parece agora rejeitar-se (apoiados). Neste sentido nenhuns esforços são perdidos, estes mesmos agora, ao que parece tão inuteis, quem sabe?! Abreviarão o espaço depois do qual essa verdade ainda hoje combatida, ainda hoje não acceita, virá a ser coroada de um exito feliz.

Todos os oradores, que eu tenho ouvido combater o parecer e o projecto, estabelecem uma proposição, a que dão honras de argumento, que, se fora demonstrada convenceria! Todos correrão a ella á similhança dos que divisam no horisonte uma bandeira levantada para signal de reunião. A proposição é esta: é preciso que haja policia para haver segurança, que é o objecto mais essencial em o Estado. Mas é pena que ninguem demonstrasse que os passaportes são um meio de policia, que dê em resultado a publica segurança. Haverá alguem que não tendo ouvido a demonstração, dê valor ao argumento? Parece-me que não. E depois que documentos tenho eu dado, ou tem dado aquelles que não querem os passaportes, de que desconhecemos o principio de que se deve conceder ao Governo de qualquer paiz o meio de manter a segurança publica? O principio era escusado pretender ensina-lo, porque todos o conhecemos e todos o respeitamos em beneficio proprio, e vantagem commum, mas o que era preciso demonstrar era, que para se conseguir esse fim, cuja necessidade todos reclamam, era mister conservar os passaportes. Esta demonstração é que ninguem fez, e eu vou ver se a posso fazer em sentido contrario.

O passaporte tal qual elle se acha estabelecido, figura-se-me que, longe de ser um meio de policia, é uma tyrannia, porque se elle é reclamado por causa dos malfeitores, colloca ao lado destes o cidadão probo, de que não deve haver nem a mais leve suspeita; o resultado na pratica é effectivamente esse: medem-se pela mesma bitola os homens probos e os que o não são; estabelece-se o passaporte para que aquelle que delle vai munido seja tido como homem probo, e para que aquelle que o não tem seja havido como homem suspeito! Mas isto em principio não póde estabelecer-se, o principio é o opposto, porque o homem reputa-se bom em quanto se lhe não provar que é máo; mas, se contra todo o direito, é reputado criminoso o que transita sem passaporte, é claro que todo o que com elle estiver munido será reputado como probo, mas ambas as hypotheses podem ser falsas; a primeira que suppõe criminoso o que não tem passaporte, é a tyrannia por que é o facto contra o direito; a segunda, que é a presumpção da probidade no que o tem é a traição, porque se assegura sem certeza á sociedade a probidade talvez de um criminoso (apoiados): lança-se a suspeita sobre aquelle em quem ella póde não dever recair, e impõe-se a confiança naquelle que devia inspirar serios receios. Eis-aqui o que não é só tyrannia, mas tambem uma traição. Se me demonstrassem (o que não fizeram) que o passaporte era passado com tal segurança, que nunca o podia obter senão o homem honesto, o homem livre de suspeita, então nada melhor, e através, não digo de todos os vexames, como agora, mas de alguns indispensaveis, o passaporte devia continuar a existir, mas de que na pratica isto não succede, são os proprios argumentos dos que defendem os passaportes os que assim o comprovam. O meu amigo o Sr. Ferrão, que com tanta proficiencia falla, não digo nesta, mas em todas as materias S. Ex.ª mesmo forneceu uma grande reconvenção no argumento que produziu quando nos disse, que existem muitos processos, e que tem visto muitos, nos quaes se acham passaportes passados a criminosos, cujos passaportes denunciaram os seus portadores, que sem elles não seriam reconhecidos, concluindo d'aqui a utilidade dos passaportes: este argumento já tinha sido feito de outra vez, respondi-lhe, e segunda vez repetirei a resposta; que remedio, senão dar a mesma resposta, com o risco de enfastiar com repetições escusadas, quando se repete o argumento respondido?

«Eu tenho visto muitos processos em que os passaportes têem denunciado os criminosos»

Disse o digno Par: pois S. Ex.ª não vê que isto prova que effectivamente se dão passaportes aos criminosos? Eu tinha precisão de provar isto, talvez não podesse produzir factos, o digno Par veiu em meu soccorro; agora está provado (apoiados). (O Sr. Ferrão — Peço a palavra). O homem cauteloso e prudente poderia precaver-se a respeito de um desconhecido, de que nada lhe dava segurança, mas se elle leva um passaporte passado pela authoridade, que o afiança, deve confiar-se; em quem? Talvez em um salteador. Se o homem honesto é sempre mais ou menos vexado com isto, contra o seu direito presumido, se o malfeitor póde legitimar-se para zombar da previdencia, eu não sei como se possa defender os passaportes (apoiados.)

Eu admiro como certos homens, que se dizem progressistas exclusivamente, e que supponho que o são, menos o exclusivamente, porque todos os homens são naturalmente progressistas, ainda que reconheço que entre os que se apellidam assim por excellencia, e os que o são, ha muita differença, e eu percebo-a bem (apoiados), isto é, uns querem ir depressa e a correr, outros são mais fracos de pernas, e vão de vagar, eu pela minha idade e pelo meu achaque sou dos que vão de vagar, mas admiro, digo, que alguns dos que querem sempre correr, em tal occasião, em que deviam voar, fiquem a coxear após de mim (riso); querem o paiz cortado com boas vias de communicação, com caminhos de ferro; redes de caminhos de ferro! E querem bem, mas ao mesmo tempo ligam as pernas aos viandantes (riso.) Ao passo que querem communicações faceis, e aproximadas as distancias, põem pêas nas pernas aos caminhantes — (Entrou o Sr. Ministro das Obras Publicas.) Isto é o mais luminoso que póde haver! E porque? Porque é um meio de policia! E quaes são os regulamentos? Eu vou desinvolver alguma cousa o modo práctico de conceder ou negar os passaportes, e bem sei que se me ha de responder, que isso o que prova, é, que os regulamentos se devem emendar, pois que se não são bons, a cousa deve-se fazer de outra maneira. Mas eu volto logo a esse argumento, e mostrarei aos que o fizessem a impossibilidade desse meio. Se o homem é conhecido pagando (porque o regulamento não faz excepção), e 6 tambem o que se acha de bom no systema, concede-se logo o passaporte; e se não é conhecido pedem-se-lhe abonadores, mas elle vae buscar dois homens de nenhuma importancia, que são muitas vezes os primeiros que apparecem, e o passaporte está passado! E se o escrupulo da authoridade vae mais longe exige-se justificação, e esta é feita com duas testemunhas, as primeiras que apparecem; magnifica garantia! E como havia deixar de ser assim, se o passaporte ninguem ha que queira, que o não tenha! Diz-se: mas é que não deve ser assim, e nos regulamentos que se fizerem de novo deve haver maior escrupulo. Vamos tambem a este argumento: o bom senso da authoridade exclue regularmente, creio que podia dizer sempre, a justificação por testemunhas para conceder o passaporte; é uma fortuna que assim seja; quem poderia correr uma demanda para emprehender a mais pequena jornada! Ha ahi alguem que ignore as necessidades da vida domestica? Se um homem que carece de mover-se todos os dias em differentes jornadas, para feiras, e por occorrencias accidentaes, instantâneas, tendo de estar frequentes vezes a tirar passaporte, o obrigassem a seguir nisso um processo de vita et moribus, então mais valia abandonar este paiz; e julga alguem isto possivel? Digo que não, e que os passaportes não podem ser um meio seguro de policia, mas que em quanto existirem, hão de ser um meio de vexame; exacerbam-se os regulamentos, mais vale que nos arreiguemos ao solo como arvores, e que nunca nos movamos, do que sermos obrigados a tanta escravidão.

Eu não posso deixar de fazer menção de um argumento produzido pelo digno Par o Sr. Ferrão, mas existe, e produzido pelo digno Par o Sr. Marquez de Ficalho corajosamente, e como argumento decisivo para abono da necessidade dos passaportes; este argumento é o da receita publica, que elles produzem para o Thesouro, e para emolumentos; e disse-se que esta contribuição não era possivel deixar de se sustentar no nosso estado de finanças, porque auxiliava muito o Thesouro, e eram emolumentos para os empregados! Oh! Sr. Presidente, esta theoria pode-se sustentar! Pois é possivel sustentar que o tributo deva recair no direito natural que o homem tem de se mover! Mas então esses senhores que assim pensam, não sei porque, são tão limitados, porque hão de collectar apenas as pernas! Collectem os braços que se movem, e a lingua que falla. Peçam á policia o que ella deve á publica segurança, mas não lhe peçam impostos. E quando mesmo houvesse a necessidade da existencia dos passaportes, e por isso a de algum emolumento para a sua fiscalisação, um emolumento de 120 réis, com o sello de 40 réis, para um desgraçado que muitas vezes vae a distancia de vinte, trinta, quarenta leguas procurar trabalho para se remir e viver, seria justo?! E o tempo que elle gasta, e os incommodos que elle tem para obter o passaporte! Não lhe absorve muitas vezes um dia de jornal? E passados quinze dias, ou um mez, que é o maximo, não está elle já sentindo o mesmo mal, qual a necessidade do novo passaporte? É tambem preciso attender a que a classe mais miseravel, a jornaleira, a que se move mais vezes, está constantemente na necessidade de pagar esse tributo, que se lhe fizerem bem a conta, seria talvez maior do que a contribuição de um grande proprietario (apoiados.) Depois considere cada um o que succede na actualidade das cousas. Um individuo leva comsigo dois creados, e por ventura esquece declara-lo no passaporte; não importa que o amo seja abonado, ha de ser condemnado, porque os seus creados não levam, passaporte, parece-se isto com a sacra auri fames (riso.) Embarca-sen' um cáes, desembarca-se n'outro, não apparece passaporte, não importa, meia moeda, e ás vezes dois pintos, está tudo legalisado! Soffra-se porém o vexame de estar a roupa suja ou lavada á vista de todo o mundo, porque não appareceu o passaporte. Isto não é estado que possa permanecer (apoiados); mas allegou-se aqui, que á excepção de duas ou tres nações, da Inglaterra, da Suissa, e dos Estados-Unidos, em todas as mais existiam nos regulamentos de policia os passaportes; peço perdão, mas digo que em França tambem não ha passaportes, e aqui na nossa visinha Hespanha ultimamente tambem se aboliram os passaportes, e mesmo qualquer estrangeiro, desde que entra, e entrega o seu passaporte, depois ninguem mais lh'o pede, e gira livremente. Estes é que são os factos; até em Hespanha desde Outubro que não ha passaportes para transitar dentro do reino.

E como hão de haver passaportes onde ha estradas de ferro? Poderia no transito velocissimo de um caminho de ferro exigir-se o passaporte? Tracta-se de estradas de ferro, e ainda aqui dissentimos os passaportes! (apoiados) Não póde ser, ou então não se acredita em tal (apoiados) Mas, diz-nos o digno Par o Sr. Ferrão, são necessarios os passaportes, porque alguns casos ha em que a sua necessidade é reconhecida, como para se descobrir um criminoso, ou apanhar um suspeito: oh! Sr. Presidente, pois porque se póde suspeitar de; um ou de outro individuo, havemos de ir lançar a suspeita sobre uma grande massa de população?... E accrescenta-se: e tanto é reconhecida á necessidade dos passaportes, que pelo mesmo projecto se concede ao Governo a faculdade de ordenar que, em tempo de guerra ou de insurreição no paiz, os viandantes se munam de passaportes. Pois é a mesma cousa quando o paiz está n'um estado normal, ou quando involvido n'uma guerra civil ou estrangeira? Então é preciso que o Governo, tome todas as cautélas que aquelle caso excepcional pede, já dando-se a guerra estrangeira (no que ninguem deixará de concordar), já havendo uma insurreição no paiz, porque essa parte do paiz insurreccionada está para com a outra na mesma condição de um paiz estrangeiro, e peor, caso em que ninguem dispensa o passaporte, motivo pelo qual o projecto fez a este respeito uma excepção; e, quanto a mim, muito bem, feita.

Mas, Sr. Presidente, eu sou leal: desde que o Sr. Ministro propõe o adiamento deste projecto, até que se ache mais bem informado, e esclarecido sobre a materia, eu não posso deixar