O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

1399

«§ 1.° Se o magistrado, sendo ouvido, não justificar a ausencia, será processado e punido, nos termos do artigo 308.°, § 1.°, do codigo penal.

§ 2.° Se o magistrado justificar o motivo da sua ausencia, e se achar em estado de voltar ao seu logar dentro de quinze dias no continente do reino, ou de trinta nas ilhas adjacentes, será intimado para esse fim; e não regressando effectivamente no dito praso, será processado e punido, nos termos do citado artigo 308.°, § 1.°, do codigo penal, e provido o seu logar.

«§ 3.° Se o magistrado se achar impossibilitado de regressar ao seu logar no praso mencionado no paragrapho antecedente, será collocado no. quadro inactivo, e, provido o seu logar.

«§ 4.° O magistrado suspenso e processado sómente entrará em effectividade sendo absolvido, ou tendo cumprido a pena em que for condemnado.

«§ 5.° O magistrado collocado no quadro inactivo por falta de saude, restabelecendo-se, será provido na primeira vacatura, nos termos da lei. = Seabra.»

Foi admittida.

O sr. Ferrão: — Insistiu em que o artigo em discussão não conferia faculdade ao governo para suspender os juizes. Era essa uma hypothese que não previra, nem estabelecêra; e unicamente que, dado o facto n'elle previsto, o magistrado ficasse ipso jure no quadro da magistratura sem exercicio. Não julga apropriadas ao ponto que se debate as considerações de ordem publica que se quizeram fazer valer contra elle, e desenvolveu os fundamentos que tem para assim pensar, já com rasões de congruência, já com as de analogia com factos que, sendo primordialmente lícitos, depois tornam-se illicitos e puniveis.

Sobre a intelligencia da carta constitucional, observou que o artigo 121.° provava que a independencia dos juizes não é tão absoluta como se pretendia, porque ella determinava que o Rei ou o poder executivo podesse suspender os juizes, quando houvesse queixa contra elles (apoiados); e notou igualmente a differença entre os juizes, considerados como instrumentos do poder judicial, e a independencia em relação ao poder, idéa abstracta.

Aqui tem havido grande confusão entre a suspensão dos juizes e a sua collocação no quadro da magistratura sem exercicio. O poder judicial, em regra e segundo a reforma judiciaria, é que tem o poder de julgar os juizes e o governo de os suspender. O poder executivo suspende o juiz e aqui vê-se que a independencia do magistrado não é tão absoluta como se quer apresentar.

A protecção aos juizes é precisa, como já tinha dito, para elles desassombradamente poderem administrar justiça; precisa para que tivessem certas garantias de independencia; mas não póde concordar, e entende até que essa não preenche o seu fim, que abranja a administração da justiça quando é feita pelos juizes ordinarios e substitutos; e reputa indispensavel que os logares de juizes de direito sejam preenchidos pelos juizes de direito. A administração da justiça, ou o poder judicial, "não se exerce, ou só imperfeita e inconvenientemente, quando é exercido pelos juizes ordinarios.

O orador entende que ao governo é que compete avaliar se se deve ou não conservar o ordenado ao juiz. O governo, passando o magistrado que commetteu uma falta para o quadro da magistratura judicial sem exercicio, tem de nomear outro juiz para substituir o que foi suspenso; elle pois que teria de pagar dois vencimentos, é que está nas circumstancias de deliberar se o juiz deve ficar com ou sem vencimento. Não ha nem póde haver arbitrariedade, por isso mesmo que o arbitrio aqui é moralmente impossivel; faz n'isto a devida justiça, tanto ao actual sr. ministro, como aos que o têem sido ou possam ainda vir a ser.

O sr. Moraes Carvalho: — Não me lembra de ter apparecido jamais n'esta casa um projecto de lei que tanta opposição encontrasse, pelo menos, desde que tenho a honra de sentar me n'esta cadeira, não me recordo de tal. E não é só ao projecto que se dirigem os ataques; graves accusações, grandes censuras, descomedidas diatibres, póde assim dizer-se, têem sido dirigidas ao illustre ministro da justiça.

Sr. presidente, sem querer de fórma nenhuma tirar a responsabilidade d'esta proposta de lei a s. ex.ª, direi que hoje não é só d'elle; ha muito quem a compartilhe; não é já unicamente uma proposta do governo. Esta foi apresentada, como devia ser, na outra casa do parlamento; ali foi examinada pela commissão de legislação onde se acham habeis jurisconsultos e juizes de 1.º instancia; foi depois approvada pela camara dos senhores deputados e remettida para esta camara, que a enviou á commissão de legislação; esta deu o seu parecer, e este parecer é o que aqui se está discutindo, e não unicamente a proposta do governo. Por consequencia são muitos os responsaveis, e peço aos dignos pares que têem fallado, não me privem, ao menos como membro da commissão, de tomar o quinhão que me compete nas amabilidades que se têem dirigido ao sr. ministro da justiça.

Sr. presidente, nada tem faltado de que não seja arguido o projecto, até a redacção e a grammatica, nem isso escapou. Chegou a invectivar-se, com espirito sarcástico, uma phrase elliptica, que não é opposta á grammatica, nem de fórma nenhuma compromette a clareza do pensamento. Porém passemos a argumentos mais serios.

Disse aqui hontem uma voz auctorisada que = a lei não tinha nexo, nem methodo, e que os artigos 3.° e 4.° tinham sido intercalados entre o 2.° e 5.°, sendo as materias differentes, heterogéneas, desconnexas =. Em resposta ao digno par, appellarei unicamente para a sua intelligencia illustrada, para a intelligencia da camara, e para as proprias palavras do projecto. O artigo 2.° do projecto, trata do tempo que deve ou não ser descontado aos magistrados, e deduzido para se contar a sua antiguidade.

O artigo 3.°, sabe V. ex.ª o que diz? Diz isto logo no principio: «Será igualmente deduzido». Note a camara, será igualmente deduzido; diz isto, e não tem connexão com o artigo precedente! E o artigo 4.°? Vejamos, diz elle: «O prazo de trinta dias... não fica sujeito á deducção» etc...

A mesma materia, materia idêntica! E ha quem diga que não ha nexo!

Sr. presidente, se eu fosse ministro da justiça e tivesse confeccionado este projecto, não separaria os, artigos 3.º e 4.°; estes haviam de ser §§ do artigo 2.°, tão connexa é a sua materia; mas de tudo fez se accusação. O artigo 2.º tambem foi censurado.

O ar. Silva Cabral: — Esses artigos estão votados, e não podemos voltar a discuti-los.

O Orador: — Bem o sei, e eu não volto a discuti-los, mas julgo que devo responder ás accusações que se fazem a proposito da sua doutrina em relação ao artigo que se discute. Este projecto que se alcunha de tyrannico, concede á magistratura varios favores; o artigo 1.° é um favor que o sr. Ferrer reclamou para o magisterio.

O sr. Ferrer: — Peço a palavra.

O Orador: — E que outro digno par que se senta d'este lado reclamou tambem para o exercito e para a armada. No artigo 2.° concede-se outro favor, pois a lei de 1853 não consente que se abone ao magistrado senão o bom e effectivo serviço, emquanto este artigo não lhe desconta o tempo que estiver legitimamente impedido dentro da comarca. Não será isto favor? É favor, e favor pelo qual eu votei. Mas este projecto offende os principios constitucionaes, é opposto á philosophia do direito, e á justiça, é iniquo como ha pouco disse o sr. Seabra, ataca a carta, ataca a independencia do poder judicial, e como disse hontem aqui um illustre mem bro d'esta camara, é digno de figurar no codigo de Draco.

Sr. presidente, esse codigo do qual Demado, orador atheniense, disse que parecia ter sido escripto com letras de sangue, e que de alguma fórma concorreu para a gloria de Sólon, que o revogou, é aquelle para onde um digno par mandava este projecto.

Ainda não se tinha ouvido n'esta camara uma unica voz que tivesse declarado que o artigo 5.° que se acha em discussão contém uma disposição sanguinária; coube essa invenção á voz eloquente do digno par, o sr. Ferrer. O sr. Seabra não combateu o artigo 5.°, nem o quiz substituir, só lhe propoz um additamento, e póde dizer-se que nenhum outro digno par, alem do sr. Ferrer, o tinha combatido. O sr. Seabra veiu porém hoje ao parlamento dizer que tinha reconsiderado no que tinha dito. Os argumentos do digno par, o sr. Ferrer, calaram em meu espirito, disse s. ex.ª, estou arrependido do que disse, e abundando nas idéas do digno par, o sr. Ferrer, mandou para a mesa uma substituição. Dou os parabens ao digno par, o sr. Seabra, e a mim mesmo, por vê-lo em harmonia pela primeira vez no parlamento com o sr. Ferrer (Riso—apoiados).

Sinto profundamente que os argumentos de s. ex.ª ainda não tenham calado no meu espirito, porque eu não teria duvida em reconsiderar se me persuadisse que as considerações de s. ex.ª eram exactas e justas; não sou d'aquelles que dizem que os homens não devem reconsiderar. (O sr. Seabra: — Apoiado.)

Sr. presidente, adduziram-se argumentos para se mostrar que o projecto atacava a independencia do poder judicial. Um dos argumentos do digno par, o sr. Ferrer, foi que o sr. ministro da justiça podia despachar quem muito bem quizesse, segundo a sua vontade d'entre os delegados e administradores de concelho, aquelles que deviam ser magistrados sem attender á antiguidade. Este é um argumento com que se pertendeu demonstrar que se atacava a independencia do poder judicial. Não sei se s. ex.ª quer que vigore o principio unico e cego da antiguidade para os delegados serem despachados; eu hei de sempre oppor-me.

O sr. Ferrer: — Eu não disse isso, o que disse é que não ha regras.

O Orador: — A antiguidade dos delegados não tem nada com a independencia da magistratura: esta começa só depois do delegado ser nomeado magistrado, e não quando elle é delegado; antes da nomeação não era juiz — Nondum natus erat; portanto não era possivel atacar a independencia do juiz quando elle ainda o não era.

Ainda veiu outro argumento para demonstrar que não ha independencia da magistratura, e consistiu em dizer que os juizes andam quasi sempre subindo as escadas das secretarias implorando transferencia de uma comarca para outra; mas deve se notar o que a lei diz a respeito de transferencias; a sua disposição é clara; diz que não póde ser transferido o juiz senão de seis em seis annos; portanto senão querem essa dependencia conservem-se nas suas comarcas, e não venham requerer essa transferencia. O ministro não póde transferir antes d'esse praso; se o faz, annuindo ás supplicas do juizes, é um favor que lhes concede, e então para que se vem dizer que se ataca a independencia do poder judicial?

O sr Ferrer: — A transferencia de uma comarca para outra não é cousa indifferente.

O Orador: — Não é indifferente, mas o serviço publico exige que o juiz esteja na sua comarca (apoiados); porque os povos não podem estar sem justiça (muitos apoiados), e a lei obriga o juiz a estar na comarca seis annos (apoiados).

Sr. presidente, na intelligencia dada ao artigo 5.° tem-se confundido as idéas, porque o principal fundamento d'elle é que as comarcas não estejam privadas de juizes de direito, para que a justiça seja ministrada com rectidão aos povos; não se quer saber n'este artigo se o magistrado excedeu o licença que a lei lhe concede, o que se estabelece é que se elle não voltar no fim d'essa licença para a sua comarca, e decorrerem mais trinta dias, o governo deve tratar de nomear juiz para essa comarca. A administração publica não se importa com as especialidades, só trata de ver se a comarca está abandonada, por mais tempo do que aquelle que a lei determina; se o está, o juiz passa para o quadro da magistratura, e a lei manda para lá outro; e isto não é mais do que uma determinação exigida pelo bem do serviço publico.

Suspensão! O sr. ministro decreta a suspensão! Sr. presidente, o illustre ministro tinha apresentado o seu projecto, e até o tinha de alguma fórma adoçado, porque dizia— o governo poderá; mas sabe V. ex.ª o que fez a commissão de legislação e a camara dos senhores deputados? Disse—não queremos esse arbitrio dado ao governo, dada essa circumstancia o juiz forçosamente ha de ir para o quadro da magistratura. Aqui está o que se lê no relatorio: «No artigo 5.° da proposta é que a vossa commissão julgou conveniente fazer uma alteração tornando preceptivo o que a proposta dispõe facultativamente. O juiz que deixou findar o praso da licença e não conseguiu outra nem se apresentou no logar, não póde ser considerado na effectividade».

Sr. presidente, não é o sr. ministro que o põe fóra da effectividade, é o facto, porque elle não está n'ella, está fóra da comarca e não tem exercicio; mas attendendo-se ao beneficio dos povos, colloca-se o juiz no quadro da magistratura, e aos povos dá-se-lhe outro juiz, e depois entrará em conta a averiguação se a causa é justa ou injusta; e póde asseverar-se que difficilmente haverá um caso depois da approvação d'esta lei, em que o sr. ministro possa suspeitar que a causa não é justa, porque os magistrados não têem interesse na ausencia, e podem sempre apresentar motivos que a justifiquem. São, por bem do serviço, collocados no quadro da magistratura; mas apenas cesse o impedimento, são providos n'uma das primeiras comarcas que vagar. O digno par, o sr. Seabra, quer que o juiz seja collocado na primeira que vagar; mas isso é que não póde ser, porque haveria quem especulasse com as licenças, para poder entrar n'uma comarca que lhe conviesse mais.

Sr. presidente, supponhamos que ha um caso extraordinario, que um juiz officia ao sr. ministro dizendo-lhe que não quer voltar á comarca. O que ha n'isto? Ha uma desobediencia, ha um crime, que o artigo 308.° do codigo penal puna; mas só havendo intenção criminosa é que poderá haver a penalidade?

Esse artigo, sr. presidente, contém duas partes, e eu entendo-o differentemente do que o entendem outros jurisconsultos; diz elle—o que sem licença se ausentar por mais de quinze dias (primeira hypothese), ou exceder a licença, sem motivo justo, pelo mesmo espaço de tempo (segunda hypothese), será suspenso, etc...

Ora, se o motivo justo é sómente para a segunda hypothese, segue se que mesmo, sem elle e independente de intenção, a primeira é um facto criminoso, é uma transgressão punivel, porque o juiz não deve largar nunca a sua comarca; mas quando excede a licença é que é necessario saber se tem motivo justo, porque esse motivo póde ser superior á sua vontade; na primeira hypothese não ha motivo justo que possa auctorisar o juiz a saír da comarca sem licença, se o faz commette uma contravenção de que falla o codigo penal, artigo 3.°, e em que não é preciso propriamente a intenção do crime, basta que haja a violação do preceito ou a omissão do dever, para que seja digno de castigo.

Eis-ahi o preceito do artigo 308.°, § 1.° do codigo, que nada tem com a disposição do artigo 5.° do projecto em discussão; por este, quando o juiz excede a licença por mais de trinta dias, o se ignora se ha ou não causa justa, colloca-se no quadro da magistratura, mas não se priva do seu vencimento, porque este só é suspenso até que os tribunaes decidam se a causa foi ou não justa. Esta é que é a intelligencia do artigo 5.°, e dada esta hypothese o ministro ha de mandar a questão para os tribunaes.

Portanto todos os additamentos são inuteis, porque estão comprehendidos na lei de um modo positivo.

Sr. presidente, hoje o sr. Seabra lamentou que os heroes que soffreram pela liberdade tenham descido ao tumulo; ora eu ainda vejo felizmente n'esta casa alguns que comeram commigo o pão da emigração, ainda existem aqui alguns que fizeram graves sacrificios pela causa da liberdade, e por isso não podia s. ex.ª dizer que ha trinta annos esta lei não se apresentaria n'eeta camara, quando ella está assignada por um dos mais respeitaveis patriarchas da liberdade, o sr. Joaquim Antonio de Aguiar (apoiados).

Pois a camara dos senhores deputados, pois o proprio sr. ministro que está sujeito a esta lei, porque é membro do poder judicial; pois a commissão de legislação d'esta camara, aonde se observam nomes á excepção do meu, de jurisconsultos consumados, muitos dos quaes são ou foram membros do supremo tribunal de justiça, haviam de querer atacar a independencia do poder judicial? Isto não se acredita.

Sr. presidente, eu não levantarei algumas expressões que desejaria não tivessem sido proferidas pelo sr. Seabra,.quando b. ex.ª disse que os que votam esta lei hão de ficar sujeitos a execração publica e nos fallou na sociedade corrompida.

Oh! sr. presidente! Sociedade corrompida! Quando deixou de haver mais ou menos corrupção na sociedade? E quando esteve ella menos corrompida do que n'este systema de publicidade? Sociedade corrompida no presente seculo! Ha mais de duzentos annos escrevia o padre Antonio Vieira um livro chamado a arte de furtar, e ahi se vê se a sociedade não estava mais corrompida então do que o está hoje (apoiados).